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Por Marcel Merguizo — Lagoa Santa, MG, e Timbaúba dos Batistas, RN


Uma das vantagens de ser velho é poder olhar para trás e revisitar lugares bons da vida, seja geográfica ou emocionalmente. Esse ano, retornei a duas cidades nas quais aprendi muito há exatos 10 anos.

Na potiguar Natal, voltei a ver as dunas que me fizeram companhia na Copa do Mundo de 2014. Desta vez, porém, semiárido adentro, conheci as bordadeiras que estão fazendo o uniforme que o Brasil vai usar na cerimônia de abertura das Olimpíadas.

Na mineira Lagoa Santa, voltei a ver as águas abençoadas que encantaram Jesus “Suso” Morlan e fizeram o treinador espanhol a escolher aquela cidade para transformar Isaquias Queiroz no melhor do mundo.

Isaquias Queiroz no barco com os filhos Sebastian e Luigi — Foto: Fábio Canhete/CBCa

As bordadeiras levam consigo a herança, passada de mãe para filha, para ajudar a vestir os brasileiros em Paris. Jesus deixou Isaquias, a cidade mineira e este plano terrestre em 2018, e como herança para a canoagem brasileira deixou um projeto e um sucessor, Lauro “Pinda” de Souza, que hoje cuida dos planos para a seleção brasileira.

Em um momento de nostalgia, então, revisitei um texto que havia escrito naquele dezembro de 2014, quando desembarquei pela primeira vez em Lagoa Santa, descansado do trabalho na Copa e olhando para os Jogos do Rio 2016.

Nele, o treinador nascido na cidade espanhola de Pontevedra, casado com a colombiana Tânia e pai de Sofia, de 3 anos na época (ambas moram na Colômbia), me disse: “Não dá para trabalhar e ter família”.

Isaquias Queiroz, ao lado da esposa, Laina, brinca com os filhos Sebastian e Luigi em Lagoa Santa — Foto: Marcel Merguizo

Uma outra vantagem em seu velho é também poder ser ranzinza e parecer bem-humorado. Aquele espanhol que se graduou para ser professor de ciências ficava meses sem ver Sofia e Tânia para se dedicar às metas, treinos e planilhas. Ou seja, o bom humor ali estava apenas nos meus olhos e ouvidos jovens.

Quando estive no fim de março passado com Isaquias, agora era ele quem voltava à Lagoa Santa após um período sabático treinando sozinho e morando com filhos e esposa em Ilhéus, na Bahia. Então pensei no que Jesus me havia dito há uma década. Ele estava certo?

Isaquias Queiroz conversa com a esposa, Laina, os filhos, Sebastian e Luigi, e a mãe, Dilma, em Lagoa Santa — Foto: Marcel Merguizo

Isaquias conseguiu a vaga olímpica em 2023, mas o que se escutava no fim daquele ano era que ele não disputaria medalha em Paris se continuasse em Ilhéus. O atual campeão olímpico diz que precisava de uma temporada fora da cidadezinha mineira na qual passara os nove anos mais vitoriosos da vida. No retorno, entretanto, com Luigi, de menos de um ano, e Sebastian, de 7, a tiracolo, precisou da ajuda da mãe, Dilma, para se equilibrar nessa canoa da paternidade.

Enquanto isso, a mulher Laina é o remo que ajuda Isaquias a se manter no papel de pai, filho e marido, enquanto prioriza a raia que pode levá-lo a conquista de mais medalhas olímpicas em Paris 2024 e Los Angeles 2028. O casal, após passar quase um mês vivendo num quarto de hotel (com dois filhos pequenos!) está em busca de um local em Lagoa Santa (sim), para viver nos próximos dois ciclos olímpicos. Após a aposentadoria, a Bahia os aguarda.

Laina Guimarães fotografa Isaquias Queiroz durante treino em Lagoa Santa — Foto: Marcel Merguizo

Na Copa Brasil de canoagem velocidade, naquele fim de semana, Isaquias ganhou as três provas que disputou, nos 200m, 500m e 1.000 metros, a distância na qual defenderá o título olímpico neste ano. No evento que abriu a temporada do campeão olímpico, para vencer os mais jovens, um dia ele chegou atrasado a uma prova, no outro, empurrando o carrinho do bebê. E entre um olho no carrinho e outro na família, ainda passou por um teste antidoping surpresa.

A motivação? Poder comemorar com Laina tomando um café (eles adoram) em Paris, depois de os filhos o verem no pódio dos Jogos pela primeira vez –em Tóquio não havia permissão para famílias acompanharem os atletas e Isaquias quer muito ter essa sensação olímpica inédita para ele.

Isaquias perdeu o pai ao 2 anos de idade. Nos últimos anos, ainda perdeu o "pai" Jesus Morlán (em razão de um câncer, em 2018) , o "pai" João Tomazini (ex-presidente da confederação de canoagem, morto em 2021, vítima de Covid), e o "pai" Jorge Bichara (demitido do Comitê Olímpico do Brasil em 2022). Mas Lauro Pinda aceitou o filho pródigo em 2024.

Isaquias Queiroz passei por Lagoa Santa com o filho Luigi — Foto: Marcel Merguizo

Dono de quatro medalhas olímpicas, o baiano de Ubaitaba quer provar neste ano que dá para trabalhar e ter família. Então, poderá lembrar de Jesus, que sempre disse que ele seria o maior atleta da canoagem velocidade da história, e dizer que tudo não foi um milagre.

Se precisar de ainda mais inspiração, já lá na abertura olímpica em Paris, basta lembrar das bordadeiras de Timbaúba dos Batistas, no Rio Grande do Norte. Elas desenham, bordam, passam, bordam, ensinam, bordam, sorriem, bordam, cozinham, bordam, cuidam dos filhos, bordam, sustentam a casa, e bordam o Brasil que vai desfilar na capital olímpica e da moda neste ano.

Uma das vantagens de ser velho é poder olhar para trás e aprender.

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