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Por Bárbara Mendonça e Bruna Rodrigues — Rio de Janeiro


Há dois anos, quando a Mercedes empilhava troféus de vitórias e oito títulos de construtores, quem imaginaria que a equipe voltaria a terminar um campeonato da F1 sem vitórias? Foi o que aconteceu em 2023, apesar de seu vice-campeonato de equipes e do terceiro lugar no Mundial de pilotos com Lewis Hamilton. E a responsabilidade pelo primeiro ano sem triunfos desde 2011 se deve principalmente ao W14, seu imprevisível carro da temporada; mas o que exatamente deu errado?

Projeto do carro da Mercedes para a F1 2023 falhou e fez equipe terminar ano sem vitórias — Foto: Infoesporte

Marca de nascença

Reconhecida a ineficiência dos "zeropods" em 2022, a Mercedes não o repetiria em 2023, certo? Errado. A equipe chegou com um modelo semelhante com foco na suspensão traseira para evitar os saltos (bouncing e porpoising). Não funcionou, e nem a aclamada pintura preta trouxe sorte: na abertura do campeonato no GP do Bahrein, o time ficou a 50s do vencedor Max Verstappen.

Imagem mostra todo o assoalho exposto pelo conceito dos zeropods no W13 da Mercedes em 2022 — Foto: Hasan Bratic/picture alliance via Getty Images

- Não acho que esse pacote será competitivo, eventualmente. Damos nosso melhor ao longo do inverno e agora precisamos nos reagrupar, sentar com os engenheiros e decidir qual é a direção que queremos seguir no desenvolvimento para garantir que estejamos competitivos para vencer corridas - declarou Wolff após a corrida.

O "zeropod" só foi descartado com a primeira grande atualização do ano, no GP de Mônaco, no qual o assoalho e suspensão também foram atualizados. A partir dali, a octacampeã faturou seis de seus sete pódios de 2023. Os sidepods foram remodelados mais uma vez junto com o assoalho no segundo maior pacote de atualizações do ano: na Bélgica, metade do campeonato.

Imagem Bryn Lennon - Formula 1/Formula 1 via Getty Images Imagem Bryn Lennon - Formula 1/Formula 1 via Getty Images
— Foto 1: Bryn Lennon - Formula 1/Formula 1 via Getty Images — Foto 2: Bryn Lennon - Formula 1/Formula 1 via Getty Images

Receita para o insucesso

  • Downforce ineficiente e excesso de arrasto

- Estamos muito aquém em termos de downforce, então temos que aumentá-lo na parte traseira. Quanto mais traseira ganharmos, mais estável ela ficará e eu poderei atacar com mais confiança. Mas mesmo que mudemos isso, há algo específico no carro que eu nunca tive antes. É o que tem me deixado desconfortável - apontou Hamilton, em março deste ano.

O downforce (gerado pelo assoalho do carro, asas traseiras, dianteiras, e sidepods) "gruda" o carro ao chão dando equilíbrio e aderência nas curvas. Porém, afeta o ritmo nas retas e causa arrasto (drag), força que "empurra" o veículo para trás deixando-o lento e forçando o motor. Ao reduzir o downforce, a traseira fica instável e há perda nas curvas; o W14 não conseguiu compensar nem um, nem outro.

Lewis Hamilton ao lado de Toto Wolff: cobrança por melhorias no carro da Mercedes veio de ambos após o GP do Bahrein — Foto: Dan Istitene/F1 via Getty Images

  • Sidepods

As estruturas laterais largas, vistas em todo carro de F1, também reduzem o arrasto dos carros, além de resfriarem o motor; se o projeto inicial não obtiver sucesso com eles, reencontrar o caminho adequado pode ser difícil mesmo com subsequentes atualizações.

  • Desbalanceamento e instabilidade

O balanceamento do carro se refere ao equilíbrio entre os eixos traseiros e dianteiros; se houver uma distribuição desigual do downforce, ele corre o risco de sair de frente ou de traseira e torna-se imprevisível na pista. O problema pode ser causado pela configuração no monoposto em cada prova.

- Tentamos o balanceamento correto com a asa traseira, mas só saíamos de frente, saíamos de traseira do nada, e os pneus traseiros simplesmente cederam. Acho que temos um dos carros com mais arrasto; nosso assoalho não é tão forte quanto o da RBR, por exemplo, então temos que ter uma asa (traseira) muito grande e aí ficamos lentos nas retas - justificou Hamilton no fim de semana do GP de São Paulo, em novembro. Ele foi oitavo e Russell abandonou.

George Russell abandona GP de São Paulo de F1 2023 — Foto: Mark Thompson/Getty Images

- É como andar à cavalo, mas não se trata só de velocidade. Atualmente, temos um cavalo manco: ele não fica feliz quando alguém quer montá-lo, e a maneira de guiá-lo também não combina com ele. Ele ainda tem vontade própria, o que pode te confundir. Temos que desenvolvê-lo para que fique rápido e manso - explicou Russell, em março.

Com um carro desequilibrado, a carga adicional sobre os pneus para tentar estabilizá-lo e ajustes na direção podem favorecer a maior degradação (perda de desempenho, mesmo sem desgaste da borracha) dos compostos. Foi o que aconteceu no GP de São Paulo.

  • Posição do cockpit

Como os zeropods forçaram o remanejamento de uma série de componentes do veículo, foi necessário deslocar o cockpit mais para a frente do que foi visto nos modelos de outras rivais. A decisão, porém, causou mais problemas:

- Não sei se as pessoas sabem, mas a gente senta mais perto dos pneus dianteiros do que todos os outros pilotos. Nosso cockpit é muito à frente. Quando você pilota, quase sente como se tivesse sentado nos pneus da frente. Isso afeta a forma como você percebe o movimento do carro - revelou Hamilton, em abril.

Lewis Hamilton guia W14 da Mercedes debaixo de chuva no GP da Holanda de F1 em 2023 — Foto: Joe Portlock - Formula 1/Formula 1 via Getty Images

Os maus resultados levaram ao retorno de James Allison no cargo de diretor técnico, função que ocupou nos oito títulos mundiais da Mercedes até ser movido à chefia de tecnologia em 2021. Mike Elliot, seu substituto, enfrentou águas mais turbulentas na posição e foi realocado como chefe do departamento técnico em abril deste ano, deixando o time definitivamente em outubro.

Não é só pagar e consertar?

Em 2019, a Mercedes gastou quase 500 milhões de dólares (R$ 2 bilhões). A instituição do teto de gastos na F1 em 2021, porém, deixou os investimentos bilionários no passado da categoria. Consequentemente, os avanços técnicos de algumas equipes no decorrer do ano foram freados - embora a McLaren, por exemplo, tenha saído do fundo do grid em 2023 para conquistar nove pódios.

Como voltar ao topo?

- O que nos atrapalhou neste ano foi o desenvolvimento ainda durante o inverno. Seguimos a direção errada, cometemos alguns erros. Isso ficou claro assim que entramos na pista, no Bahrein. As últimas corridas foram bem ruins por diferentes razões. Com as limitações que tivemos, não foram tão intuitivas - avaliou Russell, no último mês.

Remoção do carro de Lewis Hamilton após batida expõe assoalho do W14 em Mônaco — Foto: Eric Alonso/Getty Images

Há muitas respostas para essa pergunta, mas a principal certamente é recomeçar. Na segunda metade do campeonato, a Mercedes passou a direcionar seus esforços para o projeto de 2024, embora ainda usasse suas últimas melhorias no carro do ano como referência para o W15.

- Estamos mudando o conceito e nos afastando completamente de tudo que fizemos nos chassis, na distribuição de peso, o fluxo de ar. Literalmente cada componente está sendo trocado porque só assim acredito que tenhamos uma chance. Também podemos errar, mas entre não ganhar o que esperamos, ou chegar lá dando um grande passo e competindo na frente, tudo é possível - explicou Toto Wolff logo após o fim da temporada, no GP de Abu Dhabi.

Entre perdas e ganhos, a equipe ao menos fechou 2023 como vice-campeã; superou a Aston Martin com as atualizações no primeiro semestre e conteve o avanço da Ferrari, que chegou à última etapa do ano em Abu Dhabi com chances, mas ficou a três pontos da equipe alemã. O time conquistou oito pódios (seis de Hamilton e dois de Russell) e uma pole position do heptacampeão, na Hungria.

A F1 retorna em 2 de março de 2024 com o GP do Bahrein. Veja o calendário da temporada.

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