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Por Rafael Lopes

Comentarista de automobilismo do Grupo Globo

Voando Baixo — Rio de Janeiro

Dan Istitene/F1 via Getty Images

O que uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a famigerada Superliga, uma competição organizada por alguns dos clubes mais ricos da Europa, pode ter a ver com o futuro da Fórmula 1? Tudo. Vamos explicar: nesta quinta, o órgão deu razão aos promotores do novo evento de futebol, ao decidir que as normas da Uefa e da Fifa que até agora impedem o projeto dissidente são contrárias às normas da livre concorrência.

Superliga Europeia de Clubes: liga teve vitória no Tribunal de Justiça da União Europeia — Foto: Getty Images

Ainda assim, o tribunal, que tem sede em Luxemburgo, não concedeu a autorização automática para a realização da Superliga. A decisão tem a ver com as normas da Uefa e da Fifa, em geral, e não com um projeto específico. Na prática, entretanto, os clubes formadores da Superliga agora podem buscar a realização do evento, apelando às normas de livre concorrência da União Europeia, já que as duas entidades têm sede na Europa - a Fifa em Zurique, e a Uefa em Nyon, ambas na Suíça.

Mohammed Ben Sulayem no FIA Gala 2023 antes da polêmica concussão — Foto: Aziz Karimov/F1 via Getty Images

E o que isso tem a ver com a Fórmula 1, enfim? Na realidade, pode significar o futuro da categoria. Não é segredo para ninguém que a Federação Internacional de Automobilismo (FIA), comandada pelo presidente Mohammed Ben Sulayem, e a Formula One Management (FOM), de propriedade dos americanos da Liberty Media e que tem o italiano Stefano Domenicali como CEO, vivem uma briga política silenciosa. As atitudes tomadas pela entidade estão desagradando aos americanos e às equipes da categoria. E a tensão aumentou há algumas semanas, na polêmica investigação de Susie Wolff, diretora administrativa da F1 Academy. Segundo a FIA, ela teria sido acusada por algumas equipes de ter vazado informações confidenciais da F1 para o marido Toto Wolff, chefe da Mercedes. Em nota replicada por todos os times, a acusação foi negada peremptoriamente. A FIA teve de voltar atrás e Ben Sulayem ameaçou se ausentar do FIA Gala, a premiação da temporada 2023, alegando uma suposta concussão desenvolvida após uma queda. Mas no fim não resistiu e foi lá fazer discurso e entregar troféus.

Susie Wolff foi envolvida em uma polêmica de forma irresponsável pela FIA de Mohammed Ben Sulayem — Foto: Jared C. Tilton/F1 via Getty Images

Outra polêmica que divide FIA e Liberty Media é a polêmica autorização da entrada da Andretti na Fórmula 1 na temporada 2026, à revelia das equipes e da FOM. Não é segredo que os americanos estão desenvolvendo o sistema de franquias na categoria e que, neste momento, estão tentando fortalecer economicamente as existentes na F1 - por isso negociaram com os times para equilibrar mais a divisão de receitas de cada temporada. A Andretti ignorou tudo isso e negociou diretamente com a FIA para conseguir sua vaga na categoria, de certa forma, na marra. Conseguiu e ainda arrebanhou o apoio da GM. Mas ainda terá de negociar com Liberty Media e com as outras equipes para efetivamente entrar na F1 em 2026. Algo que não será fácil ou tranquilo.

Michael Andretti se aliou à FIA de Mohammed Ben Sulayem para entrar na Fórmula 1 em 2026 — Foto: Alessio Morgese/NurPhoto via Getty Images

Uma Superliga na Fórmula 1?

Toto Wolff e Christian Horner são rivais na pista, mas estão unidos na briga comercial fora dela — Foto: Mark Thompson/Getty Images

É aí que entra a decisão que beneficiou a Superliga no futebol. Brigas políticas entre FIA e F1 sempre existiram, mas desde que Ben Sulayem assumiu a entidade máxima do automobilismo no fim de 2021, os embates subiram de tom. Não o é de hoje que ouvimos falar em uma possível categoria independente da FIA, principalmente por pressão das equipes. A empresa americana pode usar essa decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia e alegar que a federação fere as normas da livre concorrência por ter exclusividade na regulação do esporte. Seria o último e decisivo passo em uma novela que se arrasta silenciosamente há tempos nos bastidores, com poucos capítulos visíveis para o público.

A isso é somado uma situação econômica complicada da FIA, que tem lutado para não fechar no vermelho há alguns anos - e não tem conseguido. Por isso tem aumentado valores de taxas e, inclusive, mudou a política dos protestos na Fórmula 1 e outras categorias no ano que vem - não vai mais devolver o depósito que as equipes faziam anteriormente a título de caução. Perder a Fórmula 1 seria um golpe pesado para Mohammed Ben Sulayem, que vai lutar até o fim para isso não acontecer. Ou seja: seria uma batalha jurídica arrastada. Por isso, vejo isso apenas como uma última possibilidade. Mas cada vez mais real e plausível.

Clima entre equipes e a FIA de Mohammed Ben Sulayem esteve longe de ser amistoso nos últimos anos — Foto: Tim Goode/PA Images via Getty Images

Andretti anti-monopólio

Michael Andretti tem o apoio da GM e não vai desistir tão facilmente de entrar na Fórmula 1 em 2026 — Foto: John Lamparski/Getty Images

Só que também tem o outro lado da moeda. A Andretti pode apenar para a mesma decisão para forçar sua entrada na Fórmula 1. Como ela já tem o OK da FIA, em caso de negativa das equipes e da Liberty Media, ela pode apelar para a legislação de livre concorrência da União Europeia para forçar sua entrada na categoria, já que a FOM tem representações no Reino Unido, em Jersey (que não integram a UE, mas com o Brexit incompleto, ainda têm implicações), mas também em Luxemburgo e na Holanda (países membros da UE). Logo, o time americano pode apelar para a decisão que beneficiou a Superliga no futebol.

De um lado ou de outro, a Fórmula 1 promete ter anos turbulentos fora das pistas até 2026, quando estreia o novo regulamento de motores. Outro detalhe: no fim de 2025 vence o atual Pacto da Concórdia, o acordo que rege todas as relações comerciais da categoria, que vai precisar entrar em processo de renovação. A briga entre FIA e Liberty Media promete aumentar e talvez até deixar de ser apenas uma Guerra Fria e partir para as vias de fato. E a Andretti pode ser uma peça importante nesse jogo de tabuleiro de gente grande - e com muito dinheiro envolvido - ao qual estamos testemunhando. E a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a famigerada Superliga só trouxe mais pimenta para esse assunto. Cenas dos próximos capítulos.

Sede da Federação Internacional de Automobilismo (FIA), na Place de la Concorde, em Paris, na França — Foto: Divulgação/FIA

Na Ponta dos Dedos: Leclerc e Sainz

NA PONTA DOS DEDOS 08/11/2023 - Charles Leclerc e Carlos Sainz

NA PONTA DOS DEDOS 08/11/2023 - Charles Leclerc e Carlos Sainz

Perfil Rafael Lopes — Foto: Editoria de Arte/GloboEsporte.com

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