TIMES

Por Fred Sabino

Repórter do Grupo Globo e produtor do quadro Histórias da F1

Rio de Janeiro

Getty Images

Definir qual é o maior piloto de Fórmula 1 de todos os tempos é sempre uma tarefa inglória. Michael Schumacher? Ayrton Senna? Lewis Hamilton? No meu caso, vejo Senna como o de maior no que diz respeito à velocidade s ao talento puro. Mas Schumacher teve o mérito inquestionável de forjar do zero a Ferrari mais vitoriosa de todas e de ser o mais vitorioso de todos.

E Hamilton? O inglês tem um talento natural como o de Senna e já está chegando aos números de Schumi. Não será ele, então? Sem mais rodeios, para mim, daqui a algum tempo, lembraremos do inglês como o maior de todos.

Juan Manuel Fangio terminou sua carreira com cinco títulos mundiais — Foto: Getty Images

Fiz este preâmbulo para citar mais um entre os maiores: Juan Manuel Fangio. Não vi o argentino correr, mas ouvi muito do meu avô e li bastante sobre ele. Nenhum dos que eu citei antes (além dos também geniais Jim Clark, Jackie Stewart, Niki Lauda, Alain Prost e os brasileiros Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet) teve o domínio de Fangio.

Cinco títulos em sete temporadas completas (mais duas corridas em 1958) por quatro equipes diferentes (Alfa Romeo, Maserati, Mercedes e Ferrari) e um aproveitamento de 47% de vitórias (24 em 51 provas). O.K. que o número de GPs era menor do que hoje, mas em termos de supremacia sobre os rivais, Fangio foi inigualável. Seu último título alcançado, em 1957, completa 62 anos neste 4 de agosto. Foi a obra-prima de Fangio como piloto, justamente na pista mais desafiadora de todas, em Nürburgring.

Com sua Maserati 250F, Fangio conquistou a pole position com o incrível - para a época - tempo de 9m25s6 no mítico circuito de 22 quilômetros. Sua volta foi 2s8 mais veloz do que a do segundo colocado Mike Hawthorn (Ferrari), com Jean Behra (Maserati) e Peter Collins (Ferrari) fechando a primeira fila - na época, as filas eram formadas no sistema 4-3-4-3.

Largada do GP da Alemanha de 1957, em Nürburgring — Foto: Getty Images

Antes da corrida, Fangio descobriu que os carros da Ferrari largariam com o tanque de gasolina cheio até a tampa e pneus mais resistentes. O argentino, então, decidiu arriscar algo que, se hoje parece banal, naqueles tempos era muito ousado: largaria com meio tanque e pneus mais macios para preparar um pit stop. Atualmente uma troca de pneus demora menos de dois segundos, mas seis décadas atrás a operação era manual e, claro, levava tempo...

Fangio não fez uma boa largada e acabou superado pelas Ferraris de Hawthorn e Collins. Na segunda de 22 voltas, Hawthorn quebrou o recorde da pista e parecia rumar para a vitória. Mas aí a estratégia de Fangio começou a funcionar. Na terceira volta, o argentino passou pelos dois ingleses e assumiu a liderança.

Mike Hawthorn acelera sua Ferrari durante o GP da Alemanha de 1957 — Foto: Getty Images

Sabendo que teria de entrar nos boxes, o piloto da Maserati cerrou os dentes e começou a desenvolver a liderança. Volta a volta, Fangio foi abrindo até chegar a meio minuto de vantagem sobre os rivais, que corriam próximos. No fim da 11ª volta, como previsto, o argentino entrou nos boxes, quase ao mesmo tempo em que Collins passava Hawthorn.

Se a troca de pneus da Mercedes com Lewis Hamilton no último GP da Alemanha rendeu memes e brincadeiras no mundo todo por ter durado 50s3, o pit stop de Fangio demorou ainda mais do que o previsto. Isso porque um mecânico deixou a porca da roda traseira esquerda escapar e a procura da pecinha demorou mais de meio minuto. O argentino voltou em terceiro, tirou um pouquinho da desvantagem na primeira volta no retorno e passou 48 segundos atrás de Collins na abertura da 13ª passagem.

Juan Manuel Fangio a caminho da vitória em Nürburgring, em 1957 — Foto: Getty Images

Com sua Maserati calçada com pneus novos, Fangio começou uma recuperação extraordinária. Nas duas primeiras voltas após o pit stop, o - então - tetracampeão tirou 15s5 e 8s5, respectivamente, da desvantagem em relação ao líder Hawthorn, que havia repassado Collins. Nas dez voltas seguintes, Fangio baixou o recorde da pista nove vezes, sendo sete consecutivas.

No começo da 21ª e penúltima volta, Fangio engoliu Collins e, na metade do traçado, ultrapassou Hawthorn com duas rodas na grama. O inglês ainda tentou um troco, mas Fangio não permitiu e cruzou a linha de chegada com 3s6 de vantagem após intermináveis 3h30m38s3. A vitória garantiu a Fangio o pentacampeonato, feito que seria igualado apenas em 2002 por Michael Schumacher e 2018 por Lewis Hamilton.

Fangio e Hawthorn no pódio de Nürburgring em 1957 — Foto: Getty Images

- Eu nunca pilotei tão rápido antes na minha vida e acho que nunca serei capaz de fazer isso de novo. Eu tinha atingido o limite da minha concentração e vontade de vencer - comentou Fangio, que ainda teve de lidar, pasmem, com um banco solto que o fazia empurrar o joelho contra a lateral do cockpit e segurar o volante para não rolar.

O novo pentacampeão saiu consagrado de Nürburgring após a maior atuação de um piloto na história da F1 até então, e que até hoje continua sendo um dos grandes momentos de um piloto numa pista de corridas. Juan Manuel Fangio disputou apenas mais três provas na F1, uma em 1957 e duas em 1958, antes de se aposentar, aos 47 anos.

— Foto: Infoesporte

Veja também

Mais do ge