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Por Luís Fellipe Borges — Uberlândia, MG


Fevereiro de 2008. Aos 16 anos, André Baran entrava em quadra para jogar ao lado de Guga na despedida do ídolo do esporte profissional. O que a então promessa do tênis brasileiro não poderia imaginar é que, quase duas décadas depois, estaria no top 5 do ranking mundial, mas em outra modalidade: o beach tennis.

Em entrevista ao ge, Baran relembrou como as lesões e a ansiedade o fizeram desistir do tênis de campo e disse que beach tennis o ajudou a reencontrar a motivação para ser atleta. Maior expoente brasileiro em uma modalidade que ganha cada vez mais adeptos pelo mundo, ele também revelou o desejo de que o esporte um dia passe a integrar o programa olímpico: "É o sonho de todo atleta".

André Baran está entre melhores do mundo no beach tennis — Foto: Luís Fellipe Borges/ge

Discípulo de Passos e última dupla de Guga

Nascido em Brusque-SC, André começou no tênis ao quatro anos e mostrou talento no esporte desde cedo. Aos 13, ingressou na academia comandada pelo técnico Larri Passos, o mesmo que acompanhou Gustavo Kuerten durante quase toda a carreira.

A parceria com Larri rendeu bons resultados na categoria juvenil e fez com que Baran vivesse uma experiência única: ser escolhido como parceiro do próprio Guga no último jogo da carreira profissional dele, no Brasil Open disputado em Costa do Sauípe-BA. Uma chance que surpreendeu o catarinense quando recebeu a notícia.

— Eu estava jogando um circuito juvenil, viajando pela América do Sul, em algum país. Não tinha essa tecnologia de olhar o celular e ter internet o tempo todo. Fui ligar para os meus pais à noite e tinha saído na internet que eu faria a despedida. Nem eu sabia, o Larri não me falou porque eu estava jogando o campeonato e ele não queria tirar minha concentração. Eu não me imaginava, me pegou de surpresa, foi algo surreal.

A dupla formada pelo jovem promissor e pelo eterno ídolo acabou derrotada na primeira rodada pelos italianos Fabio Fognini e Filippo Volandri por 2 sets a 0. Mesmo assim, a oportunidade de conviver e dividir quadra com Guga sempre provoca o sentimento de vitória nas lembranças de André.

— Eu estava desde os 14 anos treinando com o Guga, podendo participar da rotina dele, isso fez a minha formação. Foi muito importante aprender com ele, com a liderança dele, com o que ele representa para o esporte.

"Todo mundo tinha ele como um grande cara, um grande ídolo, então para mim não foi diferente, foi muito importante", ressaltou Baran.

André Baran jogou ao lado de Guga na despedida do ídolo — Foto: Arquivo pessoal

"Quase depressão"

Para um jovem atleta trilhando os primeiros caminhos no esporte, ser o parceiro de Guga na despedida dele parecia um indicativo de um futuro de sucesso no tênis. De fato, os primeiros anos de André Baran no tênis foram marcados por bons resultados. Aos 17 anos, ele aparecia no top 800 do ranking adulto e recebeu convites para jogar por várias universidades nos Estados Unidos.

Porém, as lesões mudaram os planos do catarinense. Problemas na coluna e no quadril fizeram com que a rotina de atleta, antes prazerosa, se tornasse cheia de frustrações.

— Eu fiz de uma forma errada, coloquei prazos, coloquei metas, e eu não conseguia alcançar. E comecei a me fazer mal. Muito pelo investimento que meus pais estavam fazendo, eu queria devolver esse retorno para eles. Eu criei essa cobrança dentro de mim e isso não está me me fazendo bem.

Eu fui perdendo o prazer de jogar, a felicidade, fui entrando numa zona de conflito muito grande na minha mente, e simplesmente eu não conseguia mais desempenhar o papel que queria.

André Baran venceu "quase depressão" para se tornar top 5 do mundo no beach tennis

André Baran venceu "quase depressão" para se tornar top 5 do mundo no beach tennis

Mais do que as dores, a saúde mental foi determinante para que André Baran desistisse abandonar o tênis profissional.

— Eu fiquei dois anos lutando contra a mim mesmo, não estava mais feliz em quadra, apesar de eu ter todas as características para conseguir jogar bem tênis, para conseguir entrar no circuito, mas realmente essa autocobrança me prejudicou bastante. Chegou um momento em que eu não tinha mais prazer de jogar.

"Hoje, analisando, eu estava quase com uma depressão, porque eu estava me cobrando, não tinha mais prazer, mais vontade de treinar. Comecei a me lesionar e foi onde eu resolvi parar", afirmou.

Hobbie vira recomeço

Longe do esporte, André optou por entrar no mercado de trabalho no ramo da Administração. O mundo corporativo parecia o caminho certo a seguir até que a raquete e a bolinha voltaram a aparecer na vida de Baran. Dessa vez, não no saibro ou na quadra dura, mas na areia.

Aos 26 anos, o catarinense conheceu o beach tennis em um jogo casual com amigos e se apaixonou pela modalidade. Com uma raquete usada comprada de Rafaella Miiller - atual número 1 do mundo no feminino - ele passou a disputar torneios regionais e reencontrou a paixão e a motivação esquecidas no passado.

— Com o tempo, eu fui vendo que "caramba, posso ficar bom nesse esporte". Eu acreditei no esporte que não era conhecido e ele está se tornando tudo que está se tornando hoje. Fico muito feliz, por tudo que eu passei, por ter uma segunda chance.

André Baran joga pelo Praia Clube — Foto: Marcelo Zambrana

Aos 26 anos, André decidiu se dedicar exclusivamente ao beach tennis. Várias horas do dia eram dedicadas a estudar e treinar a nova modalidade. Para o catarinense, um processo que o levou a amadurecer ainda mais.

"Se eu tivesse talvez a mentalidade que eu tinha ano passado, com certeza eu estaria jogando tênis, não estaria jogando beach tennis. Mas isso a gente só aprende com os erros.

— O esporte é muito duro, muitas vezes você está bem, muitas vezes você cai. Então você tem que ter essa essa disciplina de se manter, ter esse foco, saber onde quer chegar - acrescentou.

Se a saúde mental foi revigorada com a entrada no beach tennis, André explica que a parte física se tornou um desafio na transição entre os dois esportes.

— No beach tennis, os movimentos são mais curtos, na areia o deslocamento é diferente. Eu tive que readequar golpes, fazer treinos específicos, tirar alguns vícios do tênis para que eu pudesse conseguir entender o jogo, a agilidade. Isso tudo com muito treino, com muita repetição. Via filmagens, anotava as coisas que eu precisava fazer. Foi mesmo na vontade, muitas vezes sem treinador, sem uma pessoa para estar comigo no dia a dia, mas foi na dedicação.

Sonho olímpico

Sete anos depois de conhecer o beach tennis, André Baran é o brasileiro melhor colocado no ranking mundial e aparece na quarta posição na lista global, atrás de um francês e dois italianos - um deles, o atual parceiro dele, Michele Cappelletti. Em 2024, a dupla já venceu quatro torneios - o último foi em Tucuruí-PA, no início de junho.

André Baran ao lado do parceiro Michele Cappelletti — Foto: Marcelo Zambrana

Desde o recomeço como atleta nas areias, o catarinense acompanhou a explosão do beach tennis no país e no mundo. Para Baran, o sucesso da modalidade se pautou na simplicidade e na acessibilidade.

— Ele é um esporte que é democrático, fácil de se aprender. Depois da pandemia, todos estão buscando por uma alimentação saudável, por esporte, por uma qualidade de vida. Eu acho que o beach tennis se encaixou perfeitamente nesse momento. As pessoas têm um esporte onde você pega Sol, onde você tem contato com a areia, onde você faz networking também. Ele veio para ficar, veio realmente para unir mais.

Baran discorda de quem acredita que o beach tennis é apenas uma "moda passageira" e ressalta o lado profissional da modalidade. Mais do que isso, ele acredita que o esporte está pronto para alçar voos mais altos e ser incluído no programa dos Jogos Olímpicos.

"Participar de uma Olimpíada é o sonho de todo atleta, e o beach tennis está preparado para a Olimpíada. É um esporte que tem regras muito bem definidas, existem associações. É um esporte que está bem engajado nessa causa"

André Baran sonha em defender Brasil nas Olimpíadas no beach tennis — Foto: Redes sociais

Nas últimas edições, o Comitê Olímpico Internacional permitiu que os países-sede dos Jogos indicassem modalidades de grande apelo local para entrarem no programa olímpico. Essa poderia ser a chance do beach tennis de estrear em Olimpíadas, e a proposta de inclusão chegou a ser discutida.

No entanto, o esporte não foi selecionado para Paris 2024 - os organizadores optaram pela entrada do breaking - nem para Los Angeles 2028 - que escolheu futebol americano, lacrosse, críquete, squash e beisebol/softbol. A próxima chance será em 2032, quando os Jogos Olímpicos serão em Brisbane, na Austrália.

Se as Olimpíadas ainda parecem distantes, André teve a chance de representar o Brasil em outra competição: os Jogos Mundiais de Praia, organizados pela Associação Nacional dos Comitês Olímpicos, que é reconhecida pelo COI. O evento reúne modalidades disputadas à beira-mar, como vôlei de praia, beach tennis, handebol de praia e futebol de areia.

Na única edição realizada até hoje, em 2019, em Doha, no Catar, Baran foi campeão nas duplas mistas ao lado de Rafaela Miller - a mesma amiga que vendeu a ele a primeira raquete de beach tennis. Nas duplas masculinas, André foi prata ao lado de Vinicius Font.

André Baran, beach tennis, Praia Clube — Foto: André Baran/Diivulgação

Enquanto o sonho olímpico não se realiza, o foco de Baran é se manter entre os melhores do mundo e tornar ainda mais popular o esporte que deu a ele uma segunda chance como atleta.

"O principal objetivo é inspirar e motivar a molecada, essa galera que está vindo, e mostrar que destino, a opção que esse trabalhador o trabalho devolve, recompensa. Eu acho que é isso o maior legado do esporte. Mostrar que você sempre tem uma segunda chance, uma segunda oportunidade, sempre existe uma possibilidade".

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