TIMES

Por Luiz Nascimento* — São Paulo


O ano de 2024 tem sido especialmente agitado pelos lados do Canindé. A Portuguesa tem vivenciado vitórias e derrotas que podem determinar o futuro dela própria. Dentro dos gramados, vitórias. Fora deles, derrotas. Em ambos os casos, de grande proporção.

No futebol, a Lusa obteve tanto um respiro financeiro fundamental, ao conseguir permanecer por mais um ano na elite do Paulistão, quanto uma chance de voltar ao cenário nacional, com a vaga na Série D do Campeonato Brasileiro em 2025.

No judiciário, uma sequência de derrotas que passou a colocar em risco um acordo firmado em 2021 com os credores trabalhistas. Acordo que livrou o clube de penhoras, bloqueios e leilões de patrimônio, permitindo a retomada da vida financeira.

Bandeira da Portuguesa — Foto: Dorival Rosa / Portuguesa

De forma resumida, esse acordo unificou os processos de que a Portuguesa era alvo na Justiça do Trabalho, parcelou os débitos, estabeleceu que mês a mês 30% das receitas iriam para o pagamento aos credores, com um piso de R$ 250 mil por parcela.

Esse acordo, firmado no segundo ano da gestão do presidente Antônio Carlos Castanheira, é um elemento-chave para entender a volta da Lusa à elite do Paulistão, após sete temporadas seguidas na Série A2, a permanência na primeira divisão nas duas últimas edições, e a recém-conquistada vaga no cenário nacional no próximo ano.

O acordo tornou possível ao clube voltar a atrair investimentos, voltar a pagar salários em dia, voltar a se organizar (ainda que de forma insuficiente) e voltar a montar times relativamente competitivos (afinal, ainda falta muita competência na gestão).

A Portuguesa pagou desde 2021, dentro desse acordo, pouco mais de R$ 11 milhões. Ao todo, 215 credores já receberam total ou parcialmente os valores a que tinham direito. Até porque começaram a receber primeiro os de menor valor, depois os de maior.

E esse detalhe, da ordem de recebimento dos débitos, irritou parte dos credores desde o início do acordo. Afinal, os que têm os valores mais altos a receber foram para o fim da fila. Quem recebia via penhoras parou de receber e teve de esperar a vez.

Estádio do Canindé, da Portuguesa — Foto: Dorival Rosa / Portuguesa

Esses grandes credores sempre contestaram e tentaram derrubar o acordo. Foram derrotas em sequência na Justiça do Trabalho. No entanto, uma mudança no comando do processo dentro do Tribunal Regional do Trabalho fez o jogo virar.

Os grandes credores passaram a obter vitórias, sobretudo no questionamento de que a Portuguesa não conseguiria quitar todas as dívidas trabalhistas dentro do prazo do acordo, que é de seis anos. Para tanto, seria preciso se respeitar uma premissa básica: as receitas do clube irem aumentando, para que os 30% mensais também aumentassem.

Acontece que se passaram pouco mais de três anos, ou seja, pouco mais da metade do prazo do acordo, e a Lusa continua pagando um valor muito próximo do mínimo de R$ 250 mil mensais. Basta uma conta rápida para se constatar essa impossibilidade.

Há meses a Justiça do Trabalho cobra da Portuguesa um novo plano de pagamentos, que preveja parcelas maiores, e a possibilidade de quitar todos os débitos nesses pouco menos de três anos pela frente. O clube insistiu que não conseguia pagar mais.

E, nesse processo, após muito tempo e cobrança, apresentou um plano considerado pela Justiça do Trabalho inexequível. Junto dele, a promessa de transformação em SAF, com um investidor já engatilhado. Não adiantou. Paralelamente a isso, os grandes credores foram questionando a real capacidade financeira do clube de pagar o que vinha pagando.

Portuguesa abre as portas do Canindé para o Globo Esporte

Portuguesa abre as portas do Canindé para o Globo Esporte

Foram idas e vindas nesse processo, com alegações dos grandes credores de que os balanços financeiros mostravam possibilidade de pagar mais, acusações de que as demonstrações não eram confiáveis, reclamações de alguns pagamentos com atraso, etc.

Até que, semanas atrás, a Corregedoria do TRT acolheu a opinião de um juiz substituto que atua no caso e decidiu rever o acordo. A decisão foi por designar um administrador judicial para se debruçar sobre a vida financeira da Lusa e dar um parecer.

O que se esperava era que, após esse parecer, viesse a decisão: se o acordo seria alterado, se as parcelas seriam aumentadas, se o acordo seria derrubado, se as ações seriam desunificadas, se o clube voltaria a ser alvo de penhoras e até de leilões.

Mas antes disso juiz substituto decidiu, na semana passada, em ofício, determinar a volta das penhoras a todas as receitas do clube (cota de federação, receita de patrocínio, aluguel de eventos, bilheteria, etc) para desde já garantir o pagamento aos credores.

A Portuguesa optou por não se manifestar publicamente, mas informou à imprensa que vai recorrer tanto dessas penhoras quanto da decisão da Corregedoria do TRT. A decisão da Justiça do Trabalho, porém, foi devastadora pelos lados do Canindé.

Caso o clube não consiga reverter a decisão, mantendo ou adaptando o acordo, fica difícil imaginar uma forma de continuar a manter salários em dia, a operação de rotina do clube, o investimento para a tão fundamental temporada 2025 do futebol.

É um ciclo de caos: penhoras espantam patrocinadores, que derrubam receitas, que inviabilizam a operação, que afeta o futebol, que caminha para voltar a definhar. Ciclo que, ao fim, prejudica até os credores, já que a fonte de receitas vai se reduzindo.

São poucos, e justamente os grandes credores, que têm condições de penhorar, bloquear e levar o Canindé a leilão (como já aconteceu algumas vezes na última década, sem nunca haver um lance sequer), e há dúvida até se isso quitaria todos os débitos. Os credores menores voltam à dificuldade em conseguir receber algo.

Estádio do Canindé, da Portuguesa — Foto: Dorival Rosa / Portuguesa

Ainda que insuficiente para quitar tudo em seis anos, e com dificuldades para honrar as parcelas em dia, esse foi um dos únicos períodos da história recente do clube em que se viu a Portuguesa pagar credores, quitar ações, reduzir a dívida, voltar a respirar.

A designação do administrador judicial é a única boa notícia dessa história. Afinal, debruçando-se sobre a vida do clube, seria possível tanto verificar a veracidade das acusações dos credores (e até do grupo de oposição a Castanheira na política lusitana), quanto ter noção se a Lusa realmente não pode pagar mais do que paga.

A volta das penhoras e dos bloqueios, na prática, é como a derrubada do acordo. Que seria a pena mais pesada que se poderia receber. A dúvida que fica é se a pena mais pesada não deveria se referir à infração mais pesada, que seria a inadimplência, o calote, a interrupção de pagamento, o que efetivamente não aconteceu até então.

Sob um olhar leigo, mas de quem acompanha há anos o dia a dia da Lusa, fica o questionamento: o que é pior? Permitir ao clube respirar e, ainda que paulatinamente, ir pagando os credores? Ou asfixiar o clube, obriga-lo a definhar, para pagar a poucos?

As próximas decisões desse caso, no âmbito do judiciário, determinarão os rumos da Portuguesa enquanto instituição (se capaz de se manter ativa) e enquanto clube de futebol (se capaz de fazer valer as tão batalhadas conquistas recentes). E, por consequência, a subsistência da fonte das próprias receitas a que os credores têm direito.

*Luiz Nascimento, 32, é jornalista da rádio CBN, documentarista do Acervo da Bola e escreve sobre a Portuguesa há 14 anos, sendo a maior parte deles no ge. As opiniões aqui contidas não necessariamente refletem as do site.

Veja também

Mais do ge