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Por André Gallindo e Bruno Cassucci — Orlando, Estados Unidos


A seleção brasileira quer sair dos Estados Unidos não apenas com a 10ª conquista da Copa América na história, mas também com aprendizados e uma base de jogadores estabelecida para o Mundial de 2026.

Confira a entrevista exclusiva com Rodrigo Caetano, coordenador geral de Seleções Masculinas do Brasil

Confira a entrevista exclusiva com Rodrigo Caetano, coordenador geral de Seleções Masculinas do Brasil

Em entrevista exclusiva ao ge, Rodrigo Caetano, coordenador de seleções masculinas da CBF, falou sobre como o torneio que começa daqui a duas semanas pode servir de laboratório na busca pelo hexa.

O dirigente também tratou do caso de Lucas Paquetá, mantido na Seleção mesmo após denúncia de envolvimento com apostas esportivas, explicou como será o tratamento ao jovem Endrick e revelou um papo que teve com o trio de convocados do Real Madrid horas depois do título da Liga dos Campeões, no último sábado. Leia abaixo:

ge: Em que estágio de preparação está a Seleção?
Rodrigo Caetano:
– Ainda é um início. É claro que a escolha teve sempre um critério técnico, momento, enfim, e foi sempre liderada pela comissão técnica. O que vale valorizar é que durante todo o período em que nós não temos competições, a CBF e o presidente nos deram total autonomia para as nossas observações. Então, Dorival e seus assistentes vão para a Europa, dentro do Brasil todos nós nos dividimos numa força-tarefa de estarmos sempre observando, analisando, nos aproximando dos clubes, também ouvindo muitas vezes, trocando ideias, e eu acho que isso é importante principalmente na hora das convocações. É claro que grupo algum é fechado. Se no clube, onde se tem contrato não é, imagina a Seleção. Mas, obviamente, dependendo de como serão esses dias aqui, e não só no jogo, nos treinamentos, no comportamento, daqui a gente espera sair a grande base para a Copa do Mundo de 2026.

Metade dos estádios da Copa América também será usada em 2026. Já dá para sentir esse clima de Mundial?
– Sem dúvida, mais ainda na questão de logística, por conta que a Conmebol vai utilizar um procedimento semelhante ao utilizado no Mundial, que é a questão de não ter apenas uma sede. As equipes ficarão se locomovendo dentro dentro dos países, no caso da Copa, e aqui, nesse momento na Copa América, dentro dos Estados Unidos. Isso difere um pouquinho de outras competições, porque vamos ter que ter uma logística muito apurada, com muito detalhamento de tudo, para que corra tudo bem.

Essa comissão técnica terá dois anos e meio de trabalho até a Copa. Como acelerar processos?
Eu acho que esse é um pontapé inicial para isso, porque é um período longo, necessário para esse trabalho, já que nós estamos praticamente no meio de um ciclo de Copa do Mundo. Realmente, são dois anos para frente, e a gente vai tentar utilizar todos os nossos encontros, seja agora na Copa América, seja também nas eliminatórias, para acelerar esses processos, principalmente essa questão do convívio, do bom ambiente, do entrosamento, da interação, porque isso lá na frente vai fazer diferença também.

A Seleção ficará reunida 46 dias se chegar à final da Copa América. Serão mais de três semanas de preparação até o início do torneio. Qual a importância disso?
– Isso foi muito planejado. Estamos no início do ciclo, tivemos apenas os dois amistosos em março e, com essa oportunidade que tínhamos da Copa América estabelecemos isso como uma estratégia de trazermos para ainda no mês de maio a chegada dos jogadores que estavam jogando as ligas na Europa, depois a chegada quem atua no futebol brasileiro e depois os que disputaram a final da Champions. Sem dúvida é o período mais longo que teremos até a Copa do Mundo e, no nosso entendimento junto com a comissão técnica, é daqui que vá sair realmente a solidificação de um trabalho, de um modelo de jogo, de também a nossa forma de pensar sobre o que representa a seleção brasileira.

Como foi o processo de negociação para ter os jogadores com tanta antecedência?
– É difícil e aí tem que valorizar muito os atletas, porque eles estariam em suas férias, isso aqueles que jogam nas ligas europeias. Então houve aí um entendimento desses atletas, um nível de comprometimento e até um certo sacrifício, porque eles abdicaram das suas férias com suas famílias para estarem aqui conosco.

O fato de ter 22 dos 26 convocados jogando na Europa facilita...
É claro que não houve qualquer tipo de escolha conforme o país em que ele atua. Foram critérios técnicos adotados pelo Dorival e por toda a condição técnica, mas é claro que ficou uma grande maioria daqueles que jogam fora.

Rodrigo Caetano é coordenador das seleções masculinas da CBF — Foto: Rafael Ribeiro/CBF

Como blindar a seleção de fatores externos? Vocês já chegaram aos Estados Unidos tendo que lidar com a denúncia contra o Lucas Paquetá e a decisão sobre mantê-lo ou não com o grupo.
– O nosso papel é de conscientizá-los, trazer para dentro da Seleção essa questão do orgulho, do prazer de estarmos aqui. Todos nós fomos escolhidos, todos nós fomos convidados para estar aqui. Então isso tem um significado muito grande. Passar também de forma rápida uma mensagem para o povo brasileiro de que esses caras vão representá-los. E eu acho que a gente deu mostras disso nos dois amistosos, mas agora temos uma competição oficial. E sempre com essa sensação, com essa ideia, com esse compromisso: como representar o meu povo? Como representar o meu país? Os jogadores estão muito conscientes disso e eu tenho certeza que a gente vai ter um caminho bacana pela frente.

Como foi a conversa que você teve com o Paquetá?
– Eu já o conhecia desde a época de Flamengo. Quando ele fez a transição, conheci a família, conheci o caráter dele. E as nossas conversas foram internas, lideradas pelo presidente Ednaldo, e a tomada de decisão dele permanecer aqui foi com muita cautela. Como a própria nota da CBF disse, todas as etapas foram concluídas para a tomada de decisão dele permanecer conosco.

A Seleção estará completa na quarta-feira, quando chegará o trio do Real Madrid, campeão da Liga dos Campeões. Entre eles estará Vini Júnior, autor do gol do título e candidato à Bola de Ouro. Existe algum cuidado especial em relação a ele?
Inclusive já falamos com os três, eu mesmo, já os parabenizei. E ao mesmo tempo que os parabenizei, disse: bom, o compromisso agora é aqui. E os três disseram: fique tranquilo que nós vamos por mais. O importante é eles virem com esse foco, porque é difícil, são todos seres humanos. O atleta ganha uma Champions no sábado, já vai iniciar na quarta-feira uma caminhada, quando ele poderia estar no seu período de descanso e ele está seguindo a seleção. Mas o importante é eles virem assim, querendo mais. E todos eles vêm para mais e sabem a responsabilidade que eles têm aqui.

Você lidou com o Vini no começo da carreira, no Flamengo.
– Também participamos daquela transição, inclusive da negociação dele para o Real, na época ele ainda tinha 17 anos. E pra mim, particularmente, não é surpresa alguma, porque além do talento, além da capacidade de desequilibrar, ele sempre foi um menino muito focado,. E a família sempre soube blindar bem ele. Então, sem dúvida alguma, tudo que ele tá colhendo agora é mérito dele, da família, do trabalho, mas não vai parar por aí. Ele é muito jovem, ele tem muita coisa ainda pra conquistar, e espero que conquiste aqui com a seleção.

A Seleção tem um grupo muito heterogêneo, com jogadores de diferentes idades e perfis. Há desde veteranos, consagrados no futebol mundial, até um garoto menor de idade, caso do Endrick, de 17 anos. Vocês adotam cuidados especiais com esse garoto?
– Isso é uma coisa que difere um pouco do clube, porque como quem chega na seleção são atletas escolhidos, atletas em destaque, independentemente da idade, todos eles encontram-se em tese na sua melhor condição. Esse filtro, essa escolha, ela se dá pelo momento, pela qualidade, pelo que ele vem desempenhando. Eu acho que o mais difícil é chegar aqui. O fato é: nós fazemos ao contrário, fazer com que todos se sintam iguais, independentemente da idade. Nós tentamos equilibrar a importância de todos eles. São todos jogadores importantes, jogadores de destaques das suas equipes. É meio que um caminho inverso, diferentemente de clube, quando o garoto ainda está fazendo a transição, ainda não teve uma minutagem tão grande. Para chegar aqui, já passou por algumas etapas, o objetivo é equilibrar todos eles porque são jogadores de altíssimo nível.

O que você sentiu dele durante o convívio na Data Fifa de março?
– Ele esteve no pré-olímpico e depois ele foi convocado para a seleção principal. Após um pré-olímpico no Brasil, a seleção realmente não conseguiu a classificação para Paris e nossa preocupação era justamente que não ficasse em cima desses que lá disputaram, que têm muita qualidade, qualquer tipo de responsabilidade a mais. É óbvio que se tem responsabilidade quando se veste a camisa da seleção brasileira, independentemente de ser base, olímpica ou principal. Mas era não dar esse peso muito grande, ele se sentiu, olha, estou na seleção principal, cheguei aqui por mérito, então foi esse o nosso cuidado naquela primeira convocação. E ele, pelo período que esteve conosco, apesar de jovem, apesar de garoto, enfoca uma concentração muito grande, tanto no treino como no jogo, não por acaso que isso acaba se traduzindo nos jogos também.

Como Neymar ainda pode contribuir com a Seleção?
Ele estando recuperado e bem fisicamente, sem dúvida alguma que é um jogador de extraclasse. E se você perguntar para quase a totalidade das seleções mundiais, gostaríamos de ter um jogador com o nível dele. A gente aqui, pelas conversas que tenho tido com ele, é sempre no acompanhamento da sua recuperação. Eu acho que esse é o momento dele colocar maior energia. Porque ele estando bem, obviamente que a gente vai querer contar com ele, se não tem a dúvida. Você pode compartilhar com a gente algum tipo de conselho que você tenha dado nessas conversas com o Neymar? Olha, eu sempre tive como um dos princípios, conversas particulares do nosso ambiente interno, elas só são respeitadas, elas só têm valor se nós mantivermos elas internas. Existe uma tremenda curiosidade do público em geral, porque o Neymar é um grande ídolo nacional. Enfim, mas eu resumo sempre no incentivo da recuperação dele, no foco na recuperação dele. As nossas outras conversas, elas prefiro que fiquem entre a gente. Estou criando ainda um relacionamento com ele, assim como todos os demais, mas a receptividade tem sido muito boa e isso é o que vale.

A Seleção passa por uma renovação também de líderes. Capitães na Copa, como Thiago Silva, Casemiro e Daniel Alves não estão mais. Você identifica novas lideranças nesse grupo?
– Transferindo um pouco da minha experiência em clube, quanto mais você dividir esse tipo de liderança é melhor, porque aí o coletivo fica muito mais forte. Muitas vezes eu não vejo como salutar jogar a responsabilidade em um ou dois apenas de assumir uma condição, seja dentro do campo ou fora. Acho que quando existe essa divisão e principalmente a soma de todas elas a possibilidade de um processo ela aumenta. E, independentemente de idade. Como é que você vai dizer que um jogador como Vinícius não exerce uma certa liderança? Um Lucas Paquetá, que tá aqui há tanto tempo, Bruno Guimarães, enfim, eu acho que isso bem dividido vai nos trazer enormes benefícios. A divisão e a união de todos esses líderes tende a trazer resultados muito melhores. Se você observar as seleções brasileiras que foram campeãs, elas tinham líderes técnicos, líderes muito mais na questão da imposição, mas cada um exercia seu papel, não ficava concentrado em um, dois. Então eu acho que dá pra gente pensar nesse sentido também.

A comissão técnica da Seleção retomou em 2024 um procedimento que era comum nos tempos do Tite e que foi interrompido em 2023 com as comissões técnicas interinas, que é de visitar clubes do Brasil e do exterior. Qual a importância disso?
– É tão fundamental porque, como as competições são sazonais, espaçadas, é um dos momentos em que você também mantém esse relacionamento com o atleta. E quando o Dorival vai na Europa e ele tem toda a sua agenda de jogos, ele não se limita a ver o jogo. Aqui no Brasil idem, a gente no dia seguinte está visitando o clube, visitando as instalações e falando com atletas convocáveis. E nem sempre aqueles com quem se conversa acabam se confirmando na lista, mas é importante que eles saibam realmente que estão sendo monitorados, observados, que estão no radar. É um momento que você não se distancia completamente da Seleção e dos atletas. Você mantém essa questão da comunicação bem frequente. Eu acho que por tudo isso é importante a observação "in loco".

A Seleção deixou boa impressão na última data Fifa. Como você imagina que o Brasil chegará para essa Copa América?
– Eu creio que, a nível de desempenho, sempre é melhor você estrear com um nível elevado. É aquela coisa de você estabelecer um sarrafo, então tem-se hoje um parâmetro de comportamento dentro do campo, desempenho e até de resultado, porque foram dois jogos contra duas das maiores seleções do mundo. Então, mas o que muda um pouco agora? Nós vamos ter que atuar talvez com um foco também na questão do convívio, da integração, do entendimento, que significa isso, que são amostras muito próximas do que se vai enfrentar numa Copa do Mundo. Para alguns não é tão novidade, mas para muitos desse grupo, que ainda são jovens, tem muita coisa que se aproxima de um Mundial. Agora teremos um número maior de sessões de treinamentos, que podem preparar não só para os amistosos, como também para a Copa América, coisa que não tivemos no início.

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