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Por Bruno Cassucci — São Paulo


Em quatro anos na Inglaterra, João Pedro ganhou 9kg de massa magra, mas não foi só isso que o deixou mais forte e resistente. O jovem atacante enfrentou decepções e desafios que o ajudaram a amadurecer e, aos 22 anos, realizar o sonho de chegar à seleção brasileira.

Camisa 9 do Brighton, João Pedro é uma das caras novas na lista do técnico Fernando Diniz para os jogos contra Colômbia e Argentina, pelas Eliminatórias. A convocação pode ter sido uma surpresa para muitos, mas não para o próprio jogador. Sem falsa modéstia, o atacante diz que já esperava por esse chamado:

– Sempre fui um cara muito pé no chão, e a seleção sempre foi muito bem representada pelos jogadores que estavam lá. Mas eu sabia que a qualquer momento iria chegar minha oportunidade, sou um jovem que vem trabalhando forte. Pelo momento que estou vivendo, foi merecido. Agora é chegar lá, dar meu melhor e ajudar a seleção brasileira, que é o sonho de todo mundo – disse o atacante, ao ge.

João Pedro lembra dificuldades na carreira que o fizeram amadurecer

João Pedro lembra dificuldades na carreira que o fizeram amadurecer

A partida entre Brasil e Colômbia será nessa quinta-feira, às 21h, em Barranquilla. Já o clássico contra a Argentina acontece na próxima terça (21), no Maracanã, às 21h30.

Nessa entrevista exclusiva, João Pedro passa por diversos assuntos, como o reencontro com Fernando Diniz, com quem trabalhou no início da carreira no Fluminense; os aprendizados desde que chegou à Europa e também com o técnico italiano Roberto De Zerbi; a posição predileta e as outras funções que pode desempenhar e muito mais. Confira abaixo!

ge: Para muitos, você foi uma novidade nessa convocação. Você já esperava ser chamado, estava assistindo quando o Diniz anunciou o seu nome?
– Como comecei a temporada bem, vinha acompanhando as últimas convocações. Nessa eu estava muito confiante, sabia que meu momento iria chegar e estava me preparando para isso. Estava em casa, com minha família assistindo. Na hora que o pessoal ouviu “João”, já começaram a gritar, nem ouvimos o resto. Todo mundo começou a me ligar depois, foi um momento de muita felicidade. Eu já esperava, sim. Fiquei muito feliz

Essa confiança veio só por conta do seu desempenho recente ou alguém da Seleção já tinha te dado uma pista de que você seria chamado?
– Sabe pressentimento? Na base, quando você era convocado, eles recebiam um aviso antes. Mas, na última vez que fui para a sub-23 ninguém me avisou também. Foi mais pressentimento, pela leitura do momento que a seleção vive e o meu momento atual no Brighton. Fiquei muito feliz quando vi a convocação.

É seu melhor momento da carreira?
– Eu tive um começo similar no Watford na temporada passada, nessa altura da temporada eu já tinha praticamente a mesma quantidade de gol, porém, sofri uma lesão. Isso me atrapalhou um pouco na sequência da temporada. Mas, falando do tamanho do que o Brighton vive hoje, disputando Premier League e Europa League, é meu melhor momento.

João Pedro na temporada 2023/2024

  • Jogos: 17
  • Jogos como titular: 8
  • Gols: 6
  • Assistências: 1

João Pedro em ação pelo Brighton, da Inglaterra — Foto: Rene Nijhuis/Orange Pictures

Você é muito jovem, mas já viveu muita coisa no futebol. Deixou o Fluminense com 18 anos, estreou na Premier League, acabou rebaixado e teve que disputar a segunda divisão... Como tudo isso contribuiu para o seu amadurecimento?
– Aqui na Europa, na Inglaterra, eles falam que 22 anos é muito jovem, mas eu não acho. Acho que tenho maturidade suficiente pelas coisas que passei no Fluminense, no Watford e agora vivendo outra realidade no Brighton, tenho outra visão das coisas.

Pode detalhar o que aprendeu em cada uma dessas etapas?
– Ali no Fluminense foi mais aquela montanha-russa de momentos bons e ruins, estar vivendo um momento bom, fazer hat-trick e gol de bicicleta, mas o Fluminense no Brasileiro não estar tão bem. Tinha a pressão da torcida e, tão jovem, tive que lidar com isso rapidamente. No Watford eu fui com o pensamento de disputar a Premier League e, no ano que cheguei, fui rebaixado com eles, tive de disputar a Championship, que é um campeonato completamente diferente do que a gente está acostumado, é mais agressivo, de contato, menos técnico, porém muito físico. Pra você, que é um moleque de 19 anos, ter que reformar o modo de jogar futebol é muito difícil. Ali foi um aprendizado. Quando a gente conseguiu subir de novo para a Premier eu me lesionei na pré-temporada. Tive que tirar forças, porque meu sonho sempre foi jogar a Premier League. Aí perdi dois meses, por conta da lesão. Nessa temporada eu consegui até fazer alguns gols, acho que fiz três gols, dois na Premier League e um na Copa, mas fomos rebaixados de novo. Minha vida sempre foi de altos e baixos. Agora, que consegui sair e vir para um clube mais estruturado, que disputa competição europeia e hoje estou podendo ser artilheiro da Europa League e do Brighton no meu primeiro ano, acho que isso mostra como meu passado me fortaleceu.

Essa evolução foi muito no aspecto mental, certo?
– Muito mentalmente. Momentos de altos e baixos que eu tinha que buscar uma forma de sair daquela situação.

E teve também uma transferência frustrada para o Newcastle, não é?
– Tive essa negociação com o Newcastle, até meses atrás eu fiquei chateado por não ter saído. Porém, eu falei: agora é meu momento no Watford, tenho que fazer acontecer, já que não aconteceu, dessa vez vai acontecer. Eu fiz acontecer na temporada passada e acho que foi o melhor caminho o Brighton, é um clube que dá oportunidade para os jovens, acredita na gente. Fiz a escolha certa, estou muito feliz aqui.

Por tudo isso, quando você olha para trás, como avalia a decisão de ter deixado o Brasil tão jovem?
Meu sonho sempre foi jogar a Premier League. A vida é feita de oportunidades. A oportunidade que apareceu para mim era uma coisa boa para mim e para o Fluminense. A gente nunca sabe como é o futuro. A gente vai fazer nosso futuro com base nas nossas escolhas, nossa forma de ser. Eu estava vivendo um momento muito bom no sub-17, tinha feito 37 gols no ano eu acho. Era artilheiro da Copa do Brasil, fui artilheiro ou vice na Copa BH. E apareceu essa oportunidade para mim.

– Se alguém me perguntar hoje se eu me arrependo de ter saído muito jovem, eu digo que não, porque a forma que aprendi futebol, o jeito que amadureci aqui, acho que no Brasil iria demorar mais um pouquinho. No Brasil a gente está acomodado, não tem que aprender idioma... Hoje, com 22 anos, tenho uma experiência muito grande por estar há quatro ou cinco temporadas na Europa.

Na Europa desde os 18 anos, João Pedro não se arrepende de ter deixado o Brasil tão jovem

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Agora, na Seleção, você vai encontrar alguns conhecidos...
– Sim. O André, como vocês sabem, geração 2001 do Fluminense. O Nino, que jogamos juntos em 2019. Por estar há muito tempo na Inglaterra, não sou próximo, mas conheço e converso quando jogo contra com Ederson e Alisson, Emerson Royal. O Renan Lodi, quando eu era de Ribeirão Preto, ele era da mesma escolinha que eu. Douglas Luiz eu estava junto nas férias passadas, fui no aniversário dele... Paulinho estava comigo na última convocação da sub-23. Rodrygo e Vini eu conheço. Raphinha eu conheço também. Pessoal da Premier League eu conheço quase todo mundo, porque jogamos contra. E os meninos são quase da mesma idade, acabam se esbarrando.

Ter tantos conhecidos ajuda a tirar a timidez nessa estreia?
– Isso facilita, mas é colar com quem já tem mais tempo de casa e já já a gente se sente mais à vontade

Está preparado para o trote?
– Já está tudo guardado aqui, estou preparado já, vamos ver na hora.

Qual a música vai cantar?
– Isso aí vocês só vão ver depois. Mistério, mistério (risos).

Você foi treinado pelo Diniz no começo da carreira, em 2019, no Fluminense. Como é a relação entre vocês? Mantiveram contato depois?
– Quando eu saí do Fluminense, ele me desejou boa sorte, falou para trabalhar firme aqui, e também tive contato quando o Matheus Martins veio (para o Watford), ele me mandou mensagem, eu falei que tomaria conta dele, ajudaria aqui. Sei como é difícil para um brasileiro sair, novo, outra língua, outro país e tudo mais. Dei essa força para o Matheus Martins. Foi mais nessas vezes que a gente conversou, mas eu sempre acompanhei o trabalho dele. Além de um grande profissional, sempre me ajudou bastante, conversou muito comigo enquanto eu estava no Fluminense, para me ajudar. Acho que o futebol dele ajuda os jogadores porque ele mostra e dá coragem para a gente jogar o nosso futebol, acreditar... ele é muito parecido com o De Zerbi, ele é de facilitar e mostrar os melhores caminhos para a gente. Por isso, hoje é o treinador da Seleção e conquistou a Libertadores.

Guarda algum momento marcante com o Diniz?
– O Diniz sempre conversou muito comigo e falou para eu acreditar no meu potencial. Um dos momentos mais marcantes para mim e para ele foi o hat-trick, pois foi meu primeiro jogo começando pelo Fluminense. E também no meu gol de bicicleta. Depois do jogo, vi o vídeo e vi como ele vibrou, foi muito verdadeira a forma como ele comemorou. Fui uma aposta dele e estava ajudando o grupo, jogando meu futebol.

Fernando Diniz e João Pedro, em 2019 — Foto: Lucas Merçon

Você falou que o Diniz e o De Zerbi são parecidos. Pode detalhar mais?
– São muito parecidos na questão de como o time joga. O Fluminense tem uma movimentação diferente, mas na questão de querer ter a bola eles são muito parecidos. E a forma como o De Zerbi se relaciona com os jogadores, meio... não agressivo, mas de cobrar bastante, ser duro na hora de cobrar, mas ser o paizão fora de campo, chegar e trocar um papo, perguntar se está tudo bem. Ele busca sempre ajudar o jogador.

Alguns jogadores relatam que os treinos do De Zerbi são extremamente "pegados"...
No treino é mais difícil do que no jogo, independente de quem seja o adversário, no treino é mais difícil. Parece que é teatro, a gente faz antes, chega no campo e acontece tudo. Ele é obcecado, 24 horas futebol. Ele é impressionante, respira futebol, nunca vi assim, não.

O que ele mais pede a você?
– Ele sempre puxa muito a questão dos detalhes e eu venho procurando evoluir cada vez mais. Teve um lance contra o Newcastle que se eu faço o domínio certo iria conseguir finalizar. Nesse detalhezinho eu fiquei pensando... É algo que eu sempre tenho procurado acertar mais, o detalhe, posicionamento de corpo, essas coisas, ele não briga comigo, mas sempre puxa esses detalhezinhos que mudam as coisas. Fazer o movimento na hora certa, essas coisas.

Quem vê imagens de você ao chegar na Inglaterra, em 2020, e agora, quase quatro anos depois, nota como você "encorpou". Quantos quilos você ganhou?
– Acho que vim para cá com 69kg, 70kg... Hoje estou com 78kg, 79kg. Nove quilos é bastante coisa, muda bastante.

O que mudou no seu jogo com esse ganho de massa?
– O futebol brasileiro é mais jogado, não é físico, é mais a questão de ter habilidade, ser técnico e jogar futebol. Aqui é tático, é físico, um jogo completamente diferente. Por isso você vê muitos brasileiros que vêm para cá e não conseguem se adaptar. Se você não fizer a parte tática e física, não vai jogar, pelo menos aqui na Inglaterra. Você vê Martinelli, Gabriel Jesus como eles se dedicam fisicamente. Quando cheguei aqui, fiquei fazendo um trabalho específico com o Watford antes da quarentena e também treinei em casa na pandemia. Foi aí que ganhei mais força, mais peso e comecei a jogar mais. Eu consegui igualar o que faltava, porque na parte técnica eu sobrava, mas na parte física eu estava abaixo.

– Eu evoluí muito, num todo. Não só a questão física, mas também na questão técnica, o entendimento do jogo inglês. Desde que cheguei, fui evoluindo em tudo de pouco em pouco. Sem evoluir numa parte e esquecer da outra. Foi uma questão de equilíbrio. E hoje consigo desenvolver o meu melhor nível por conta disso.

No que você avalia que ainda precisa melhorar?
– A gente tem que buscar evolução todo dia. Estou vivendo um grande momento, mas isso é só o começo de tudo. Vinha falando nas minhas entrevistas que o céu é o limite. Posso evoluir em tudo, finalização, posicionamento, cabeceio... Quanto mais eu buscar me aprofundar na minha evolução, isso será melhor para mim, vai gerar coisas boas, vou alcançar um clube melhor, poder estar com a Seleção. Buscar evolução é o caminho.

O Diniz te conhece bem, mas você foi mudando ao longo das últimas temporadas. Se ele te perguntar em qual posição você prefere atuar na Seleção, qual será sua resposta?
– Eu me sinto mais à vontade jogando de 9. Se você acompanhar meus jogos na Premier e na Europa League, eu gosto de me mover, não sou aquele 9 que fica parado esperando a bola na área. Se ele me perguntar, minha primeira resposta vai ser essa. Mas também, aqui no Brighton, já fiz meia, jogando mais recuado, dando suporte para o 9, já fiz beirada. Isso só me ajuda, facilita saber fazer essas posições.

Novidade na Seleção, João Pedro explica como prefere atuar

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Essa é sua primeira convocação para a seleção principal, mas você já tinha convocações na base. Qual a sua relação com a amarelinha como jogador e como torcedor?
– Como torcedor, todo menino brasileiro sonha em poder vestir a camisa da seleção brasileira. Quando eu estava no Fluminense, tive minha primeira convocação para o sub-18, ali tinham outros grandes jogadores, como Yuri Alberto, Morato, André... Ali começou. Quando vim para o Watford, tive convocações em que não fui liberado, por não ser data Fifa. Nesse ano eu tive outra convocação para o sub-23, a gente foi disputar dois jogos contra Marrocos. Foi muito importante para mim voltar a vestir a camisa da seleção, aquela resenha com os meninos, a sensação diferente que é vestir a camisa da seleção. Vestir a camisa da seleção só me motiva a voltar para meu clube e trabalhar cada vez mais. É uma sensação de querer estar ali mais vezes, é por isso que trabalho bastante.

Você já realizou muitos sonhos na carreira. Quais ainda gostaria de realizar?
– Eu tenho o sonho de ganhar uma Copa do Mundo, ganhar títulos pela seleção, ir para um grande clube disputar a Champions League, aquele sonho que todo menino tem de chegar ao topo

Embora convocado para a seleção principal, você tem idade para estar na equipe olímpica. Ano que vem tem os Jogos de Paris e também a Copa América. Qual a sua preferência?
– A prioridade sempre vai ser ajudar a seleção brasileira, mas a prioridade para mim, como já estou há bastante tempo jogando futebol de alto nível, procuro estar na Copa América. É trabalhar para estar na Copa América. Se não conseguir a vaga na Copa América, ajudar a seleção nas Olimpíadas.

Por fim, conte como foi acompanhar ao título do Fluminense na Libertadores.
– Estava voltando do jogo contra o Everton, aí coloquei no celular com o Igor Julio e brincamos com o Facu Bonanote que é argentino, aquela rivalidade entre Brasil e Argentina, ficamos brincando, assistindo no ônibus. Fiquei muito feliz pelo Fluminense, conquistou um título que estava entalado para os tricolores, fiquei feliz também pelo Diniz, meus companheiros André, Martinelli, desde novinho, John Kennedy, cheguei a jogar com ele na base, quando ele subiu eu já tinha ido. Alexsander, que esteve comigo na seleção sub-23 meses atrás, entre outros, como Nino, Ganso, Felipe Melo com quem eu falo às vezes. Eles mereciam demais esse título.

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