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Por Cahê Mota e Jorge Natan — Rio de Janeiro


Kálimera, good morning ou bom dia! O carisma é o mesmo e o bom futebol de quando deixou o Brasil também. Rodinei completa um ano de Grécia com ainda mais motivos para exibir a simpatia que lhe é habitual, só que agora na versão poliglota.

Titular absoluto do Olympiacos após sete anos de Flamengo, o lateral-direito define seu 2023 como um ano de sonhos realizados, mas não se dá por satisfeito. Na lista de pedidos para o ano que vem, metas ousadas estão definidas: a classificação para a Champions League e uma oportunidade na seleção brasileira de Fernando Diniz.

Rodinei rebate cobranças: "Passei sete anos no Flamengo e era o Tirulipa?"

Rodinei rebate cobranças: "Passei sete anos no Flamengo e era o Tirulipa?"

Os números desde a estreia com a camisa do clube grego chamam a atenção: são 43 jogos, sete assistências, dois gols marcados e o troféu de melhor da posição em uma temporada onde jogou apenas metade das partidas. Estatísticas que deixam Rodinei ainda mais orgulhoso pela maneira que foram alcançadas, com características genuinamente tupiniquins:

- É difícil encontrar lateral com 1 x 1 hoje em dia, e eu não perdi essa característica do jogador brasileiro. Quando pego a bola, se tiver um, dois, vou para cima driblando para ajudar meus companheiros e eles gostam muito. Por isso, vivem me chamando de "Brazilian Player", porque sabem que tem um toque especial, uma coisa diferente.

Rodinei comemora seu gol pelo Olympiacos contra o West Ham — Foto: Louisa Gouliamaki/Reuters

Em longa resenha com o Gringolândia por uma hora (ouça tudo mais acima), Rodinei passou a limpo a primeira experiência na Europa já aos 31 anos e falou da importância de nomes como Jorge Jesus e David Luiz para que a adaptação fosse imediata. Em seu terceiro comandante na Grécia, o lateral encontrou no português Carlos Carvalhal características que acredita potencializar ainda mais seu estilo de jogo:

"O Carvalhal quando chegou no primeiro dia que veio me cumprimentar disse: "Olha, quase fui seu treinador no Flamengo, hein?". É um grande cara, um grande treinador. Até conversei com o Diego Alves que é um cara que tem alguns métodos parecidos dos que eu passei com o Jesus no Flamengo"

- Tem uma pessoa que trabalha linha defensiva, outra que trabalha linha defensiva. Tem muitos recursos, é um grande treinador. Com ele, eu faço uma função diferente da que vinha jogando. É quase que um ala mais aberto, quando o lateral-esquerdo faz o cruzamento, tenho que atacar área e depois voltar para a linha de 4.

Rodinei relembra mudança fundamental na carreira: "Passei a ser mais disciplinado"

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À distância, Rodinei acompanhou a dificuldade do Flamengo para encontrar um substituto na lateral direita. Matheuzinho, Varela e Wesley alternaram na condição de titular e também nas críticas. Ao olhar para trás, o jogador se colocou na posição dos ex-companheiros, citou o carinho que recebe atualmente dos torcedores, mas também falou das cobranças que muitas vezes eram vinculadas ao seu jeito descontraído de ser.

- As pessoas têm que entender que não é você estar brincando que você não está focado. Imagina se eu mudasse meu jeito de ser porque estão criticando. Eu passei sete anos no Flamengo então e era o Tirulipa? Só fazia piada e eles renovavam contrato por fazer graça? Mas aí eu chegava no Maracanã para ser vaiado por 70 mil e tinha que botar a camisa e jogar com personalidade. Se o time tomava um gol do meio de campo, 1 a 0 para o Santos, a culpa é do Rodinei porque está fazendo piada. As coisas não são assim. Mas eu não mudava e trabalhava com humildade e resiliência porque coisas boas iam chegar.

Com a mesma energia positiva dos tempos difíceis, Rodinei usa repetidamente a palavra desfrutar. Faz questão de viver cada momento dessa boa fase que já dura um ano e meio entre Flamengo e Olympiacos. Se na Grécia o objetivo é ser campeão nacional e se classificar para a Champions, no Brasil a seleção brasileira segue no radar. Pela boa fase no segundo semestre de 2022, o lateral ficou na lista de espera de Tite para a Copa do Mundo de 2022.

Rodinei recebe prêmio de melhor lateral-direito do futebol grego — Foto: Reprodução/Instagram

A virada do ano não veio acompanhada de uma oportunidade. Por mais que a posição ainda seja um ponto de interrogação, Ramon Menezes e Fernando Diniz chamaram cinco nomes (Emerson Royal, Arthur, Ian Couto, Danilo e Vanderson), mas nada de Rodinei, que entende que as escolhas fazem parte de um processo de renovação e avalia o futuro da posição.

"Sou um menino sonhador! É difícil ficar debatendo sobre a opinião de quem fala que os laterais não são mais como antigamente. É claro! Antigamente, tínhamos Leandro, Cafu, Maicon..."

- Sou fã demais do Maicon, tenho a oportunidade de falar com ele pelas redes sociais, é um cara que já me deu vários conselhos, e eu não sou igual a ele, igual ao Cafu. Mas tenho certeza que os laterais que nós temos são muito bons. A Seleção passa por um processo de reformulação, de reconstrução, e isso demanda tempo.

"Laterais que temos são muito bons", diz Rodinei sobre posição no Brasil

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Cheio de planos e, acima de tudo, realizado, Rodinei tem mais um ano e meio de contrato com o Olympiacos e não pensa em deixar a Europa tão cedo. A missão de momento é jogar a Champions League, e para isso precisa ser campeão nacional por um lugar na fase classificatória da principal competição de clubes do mundo.

Com 32 pontos, o Olympiacos ocupa a terceira colocação após 15 rodadas e encara o Lamia, quarta-feira, na primeira partida de 2024. O PAOK é o líder, com 35 pontos, seguido do Panathinaikos de Willian Arão, com 34. Confira abaixo a íntegra do bate-papo de Rodinei com o Gringolândia!

Você termina o primeiro ano na Europa com mais de 40 jogos, gols marcados, assistências e um troféu de melhor lateral da Grécia. Foi tudo tão rápido que a gente pode dizer que adaptação não foi problema, né?

A gente que sabe que o normal é o jogador ter um período de adaptação, mas me ajudou ter saído do Flamengo na minha melhor temporada. Foi onde aprendi um pouco mais sobre o que é realmente o futebol. O David Luiz me ajudou muito para eu ter o entendimento do futebol. A carreira dele dispensa comentários e foi um cara que abriu minha mente para já chegar preparado. É minha primeira vez na Europa com 30 anos. Então, cheguei mais maduro, mais experiente e a maior dificuldade foi mesmo o frio, mas tirei de letra. Graças a Deus vivi grandes momentos nesse primeiro ano.

Chegar e logo assumir a condição de titular te surpreendeu?

Todo jogador quer jogar. Eu vim muito preparado, sei de onde saí, do maior clube do Brasil, que é o Flamengo, e minhas expectativas eram grandes. Era chegar e jogar. E foi isso que aconteceu. Consegui chegar, dar meu melhor, manter meu nível do Flamengo, e agora é dar continuidade. Tenho mais um ano e meio de contrato e quero desfrutar um pouco mais da Europa.

Herói do Flamengo contra o Corinthians, Rodinei mantém fama de "avião" na Grécia

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Quais as principais diferenças você percebe do futebol brasileiro para o europeu, principalmente para a função de lateral?

O que eu vejo na Europa, principalmente na Europa League ou na Conference, quando você encara times de Premier League, é que são times que nunca se desorganizam dentro de campo. Independentemente do resultado, eles estão sempre organizados. Não é como no Brasil aquela loucura, aquele desespero quando você está perdendo por 2 a 0, o zagueiro indo para o ataque, essas coisas. Aqui na Europa, não tem isso. Conversava muito com o David e ele falava que é um pouco mais organizado. No Brasil, tem muita qualidade, até mais do que na Europa, mas o que mais me surpreendeu foi no sentido da organização. Mas o futebol brasileiro é sensacional. Todos os dias quando acordo tenho vontade de viver isso, essa ousadia com alegria que temos, mas a maior diferença que vejo é mesmo é essa organização. Por isso, o futebol europeu é mais consistente e mais difícil de jogar.

Você teve a oportunidade de trabalhar com alguns treinadores estrangeiros no Brasil e agora é treinado pelo Carlos Carvalhal, que foi um desejo antigo do Flamengo. Quais as principais diferenças de métodos e dia a dia você consegue apontar?

O Carvalhal quando chegou no primeiro dia que veio me cumprimentar disse: "Olha, quase fui seu treinador no Flamengo, hein?". É um grande cara, um grande treinador. Até conversei com o Diego Alves que é um cara que tem alguns métodos parecidos dos que eu passei com o Jesus no Flamengo. Tem uma pessoa que trabalha linha defensiva, outra que trabalha linha defensiva. Tem muitos recursos, é um grande treinador. Com ele, eu faço uma função diferente da que vinha jogando. É quase que um ala mais aberto, quando o lateral-esquerdo faz o cruzamento, tenho que atacar área e depois voltar para a linha de 4. É um jeito de jogar que me desgasta um pouco mais, mas graças a Deus com 31 anos continuo com meu físico em dia, me cuidando muito para manter esse nível por muito tempo ainda.

Você saiu do Brasil como o "Avión" do Vidal. Já foi batizado com algum apelido aí na Grécia?

Rodinei entre o colombiano James Rodríguez e Marcelo — Foto: Arquivo Pessoal

Não (risos). Ainda não me chamam de avião, mas eles sabem que quando dá a bola eu vou chegar. Quando a bola está nos meus pés, eu tenho qualidade para driblar. Isso é o que mais surpreende a eles. A capacidade para driblar um, dois jogadores... É difícil encontrar lateral com 1 x 1 hoje em dia, e eu não perdi essa característica do jogador brasileiro. Quando pego a bola, se tiver um, dois, vou para cima driblando para ajudar meus companheiros e eles gostam muito. Por isso, vivem me chamando de "Brazilian Player", porque sabem que tem um toque especial, uma coisa diferente.

Desde a metade de 2022, você tem apresentado um alto nível. Neste período, ficou na pré-lista para a Copa de 2022, mas não foi chamado em 2022, quando cinco laterais direitos tiveram oportunidade. Qual a sua relação com a Seleção? É algo que te gera expectativa?

Eu sou um menino sonhador como muitos. Não posso nunca dizer que não sonho com a seleção brasileira. Trabalho por isso todos os dias. Tenho esse sonho, mas não é minha prioridade. Preciso estar focado no meu clube e se aparecer a oportunidade seria um sonho de cada garoto. A idade não é uma coisa que me faça perder isso. O próprio Diniz dá várias entrevistas falando dos jogadores que ele tem, como Marcelo, Felipe Melo, Ganso... Então, não é uma questão de idade. É questão de estar bem e vivendo um grande momento. Tenho certeza que eu estou vivendo. Não posso afirmar, mas tenho 70% de certeza que em algum momento o Diniz já me analisou, pensou em me convocar, mas isso aí é questão de trabalho dia após dia no seu clube para estar preparado. Estou há um ano e meio jogando em um nível muito alto. Muita gente pode pensar que o Campeonato Grego não é dos maiores, mas é muito difícil com cinco, seis equipes que disputam. Não é como no Brasileirão, mas há times muito competitivos e equilibrados. Além disso, tive a oportunidade de disputar a Europa League e pude jogar contra o West Ham, Freiburg, e mostrei que vivo um grande momento de alto nível. Fica essa pontinha de esperança de um dia ser convocado.

Você falou do "Brazilian Player", mas cada vez menos o lateral historicamente brasileiro que vai ao fundo, faz ultrapassagem, tem sido mais escasso. Se manter com essas características é um trunfo para realizar esse sonho?

Com certeza. Não estou aqui para falar quem é melhor ou pior, mas podemos falar de características, e eu sempre tive essas características. Falam que 2022 foi um ano fora da curva, mas minha característica nunca mudou. Sempre fui assim desde a época da Ponte Preta e vem até hoje. O Olympiacos não me contratou só por ser um grande marcador. Ele viu a época que eu passei pelo Flamengo, porque faz graça, mas porque joga também. O futebol hoje em dia está muito nivelado e se você não tiver o jogador diferente para desequilibrar, para encarar o 1 x 1, fica difícil. Hoje em dia, são muitos laterais muito bons, mas perderam um pouco dessa essência de jogadas para quebrar linhas. Quando cheguei aqui, o Marcelo estava aqui. Ele me via treinador, pedalando e dizia: "Eu gosto assim. Vai para cima, tem que ir para cima". Peguei um pouco da experiência do Marcelo para implementar no meu jogo. E fico brincando com os gregos dizendo que depois que passei do primeiro não vou voltar mais, vou em direção ao gol. Sempre com muita ousadia e alegria.

Rodinei explica o lance do gol e a sua relação com a torcida do Flamengo

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Te incomoda essas críticas de que não temos mais tantas opções nas laterais para o Brasil?

É difícil ficar debatendo sobre a opinião de quem fala que os laterais não são mais como antigamente. É claro! Antigamente, tínhamos Leandro, Cafu, Maicon... Sou demais do Maicon, tenho a oportunidade de falar com ele pelas redes sociais, é um cara que já me deu vários conselhos, e eu não sou igual a ele, igual ao Cafu. Mas tenho certeza de que os laterais que nós temos são muito bons. A Seleção passa por um processo de reformulação, de reconstrução, e isso demanda tempo. Não é de um dia para o outro que um jogador vai entrar e adaptar. Eu joguei sete anos no Flamengo e para ter a melhor temporada tive que passar seis anos com momentos bons e ruins. Igual ao treinador. Ninguém vai fazer milagre em dois, três meses. Então, é o tempo. Na hora que encaixar um time, dois laterais, atacantes, as coisas clareando, vão falar que esse cara é muito bom. Futebol é tempo. É preciso dar tempo à Seleção para encaixar e as coisas vão acontecer da melhor maneira. Tem muito bom lateral por aí.

Você bate muito na tecla do quanto que o David te ensinou e ajudou neste período, mas e o quanto você também se forçou a refletir e mudar nesse tempo? O que faz com que o Rodinei esteja em alto nível há um ano e meio?

Muita coisa mudou, mas as pessoas me julgavam muito pela resenha, por ser um cara que brincava com todo mundo, e deixavam de ver o campo. Eu nunca fui um cara que ficava de brincadeira em campo, que chegava ao treino fazendo gracinha, que errava e dava risada. Eu sou profissional, mas a minha alegria eu não perder. Eu tenho certeza de que quando a gente está em um grupo com energia boa, todo mundo pensando igual, as coisas acontecem. Não é só ter grandes jogadores, só isso não vence. E um exemplo foi o PSG com Messi, Neymar, Mbappe e não ganhou. Tem que ter uma energia boa. E isso eu não mudei. O que mudei foi ser mais disciplinado, passei a ser o primeiro a chegar nos treinamentos, a analisar jogos, ver o que os laterais da Europa faziam... Comecei a ter mais entendimento do jogo.

O David me falava que eu amava o futebol como todos os outros meninos, mas a partir do momento que passasse a entender o que é o futebol, os espaços que têm dentro de campo, as movimentações, eu ia virar um grande jogador. Foi isso que aconteceu com uma reviravolta muito rápida. O David não queria o meu mal. E eu tinha humildade de seguir o que ele estava falando para mudar a minha vida, as coisas que eu sei de futebol. Essa foi a mudança. O David tentou ajudar alguns meninos, algumas pessoas, mas o cara não estava naquela disposição de aprender. Eu não tinha nada a perder e tirei o melhor dele. Eu via jogo com ele, analisava junto, via plano de jogo, onde eu ia me movimentar. E eu vi que os grandes jogadores não só entram em campo e jogam, tem muita coisa em volta. Por isso, consegui atingir o alto nível e consegui manter, que é o difícil. Não tenho mais o David, mas guardei isso para mim e consigo colocar em prática.

Você viveu momentos delicados com a torcida do Flamengo e saiu por cima. Como é a relação com o torcedor grego?

Rodinei gol Olympiacos x West Ham — Foto: Marilia Vasilakopoulou/Eurokinissi/AFP

A cobrança é muito grande. O Olympiacos é o maior clube da Grécia sem dúvidas, a maior torcida. Tem muita pressão, é similar ao Flamengo. Não tem a quantidade de torcedores, não dá para comparar, mas são bem calorosos, cantam muito. Quando eu cheguei, estávamos a 12 pontos do líder, chegamos a ficar a um e mesmo dando a vida não fomos campeões. Era todo mundo vaiado, aquela pressão, negócio de não sair de casa. Bem similar ao Brasil. Tem muita pressão! É como eu falo com meus amigos gregos, agora que meu inglês está bem afiadinho: "Depois da pressão que eu vivi no Flamengo, tudo o que eu vivi nesse clube e mostrei para eles, essas vaias não me abalam mais". Já fui vaiado por 70 mil, agora se 15 me vaiarem não tem problema, não faz nem cócegas.

E como está a relação com o torcedor grego nas ruas? Já consegue falar bem com eles?

Quando eles me abordam, é só falar um "oi", "como você vai?", que eu já falo em grego. Essa é a minha energia. O importante não é se o meu inglês está lindo, é passar a mensagem para a outra pessoa. No meu primeiro mês, só usava o tradutor no celular. Não sabia o que era "Tomorrow" (amanhã em inglês), "Yesterday" (ontem em inglês), não sabia nada, nada, nada... Hoje eu já falo em inglês, em grego, e o que importa é a energia. O Fortounis, que é o melhor jogador aqui, nosso capitão, tem uma moral absurda e já virou meu melhor amigo. Ele fica mais tempo comigo do que com os gregos. Então, é você ter a energia boa para se relacionar com as pessoas. No começo, foi difícil. Agora, posso dizer que falo inglês fluente.

Passou por algum perrengue antes de aprender os idiomas?

Tudo no aplicativo de tradução. Não passei por perrengue nenhum. E em campo o mais importante é a bola não bater na canela e ir para fora. O que não pode é não saber falar e dentro de campo fazer m... No restaurante, era só salada e água. Como que vou passar perrengue? (risos). Não precisava de mais nada.

Essa energia que você acredita fazer a diferença em seu favor desde os tempos de Flamengo, em determinado momento passou a ser um pouco julgada e criticada pelos torcedores. Como você recebia essas críticas, o que passava pela sua cabeça?

Rodinei toca o tantã durante o bi da Libertadores do Flamengo, em 2019 — Foto: Pedro Martins/Foto FC

A gente sabe que quando está em um clube o que vem de fora vem pesado, principalmente de torcedores que têm acesso a tudo e falam o que quer. Eu não tenho como controlar isso. Mas eu vivi sete anos dentro do Flamengo e sempre fui respeitado. Nunca fui considerado um palhaço dentro do clube ou chacota, o cara que faz graça. Cheguei com o Diego Ribas em 2016, depois veio o Ribeiro, que são meus amigos até hoje, mas sempre me respeitaram. Já tivemos inúmeras reuniões e conversas quando era para ser sério e eu fui sério. O que eu não posso é de uma hora para outra mudar e querer ser sério para mostrar para todo mundo. Minha essência não é essa. Sempre fui um cara alegre, extrovertido, brincalhão, mas se a gente sentar para trocar ideia de coisa séria, vou ser sério. Eu não posso mudar.

Se eu falar que vou ser só serio, não vou brincar mais em rede social, não vou postar uma fotinho de terno e de óculos, tudo vai mudar... Não. Eles têm que me cobrar pelo que eu faço dentro de campo. Saí do Flamengo honrado, onde eu fiz uma temporada absurda em 2022, posso dizer que fui um dos protagonistas com a mesma resenha e alegria. As pessoas têm que entender que não é você estar brincando que você não está focado. Imagina se eu mudasse meu jeito de ser porque estão criticando.

Eu passei sete anos no Flamengo então e era o Tirulipa? Só fazia piada e eles renovavam contrato por fazer graça? Mas aí eu chegava no Maracanã para ser vaiado por 70 mil e tinha que botar a camisa e jogar com personalidade. Se o time tomava um gol do meio de campo, 1 a 0 para o Santos, a culpa é do Rodinei porque está fazendo piada. As coisas não são assim. Mas eu não mudava e trabalhava com humildade e resiliência porque coisas boas iam chegar. Quando acabou a Libertadores de 2019, eu cheguei no Jesus, no Braz, e falei que o Inter estava interessado e era o momento de respirar novos ares, era o momento de sair. Fui para o Inter onde continuei sendo o mesmo Rodinei que brincava, deixava o ambiente com energia, e fiz uma grande temporada.

Nosso último treinador aqui na Grécia me chamava todo dia para falar que a diferença que eu fazia no grupo era absurda. Quando eu estava feliz e alegre, todo mundo vinha na mesma direção. Não é querer me valorizar, mas eu tenho certeza que por ser um cara com essa energia as coisas tendem a ir pelo lado positivo. No Flamengo, não era só ter resenha. Eu sou um grande jogador e fiz um trabalho dentro de campo.

Falando desse ciclo no Flamengo, como se deu o ponto final. O clube chegou a te procurar para uma renovação ou foi uma decisão sua? O que você pode falar dessa saída?

São tantas emoções (risos). Acho que em sete anos a história terminou da melhor maneira, da maneira mais linda, com o gol de pênalti da final da Copa do Brasil, campeão da Libertadores jogando, e outros títulos com a camisa do Flamengo. Vivi anos maravilhosos, anos ruins também, o que é normal... Ninguém vive tanto tempo em um clube só ganhando. A verdade é que são mais derrotas do que vitórias. No fim da temporada, eu já podia assinar um pré-contrato com outro clube e continuei jogando. Não apareceu proposta de renovação, apareceram coisas paralelas. Na verdade, quando eu comecei a jogar mais com o Paulo Sousa, o Flamengo me ofereceu um contrato, mas depois a negociação esfriou e eu não entendi o motivo.

Rodinei diz que teve vontade de ir ao banheiro antes de cobrar o último pênalti

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Esse contrato acabou ficando de lado. Eu segui trabalhando, me destacando, as coisas começaram a acontecer, eu comecei a melhorar como jogador e como pessoa, como um cara que o clube poderia confiar. Com a chegada do Dorival, eu comecei a melhorar muito, ele pedia para eu ir para cima e fazer a diferença. Fomos campeões da Copa do Brasil, da Libertadores e tive uma conversa em que queriam me oferecer o mesmo contrato que tinha esfriado lá atrás e eu já estava com a caneta na mão. Teve um protesto no CT e ficou de lado. Ninguém falou nada para assinar, eles mandaram eu esperar e eu cresci, me valorizei. Depois, eles queriam oferecer o mesmo contrato de uma época em que eu nem estava jogando considerado titular. Foi quando o Olympiacos entrou e veio a parte do sonho de jogar na Europa.

Era um sonho que dois, três anos antes, eu via um monte de jogador indo embora e pensava: "Essa janela abre para todo mundo, mas para mim vive fechada. Será que tenho que dar um chute para abrir?". Então, quando veio o primeiro clube da Europa era um sonho. Graças a Deus, terminei da melhor forma no Flamengo e vim para o Olympiacos realizar um sonho que eu já tinha apagado da mente. Depois, outros clubes do Brasil me procuraram, o River Plate me procurou, e o Flamengo não fez outra proposta. Sem problemas. Agradeci a todos e saí pela porta da frente. O clube pensou que o ciclo tinha encerrado e eu vim para cá. Se você me perguntar, o que eu falaria se eles tivessem feito mais uma proposta, eu diria que mais para sim do que para não.

E como tem sido a realização desse sonho? Depois de apenas um ano, imagino que ainda tenha coisas para realizar, como a Champions, por exemplo?

Ah, sem dúvidas, a Champions é o ápice, mas não é fácil classificar pelo Campeonato Grego. Mesmo sendo campeão, entramos na pré. Meu momento de maior realização aqui foi quando enfrentamos o Freiburg na Europa League, olhei para camisa e vi o patch. Pensei: "Nossa, olha onde eu estou? Olha o que eu consegui realizar em tão pouco tempo". Depois, joguei em Londres contra o Paquetá naquele estádio incrível. Foi só desfrutar. Isso que eu tenho feito a cada conquista aqui na Europa, essa é a palavra que eu tenho sempre na minha cabeça.

Você recebeu o prêmio de melhor lateral da Grécia recentemente, né?

Sim. E olha que joguei só metade da temporada, minha primeira partida foi dia 3 de janeiro. Mas mesmo com pouco mais de 20 jogos consegui ser considerado o melhor do campeonato. Esse ano já comecei bem de novo e agora quero conquistar novamente junto com o troféu de campeão.

Para fechar, você e o Arão têm uma história parecida no Flamengo, de cobranças, de críticas, e hoje compartilham o sonho de jogar na Europa. Vocês têm essa convivência em Atenas?

O Arão é muito engraçado. Quando eu cheguei aqui, ele estava na Turquia ainda e me mandou mensagem: "É, Pretinho, agora saiu da bomba atômica, da pressão". Minha esposa e esposa dele se falam bastante aqui, malham juntas. Nós também nos falamos bastante. Aí, já não tem rivalidade, é mesmo uma questão de se ajudar. Cheguei junto com ele em 2016 no Flamengo, sei tudo o que ele passou, ele sabe o que eu passei. Somos maiores rivais aqui, vocês têm noção do que é a rivalidade Panathinaikos x Olympiacos. Meu Deus! Eu peguei um pouco do Vasco x Flamengo, peguei o primeiro Grenal de Libertadores em Porto Alegre, expulsão para tudo quanto é lado, é uma loucura, mas acho que aqui na Grécia superou. Os jogadores se transformam, é uma festa. Em dia de clássico, a cidade se transforma. E é disso que eu gosto, para esses momentos que trabalhamos tanto para viver.

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