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Por João Almeida Moreira* — Ribeirão Preto, São Paulo


Tinha tudo para correr mal: em março de 2020, quando Rúben Amorim foi apresentado em entrevista coletiva, o Sporting, um dos três grandes de Portugal, não era campeão havia 18 anos, maior jejum da história. E metade da torcida, para apoiar o presidente anterior, boicotava os jogos do próprio time.

Sporting reúne milhares de torcedores em festa do título português

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Por outro lado, o treinador custou 10 milhões de euros (R$ 54,62 milhões), um preço considerado exorbitante, para sair do Braga. Mais: por ter 35 anos e só dois como técnico, era mais lembrado como jogador do Benfica, o arquirrival do Sporting.

Por isso, naquela coletiva, quando perguntaram a Amorim se a situação não tinha tudo para correr mal, ele respondeu com outra pergunta:

E se corre bem?
— Rúben Amorim, em sua chegada ao Sporting, diante do pessimismo após sua contratação.

Desde então, o “e se corre bem?” virou o mantra dos milhões de sportinguistas, que até já acham barato o dinheiro que ele custou e dão de ombros quando alguém menciona o passado benfiquista de Amorim.

Mas qual o segredo do treinador para ganhar o título em 2023/24 e, antes, em 2020/21? Um sistema (3-4-3) afiado e afinado, boa comunicação, sempre colocando o grupo à margem das polêmicas de arbitragem em que o futebol português é fértil – sim, não é só no Brasil – e a capacidade para refazer equipes desfeitas por mercados ricos – sim, também não é só no Brasil.

Rúben Amorim conquista seu segundo título português com o Sporting — Foto: Antônio Pedro Santos/EFE

Nos últimos anos, o Sporting negociou Matheus Nunes para o Manchester City, Palhinha para o Fulham, Porro para o Tottenham, Nuno Mendes e Ugarte para o PSG. Mas soube comprar barato em clubes pequenos portugueses.

E investir pesado só em jogadores com retorno, como Hjulmand, volante dinamarquês ex-Lecce, e Gyökeres, centroavante sueco ex-Coventry, o jogador mais caro da história leonina, por 21 milhões de euros (quase 115 milhões de reais).

E que retorno: Gyökeres já tem 41 gols em 2023/24, mais de um terço dos 116 do Sporting, numa temporada em que ainda faltam três partidas. E o sueco, cuja multa rescisória de 100 milhões (547 milhões de reais) nem assim afugenta Arsenal, Chelsea ou Newcastle, o ponto de destino do tal 3-4-3 verde e branco e a razão para os sportinguistas andarem “malucos” e “apaixonados”, como se escuta em música adaptada dos seus compatriotas ABBA (confira abaixo).

Torcida do Sporting faz paródia de música do Abba para artilheiro sueco Gyökeres

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No gol, Amorim começou com o veterano espanhol Adán que, lesionado, deu lugar na fase crítica da temporada a Israel, uruguaio, assim como o zagueiro Coates, capitão e ídolo do time. A seu lado, o marfinense Diomandé e o português Gonçalo Inácio.

Um dos reservas mais usados na zaga, entretanto, é Eduardo Quaresma, cuja bisavó se chamava Ana Antunes Coimbra, prima direita de Seu Antunes, o pai de Zico que, como o Galinho sempre recorda, tinha o Sporting como primeiro amor.

Ousmane Diomande e Viktor Gyokeres comemoram o terceiro gol do Sporting contra o Moreirense — Foto: REUTERS/Pedro Nunes

Os leões brasileiros – apenas dois, numa Liga cuja média é de seis brazucas por elenco – estão na defesa também: Pontelo, um mineiro que chegou ao clube vindo do Leixões, da Liga Portugal 2, e Matheus Reis, lateral-esquerdo que os são-paulinos devem lembrar.

A posição de Reis, entretanto, é das mais importantes no esquema de Amorim, que usa nas alas jogadores com perfil de lateral e de ponta – quando joga o lateral Reis à esquerda, arrisca colocar o ponta-direita Geny Catamo, o moçambicano que acabou “decidindo” o campeonato com dois gols no Benfica, na 28ª rodada.

Zico com camisa do Sporting: pai do ídolo do Flamengo, Seu Antunes, era torcedor do Leão — Foto: Universo Sporting - @Universo_scp

Quando escolhe à esquerda o ofensivo Nuno Santos, derrotado pelo brasileiro Madruga no Prémio Puskas 2023, opta pelo cauteloso Esgaio à direita.

No miolo, Hjulmand é indiscutível, ora acompanhado pelo japonês Morita, ora por Bragança, fruto da sempre fértil Academia CR7, a base do clube.

Na frente, Paulinho, que fez 19 gols, e Pote, autor de 18, são, ao lado de Trincão, contratado ao Barcelona, ou Edwards, inglês cobiçado no país natal, os coadjuvantes do incrível Gyökeres.

O sistema de Amorim, um discípulo de Jorge Jesus, além de eficaz, como provam os oito pontos de vantagem sobre o Benfica e os 18 sobre o Porto, é fluído, rápido, ofensivo, o que vem atraindo clubes como Liverpool (que acabou por optar pelo holandês Arne Slot) Barcelona (cujo diretor esportivo, Deco, admitiu estar atento) além de Bayern e West Ham.

O clube londrino, a propósito, esteve na base da única pulada de cerca de Amorim no matrimônio com o Sporting: ele admitiu ter ido escutar oferta dos Hammers, numa folga antes do último clássico com o Porto, mas recusou.

Por falar em Porto, os dragões são o próximo desafio a doer do Sporting, na final da Taça, no Estádio Nacional, dia 26, jogo que pode valer o sexto troféu na Era Amorim – além dos dois campeonatos nacionais, ganhou duas Taças da Liga e uma Supertaça. Antes, faltam dois jogos da Liga para cumprir calendário.

E para a próxima temporada? Amorim fica ou sai? No meio da festa que reuniu milhares em Lisboa até de manhã, no início desta semana, ele deu a entender continuar motivado.

­– Disseram que só ganharíamos o campeonato de 18 em 18 anos. Disseram que só ganhamos o campeonato porque não tínhamos público (em 2021, na pandemia). E dizem que jamais seremos bicampeões outra vez. Vamos ver!

Como o Sporting não é bicampeão desde 1953 (na época ganhou até quatro títulos seguidos) parece um desafio que tem tudo para correr mal. Mas vai que corre bem?

* João Almeida Moreira é correspondente de A Bola, no Brasil

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