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Por Úrsula Neves, para o EU Atleta — Rio de Janeiro


Dormir bem é essencial para a manutenção da saúde do corpo e da mente, especialmente de quem pratica exercícios físicos e mantém uma vida saudável. É durante o sono que o organismo exerce as principais funções restauradoras, repõe as energias e regula o metabolismo. Por outro lado, noites mal dormidas resultam em cansaço, indisposição, lentidão de raciocínio, alterações de humor e queda de rendimento e têm malefícios cardiovasculares, cerebrais e metabólicos a médio e longo prazos.

Sono é importante para descanso do corpo e regulação do funcionamento do organismo — Foto: iStock

Um sono de qualidade, em adultos, deve ter de 7 a 9 horas, com média de 8 horas de duração, de acordo com a Associação Brasileira do Sono (ABS).

— O sono é um fenômeno involuntário, natural e essencial à vida, pois, mesmo que não queiramos, o cérebro nos coloca para dormir para proteger e limpar o nosso sistema nervoso central — explica a neurologista Andréa Bacelar, especialista em sono e diretora da ABS.

Durante o sono, conforme a especialista, o organismo limpa as impurezas produzidas durante o dia de atividades, restaura a musculatura, repara os tecidos, restabelece a energia, descansa o coração, a pressão arterial e o cérebro, produz certos hormônios, como o do crescimento, e calibra o metabolismo, influenciando inclusive na taxa de metabolismo basal (TMB).

Alimentos que ajudam a ter uma boa noite de sono

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Fases e estágios do sono

O sono é dividido em duas fases: sono não-REM (NREM) e sono REM (Rapid Eyes Movement, ou Movimento Rápido dos Olhos, em português), que apresentam características e estágios próprios.

Sono não-REM

O sono não-REM é marcado por uma atividade cerebral mais lentificada, sendo dividido em três estágios:

  • Estágio 1: é a sonolência, que ocorre na transição da vigília para o sono. Há redução da frequência de ondas cerebrais, ao mesmo tempo em que os músculos começam a relaxar. Estágio no qual as pessoas costumam ficar 5% do tempo total de sono;
  • Estágio 2: é a fase mais predominante do sono, quando as frequências cardíaca e respiratória diminuem, acompanhadass da temperatura corporal. Passa-se quase metade do tempo total do sono neste estágio;
  • Estágio 3: aqui é que as pessoas "dormem profundamente". Os batimentos cardíacos, a respiração, os músculos e as ondas cerebrais ficam mais lentas. O certo é ficar de 20% a 25% do tempo total do sono neste estágio.

— Iniciamos o sono pelo estágio N1, um estágio de transição, que marca a redução na frequência geral na atividade elétrica do cérebro. Passamos para N2, reconhecido pelo papel protetor para a memória e, mais recentemente, por proporcionar uma separação do nosso organismo com o exterior. Certas características elétricas do cérebro durante esse estágio têm como papel inibir que o cérebro responda aos estímulos externos, algo fundamental para dormirmos em ambientes cada vez mais poluídos com som e luz. E o sono N3, ou sono de ondas lentas, é absolutamente essencial para essa função de limpeza e a recuperação celular, sendo essencial para o equilíbrio hormonal — detalha o cronobiologista Mário André Leocadio Miguel, representante do Conselho de Cronobiologia na ABS.

Sono REM

Na sequência vem o sono REM, no qual há atividade cerebral intensa e aumento das frequências cardíaca e arterial. Os olhos se mexem rapidamente por baixo das pálpebras fechadas, mas a musculatura do corpo segue imóvel, totalmente relaxada, em descanso profundo.

Neste estágio, no qual ocorrem os sonhos, as pessoas ficam de 20% a 25% do tempo total do sono. Ele é essencial para o descanso profundo, a consolidação da memória, o equilíbrio mental, a regulação do humor e o aprendizado.

Segundo especialistas, todos os estágios são importantes e devem ser cumpridos, nos tempos ideais, para que o sono seja de qualidade.

— Não existe um estágio mais importante do que outro. Agora, toda vez que dormimos bem depois de algum ou diversos episódios de privação do sono, tendemos a aumentar a proporção do tempo que passamos em N3 e REM, o que aponta para um papel importante dessas fases do sono para reequilibrar o nosso organismo — pontua o cronobiologista.

Benefícios do sono

Boas noites de sono têm diversos benefícios para a saúde:

  1. Promove uma maior concentração e consolida a memória: durante o sono, quando são organizadas as funções cerebrais, abre-se espaço para novas informações. Portanto, dormir bem faz com que tenhamos mais facilidade em nos concentrar, aprender coisas novas e manter boa memória;
  2. Protege o cérebro: no sono, o sistema neurológico passa por processos importantes de limpeza e organização, de modo que o descanso é essencial para evitar perda cognitiva e de memória, cansaço, ansiedade, depressão e outros quadros associados à saúde cerebral;
  3. Fortalece a imunidade: durante o sono, produzimos as chamadas interleucinas, que são proteínas e que são anticorpos de defesa que fazem com que a imunidade seja mais efetiva. Isso reduz as chances de desenvolvimento e/ou agravamento de doenças crônicas, como hipertensão arterial, diabetes e obesidade, além de infecções;
  4. Reduz o estresse e melhora o humor e a sensação de bem-estar: durante o sono, o corpo diminui a produção de cortisol e adrenalina e aumenta neurotransmissores de bem-estar, o que ajuda a reduzir o estresse, melhorando o humor e a sensação de bem-estar;
  5. Preserva o sistema cardiovascular: com o sono, o coração e o sistema vascular podem descansar, além de a pressão arterial ser regulada, o que contribui para a proteção cardiovascular.
  6. Controla o peso: dormir bem regula a produção de hormônios, como a leptina e a grelina, que ajudam a controlar o apetite e a sensação de saciedade;
  7. Melhora a pele e combate o envelhecimento: uma boa noite de sono ajuda a rejuvenescer a pele, o que contribui na prevenção do envelhecimento;
  8. Reduz as chances de desenvolvimento de doenças psiquiátricas, como ansiedade e depressão: noites bem dormidas ajudam a reduzir as chances de transtornos psicológicos, uma vez que regula os neurotransmissores responsáveis pelas emoções e pelo humor.

Para quem pratica exercícios físicos regularmente ou é atleta, o sono de qualidade também traz outros benefícios:

  1. Reparo muscular: durante o sono, o corpo libera hormônios de crescimento que ajudam a reparar e fortalecer os músculos danificados durante o exercício;
  2. Restauração de energia: o sono ajuda a repor os estoques de energia (glicogênio) nos músculos e no fígado;
  3. Função cognitiva: o sono melhora a concentração, a tomada de decisão e a coordenação motora, essenciais para o desempenho atlético;
  4. Regulação hormonal: o sono ajuda a regular hormônios como cortisol e testosterona, que influenciam o crescimento muscular, a força e a recuperação.

Malefícios de sono ruim

Dormir pouco ou noites de sono ruim, sem qualidade, são prejudiciais para o organismo, seja a curto, médio e longo prazos.

— Além de sonolência, uma pessoa que não dormiu bem durante a noite pode sentir dor de cabeça, cansaço excessivo, dificuldade de concentração, irritabilidade, alterações no humor e baixo desempenho cognitivo — comenta o médico pneumologista e especialista em Medicina do Sono Geraldo Lorenzi Filho, coordenador do Laboratório do Sono do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

E mais: noites de sono inadequado ou insuficiente podem aumentar o risco de diversos problemas físicos e psicológicos, como o risco de desenvolvimento de diabetes e doenças cardiovasculares, síndromes metabólicas e sexuais, reduzir a imunidade e causar queixas relacionadas à pele, irritabilidade, mau humor, lapsos de memória e dificuldades de concentração. Isso sem mencionar o surgimento ou agravamento de transtornos psiquiátricos, como ansiedade e depressão.

Confira as consequências do sono ruim:

  1. Fadiga e cansaço excessivo: o sono inadequado pode levar a fadiga e cansaço excessivo durante o dia, prejudicando o desempenho nas atividades diárias;
  2. Dificuldade de concentração e memória: a insônia ou o sono não reparador pode comprometer a capacidade de concentração e memória, dificultando o desempenho cognitivo;
  3. Alterações hormonais: noites ruins de sono podem levar ao desequilíbrio na regulação de hormônios, o que prejudica o funcionamento do organismo e pode causar problemas de saúde, inclusive resultando em ganho de peso, obesidade, diabete e colesterol alto;
  4. Aumento do risco de doenças cardiovasculares: a falta de sono adequado está associada a um maior risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, como hipertensão arterial e doença cardíaca;
  5. Elevação do risco de doenças neurológicas: sono ruim impede que o cérebro descanse adequadamente, reforce os aprendizados, consolide a memória e regule o sistema de estresse. Há aumento, inclusive, do risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC);
  6. Alterações imunológicas: a privação do sono é capaz de elevar os níveis de mediadores inflamatórios, o que pode diminuir a capacidade de resposta a infecções;
  7. Crescimento do estresse oxidativo: a falta de sono pode causar elevação do estresse oxidativo no organismo, o que está associado a uma inflamação crônica do corpo;
  8. Alterações no humor e na saúde mental: a insônia crônica ou o sono não reparador pode contribuir para o aumento do estresse, ansiedade, irritabilidade e depressão.

Segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), quatro em cada dez pessoas têm dificuldade para dormir.

Uma revisão de mais de 1,2 mil estudos publicada na revista científica Clinical Cardiology concluiu que ter insônia e dormir menos do que cinco horas por noite pode ser prejudicial à saúde. Pacientes que dormem menos de 5 horas apresentam o risco até 69% maior de ter um infarto em comparação com quem não tem insônia.

Desde 2022, a Associação Americana do Coração inclui o sono de qualidade como um dos oito itens essenciais para a saúde do coração, ao lado de exposição à nicotina, atividade física, alimentação, peso, glicemia, colesterol e pressão arterial.

Um estudo da Universidade de Berna, na Suíça, publicado em 2022, atesta que o sono tem papel essencial na saúde mental, podendo ajudar no tratamento de transtornos de ansiedade, depressão ou estresse pós-traumático.

— A insônia piora o desequilíbrio de neuromediadores do cérebro, como o GABA, a serotonina e a dopamina, cujo equilíbrio é a base para uma saúde mental adequada — ressalta o cronobiologista.

— No caso da ansiedade, a insônia está associada ao aumento da excitabilidade e do alerta, algo que já é a base fisiológica da própria ansiedade. Da mesma maneira, quem sofre de ansiedade tem dificuldade de iniciar ou manter o sono, levando à insônia. Já na depressão, um dos achados mais interessantes sobre a interação com a insônia demonstra que pacientes com depressão e insônia apresentam uma redução no metabolismo, na ativação de importantes áreas do córtex pré-frontal e frontal. Isso não apenas tem a capacidade de piorar a depressão, mas também diminui bastante as chances de sucesso do tratamento dela — completamenta o especialista.

Dicas para dormir bem

Confira 10 dicas para dormir bem, segundo a Cartilha do Sono e o Instituto do Sono:

  1. Tenha horários regulares para dormir e acordar: o ideal é ir dormir e acordar nos mesmos horários todos os dias, inclusive nos finais de semana, para ensinar o cérebro sobre a rotina, fazendo com que o sono seja mais proveitoso;
  2. Crie um ritual do sono: estabeleça uma rotina de ações a ser repetida todos os dias, como desligar os aparelhos eletrônicos, escovar os dentes e colocar a roupa de dormir, para reforçar para o cérebro que a hora de dormir está chegando;
  3. Durma em ambiente silencioso, escuro e confortável para o cérebro conseguir desacelerar e descansar tranquilamente, sem ruídos, luzes ou temperaturas que possam atrapalhar o sono;
  4. Evite cafeína e alimentos pesados antes de dormir, pois a cafeína é estimulante do sistema nervoso e uma alimentação inadequada pode fazer com o que o corpo não consiga descansar. Também por isso não é recomendado comer muito próximo da hora de dormir.
  5. Não beba antes de dormir: isso vale tanto para bebidas alcoólicas quanto para água. Apesar de haver o senso comum de que álcool induz o sono, o descanso pós-consumo de bebida alcoólica não é de qualidade. Quanto à água, deve-se diminuir a ingestão perto da hora de dormir para não haver a necessidade de despertar durante a noite para urinar.
  6. Limite o uso de dispositivos eletrônicos antes de dormir: as telas de celulares, tablets, computadores e televisões são estimulantes e podem interferir nos processos naturais de promoção de sono, estimulando o cérebro a estar desperto. O ideal é desligar os aparelhos eletrônicos pelo menos 1 hora antes de deitar. Se for necessário usá-los, ajuste as configurações para diminuir ao máximo a intensidade da luz.
  7. Faça exercícios físicos regularmente, evitando atividades intensas próximo ao horário de dormir: uma vida fisicamente ativa implica não somente no cansaço natural, o que por si só já induz ao sono, mas também favorece a liberação de neurotransmissores que contribuem para o relaxamento adequado durante o sono;
  8. Pratique técnicas de relaxamento, como meditação ou respiração profunda, para contribuir para o relaxamento;
  9. Evite cochilos longos durante o dia, especialmente de tarde, pois isso pode tirar o sono ou diminui-lo durante a noite. Obviamente, não deixe de tirar o cochilo no dias em que estiver muito cansado, mas evite uma duração superior a 30 minutos e prefira cochilar no início da tarde.
  10. Não tome remédios para dormir sem prescrição médica, uma vez que podem ter efeitos colaterais negativos. Melatonina pode ter benefícios para algumas pessoas, mas o médico deve ser consultado.

Fontes:

Andrea Bacelar (@andreabacelar) é neurologista e especialista em medicina do sono. É diretora da Associação Brasileira do Sono (ABS) e diretora médica da Clínica Bacelar.

Geraldo Lorenzi Filho (@geraldolorenzifilho) é médico pneumologista, especialista em Medicina do Sono e coordenador do Laboratório do Sono do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Mário André Leocadio Miguel é cronobiologista, doutor em Ciências (Fisiologia Humana) pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e representante do Conselho de Cronobiologia na Associação Brasileira do Sono (ABS).

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