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Por Juliana Baptista, para o Eu Atleta — São Paulo


Com a sua popularização e o aparecimento de diversos boxes em todo o Brasil, o crossfit ganhou muitos adeptos nos últimos anos. E por se tratar de uma prática de alta intensidade, com a popularidade veio o estigma de que a modalidade oferece um grande risco de lesões. Mas será que os crossfiteiros realmente se lesionam mais do que outros esportistas? Um estudo de 2018 desenvolvido no Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício da Universidade do Estado de Santa Catarina realizou uma revisão sistêmica do perfil de lesões entre os praticantes de crossfit e concluiu que a taxa de lesão variou de 1,94 a 3,1 lesões a cada 1.000 horas de treinamento, o que é considerado uma incidência baixa. Como comparação, "foram encontradas taxas de 2,3 a 33 lesões na corrida de rua, 2,5 no handebol, 5,4 no triatlo, 5,45 na ginástica, 9,6 no futebol e 26,7 no rugby, a cada 1.000 horas de treinamento", como explicam os pesquisadores. Neste mesmo estudo, foi apontado que as regiões do corpo mais acometidas por lesões foram os ombros, seguidos pelas costas e joelhos, com cotovelos também afetados.

Ortopedista comenta que as lesões mais comuns do crossfit são relacionadas aos ombros e a coluna lombar — Foto: Shutterstock

Segundo o médico ortopedista e traumatologista Cláudio Kawano, não é raro que os adeptos do crossfit tenham lesões prévias de outros esportes, o que tem impacto na realização dos treinos de alta intensidade.

- Deve-se lembrar que as lesões do ombro e coluna lombar podem aparecer mais. No entanto, muitos dos praticantes podem ter lesões prévias de outros esportes. Uma pessoa que machuca o ombro na musculação, por exemplo, só adapta o movimento para não fazer mais e por isso não aparenta. No crossfit, os exercícios são na maioria das vezes multiarticulares e não tem como a pessoa se enganar e não fazer pela lesão prévia; desse modo, a dor aparece e vão dizer que foi do crossfit - comenta o ortopedista e traumatologista.

Já o médico ortopedista Samuel Lopes, membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), afirma que outras modalidades esportivas como futebol, vôlei, lutas e até mesmo a corrida de rua têm uma incidência muito maior de lesões.

- Muita gente associa a prática do crossfit à alta intensidade de treinos, com cargas e pesos exagerados e séries com um grande número de repetições, porém não é isso que preconiza a metodologia quando analisamos o contexto do dia a dia dos treinos de um box. O ponto mais importante que devemos entender é o ajuste da capacidade do praticante e a demanda aplicada nos treinos. Grande parte das lesões e dores provenientes do crossfit está associada a esse desajuste, com alunos realizando treinos com grande sobrecarga, acima de sua capacidade e muitas vezes prejudicando também o gesto esportivo - explica Lopes.

Principais lesões do crossfit

Samuel ressalta que as lesões mais comuns do crossfit são relacionadas aos ombros e costas porque a modalidade exige uma grande amplitude de movimento dessas regiões com grande carga sobre a coluna lombar. Na modalidade, são realizados diversos movimentos de levantamento de peso olímpico, agachamentos e de empurrar e puxar. E esses movimentos, quando executados corretamente, ajudam a prevenir lesões já que promovem uma adaptação muscular e melhoram o condicionamento físico do esportista. O ortopedista ressalta sobre a importância de respeitar o tempo de evolução e não forçar a musculatura desnecessariamente.

- Entendendo a lesão como um evento agudo ou crônico que tira o praticante da atividade esportiva por alguns treinos e sabendo que grande parte das lesões no crossfit tem origem na sobrecarga nos treinos e a execução incorreta de movimentos, observamos que o tratamento através do repouso e fisioterapia é suficiente na maioria dos casos para melhora dos sintomas e retorno ao esporte. Entretanto, muitos atletas negligenciam a dor e insistem em treinar, agravando a lesão e intensificando a dor - explica Lopes

O ortopedista também comenta que casos mais graves, quando ocorrem rupturas de tendões no ombro ou hérnias de disco na região lombar, demandam tratamento cirúrgico, que resultará em um tempo maior de afastamento do esporte. Mas Samuel explica que mesmo nestes casos, o retorno ao esporte é possível.

Fatores que levam à lesões

Lesão nos esportes é um assunto polêmico entre os especialistas. Para avaliar sua ocorrência, é necessário observar o condicionamento físico do praticante, sua técnica e condições gerais como sexo, idade e prática de outras atividades em conjunto. Mas um consenso entre os médicos e pesquisadores é que uma das principais causas pelas quais os praticantes se machucam é tentar ultrapassar seus limites com muita velocidade e não respeitar o tempo de sua evolução na modalidade.

- Em todos os esportes, treinamentos de alta intensidade podem levar a maior ocorrência de lesões principalmente se o indivíduo não estiver treinado e preparado para isso. A alta intensidade vai variar muito de pessoa para pessoa. Uma caminhada de 500 metros pode ser de alta intensidade para um idoso, um cardíaco grave. No entanto, para um atleta de crossfit, a alta intensidade pode estar relacionada a um grande volume de repetições com carga moderada ou poucas repetições com cargas altas. Tudo depende do referencial, mas a maior ocorrência das lesões se dá quando ultrapassamos o nosso limite físico sem o controle e o planejamento de treino adequados. A partir do momento que existe um planejamento realizado por um bom coach, educador físico, dificilmente vai ocorrer lesão - esclarece Kawano.

Cláudio Kawano também afirma que existem diversos estudos que apontam que quanto mais forte a pessoa, menor o risco de lesões. E que a prioridade dos praticantes de crossfit deve ser o domínio da técnica, redobrar a atenção nos momentos de fadiga e respeitar o progresso dos treinos.

- Os principais cuidados que os praticantes devem ter são focar na técnica correta dos exercícios e somente depois ir aumentando a carga; ter uma nutrição e suplementação adequadas, pois isso influi e muito no rendimento e na recuperação muscular; estar atentos ao coach que orienta os exercícios adequadamente e limita os excessos; e entender o que seu corpo está dizendo. Quando estamos cansados, fadigados, a atenção é redobrada para não falhar a técnica, principalmente quando trabalhamos com carga e atividades que exigem muita coordenação. E ao sentir dor, procure um médico que entenda sobre o crossfit, para poder ter um tratamento mais condizente e adequado - orienta.

O ortopedista Samuel Lopes reforça a importância do acompanhamento do instrutor durante os treinos de crossfit. Devido ao excesso de carga e as repetições realizadas durante as aulas, é imprescindível a individualização dos treinos e orientações dos coaches quanto à execução correta dos movimentos e ajuste de progressão gradual das cargas para evitar lesões. Lopes ressalta que a evolução dentro da modalidade não deve ser analisada somente pelo aluno, pois mesmo que ele se sinta apto para avançar, o treinador deve avaliar se a sua técnica está correta.

Ortopedista afirma que é possível voltar plenamente ao esporte após uma cirurgia decorrente de lesões. — Foto: Shutterstock

Após as lesões, é possível retornar ao crossfit?

Outro mito muito comum é de que após se lesionar, o praticante de crossfit não poderá retornar à modalidade. Como as principais lesões são dos ombros, costas, joelhos e cotovelos e o crossfit é um esporte que trabalha diversos grupos musculares de maneira global em seus treinos, muitos pensam que não poderão mais voltar a treinar.

Kawano afirma que sempre é possível retornar ao crossfit, mesmo após uma cirurgia decorrente de lesões. O ortopedista ressalta que o que deve ser levado em consideração no retorno é a adaptação do treino até a completa recuperação do atleta. O médico afirma que existe muita desinformação e preconceito contra o crossfit e por isso é criado este estigma de que após se machucar, o praticante não poderá mais realizar o esporte. Mas Kawano afirma que os benefícios que o crossfit promove para a saúde são muito maiores que a inatividade física.

Samuel Lopes também concorda que é possível voltar plenamente ao esporte após uma cirurgia, já que atualmente as técnicas cirúrgicas-ortopédicas avançaram muito, juntamente com os processos de reabilitação fisioterapêutica pós-operatória.

- Para o retorno, alguns cuidados são fundamentais, desde a escolha de um ortopedista especialista em lesões esportivas e obediência por parte do atleta a todas as etapas de recuperação, fortalecimento, treinos específicos e liberação para retorno ao esporte por parte do médico, do fisioterapeuta e do treinador. E devemos ressaltar um ponto importante sobre o retorno ao esporte após uma cirurgia que é o trabalho preventivo para novas lesões - explica Lopes

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