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Por Rebeca Letieri, para o Eu Atleta — Rio de Janeiro


Dentre os transtornos alimentares mais comuns, o mair prevalente é a anorexia nervosa, caracterizada pela recusa do paciente em manter o menor peso adequado para sua altura e idade. Existe um medo intenso de ganhar peso e a percepção da forma e do tamanho do próprio corpo é alterada. Endocrinologista e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Flávia Lopes Macedo explica que a anorexia está associada a um distúrbio da imagem corporal. Bailarinas e atletas como ginastas, fisioculturistas, patinadores, esquiadores e lutadores estão no grupo de risco para o desenvolvimento dessa doença, já que o peso é um aspecto importante para o seu desempenho.

No Brasil, um caso conhecido é o da surfista Andrea Lopes, que conseguiu superar a doença. No exterior, um sinal vermelho foi aceso em 1994 quando a ginasta americana Christy Henrich, de 22 anos, morreu pesando apenas 28 quilos. A própria Nadia Comaneci, romena que foi primeira ginasta a alcançar uma nota 10 perfeita, nas Olimpíadas de Montreal, em 1976, já revelou ter lutado contra distúrbios alimentares durantes anos.

A anorexia é caracterizada, entre outras coisas, por longos jejuns e dietas muito restritivas — Foto: Istock Getty Images

– A anorexia está caracterizada por um paciente com baixo peso que se enxerga gordo e, muitas vezes, obeso. A doença está ligada a transtornos obsessivos compulsivos e pode levar à morte – alerta a médica.

A nutricionista clínica Tassiana Rozon conta ainda que a anorexia acarreta em atitudes de risco como dietas restritivas, abuso de exercícios físicos, indução de vômito para expulsar as refeições e até mesmo uso de medicamentos como laxantes. O problema pode afetar qualquer faixa etária ou gênero, mas, como a bulimia, é mais comum em mulheres jovens. De acordo com um estudo da King College London, a anorexia é um distúrbio metabólico-psiquiátrico híbrido, sendo importante considerar os fatores de risco metabólico e psicológico ao explorar novos caminhos para o tratamento dessa doença potencialmente letal. O comportamento do paciente com anorexia é uma progressiva e grave restrição alimentar. Ou seja, o indivíduo normalmente elimina os alimentos que julga mais ricos em calorias e termina por excluir progressivamente vários outros.

– Questões ligadas ao alimento se tornam centrais na vida dos pacientes. Esta restrição alimentar praticada na anorexia leva a uma marcante perda de peso. Os pacientes frequentemente negam o problema, mostrando-se indiferentes ao seu péssimo estado nutricional – explicou Vanessa.

Causas

A anorexia é um transtorno alimentar grave que pode levar à morte: a autoimagem da pessoa não corresponde à realidade — Foto: Getty Images

A psicóloga Vanessa Tomasini, com mais de 18 anos de experiência em consultório com pacientes com "obesidade e comer transtornado", enumerou alguns fatores que são predisponentes, desencadeadores e mantenedores da anorexia. Ela destaca, entretanto, que nenhum destes aspectos é determinante isoladamente.

Fatores predisponentes:

  • O principal fator de risco é ser do sexo feminino (3 a 4 mulheres para 1 homem);
  • A obesidade na infância pode ser considerada um fator de risco para o transtorno alimentar (TA);
  • A genética pode aumentar a chance de outros familiares sofrerem com esses transtornos;
  • Relações familiares muito rígidas e disfuncionais em que é dada uma grande importância à aparência;
  • Traços psicológicos dos indivíduos como: baixa autoestima, perfeccionismo, autocrítica acentuada;
  • Valores culturais sobre o tamanho e a forma do corpo;
  • Profissões ligadas ao corpo, como: modelos, bailarinas, atletas de Ginástica Olímpica, fisioculturistas, patinadores, esquiadores, lutadores e outros esportistas, assim como estudantes de medicina, nutrição e psicologia.

Fatores desencadeantes:

  • Um dos principais fatores é a idade, já que cerca de 80% dos transtornos alimentares iniciam-se na adolescência, devido a todas as mudanças hormonais, psicológicas e sociais.
  • Desenvolvimento da sexualidade, aquisição das formas do corpo adulto e a formação da identidade;
  • Padrões rígidos de beleza disseminados pelas mídias em que liga se a aparência física a autoestima e sucesso.
  • Frequentemente, o indivíduo infeliz com seu corpo inicia uma dieta. Para a maioria das pessoas, a “dieta” será transitória (tem começo, meio e fim), mas para os pacientes não.

Fatores mantenedores:

  • Nos transtornos alimentares, são verificados mecanismos biológicos, psicológicos e sociais que reforçam a doença, dificultando o tratamento.

A Associação Nacional de Distúrbios Alimentares (NEDA) estima que cerca de 30 milhões de americanos enfrentam um distúrbio alimentar em algum momento de suas vidas e estudos mostram que 47% dos corredores, muitos deles competidores de alto nível, experimentam uma alimentação desordenada.

Sintomas:

  • Medo intenso de ganhar peso;
  • Jejuns prolongados que duram horas, dias ou semanas;
  • Quando perde peso, não há alivio da angústia;
  • Metas irreais com relação ao peso;
  • Evitam jantares e restaurantes com amigos e famílias;
  • Negação da fome;
  • A perda de peso é vista como sucesso;
  • O ganho de peso é visto como um grande fracasso;
  • Peso significativamente baixo (85% abaixo do esperado);
  • Distorção da imagem corporal;
  • Ausência de reconhecimento da gravidade do transtorno;
  • O valor pessoal e a autoestima estão diretamente ligados com a forma como vivenciam o corpo;
  • Comportamento persistente para aliviar a angústia: se pesar, medir, checagem no espelho e comparar seu corpo com de outras pessoas;
  • Perfil de perfeccionismo: controle com o corpo e com a alimentação.

Consequências para a saúde do paciente:

Diferentemente da bulimia, a anorexia é visível aos olhos — Foto: Getty Images

  • Desnutrição;
  • O paciente restringe a ingestão de energia comparado as necessidades, levando a um baixo peso;
  • Existe um medo intenso do ganho de peso ou de se tornar gordo, ou comportamentos persistentes que interferem no ganho de peso – mesmo estando abaixo do peso;
  • O paciente desenvolve uma grande dificuldade no modo de vivenciar o peso, tamanho ou forma corporal;
  • O medo de tornar-se obeso leva a comportamentos com a finalidade de perder peso, como exercícios vigorosos, abuso de laxantes e diuréticos e vômitos auto induzidos em 40 % dos casos;
  • A percepção do gosto costuma realmente ser reduzida, assim como a motilidade gástrica;
  • 5% dos pacientes com NA chegam a óbito;
  • Pode ocorrer a suspensão da menstruação. A amenorreia é a complicação endócrina mais frequente;
  • Bradicardia e hipotensão: são em decorrência a desnutrição e da diminuição da catecolaminas;
  • Obstipação;
  • Leucopenia e linfopenia, com a diminuição da capacidade de defesa do organismo;
  • Osteoporose e osteopenia, podendo causar fraturas. São agravadas pela amenorreia (ausência da menstruação);
  • Diminuição do filtrado glomerular causado pela desidratação e pode haver aumento a probabilidade de nefrolitíase;
  • Hirsutismo (pele coberta por uma fina camada de pelos) e lanugem (cabelos ralos e com poucos fios);
  • Pele amarelada em virtude da alta ingestão de alimentos ricos em caroteno (cenoura, abóbora, mamão);
  • Pele ressecada;
  • Apatia, falta de disposição e cansaço;
  • Pressão baixa;
  • Hipotireoidismo;
  • Anemia e leucopenia.

– O baixo consumo alimentar tem consequências evidentes no estado nutricional, com efeitos similares à desnutrição proteico-calórica. O organismo realiza ajustes fisiológicos, que resultam em baixa taxa de metabolismo basal, baixa pressão sanguínea, bradicardia, hipotireoidismo, hipotermia, constipação e alterações no sono. Encontra-se, ainda, pele fria e pálida, estrutura óssea proeminente, sendo a osteopenia e a osteoporose frequentes. É comum, também, queda de cabelos, aparecimento de uma fina camada de pelos sobre a pele (lanugo) e de problemas de pele. Anemia, leucopenia e altos níveis de colesterol total são também encontrados em consequência da desnutrição – acrescentou a psicóloga.

Tratamento

O tratamento é multidisciplinar, com equipe especializada em transtornos alimentares: psiquiatra, psicólogo, nutricionista e profissional de educação física. O importante é conscientizar o paciente da importância de aceitar a sua imagem corporal, trabalhar a autoconfiança e autoestima e fazer uma reeducação alimentar.

– A psicoterapia tem apresentado efeitos positivos no tratamento, pois anorexia nervosa é uma doença complexa que impõe grandes desafios a cada estágio do tratamento e os pacientes são constantemente contrários a evolução do tratamento, precisando investigar e identificar onde está o problema para solucionar e ter sucesso – acrescenta Tassiana.

A nutricionista lembra que o tratamento é válido também nos esportes em que o peso é considerado um fator de desempenho: os atletas têm chances melhores de obter uma imagem corporal saudável quando treinadores não focam no peso. Ou seja, para Tassiana, é necessário um trabalho não só com o atleta, mas também com o treinador, para melhorar a linguagem com o atleta e não haver tantas cobranças.

Outros transtornos:

Todo transtorno alimentar deve ser tratado com uma equipe médica multidisciplinar — Foto: Getty Images

Tanto a bulimia como a anorexia são transtornos ligados ao medo de engordar e atingem, principalmente, as mulheres. A anorexia é mais recorrente em garotas de 12 a 18 anos, enquanto a bulimia é mais comum entre as de 16 a 25 anos. Pesquisas recentes apontam que a preocupação com o corpo também atinge os homens – quase 10% do total de casos são do sexo masculino, seguindo a mesma faixa etária feminina.

É importante ressaltar, entretanto, que a bulimia e a anorexia não coexistem. Na anorexia nervosa existe uma perturbação no modo de vivenciar o peso, tamanho ou forma corporais; excessiva influência do peso ou forma corporais na maneira de se autoavaliar; negação da gravidade do baixo peso, etc. Vanessa explica que o medo de tornar-se obeso leva a comportamentos com a finalidade de perder peso, como exercícios vigorosos, abuso de laxantes e diuréticos e vômitos autoinduzidos em 40% dos casos (subtipo purgativo da AN) – os que não tem estes comportamentos são do subtipo restritivo. Já a bulimia é caracterizada por episódios do comer compulsivo seguidos de métodos compensatórios inadequados para evitar o ganho de peso, incluindo o vômito. Mas isso não significa, segundo a psicóloga, que é possível diagnosticar um indivíduo com as duas doenças.

Outros distúrbios são:

  • Bulimia: o paciente tem episódios do comer compulsivo seguidos de métodos compensatórios inadequados para evitar o ganho de peso, incluindo o vômito. Nem sempre a desnutrição é visível, como ocorre com a anorexia.
  • Ortorexia: é um transtorno alimentar no qual a pessoa tem compulsão por consumir alimentos saudáveis e busca constantemente pela dieta perfeita.
  • Vigorexia: também conhecido como bigorexia ou transtorno dismórfico muscular, é caracterizada pela insatisfação constante com o corpo, que afeta principalmente os homens, levando-os à prática exaustiva de exercícios físicos

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