O editor de vídeo André Foligno, de 40 anos, é exemplo de que o tratamento de doença renal pode ir além da máquina de hemodiálise. Treinando corrida, o paulistano reconquistou qualidade de vida, mesmo tendo de fazer diálise seis dias por semana por causa de uma insuficiência renal, e realizou uma façanha ao completar uma maratona, percorrendo os 42 km de prova ao lado do médico nefrologista responsável por tratá-lo.
— A doença é um fato. Ela está lá. E a corrida não vai mudar isso. Mas a corrida melhorou demais a minha qualidade de vida — conta o maratonista.
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Como o esporte pode ajudar pacientes renais em diálise
Foi aos 28 anos que a vida de André sofreu uma reviravolta. Diagnosticado com uma doença nos rins depois de picos de hipertensão, descobriu que tinha só 20% da função renal, o que logo lhe colocaria na fila do transplante como única alternativa à hemodiálise.
André chegou a receber um rim novo, doado pelo tio, mas, meses depois, o órgão parou de funcionar. Não restou outra opção a não ser hemodiálise, e o paulistano teve um período de fragilidade em razão da perda de massa muscular e de profundo abatimento, logo sucedido pela força que o esporte proporciona.
— Eu comecei a correr quando fazia um ano que eu estava dialisando. O intuito inicial da corrida era eu poder ingerir mais líquido. Eu comecei única e exclusivamente com esse objetivo. Era correr para suar e poder beber água.
É que o paciente renal não pode consumir muita água. É justamente o rim o responsável por filtrar o líquido do corpo. Quando o órgão não funciona, a água - e todos os componentes dela - se acumulam no organismo.
André (dir.) e o médico dele, Bruno, na linha de chegada de 42 km do SP City Marathon — Foto: Reprodução
O Brasil tem mais de 150 mil pessoas em tratamento de hemodiálise, segundo o último Censo Brasileiro de Diálise, de 2022, realizado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia.
Incentivado pela professora de pilates, cujas aulas eram para recuperar massa muscular e o alertaram que atividades físicas o faziam suar bastante, André começou a correr. E correu cada vez mais. E cada vez mais longe.
![Documentário conta a história de paciente renal crônico que virou maratonista Documentário conta a história de paciente renal crônico que virou maratonista](https://s03.video.glbimg.com/x240/12436302.jpg)
Documentário conta a história de paciente renal crônico que virou maratonista
Depois de treinar por conta própria a partir de 2020, André passou a ter uma assessoria esportiva em 2022, sendo acompanhado por especialistas de diferentes áreas, o que lhe possibilitou iniciar nas corridas de rua. Inicialmente competiu em provas de menores distâncias, posteriormente em maiores.
André (dir.) e Bruno correndo a SP City Marathon 2023 — Foto: Reprodução
No avançar dos treinamentos, o corredor teve não apenas o acompanhamento médico, mas a companhia do nefrologista, Bruno Piubelli Biluca, nas provas de corrida.
— Tem paciente que vem na clínica e vê o médico dele três vezes por semana e às vezes tem paciente, como o André, que vê o médico dele seis vezes por semana. É impossível não criar vínculo. Quando tem assuntos e gostos em comum, que é o nosso caso, a gente gosta de correr, foi uma coisa natural a gente só falar de corrida, começar a correr e a propor os desafios juntos — conta Bruno.
André realiza hemodiafiltração seis vezes por semana, duas horas por dia. É um tempo menor do que quem faz sessões três vezes por semana. Neste caso, são cerca de quatro horas. Por isso, o editor de vídeo tem disposição para ir direto da diálise para a corrida e se sentir bem.
Os dois, médico e paciente, passaram a correr lado a lado e enfrentaram, juntos, o maior desafio de ambos, os 42 km do SP City Marathon, em julho de 2023. Eles cruzaram a linha de chegada com 4 horas de prova.
— É muito emocionante mesmo você saber que concluiu o objetivo que colocou, mas não só isso. Você colocou um objetivo que não tinha certeza se iria conseguir. É um objetivo difícil e distante. Você ver que conseguiu é uma emoção gigantesca — relembra André.
— Tanto que, na hora que a gente chegou, eu fiz questão que ele colocasse a medalha em mim, porque era uma vitória muito grande e era muito especial ter concluído isso com ele, de toda a jornada que a gente passou e todos os planos que a gente fez. Foi especial. É um dos momentos mais emocionantes da vida — complementou o corredor, que treinou por meses e teve acompanhamento multidisciplinar durante a preparação para correr a maratona.
— Para mim, foi muito impactante ter sedimentado dois sentimentos, de que a gente é capaz de fazer o que a gente se propõe a fazer e de que a limitação está na nossa cabeça — salienta Bruno.
— O André acabou a prova porque treinou muito e estava condicionado, mas também porque a cabeça dele o levou até o final. Ele já tem muita coisa para se preocupar. Ele poderia focar no problema, mas focou na meta dele e conseguiu buscar pelo psicológico. Foi o mais impactante. Se a gente conseguiu, as pessoas obviamente que se prepararem também vão conseguir — pontua o médico.
Bruno coloca a medalha em André ao término da SP City Marathon 2023 — Foto: Reprodução
Essa história de superação motivou até a gravação de um documentário, chamado "Sobre Viver", sobre o raro caso de André. O filme foi idealizado pela Danilo Pinheiro Performance e Marketing, com a Red Cave Produtora para a Fenix Nefrologia. A equipe do documentário afirma que se trata do primeiro paciente renal, em tratamento de hemodiálise, a correr uma maratona de 42 km.
Como próximos passos nessa corrida da vida, André quer continuar praticando corrida e tem os sonhos de participar de uma das Majors - circuito das principais provas de rua do mundo - e conseguir um transplante para disputar uma maratona como transplantado.
— Eu nunca vou deixar de correr porque é um esporte que vicia e que me faz muito bem. Eu pretendo correr outras maratonas e tenho sonho de correr uma major, que é uma maratona em que você está ali com milhares de pessoas do mundo inteiro. E obviamente eu estou na fila do transplante e tenho o sonho de transplantar e fazer uma maratona transplantado. Vai ser uma outra condição clínica, diferente de hoje.
— Hoje eu sou um maratonista que faz diálise. Eu quero ser um maratonista transplantado — sonha André.
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