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Por Matheus Wenna, para o EU Atleta — Rio de Janeiro


Dietas de quem pega pesado na musculação costumam incluir alta quantidade de proteína animal, como ovo, frango e carne vermelha. Porém, segundo especialistas, é possível obter hipertrofia com dieta vegana, recorrendo a alimentos de origem vegetal com concentrações maiores de proteínas.

Essa dúvida tem se tornado cada vez mais recorrente porque o vegetarianismo e o veganismo são movimentos em alta no Brasil e no mundo.

Conforme a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), o número de veganos no Brasil está estimado em 7 milhões de pessoas - o maior da América Latina. Dados do Ministério da Fazenda apontam que a quantidade de empresas brasileiras abertas com o nome tendo a palavra "vegano" saltou mais de 500% de 2012 a 2022, o que indica um mercado consumidor em expansão.

Dieta vegana: é possível obter hipertrofia sem consumir proteína de origem animal — Foto: iStock

Hipertrofia com dieta vegana

Diferentemente do vegetarianismo, que inclui na dieta alguns alimentos de origem animal, como ovos e laticínios, o veganismo contempla apenas alimentos 100% vegetais. Os veganos evitam, inclusive, usar quaisquer produtos, como roupas e cosméticos, que tenham qualquer ligação com animais.

Mais do que abrir mão de ovo, frango e outras fontes tradicionais de proteína, que é nutriente essencial para a musculatura, os veganos também não consomem suplementos como whey protein, caseína e colágeno.

Mesmo com tantas restrições, os especialistas entrevistados pelo EU Atleta são categóricos: dá para construir e manter massa muscular sendo vegano.

É possível hipertrofiar sendo vegano, a partir da oferta adequada de energia, proteína, lipídios, vitaminas e minerais, provenientes de alimentos de origem vegetal e suplementação, se necessário, além de hidratação e rotina de sono satisfatórias — resume a nutricionista Aline Gonçalves.

Um estudo da Universidade de São Paulo (USP), publicado em 2021, corrobora isso ao atestar que o ganho de massa muscular proporcionado pelas dietas vegana e onívora é equivalente, já que o importante é o treino aliado à ingestão proteica adequada, independentemente da fonte.

Proteínas na dieta vegana

Embora o senso comum ligue músculo a proteína animal, o nutriente pode ser encontrado em outros alimentos - e nem é o único importante para a obtenção de massa muscular.

— Óbvio que é um nutriente importante, mas a gente hipervaloriza o papel das proteínas, dando menos atenção a outros nutrientes altamente importantes, como os carboidratos, as vitaminas, os mineirais, os compostos bioativos e as gorduras consideradas boas. E a gente aprendeu desde sempre que proteína é alimento de origem animal, mas não pode esquecer que as proteínas destes animais vieram do que eles comeram. E eles comem vegetais — explica a nutricionista Alessandra Luglio, diretora do Departamento de Saúde e Nutrição da SVB.

— Nós comemos os aminoácidos produzidos pelas plantas por meio dos animais. Tirar os animais desta história e ir às plantas é altamente plausível, possível e coerente, porque vamos diretamente à fonte.

Leguminosas como feijão e oleaginosas como nozes e castanhas são alimentos ricos em proteínas vegetais — Foto: iStock

Fontes veganas de proteína

O nutricionista Filipe Testoni, coordenador de Nutrição Esportiva no Departamento de Saúde e Nutrição da SVB, aponta que a soja é a proteína vegetal que, do ponto de vista nutricional, mais se aproxima da carne. Ela pode ser consumida de diferentes maneiras.

— Existe o mito de que a soja tem o potencial de provocar efeitos feminilizantes, como a "tetinha" e também que meninas podem entrar na puberdade mais cedo e menstruar mais novinhas. E nada disso é verdade. Esse mito existe porque a soja é rica em um composto chamado fitoestrógeno, que possui uma estrutura química semelhante à do estrogênio, que é um hormônio feminino. Levantou-se essa hipótese, mas isso não acontece — esclarece o especialista.

Mas a soja não é o único alimento que, para os veganos, serve como fonte de proteína para hipertrofia.

Confira quais são possíveis fontes veganas de proteína:

  • Soja, que pode ser consumida em grãos, nas formas de proteína texturizada ("carne de soja") ou ainda em alimentos derivados da fermentação, como tofu, natto e tempeh, entre outros. Tem até 34,05g de proteína por 100g de alimento, a depender da variação e do modo de preparo;
  • Seitan, alimento de origem japonesa produzido a partir da proteína do trigo. Tem de 20g a 30g de proteína por 100g de alimento cozido;
  • Leguminosas de todos os tipos, como feijões, lentilhas, ervilhas, grão-de-bico, edamame, tremoços e amendoins. Tem até 22,42g de proteína por 100g de alimento, a depender da variação e do modo de preparo;
  • Sementes, como a quinoa, o gergelim e as de abóbora e girassol. Tem até 21,17g de proteína por 100g de alimento, a depender da variação;
  • Oleaginosas, como amêndoas, nozes, castanhas e pistache. Tem até 21,15g de proteína por 100g de alimento, a depender da variação;
  • Cereais integrais, como arroz e aveia. Tem até 19,3g de proteína por 100g de alimento, a depender da variação e modo de preparo;
  • Cogumelos, como champignon, shimeji, shiitake e outros. Tem até 2,55g de proteína por 100g de alimento, a depender da variação e do modo de preparo;
  • Proteína vegetal em pó, também comercializado como "whey vegano", produzido a partir das proteínas do arroz, da soja, da ervilha e de outros alimentos. Quando consumido em dose de 30g, chega a ter mais de 90% de proteína em sua composição.

Suplementação de vitamina B12

Há, sim, um nutriente que não é encontrado nos vegetais: a vitamina B12. Contudo, os especialistas destacam que isso não configura qualquer contraindicação à dieta vegana, já que a B12 pode ser monitorada e, em caso de deficiência, suplementada. A quantidade deve ser determinada por profissional, médico ou nutricionista.

— O único nutriente que não encontramos no reino vegetal e que, em geral, demanda suplementação é a vitamina B12. Essa vitamina é sintetizada exclusivamente por bactérias e as fontes confiáveis são carnes, ovos, produtos lácteos, alimentos enriquecidos e suplementos. Veganos só ingerem essa vitamina por meio de alimentos enriquecidos ou suplementos. Sendo assim, é necessário sempre dosar os níveis séricos (quantidade presente no sangue) de vitamina B12 e realizar acompanhamento médico ou nutricional para suplementação adequada — detalha Aline.

Histórias de hipertrofia vegana

Atleta de remo até os 18 anos de idade, Tiago Feitosa ficou forte antes de todos os amigos comendo muita carne, leite e ovos. Entretanto, com orientação médica de que a avó, com quem morava e que estava em tratamento contra câncer, deveria evitar o consumo de proteína de origem animal, Tiago passou a preparar refeições 100% vegetais e a comê-las também. Ele começou a assistir a documentários sobre sustentabilidade e indústria da carne e decidiu adotar o veganismo como filosofia de vida.

— Com 18 ou 19 anos, eu decidi ser vegano. Fui pelo caminho de meditação e yoga e emagreci. Fiquei muito magro mesmo, com quase 1,90m e 70kg. Em algum momento, eu voltei a malhar e, em três anos, passei dos 70kg para quase 100kg. Só malhando e comendo proteínas vegetais, como feijão, grão-de-bico, lentilha e ervilha. É isso que me sustentou e que me sustenta — relata Tiago.

Quando Tiago virou vegano, os amigos dele não acreditavam que o novo estilo de vida duraria muito. Já são dez anos de veganismo. Ele admite que não é fácil seguir uma dieta tão restrita, mas, sendo dono de uma marca de culinária vegana, consegue manter a alimentação em dia. Quando come fora de casa, consome só arroz e feijão.

— Os volumes são surreais. Eu como bastante comida porque a digestão é muito acelerada. Meu café da manhã é mais moderado, mas o almoço e o jantar têm mais de 1kg de comida com certeza. O processo para hipertrofiar é igual ao de qualquer pessoa, comendo carne ou não, que é comer muito e malhar. A quantidade de proteínas não foi difícil de bater até pelo apetite e pela vontade de comer. A base da minha alimentação é arroz e feijão, mas em doses cavalares — destaca.

Para além da hipertrofia, o carioca relata ainda que observou outras melhoras no organismo e na disposição para atividades físicas, como a corrida. Ele ressalta a importância, entretanto, de que, vegana ou não, a alimentação precisa conter opções nutritivas.

— Quando eu era maromba não-vegano, eu me sentia sempre muito estufado, inchado, pesado. Com o veganismo, mesmo comendo em maior quantidade, não me sinto assim. Quando eu parei de comer carne, senti vontade de começar a correr e me sentia muito mais leve e ágil. Além disso, digestão perfeita, imunidade melhorou muito... Óbvio que eu estou falando isso tudo da perspectiva de uma pessoa que saiu de uma alimentação com carne saudável que começou a comer sem carne saudável. Eu não descontei em massas, que são coisas menos nutritivas. Eu segui comendo grãos, legumes e vegetais. Passei só a comer sem carne e aumentando as quantidades — contextualiza Tiago.

Há ainda quem mostre que é possível chegar ao limite do corpo humano sendo vegano. É o caso do fisiculturista Guilherme Abomai. O bodybuilder de Santo André (SP) compete na categoria Open, a divisão do esporte que mais exige hipertrofia dos músculos.

Guilherme conta que, quando adotou o veganismo, escutou que a carreira no esporte estava arruinada. Recentemente, o atleta obteve o 3º ugar na competição amadora do Arnold Classic Brasil. Em outubro, no Olympia Brasil, competirá em busca de pro card para se tornar o primeiro fisiculturista profissional vegano.

Para Guilherme, a dieta vegetal surgiu primeiro como uma questão de saúde. Com problemas físicos e de digestão, o fisiculturista passou a incluir mais vegetais nas refeições e, consequentemente, descobriu o veganismo.

— Há muitos influencers fitness com shape lindíssimo sendo veganos, mas nenhum com um físico agressivo para competição. Eu tive que ser esse cara que fez os testes em mim mesmo. Eu tive que experimentar em mim os tipos de alimentos, sentindo as respostas e repassando isso para pessoas próximas. Assim como um atleta onívoro tem suas estratégias, tive que criar as minhas em cima de uma dieta vegana.

Como todos os bodybuilders, Guilherme precisa atingir metas calóricas altíssimas nos períodos de ganho de massa. Ele, inclusive, brinca que não come um prato de feijão, mas sim um balde.

Alimentos vegetais, apesar de bastante nutritivos, costumam ter uma densidade calórica (concentração de calorias por grama de alimento) bem menor do que os de origem animal. Por isso, a ingestão de alimentos precisa ser mais alta.

— O veganismo me ajudou a ter mais constância nos treinos e na dieta. Quando você é um atleta onívoro, se apega a tipos de alimento que não pensa que existem outras variedades. Você passa muito tempo comendo a mesma coisa e, no longo prazo, isso acaba com a sua cabeça. É muito comum um atleta de fisiculturismo estar louco para comer um hambúrguer ou uma pizza. Com a dieta vegana, eu não tive essa necessidade. Terminou a competição e eu vou continuar a vida, continuar com essa constância. Eu sigo uma dieta que me traz performance e prazer sem, a longo prazo, ter prejuízo para a minha saúde.

Fontes:

Alessandra Luglio é nutricionista, diretora do Departamento de Saúde e Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) e organizadora do e-book "Guia de Nutrição Esportiva Vegana".

Filipe Testoni é nutricionista de atletas veganos de diferentes modalidades, coordenador de Nutrição Esportiva no Departamento de Saúde e Nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) e um dos autores do e-book "Guia de Nutrição Esportiva Vegana".

Aline Gonçalves é nutricionista formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pós-graduada em Terapia Nutricional Enteral e Parenteral pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro e pós-graduanda em Nutrição Vegetariana e Vegana pela Nutmed.

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