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Por Úrsula Neves, para o EU Atleta — Rio de Janeiro


Ultraprocessados podem ser práticos e agradáveis aos olhos e ao paladar, mas a facilidade custa caro para uma vida saudável, porque são extremamente prejudiciais ao organismo humano e estão ligados, segundo a ciência, à ocorrência de 32 problemas de saúde. Isso porque os ultraprocessados têm adição de açúcares, sódio, gorduras e aditivos químicos, ao mesmo em que são pobres em vitaminas, sais minerais e fibras.

Ultraprocessados são alimentos produzidos industrialmente — Foto: iStock

Uma revisão de 45 estudos publicada na revista científica "The BMJ" encontrou evidências de que existe uma associação entre bebidas e alimentos ultraprocessados e risco aumentado para 32 problemas de saúde.

Quais são os 32 problemas de saúde associados ao consumo de ultraprocessados:

  1. Mortalidade por todas as causas;
  2. Mortalidade por câncer;
  3. Mortalidade por doenças cardiovasculares;
  4. Mortalidade por problemas cardíacos;
  5. Câncer de mama;
  6. Câncer (geral);
  7. Tumores do sistema nervoso central;
  8. Leucemia linfocítica crônica;
  9. Câncer colorretal;
  10. Câncer pancreático;
  11. Câncer de próstata;
  12. Desfechos adversos relacionados ao sono;
  13. Ansiedade;
  14. Transtornos mentais comuns;
  15. Depressão;
  16. Asma;
  17. Chiado no peito;
  18. Desfechos de doenças cardiovasculares combinados;
  19. Morbidade de doenças cardiovasculares;
  20. Hipertensão arterial;
  21. Hipertriacilglicerolemia;
  22. Colesterol HDL baixo;
  23. Doença de Crohn;
  24. Colite ulcerativa;
  25. Obesidade abdominal;
  26. Hiperglicemia;
  27. Síndrome metabólica;
  28. Doença hepática gordurosa não alcoólica;
  29. Obesidade;
  30. Excesso de peso;
  31. Sobrepeso;
  32. Diabetes tipo 2.

Os resultados revelaram fortes indícios de que a ingestão de alimentos ultraprocessados está associada a risco aumentado de 50% de morte relacionada a doenças cardiovasculares; 53% de transtornos mentais comuns; 48% de ansiedade prevalente; e 12% maior de diabetes tipo 2 a cada 10% de elevação dos ultraprocessados na alimentação. Indicativos menos consistentes apontam para uma chance 20% maior de morte por qualquer causa, 55% de obesidade, 41% de problemas de sono, 40% de chiado no peito e 20% de depressão.

Os resultados dessa revisão são muito relevantes, pois demonstram que é necessário reduzir o consumo de ultraprocessados e aumentar a consciência da população sobre alimentação saudável, na opinião da epidemiologista Eurídice Martínez Steele, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP).

— Apesar das diferenças metodológicas entre os estudos, já sabemos que o consumo excessivo desses alimentos está relacionado com o aumento de doenças crônicas não transmissíveis. O incentivo à pesquisa é essencial para entender os riscos, mas a educação nutricional para ensinar a leitura de rótulos e a interpretação das tabelas nutricionais precisam ser prioridade, visto que promovem autonomia para a pessoa conseguir optar por opções com menor teor de gorduras, açúcares e aditivos — destaca a nutróloga Daniela França Gomes, presidente do Comitê de Pediatria da Sociedade Brasileira de Nutrição Enteral e Parenteral (Braspen).

O que são ultraprocessados

Ultraprocessados são alimentos produzidos na indústria inteiramente ou majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos (óleos, gorduras, açúcar, amido, proteínas), derivadas de constituintes de alimentos (gorduras hidrogenadas, amido modificado) ou sintetizadas em laboratório com base em matérias orgânicas como petróleo e carvão (corantes, aromatizantes, realçadores de sabor e vários tipos de aditivos usados para dotar os produtos de propriedades sensoriais atraentes), segundo definição do Guia Alimentar da População Brasileira.

Os produtos ultraprocessados são muito atraentes para os olhos, o paladar e o bolso, sendo vendidos por preços menores do que os de alimentos in natura e minimamente processados.

— Eles são formulados para serem hiper palatáveis (muito gostosos, de um jeito que não são encontrados na natureza) e numa lógica de produção que transforma comida em mercadoria — define a pesquisadora do Nupens/USP.

Exemplos de ultraprocessados:

  • Biscoitos, sorvetes, balas e guloseimas em geral;
  • Cereais açucarados para o desjejum matinal;
  • Bolos e misturas para bolo industrializados;
  • Barras de cereal;
  • Sopas, macarrão e temperos instantâneos;
  • Molhos;
  • Salgadinhos "de pacote";
  • Refrescos e refrigerantes;
  • Iogurtes e bebidas lácteas adoçados e aromatizados;
  • Bebidas energéticas;
  • Produtos congelados e prontos para aquecimento como pratos de massas, pizzas, hambúrgueres e extratos de carne de frango ou peixe empanados do tipo nuggets, salsichas e outros embutidos;
  • Pães de forma, pães para hambúrguer ou hot dog, pães doces e produtos panificados cujos ingredientes incluem substâncias como gordura vegetal hidrogenada, açúcar, amido, soro de leite, emulsificantes e outros aditivos.

Crescimento do consumo de alimentos ultraprocessados preocupa autoridades em saúde

Crescimento do consumo de alimentos ultraprocessados preocupa autoridades em saúde

Por que evitar ultraprocessados

Os alimentos ultraprocessados são os menos indicados para consumo em razão dos altos teores de carboidratos ruins, sódio, gordura, açúcar, realçadores de sabor, conservantes, corantes, adoçantes e edulcorantes, o que eleva o risco de desenvolvimento de problemas de saúde.

— O grande perigo é que, de uma maneira geral, esses alimentos apresentam alta densidade energética, em pequenas porções, o que leva ao maior consumo de calorias vazias, vindas dos açúcares e gorduras, que geram um processo inflamatório no corpo e estão relacionados com a formação de placas de ateroma, que levam a problemas cardiovasculares como infarto e derrame. Além de serem ricos em sódio e aditivos químicos, muitas vezes, os ultraprocessados têm consumo associado à baixa ingestão de alimentos in natura, que são fontes de vitaminas e minerais — elenca a nutróloga.

O consumo de alimentos ultraprocessados no país cresceu 5,5% em dez anos, segundo pesquisa realizada pela Revista de Saúde Pública da USP e conduzida pelo Nupens/USP. Do consumo médio diário de energia da população brasileira, de 1.754,61 kcal, 19,7% são provenientes de alimentos ultraprocessados.

Um estudo publicado no American Journal of Preventive Medicine e realizado por pesquisadores brasileiros e chilenos calculou, pela primeira vez, o número de mortes prematuras (de 30 a 69 anos) associadas ao consumo de ultraprocessados no Brasil: são cerca de 57 mil óbitos por ano, com base em dados de 2019. Isso é mais do que as quantidades de homicídios (45,5 mil), acidentes de trânsito (30 mil) e câncer de mama (18 mil) no país no mesmo período.

— Embora o Brasil esteja à frente em termos de políticas públicas para reduzir o consumo de ultraprocessados, ainda há muito a se fazer. São necessárias a construção de políticas públicas para a rotulagem que identifique claramente os alimentos que são ultraprocessados (atualmente, o sistema lupa diz se tem açúcar, gordura saturada ou sódio, mas não diz "ultraprocessado"), a restrição de publicidade e a proibição de vendas de ultraprocessados dentro ou perto de escolas, hospitais e outros espaços de uso público, além de medidas fiscais para facilitar o acesso e o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados e restrição ao consumo de alimentos ultraprocessados, como a tributação de ultraprocessados — opina a epidemiologista.

O que comer sem os ultraprocessados

O Guia Alimentar da População Brasileira tem cinco dicas sobre alimentação saudável:

  • Faça de alimentos in natura ou minimamente processados a base da alimentação: alimentos in natura ou minimamente processados, em grande variedade e predominantemente de origem vegetal, são a base de uma alimentação nutricionalmente balanceada;
  • Utilize óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades ao temperar e cozinhar alimentos e criar preparações culinárias: desde que utilizados com moderação em preparações culinárias com base em alimentos in natura ou minimamente processados, óleos, gorduras, sal e açúcar contribuem para diversificar e tornar mais saborosa a alimentação sem torná-la nutricionalmente desbalanceada;
  • Limite o uso de alimentos processados, consumindo-os, em pequenas quantidades, como ingredientes de preparações culinárias ou como parte de refeições baseadas em alimentos in natura ou minimamente processados: os ingredientes e métodos usados na fabricação de alimentos processados - como conservas de legumes, compotas de frutas, queijos e pães – alteram de modo desfavorável a composição nutricional dos alimentos dos quais derivam;
  • Evite alimentos ultraprocessados: devido a seus ingredientes, alimentos ultraprocessados são nutricionalmente pobres.
  • Prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados: opte por água, leite e frutas no lugar de refrigerantes, bebidas lácteas e biscoitos recheados; não troque comida feita na hora (caldos, sopas, saladas, molhos, arroz e feijão, macarronada, refogados de legumes e verduras, farofas e tortas) por produtos que dispensam preparação culinária (sopas "de pacote", macarrão "instantâneo", pratos congelados prontos para aquecer, sanduíches, frios e embutidos, maioneses e molhos industrializados, misturas prontas para tortas); e fique com sobremesas caseiras, dispensando as industrializadas.

Quais são os alimentos in natura ou minimizamente processados:

  • Legumes, verduras, frutas, batata, mandioca e outras raízes e tubérculos in natura ou embalados, fracionados, refrigerados ou congelados;
  • arroz branco, integral ou parboilizado, a granel ou embalado;
  • milho em grão ou na espiga, grãos de trigo e de outros cereais;
  • feijão de todas as cores, lentilhas, grão de bico e outras leguminosas;
  • cogumelos frescos ou secos; frutas secas, sucos de frutas e sucos de frutas pasteurizados e sem adição de açúcar ou outras substâncias;
  • castanhas, nozes, amendoim e outras oleaginosas sem sal ou açúcar; cravo,
  • canela, especiarias em geral e ervas frescas ou secas;
  • farinhas de mandioca, de milho ou de trigo e macarrão ou massas frescas ou secas feitas com essas farinhas e água;
  • carnes de gado, de porco e de aves e pescados frescos, resfriados ou congelados;
  • leite pasteurizado, ultrapasteurizado ("longa vida") ou em pó e iogurte (sem adição de açúcar);
  • ovos;
  • chá, café e água potável.

Fontes:

Eurídice Martínez Steele é epidemiologista, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), grupo que cunhou o termo "ultraprocessados" pela primeira vez no Brasil e no mundo e é responsável pelo Guia Alimentar para a População Brasileira.

Daniela França Gomes (@dra_danielagomes) é nutróloga e presidente do Comitê de Pediatria da Sociedade Brasileira de Nutrição Enteral e Parenteral (Braspen). Trabalha na UTI Pediátrica do Hospital do Coração (Hcor), do Hospital São Paulo e do Hospital Albert Sabin.

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