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Por Matheus Wenna, para o EU Atleta — São Paulo


A Dieta Gracie é o cardápio da família campeã de jiu-jitsu, uma das mais bem-sucedidas dinastias da história do esporte. Os patriarcas Hélio e Carlos criaram o jiu-jitsu brasileiro, aperfeiçoando as técnicas do judô trazidas ao Brasil por Conde Koma. Os filhos, netos, bisnetos e sobrinhos deles popularizaram a modalidade, acumularam dezenas de títulos, desenvolvedoram o MMA e, até hoje, são referências nas artes marciais.

Outro legado da família é a chamada Dieta Gracie, baseada em conceitos criados por Carlos Gracie a partir de uma mescla de observações, tentativas e erros.

Sobrinho de Carlos e único grão-mestre vivo a ostentar a faixa vermelha, Rorion Gracie escreveu o livro "A Dieta Gracie: o segredo dos campeões", no qual apresenta o cardápio ao público.

Família Gracie, hoje na quarta geração, ainda segue a dieta criada por Carlos — Foto: Arquivo pessoal

Dieta Gracie

A Dieta Gracie prevê a combinação adequada de alimentos, de modo a evitar a acidez no corpo, com consumo de alimentos in natura, sem industrializados, e intervalos de 5h entre uma refeição e outra. Há combinações recomendadas e outras desencorajadas, como junção de cereais, gordura com açúcar e alimentos ácidos com qualquer outro.

O livro traz, já no prefácio, que o método não tem comprovação científica e que nem Rorion nem o tio Carlos tiveram qualquer formação na área da saúde, mas ressalta que a prática está baseada na longevidade dos membros da família. Tanto Carlos quanto Hélio viveram além dos 90 anos e se mantiveram ativos no esporte até a morte.

Carlos (dir.), criador da Dieta Gracie, e Rorion, o maior divulgador do cardápio — Foto: Reprodução/Facebook

Refeições na Dieta Gracie

Diferentemente de muitas dietas, o método criado por Carlos Gracie não é restritivo nem conta calorias. Focado em otimizar os processos digestivos e alcalinizar o corpo, o princípio fundamental é que há alimentos que combinam e outros que não podem estar juntos na mesma refeição. Segundo a metodologia, os fatores mais determinantes são justamente a combinação correta entre os alimentos e o intervalo entre as refeições.

— Não é uma dieta restritiva. Você pode comer tudo o que quiser. A única coisa que a gente não come é carne de porco. Fora isso, come-se de tudo — explicou Rorion, em uma entrevista ao podcast "Só Papos MMA".

O livro sobre a Dieta Gracie traz a divisão dos alimentos em grupos e a explicação de quais podem ser combinados ou não. Por esse método, arroz e feijão, dobradinha tradicional do prato brasileiro, não devem ser consumido juntos.

Grupos da Dieta Gracie

  • Grupo A (alimentos que combinam entre si e mais um alimento do Grupo B): carnes e frutos do mar; legumes e verduras; gorduras em geral e oleaginosas (exceção da castanha portuguesa, que é listada no Grupo B);
  • Grupo B (alimentos que não combinam entre si): amidos e carboidratos em geral; inclui tubérculos (batata, inhame e aipim), cereais variados e derivados de trigo, como pão e macarrão;
  • Grupo C (alimentos que combinam entre si e com um alimento do Grupo B, desde que este não seja preparado com gordura ou similares): frutas doces (açaí, banana que não esteja crua, coco verde, jaca, laranja lima, melão, melancia, tâmara); frutas semi-ácidas (fruta-do-conde, goiaba, maçã, uva); açúcares em geral (melado de cana, mel); queijos frescos e cremosos (cottage, minas, prato, requeijões, ricota); e chás de cascas ou de folhas (camomila, erva-cidreira, erva-doce, mate, preto).
  • Grupo D (alimentos que não combinam entre si e nem com outros alimentos): frutas ácidas, como abacaxi, acerola, laranjas que não a lima, limão, maracujá, morango, pêssego e tomate; e certos derivados de leite, como coalhada, kefir, iogurtes e queijos coalhos;
  • Grupo E (tem alimentos compatíveis e não compatíveis; ver a seguir): bananas cruas;
  • Grupo F (tem alimentos compatíveis e não compatíveis; ver a seguir): leite;
  • Grupo G (tem alimentos compatíveis e não compatíveis; ver a seguir): creme de leite fresco (de fazenda).

Combinações da Dieta Gracie

Confira os alimentos de cada grupo e as possíveis cominações:

Tabela da Dieta Gracie - Parte1 — Foto: Reprodução/Facebook

Tabela da Dieta Gracie - Parte 2 — Foto: Reprodução/Facebook

Não há, na Dieta Gracie, indicações de quantos ou quais grupos devem fazer parte das refeições, mas deve-se respeitar as combinações permitidas ou proibidas.

A Dieta Gracie ainda preconiza outros hábitos saudáveis, tais como:

  • Consumir os alimentos sempre in natura ou o mais próximo possível disso, portanto evitando industrializados, processados, embutidos e alimentos com agrotóxicos;
  • Beber um copo d'água ao se levantar e outro ao dormir;
  • Jejum intermitente de 24 horas realizado uma vez ao mês;
  • Não beber álcool e não fumar.

Fundamentos da Dieta Gracie

A Dieta Gracie segue três princípios:

  • Não se deve misturar cereais;
  • Consumir "comida de panela", preparada com manteiga, óleo ou outro tipo de gordura;
  • Manter distância mínima de aproximadamente quatro horas e meia a cinco horas entre as refeições.

Mesmo sem evidências científicas, Rorion defende o primeiro ponto sem saber muito bem como provar, opondo-se à principal combinação do prato brasileiro.

— O arroz com feijão não é uma combinação aprovada na Dieta Gracie. Aí você vai dizer: "É delicioso, o Brasil inteiro come isso", a grande maioria das pessoas tem problemas de saúde. Não vou dizer que é por causa do arroz com feijão, mas é um dos conceitos que o Tio Carlos Gracie era contrário. "Por que, Rorion? Prova para mim que não pode". Não vou provar. Ele não era médico e eu não sou médico. Isso é tudo baseado na experiência que ele fez e na teoria que eu vivi a vida inteira, e o resultado está ótimo. Ele dizia para não comer e eu não vou comer — declarou Rorion em entrevista.

— Você pode comer o arroz, pode comer o feijão, pode comer o pão e pode comer a batata, mas não junto um com o outro. Você comeria um desses cereais, com a verdura que quiser e a proteína que quiser.

Sobre o segundo fundamento, Rorion explica a ideia, comparando a mistura de gordura com açúcar ao fogo e a gasolina. Segundo ele, todo mundo precisa dos dois para viver, mas os dois juntos se tornam uma combinação perigosa.

— Quando a gente come comida de panela, que é feita com manteiga, com gordura, com óleo... o que for. Essa comida não deve ser misturada com doce ou com açúcar de espécie alguma. Em outras palavras, não se come sobremesa. Você não vai almoçar, comer um risoto e uma verdura e tomar um copo de suco de fruta. A fruta é muito boa para a saúde, mas, se você comer da maneira correta, não come sobremesa. A gordura e o açúcar que é o problema. Não é a gordura nem o açúcar, mas a combinação dos dois. Tem a hora de usar cada um.

Ao abordar o intervalo a ser dado de uma refeição para outra, Rorion aponta que o objetivo é que a digestão de um alimento não interfira na de outro que já está sendo digerido. Segundo ele, não respeitar esta distância colaboraria para a acidez do sangue, o que atrapalharia o funcionamento do corpo e seria a porta de entrada para doenças. Ele aponta que apenas a ingestão de água e água de coco, quando natural, é permitida nesse intervalo.

— Cada coisa que a gente come causa uma reação química no nosso organismo. Quando você faz uma refeição e daqui a duas horas e meia, três horas, como muito nutricionista recomenda, você como um lanchezinho ou uma frutinha, aquele alimento que ainda está sendo digerido vai ser impactado quimicamente pelo que você acabou de comer. Essa reação química é o que causa acidez no sangue e, eventualmente, uma das razões para a criação das doenças contagiosas e degenerativas. Tem que esperar a refeição ser completamente digerida antes de fazer outra refeição — defende Rorion.

O que diz a ciência

Como já destacado por Rorion, a nutricionista Bruna Castelani ressalta que a Dieta Gracie não possui embasamento científico, mas pode apresentar resultados devido às melhorias no qualidade do cardápio que são estimuladas pelo método.

Entre elas, a especialista destaca a diminuição da quantidade de alimentos refinados e industrializados e o hábito de prestar atenção constante na escolha dos pratos.

Ela alerta ainda que o que funciona para um indivíduo não necessariamente funciona para todos e, portanto, é sempre recomendado buscar profissional da área para individualizar a dieta de acordo com as preferências e particularidades de cada um.

Mistura de carboidratos

Sobre a mistura de carboidratos, a nutricionista aponta que, apesar da crença popular, a combinação deles não é um problema por si só, já que, no processo de metabolização dos alimentos, todos se tornam os mesmos açúcares simples. Segundo ela, o xis da questão é a quantidade de carboidratos ingerida, que pode vir a ser maior caso não se tome o cuidado adequado na montagem do prato.

— De acordo com a literatura científica, não há problema em realizar combinações diferentes entre os alimentos que são fontes de carboidratos/amidos. Quando digerimos as fontes de carboidratos, todos vão gerar os mesmos açúcares simples, como glicose, frutose e galactose. Popularmente, existe o mito de que não pode misturar carboidratos (por exemplo, batata e arroz), mas acredito que esta afirmação é difundida para facilitar o entendimento dos alimentos que são do mesmo grupo alimentar e para evitar que as pessoas coloquem a mesma quantidade de arroz que está acostumada e ainda somar a quantidade de batata, o que geraria excesso de calorias e carboidratos na refeição. No entanto, se dividirmos a porção, e não somar, não há problema algum em combinar os alimentos e não ocorrerá desequilíbrio calórico e nutricional — esclarece a nutricionista.

Carboidratos com gorduras

Quanto à combinação dos alimentos ricos em carboidratos/amidos com as gorduras, Bruna explica que a digestão e absorção dos carboidratos é bem rápida, o que gera picos de insulina no corpo. Desta forma, o consumo combinado de nutrientes e gorduras ajuda a tornar a digestão mais lenta e regular as taxas de insulina, que não aumentariam tanto em pouco tempo. Ela ressalta que, para obter bons resultados, é preciso que as opções escolhidas sejam de maior qualidade nutricional.

— Só é importante atentar-se para evitar o excesso de açúcares refinados e gorduras saturadas. Optar por carboidratos ricos em fibras e nutrientes, como raízes, cereais integrais e frutas; e, no caso da gordura, consumir com moderação, optando por alimentos ricos em gorduras boas, como abacate, castanhas, nozes, sementes e azeites — aponta a nutricionista.

— No caso das refeições próximas ao treino (menos de uma hora e meia antes), prefira consumir alimentos ricos em carboidratos e evitar associar com gordura, justamente por causar da gordura demandar mais tempo de digestão, o que pode, inclusive, atrapalhar o treino, pois o corpo estará gastando energia na digestão do alimento rico em gordura.

Frutas ácidas

Bruna aponta inconsistências em outra combinação evitada pelos Gracie: as frutas ácidas. Segundo a Dieta Gracie, as frutas ácidas não combinam nem entre si, nem com outros alimentos.

Ela explica que o estômago já produz naturalmente o ácido clorídrico, que seria mais poderoso do que os ácidos presentes nas frutas e que um ambiente ácido neste órgão é importante para ajudar na digestão das proteínas. Ela destaca ainda que algumas destas frutas possuem enzimas que também facilitam a digestão, como bromelina (abacaxi) e papaína (mamão).

Ingestão de água

Embora a combinação dos alimentos na Dieta Gracie cumpra papel central, há ainda outros elementos seguidos. Uma delas é o hábito de sempre beber um copo d'água ao acordar e outro antes de dormir. Neste ponto, Bruna destaca que isso ajuda a manter o corpo hidratado, mas acrescenta que o ideal é estar sempre tomando água em pequenas quantidades ao longo do dia.

— Hidratação é fundamental para garantir a saúde e o equilíbrio do nosso corpo. Assim que acordar, vale a pena tomar um copo d'água para se reidratar, já que ficamos um bom período sem tomar água durante o sono. Mas não precisa tomar muita água por vez! Não temos estoque de água. Se tomamos mais do que o corpo precisa naquele momento, iremos descartá-la na urina. O importante é a frequência do consumo, ou seja, tomar aos poucos ao longo do dia todo. Antes de dormir, também não precisa tomar uma quantidade muito grande. Isso pode fazer com que você precise ficar acordando para urinar e interromperá o seu sono, o que é prejudicial — detalha a nutricionista.

Alimentos orgânicos

Outro ponto do método dos Gracie que a nutricionista acredita ser interessante é a priorização dos alimentos orgânicos. Por serem cultivados de forma mais natural, sem o uso de agrotóxicos, que são substâncias nocivas, eles são mais benéficos para a saúde. Entretanto, por uma questão de acesso, os orgânicos nem sempre estão disponíveis para todo mundo e, nesses casos, é melhor o consumo de frutas, legumes e verduras que não sejam orgânicos do que não consumi-los.

— Caso não tenha acesso a alimentos orgânicos, não deixe isso te impedir de consumir frutas, verduras e legumes, pois, mesmo cultivados com agrotóxicos, irão te fornecer vitaminas, minerais, fibras e fitoquímicos que farão muito bem para a saúde em geral. Sempre que for possível, opte por consumir alimentos mais naturais e preparados de forma mais caseira.

Álcool e tabagismo

O consumo de bebidas alcoólicas e o tabagismo são desencorajados pela Dieta Gracie. É uma unanimidade na ciência de que os dois são prejudiciais.

Como lembra Bruna, o álcool aumenta retenção de líquidos (inchaço), favorece o acúmulo de gordura visceral, tem propriedades cancerígenas e atrapalha a performance no treino, com maior risco de desidratação e câimbras, entre outros males. O fumo é cancerígeno, atrapalha a capacidade cardiorrespiratória e aumenta o estresse oxidativo.

Jejum

No método criado por Carlos Gracie, o jejum entre as refeições é realizado de 5 em 5 horas, rechaçando um certo senso comum do comer de 3 em 3 horas. Além disso, é realizado um jejum intermitente de 24h uma vez ao mês, como uma espécie de limpeza do organismo.

De acordo com a nutricionista, não existe intervalo fixo entre as refeições que seja válido para todo mundo. O período ideal de jejum é determinado pela rotina de cada indivíduo, as preferências, o padrão de atividade física, a existência de problemas de saúde prévios e até mesmo o objetivo a ser alcançado (emagrecimento ou ganho de massa muscular).

Sobre o jejum mensal de 24h, Bruna ressalta a importância em conversar sempre com um profissional da área antes de realizar a prática, já que a presença de problemas de saúde física ou emocional pode causar prejuízos ao indivíduo. Para quem opta faze-lo, é importante também se manter hidratado, já que a água garante o bom funcionamento do corpo e não quebra o jejum por não possuir calorias.

— Pensando na performance de treinos, o que ingerimos até três dias antes da sessão de treino pode ter impacto no nível de energia e o que comemos até três dias depois vai otimizar ou não a recuperação muscular e a adaptação do exercício. Outro ponto importante é que, quando ficamos em jejum, deixamos de comer alimentos proteicos. A proteína no nosso corpo não tem estoque e é responsável por fazer estruturas como pele, cabelo, unhas, músculos, células do sistema imunológico, enzimas, hormônios e articulações. Ficar em jejum por muito tempo pode comprometer a síntese de todas essas estruturas.

Fonte:

Bruna Castelani (@nutri.brunacastelani) é especialista em Nutrição Esportiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coach nutricional pelo Método Lancha.

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