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Por Gabriel Oliveira — São Paulo


O que você come pode estar ligado à dor que você sente. É que a alimentação tem relação - direta ou indireta - com a ocorrência de dor. Por isso, manter uma dieta balanceada, investindo em alimentos in natura e fugindo dos industrializados e ultraprocessados, é importante não apenas para uma vida saudável, mas também para diminuir as dores do dia a dia.

Homem comendo alimentos gordurosos e doces: alimentação tem a ver com a ocorrência de dores no corpo humano — Foto: iStock

Uma dieta rica em alimentos naturais e pobre em alimentos industrializados evita a inflamação do organismo, o que desencadeia e/ou aumenta dor, podendo levar ao quadro de dores crônicas.

— Existem diversas pesquisas em andamento que demonstram o papel dos alimentos como um dos pilares de tratamento das dores crônicas, podendo ser tanto nocivo quanto protetor. A alimentação pode impactar de maneira direta ou indireta na dor, visto que já está comprovada a associação entre alimentação e fadiga, sono, constipação intestinal e até saúde mental, que impactam diretamente na dor — explica a médica intervencionista em dor Amelie Falconi, professora na pós-graduação de Medicina Intervencionista da Dor do Hospital Albert Einstein.

— Publicações científicas são diversas, mas concordam que uma alimentação adequada auxilia na prevenção de perda de massa magra, na redução da gordura, no funcionamento correto do intestino, na regulação do sono, na reposição de micro e macronutrientes, entre diversas outras situações que colaboram para a prevenção e o tratamento da dor crônica.

Ultraprocessados: saiba como ter uma alimentação mais saudável sem gastar tanto

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Segundo a médica Mariana Aquino, especialista em tratamento clínico e intervencionista da dor crônica, "deficiências nutricionais, como a falta de certas vitaminas e minerais, podem desencadear processos inflamatórios e afetar a função dos nervos, contribuindo para a ocorrência e intensidade da dor".

— Por exemplo, a vitamina D está relacionada à modulação da inflamação e à saúde dos nervos, enquanto a vitamina B12 é crucial para a função nervosa saudável. Minerais como magnésio e cálcio também desempenham papéis na transmissão nervosa e na regulação da dor. Deficiências nesses nutrientes podem aumentar a sensibilidade à dor e contribuir para a sua ocorrência crônica — exemplifica.

— Podemos comparar o corpo humano a uma máquina complexa, onde cada nutriente desempenha um papel específico. Imagine que as vitaminas e minerais são como peças essenciais dessa máquina. Se faltar uma dessas peças, a máquina não funciona corretamente e começa a apresentar problemas, como dor crônica. Assim como uma engrenagem desgastada pode causar falhas no funcionamento de uma máquina, a deficiência de certos nutrientes pode levar a disfunções no corpo, incluindo a percepção e transmissão da dor.

Papel do intestino na dor

Nesse contexto, o intestino, considerado o segundo cérebro do corpo humano e onde há a absorção de boa parte dos nutrientes ingeridos na alimentação, tem papel crucial no controle de dor, além de ele próprio ser uma fonte recorrente de dores.

— O intestino participa na ocorrência de dor devido à sua influência direta sobre o sistema imunológico, a produção de neurotransmissores e a regulação da inflamação. Um intestino saudável permite absorção adequada de nutrientes essenciais, enquanto mantém uma barreira intestinal eficaz contra toxinas e bactérias nocivas — explica o médico nutrólogo Dan Linetzky Waitzberg, professor no Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

— Quando o equilíbrio da composição da microbiota intestinal é perturbado, por uma dieta desequilibrada, estresse crônico ou uso excessivo de antibióticos, pode ocorrer a disbiose, levando à inflamação e permeabilidade intestinal aumentada. Essa condição, conhecida como "intestino permeável", permite a passagem de substâncias prejudiciais para a corrente sanguínea, desencadeando respostas inflamatórias sistêmicas que podem prejudicar a saúde em geral. Além disso, a disbiose intestinal pode alterar a produção de neurotransmissores, como a serotonina, que participa da regulação do humor e sensibilidade à dor — complementa.

Como a alimentação produz dor

Fisiologicamente, a inflamação é uma resposta natural a lesões, infecções ou irritações do sistema imunológico, que busca proteger o corpo e iniciar o processo de cicatrização. Só que a alimentação influencia nisso.

Durante a inflamação, o corpo libera substâncias "a favor" da inflamação, as substâncias pró-inflamatórias, chamadas de citocinas e prostaglandinas, para ajudar a combater a lesão, a infecção ou a irritação. Essas substâncias funcionam como mensageiras, enviando sinais para que mais células do sistema imunológico ajudem na reparação do dano.

Para facilitar a chegada dessas células ao local da lesão, os vasos sanguíneos se dilatam e se tornam mais permeáveis, permitindo que as células do sistema imunológico entrem na área afetada.

— É como abrir as portas para os bombeiros e a equipe de reparação chegarem rapidamente ao local de um incêndio — compara Mariana.

— No entanto, quando essa resposta inflamatória é ativada repetidamente, como por meio do consumo excessivo de certos alimentos, ela pode se tornar crônica e prejudicial ao invés de protetora. É como se o alarme continuasse soando o tempo todo, mesmo depois que o perigo passou, causando mais danos do que benefícios.

Amelie explica que, durante uma inflamação, são liberadas diversas substâncias no corpo chamadas de mediadores inflamatórios.

— Os mediadores inflamatórios ativam os receptores de dor de maneira contínua. Estes, quando ativados, liberam mais mediadores inflamatórios, ocorrendo uma retroalimentação entre a dor crônica e a neuroinflamação.

Inflamação sistêmica pela alimentação

Alguns alimentos, como gorduras ruins (saturadas e trans), carnes vermelhas, frituras, açúcares refinados, processados e ultraprocessados, podem contribuir para uma inflamação sistêmica do organismo devido às suas propriedades pró-inflamatórias.

Em contrapartida, uma dieta rica em alimentos anti-inflamatórios, como frutas, vegetais, peixes gordurosos ricos em ômega-3, nozes e sementes, pode ajudar a modular a resposta inflamatória do corpo, reduzindo a inflamação sistêmica e, consequentemente, o risco de dor crônica.

— Os alimentos refinados estão ligados ao aumento da gordura visceral, a déficits nutricionais, a processos inflamatórios, a alterações da microbiota, a estresse oxidativo, entre outros fatores que favorecem a neuroinflamação e a manutenção das dores crônicas e de outras doenças. Os alimentos processados e ultraprocessados também são responsáveis pela inflamação, porque sofrem adição de diversos tipos de açúcares, sal, óleos vegetais e outras substâncias utilizadas para conservar ou realçar o sabor. Esses produtos têm o sabor realçado com glutamato monossódico - alguns trabalhos mostram melhora das dores com dietas com restrição de glutamato; outros, a piora da dor quando o introduzimos na dieta dos portadores — detalha Amelie.

Alimentos que causam ou realçam dor

Segundo Dan, certos alimentos podem desencadear ou agravar a dor em algumas pessoas devido às propriedades inflamatórias ou alergênicas.

Além disso, alimentos ricos em açúcares refinados e carboidratos de alto índice glicêmico podem causar picos de glicose no sangue, seguidos por quedas bruscas, desencadeando sintomas como dores de cabeça e fadiga.

Queijos e vinho tinto, por terem a substância natural histaminas, podem desencadear dores de cabeça em pessoas sensíveis.

  • Processados e fast food: esses alimentos passam por alterações em relação à composição original durante o processo de fabricação. Isso pode envolver adição de ingredientes, remoção de nutrientes ou mudanças na textura para melhorar o sabor e a durabilidade. Exemplos incluem alimentos enlatados, embutidos, pães industrializados, entre outros. Têm altos níveis de gorduras saturadas, aditivos e conservantes, que podem desencadear inflamação no corpo, aumentando a sensibilidade à dor;
  • Açúcares e carboidratos refinados: consumo excessivo de açúcares refinados e carboidratos simples pode levar a picos de açúcar no sangue, seguidos por quedas bruscas, causando inflamação e contribuindo para a dor;
  • Alimentos ricos em Glutamato Monossódico (MSG): o MSG é um realçador de sabor comum em alimentos processados. Pode desencadear reações inflamatórias e aumentar a percepção da dor;
  • Alimentos ricos em histamina: certos alimentos, como queijos envelhecidos, vinho tinto e alimentos fermentados, contém histamina, que pode desencadear reações alérgicas e aumentar a sensibilidade à dor em algumas pessoas;
  • Alimentos ricos em ácido úrico: alimentos como carnes vermelhas, frutos do mar e bebidas alcoólicas podem aumentar os níveis de ácido úrico no sangue, desencadeando ataques de gota, uma forma intensa de dor nas articulações.

Alimentos que previnem ou atenuam dor

  • Frutas e vegetais coloridos: morangos, espinafre e brócolis são ricos em antioxidantes, que ajudam a combater os radicais livres no corpo. Esses radicais livres podem causar danos às células e desencadear processos inflamatórios, contribuindo para a dor. Os antioxidantes atuam como escudos protetores, neutralizando os radicais livres e reduzindo a inflamação;
  • Peixes ricos em Ômega-3: salmão, sardinha e atum são fontes de ácidos graxos ômega-3, que têm propriedades anti-inflamatórias. Eles ajudam a bloquear a produção de substâncias pró-inflamatórias no corpo, reduzindo a dor associada à inflamação crônica. Os ácidos graxos ômega-3 são como bombeiros, apagando o fogo da inflamação;
  • Nozes, sementes de linhaça e chia: contêm ácidos graxos ômega-3 e vitamina E. Os ácidos graxos ômega-3 ajudam a reduzir a produção de substâncias inflamatórias, enquanto a vitamina E possui propriedades antioxidantes, protegendo as células do corpo contra danos. Juntos, eles agem como uma equipe de reparo, restaurando a saúde das células e reduzindo a inflamação;
  • Gengibre e cúrcuma: são especiarias que contêm compostos bioativos com propriedades anti-inflamatórias. Eles ajudam a inibir a produção de substâncias pró-inflamatórias no corpo, reduzindo a dor e a inflamação. Eles são como guardiões, protegendo o corpo contra a inflamação excessiva;
  • Pimenta-caiena: contém capsaicina, que pode ajudar a reduzir a dor ao bloquear os sinais de dor transmitidos pelos nervos e também tem propriedades anti-inflamatórias;
  • Chá verde: contém antioxidantes, como catequinas, que têm propriedades anti-inflamatórias. Eles ajudam a reduzir a inflamação no corpo, aliviando a dor. Eles funcionam como tranquilizantes, acalmando a inflamação e promovendo o alívio da dor.

— Ao incluir esses alimentos em sua dieta, você está fornecendo ao seu corpo os nutrientes necessários para combater a inflamação e aliviar a dor de forma natural, ajudando a manter o corpo saudável e resiliente contra a dor crônica. No entanto, é importante lembrar que a dieta sozinha pode não ser suficiente para tratar todos os tipos de dor — pondera Mariana.

Os especialistas ressaltam que uma dor deve ser sempre investigada, pois não necessariamente pode ser provocada ou curada por alimentos. Tal relação - entre alimentação e dor - varia de pessoa para pessoa. É sempre bom consultar o médico para orientação especializada e personalizada.

Fontes:

Amelie Falconi é médica intervencionista em dor. Formada em Medicina, tem especializações em Medicina da Dor e Anestesiologia, fellowship de Intervenção em Dor, pós-graduação em Medicina Intervencionista da Dor Guiada por Ultrassonografia e Anestesia Regional. Dá aulas na pós-graduação de Medicina Intervencionista da Dor do Hospital Albert Einstein.

Mariana Aquino (@mariana_aquino) é médica especialista em tratamento clínico e intervencionista da dor crônica e anestesiologista. Graduada em Medicina, tem residência e especialização em Anestesiologia, fellowship em Medicina Intervencionista da Dor e pós-graduação em Dor e Medicina Regenerativa.

Dan Linetzky Waitzberg é médico nutrólogo e professor associado no Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Formado em Medicina, possui Mestrado, Doutorado e Livre-Docência pela USP nas áreas de Cirurgia e Nutrição.

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