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Por Filipe Guedes, para o ge


Fundada em 2007, a Twitch, maior plataforma de streaming do mundo gamer, saiu de ideia desacreditada para negócio milionário em cerca de sete anos. Para apresentar detalhes sobre a linha do tempo de desenvolvimento da “roxinha” — como foi apelidada carinhosamente pelo fãs — o ge preparou uma reportagem com trajetória, controvérsias e outros detalhes a respeito da empresa.

Twitch anuncia redução no compartilhamento de receitas dos subs — Foto: Divulgação/Twitch

De “reality show” ao mundo gamer

Em meados de 2007, o norte-americano Justin Kan, junto a mais três amigos — Emmett Shear, Michael Seibel e Kyle Vogt —, lançou na internet uma plataforma que transmitia 24 horas de suas próprias ações. Ela foi batizada de Justin.tv.

Segundo o empresário, seu nome intitulou o portal, pois ele era o único entre os amigos que se dispôs a carregar a câmera na cabeça para tentar produzir o que seria um “verdadeiro reality show” online.

— Vou financiar isso apenas para ver você se fazer de idiota — chegou a dizer o professor Robert Morris, um dos investidores por trás da ideia, a Kan durante a idealização do projeto.

Alguns meses depois do lançamento, no entanto, Justin perdeu o “monopólio” sobre o site. O portal se expandiu e abriu a possibilidade de que outros usuários realizassem suas próprias transmissões na companhia de um chat.

Justin Kan concede entrevista para encerramento das atividades da Justin.tv — Foto: Reprodução/ReplayTvHD

Com a abertura ao público, a Justin.tv foi segmentada em diversas categorias para os diferentes conteúdos produzidos, como jogos, esportes e notícias. Entretanto, o crescimento desproporcional da seção de games fez com que a cúpula da startup optasse por transformá-la em uma plataforma separada.

A decisão mudou a história da corporação, dando origem à TwitchTV, em 2011. Desde então, o site cresceu desenfreadamente e se tornou referência na área de streams relacionadas a jogos.

Três anos depois, o desenvolvimento em larga escala resultou, inclusive, no encerramento das operações da Justin.tv. Mediante a necessidade de concentrar esforços, a empresa optou por abandonar a iniciativa original e, a partir de 2014, passou a focar somente na vertente de games.

No mesmo ano, a revista Variety divulgou a informação de que o Google tinha negociações avançadas para fechar a aquisição da TwitchTV por US$ 1 bilhão. No entanto, a transação não foi concluída.

De acordo com apuração da Forbes, a gigante da tecnologia temia que a compra fosse enquadrada como uma espécie de monopólio em função dos investimentos promovidos na parte de games do YouTube. Com isso, o espaço se abriu para que a Amazon fechasse a aquisição na cifra dos US$ 970 milhões.

Entre os membros fundadores do site, Emmett Shear assumiu o posto de CEO na transição para o controle da companhia pertencente a Jeff Bezos.

Regras de nudez

Ao longo de sua história, a Twitch ficou marcada por uma relação controversa com conteúdos que carregam alguma conotação sexual ou qualquer traço de nudez. Entre banimentos, revisões de regras e outras ocorrências, a plataforma acumulou polêmicas a respeito do tema.

Em um dos primeiros e mais famosos casos, a streamer Zoie Burgher, detentora de um canal com quase 1 milhão de inscritos no YouTube, foi definitivamente excluída do site, em 2016. Durante seus tempos na “roxinha”, a criadora de conteúdo se popularizou por jogar Call of Duty: Black Ops 3 de roupa íntima.

Apesar de acumular um histórico razoável de punições na Twitch, o ban final recebido por Burgher gerou repercussões na comunidade, visto que ela não estava ativa no site no momento da decisão e sua última transmissão havia ocorrido um mês antes.

Atualmente, a exclusão ou não de canais do site segue alimentando discussões, sobretudo com o crescimento das “hot tubs”, transmissões nas quais as pessoas utilizam trajes de banho em ofurôs enquanto interagem com o chat. A empresa chegou a criar uma categoria específica para esse tipo de conteúdo.

Seção "Pools, Hot Tubs & Beaches" ao lado de outros segmentos no menu da Twitch — Foto: Reprodução/Twitch

As regras da plataforma prevêem, hoje, alguns contextos específicos para permitir a exposição de pessoas com biquínis ou sungas, por exemplo. Esse tipo de vestuário é permitido em ocasiões como transmissões em praias, piscinas e shows. No entanto, de forma geral, o regulamento proíbe roupas transparentes em partes do corpo com conotação sexual como nádegas, mamilos ou genitálias. Decotes, por outro lado, são aceitos.

Rigidez dos direitos autorais

Outubro de 2020 foi um mês sombrio para muitos streamers parceiros da Twitch. À época, a plataforma executou uma série de banimentos e exclusões de conteúdos com base em infrações da DMCA, a lei norte-americana sobre direitos autorais, em um processo iniciado ainda em junho do mesmo ano.

Dessa vez, no entanto, o problema não foi o que a “roxinha” fez, mas sim o modo como foi feito. Diversos criadores relataram receber e-mails avisando sobre conteúdos que foram removidos — sem consentimento dos autores — por transgredirem as regras em função de músicas de fundo ou aparições inesperadas de uma trilha sonora não autorizada.

Por outro lado, muitas das mensagens do portal também falavam sobre a manutenção no ar de vídeos que quebravam as normas e como aquilo poderia resultar na queda definitiva dos canais. Porém, apesar de sinalizar a existência de clipes infratores, não havia indicação sobre quais eram e nenhuma forma de descobrir essa informação.

O resultado da onda de banimentos foi um desespero quase que geral entre os streamers que precisavam correr contra o tempo para identificar quais vídeos quebravam as regras e excluí-los para evitar um acúmulo de strikes que, posteriormente, poderia resultar no banimento definitivo.

Outras ondas de punição e avisos a respeito da legislação de direito autoral vieram e seguiram repercutindo. Atualmente, a Twitch permite a exibição de músicas nas lives em três diferentes casos:

  1. Música pertencente ao streamer;
  2. Música cujo streamer detém a licença para utilizar;
  3. Músicas do Soundtrack by Twitch, biblioteca de áudios livres para utilização nas streams do site.

Além disso, a empresa implementou um sistema de silenciamento automático de trechos de VODs (transmissões gravadas armazenadas na plataforma) que quebrem a legislação sobre o tema.

Vazamento de dados em massa

Por dois anos consecutivos, o mês de outubro foi agitado para a Twitch. Em 2021, a empresa sofreu um vazamento que expôs seu código-fonte, projetos em desenvolvimento e os valores de remuneração de grandes parceiros. As informações foram disponibilizadas em um fórum do 4chan, com um arquivo que totalizava 125GB.

Entre os dados de destaque que vieram a público, um dos principais foi a remuneração recebida por alguns streamers entre agosto de 2019 e outubro de 2021. Dois brasileiros, Alexandre “Gaules” e Alan “alanzoka”, lideravam a lista com ganhos de, respectivamente, US$ 2,8 milhões e US$ 1,7 milhão. As quantias dizem respeito a rendimentos relativos a inscrições, propagandas da plataforma e doações de bits.

Gaules era o streamer com maior receita acumulada na lista vazada da Twitch — Foto: Divulgação

Além disso, foram expostos detalhes sobre as ferramentas de segurança do site, a intenção da Amazon de desenvolver uma loja virtual de jogos para concorrer com a Steam e mais informações privadas.

O ocorrido gerou muita discussão sobre a segurança no entorno dos dados individuais dos usuários. Porém, aparentemente, informações dessa natureza não foram explanadas no arquivo vazado.

Divisão da receita dos subs

Os inscritos, também chamados de subs — do termo em inglês subscribers —, atuam como uma das principais fontes de renda dos streamers da Twitch. Inicialmente, a receita advinda dessa origem era dividida na proporção 70% para o criador de conteúdo e 30% para a Twitch. Em setembro do ano passado, no entanto, a empresa decidiu alterar esses termos.

Após se reunir com um grupo de parceiros, a plataforma definiu uma alteração drástica na divisão: a partir de junho de 2023, para valores superiores a US$ 100 mil anuais, ela faria a repartição em 50% para cada uma das partes.

A companhia justificou que, buscando manter a qualidade dos produtos e serviços entregues, não era saudável manter o padrão do repasse que privilegiava o streamer no longo prazo.

As novas medidas geraram muita polêmica com questionamentos de grande parte dos afiliados da “roxinha”, sobretudo em função da existência de “contratos privilegiados”. A Twitch definiu que alguns criadores de conteúdo contariam com divisões mais generosas, com acesso a 60% ou 70% dessa receita.

Apesar das reclamações, as políticas controversas não sofreram alterações. À época, a organização também alegou que utilizou outros meios para ampliar a monetização, como o aumento na porcentagem dos ganhos com a exibição de propagandas.

Proibição de patrocinadores “externos”

A mais recente controvérsia da Twitch foi o veto à exibição de propagandas de patrocinadores que não sejam os que contam com vínculo estabelecido com a plataforma. A medida foi comunicada no início de junho de 2023.

Streamers não poderão inserir anúncios de vídeo diretamente nas transmissões — Foto: Divulgação/Twitch

A implementação dessa política, em teoria, dificulta ou impede que os canais tenham acordos diretos com marcas. No caso de streams de competições, por exemplo, a captação de recursos tende a decair drasticamente sem que as organizadoras possam negociar diretamente os VTs publicitários no espaço das transmissões.

Além da proibição da veiculação de vídeos, também não serão permitidos propagandas em banners ou em formato de áudio. A única forma de exposição do patrocinador possível, nesse contexto, é a inclusão da logomarca da instituição na tela seguindo critérios pré-definidos de tamanho.

Com a péssima repercussão das novidades, a Twitch se manifestou alegando que houve um problema de comunicação e as normas foram interpretadas equivocadamente. Entretanto, não há clareza sobre revogação ou aplicação dessas ideias no curto prazo.

Maiores streamers do Brasil*

Apesar de não ser a plataforma mais utilizada em algumas regiões do globo, sobretudo na Ásia, a Twitch é destaque no Brasil. De acordo com levantamento da empresa data.ai, datado de 2021, o país é o segundo onde o site acumula mais espectadores: cerca de 16,9 milhões.

Segundo dados do portal Twitch Tracker, com base no número de seguidores, os dez maiores streamers brasileiros na "roxinha" são:

  1. Alan “alanzoka”: 6,5 milhões de seguidores;
  2. Victor “Coringa”: 4,4 milhões de seguidores;
  3. Alexandre “Gaules”: 3,9 milhões de seguidores;
  4. Casimiro “casimito”: 3,6 milhões de seguidores;
  5. Rafael “Cellbit”: 3 milhões de seguidores;
  6. Felipe “YoDa”: 2,42 milhões de seguidores;
  7. Aliffe “Paulinho o LOKO”: 2,41 milhões de seguidores;
  8. Flávio “jukes”: 1,8 milhão de seguidores;
  9. Arthur “thurzin”: 1,7 milhão de seguidores;
  10. Patrick “blackoutz”: 1,6 milhão de seguidores.

Alanzoka se destaca pela grande variedade de games praticados em suas streams — Foto: Alan/Divulgação

*Os canais de Neymar Jr. e Bruno “nobru” integram a versão original do top- 10 de streamers brasileiros da Twitch, mas ambos não são mais afiliados à plataforma e seus canais encontram parados.

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