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Por Douglas Ceconello

Jornalista, um dos fundadores do Impedimento.org, dedicado ao futebol sul-americano

ge.globo — Porto Alegre

Getty Images

Quando o futebol sul-americano mira no exemplo europeu, geralmente desvia do alvo. E aí surgem decisões um tanto alienígenas para nosotros que vivemos abaixo da linha do Equador, como a famigerada decisão única para os torneios de clubes. Pois nesta segunda-feira tivemos uma notícia que deveria servir de inspiração: em sentença inédita na Espanha, três torcedores do Valencia foram condenados a oito meses de prisão (mais multa e afastamento por dois anos dos estádios) por ofensas racistas dirigidas a Vinicius Junior em maio de 2023, no estádio Mestalla. 

É claro que nem tudo são flores no reino de Espanha e no próprio continente europeu, marcado por constantes episódios de racismo e xenofobia. A própria punição acontece apenas após repercussão mundial das constantes ofensas dirigidas ao jogador brasileiro. A própria Liga Espanhola, que hoje comemora a decisão, antes minimizava as denúncias e o posicionamento de Vinicius Junior. No entanto, a sentença pode indicar o caminho a ser tomado, em todas as margens do Atlântico: punição criminal para os racistas. A punição esportiva ao Valencia seria uma maneira de responsabilizar também a negligência do clube, que compactuou com todos os absurdos vindos de sua própria arquibancada e saiu ileso da situação. Após a divulgação da sentença, o atacante do Real Madrid voltou a se manifestar com a contundência que o caracteriza: "Não sou vítima de racismo. Eu sou algoz de racistas".

A sentença espanhola é histórica, mas o Brasil tem desempenhado papel fundamental em tornar a pauta cada vez mais urgente. Conforme relatório do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, em 2022 houve 233 casos de racismo no futebol brasileiro, um aumento de cinquenta por cento em relação ao ano anterior. Os números crescentes preocupam, mas precisam se analisados dentro do contexto, como avaliou Marcelo Carvalho, diretor do Observatório: as denúncias crescem também pela maior conscientização que hoje existe sobre o tema no país. E, na verdade, muito devagar, essa mudança acontece no restante do continente sul-americano, em processo árduo que é liderado pelo próprio futebol brasileiro. 

Fingindo que o problema é seu, mas não muito, a própria Conmebol parece aderir meio a contragosto, de forma displicente e com medidas paliativas, através de campanhas protocolares e colocando o racismo na mesma prateleira de outros perrengues infinitamente menos significativos: o valor da multa imposta ao San Lorenzo por um ato racista de sua torcida contra o Palmeiras, por exemplo, foi praticamente o mesmo cobrado do Fluminense por atrasos no jogo contra o Colo Colo.

Pode parecer (e realmente é) decepcionante, mas que o próprio tema esteja em evidência é um avanço, considerando a histórica tolerância da confederação sul-americana. Esse movimento de conscientização, acompanhado de punições cada vez mais severas, é a principal ferramenta para que sentenças como a espanhola se tornem comuns e o racismo passe a ser encarado como o crime que é, sem margem para hesitação e conivência.

Footer blog Meia Encarnada Douglas Ceconello — Foto: Arte

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