TIMES

Por Douglas Ceconello

Jornalista, um dos fundadores do Impedimento.org, dedicado ao futebol sul-americano

ge.globo — Porto Alegre

João Victor Teixeira

No sorteio dos grupos da Libertadores, muito se falou (e com razão) sobre uma possível reedição da Batalha de La Plata, o histórico embate válido pela Libertadores de 1983. E de fato ela aconteceu. Se não outra batalha, ao menos um confronto renhido que valeu ao Grêmio, jogando contra o Estudiantes em cenário sempre hostil, a vitória e a sobrevivência na competição.

O que praticamente não se alardeou foi uma hipotética Batalha de Talcahuano que pudesse reviver o confronto entre Grêmio e Huachipato pela edição de 2013. A curiosidade é que nessas duas edições o time chileno bateu os tricolores na Arena (deve ser o melhor aproveitamento como visitante no estádio gremista), mas depois acabou eliminado em casa pelos gaúchos. O confronto de mais de dez anos atrás acabou com ânimos exaltados e ninguém menos que Vanderlei Luxemburgo tombando de costas no gramado enquanto balançava as pernas no ar -- não era muito bom nas provações físicas nosso velho Luxa (mas, mesmo no chão, continuava rindo). 

Na noite de ontem, Renato estava muito mais sóbrio à beira do campo. Na verdade, bastante além da sobriedade: quase congelado e com apenas os olhos faiscando na chuvosa noite chilena. Praticamente um Sub-Zero de Guaporé. E foi diante da encapuzada figura de Portaluppi que o Grêmio teve um desempenho enciclopédico para encarar essas necessidades que surgem na Libertadores. Após abrir o placar muito cedo com Diego Costa, o homem que nasceu para mirar no gol e rolar no barro, ainda teve uma meia dúzia de chances de ampliar o marcador -- e metade delas acabou na trave, que se vestia com as cores de los acereros da província de Concepción.

Com o campo alagado, Soteldo convertido em girino e a pelota tomando as mais arbitrárias direções, no segundo tempo a situação se reverteu e tomou ares tão dramáticos que o arqueiro Marquesín acabaria se tornando o melhor em campo. Contestado em suas primeiras aparições por falhas frequentes, sem ritmo de jogo, o goleiro argentino transformou-se em avalista da classificação gremista às oitavas da Libertadores. Uma classificação celebrada com base em diferentes orgulhos: pela reação após o desastroso começo no torneio, pelo ânimo forçado que precisou ser instalado após uma inesperada e dolorosa parada, pelo que ainda se vive em solo gaúcho, situação indissociável a clube e jogadores.

Portanto, a bandeira do Rio Grande do Sul na comemoração no vestiário não era apenas indicativo de procedência. E, na verdade, todo o cenário do estádio de Talcahuano parecia uma reverência ao arquétipo definitivo do futebol gaúcho. Não apenas pelo campo embarrado e pelos músculos e tendões rangendo, mas pelas lembranças ancestrais de enfrentamentos contra um Gaúcho de Passo Fundo dos irmãos Pontes ou uma imersão soviética em Vacaria para enfrentar demandas invernais de algum Gauchão esquecido. Em casa, ao menos em espírito, o Grêmio se ergueu para começar uma outra Libertadores. Uma jornada simbólica para este garrão do país, como cantaria Pedro Ortaça, hoje tão necessitado de recomeços.

Footer blog Meia Encarnada Douglas Ceconello — Foto: Arte

Veja também

Mais do ge