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Por Carlos Eduardo Mansur

Jornalista. No futebol, beleza é fundamental


Jogos com o peso de uma semifinal olímpica acontecem várias vezes na cabeça dos treinadores, enquanto as estratégias são concebidas. Quando os times entram em campo, há ocasiões em que claramente só acontece o jogo pensado por um dos técnicos. Na contundente vitória da seleção brasileira sobre a Espanha, o que se viu durante quase todos 110 minutos de futebol, tantos são os acréscimos nestes Jogos Olímpicos, foi o jogo pretendido por Arthur Elias. Talvez nem em seus melhores sonhos a estratégia traçada tenha funcionado de forma tão precisa quanto nos 4 a 2 impostos pelas brasileiras às campeãs mundiais.

Quem olhar os números do jogo, com 77% de posse para a Espanha, pode imaginar um roteiro similar ao encontro da primeira fase: o Brasil recuado, defendendo a própria área e limitado a resistir às investidas rivais. Certamente, era este o cenário planejado por Montse Tomé, a técnica da Espanha. No entanto, apresentou-se uma seleção brasileira diferente, com um plano de jogo bem parecido com o das quartas de final com a França.

Brasil comemora vitória sobre a Espanha na semifinal de Paris 2024 — Foto: REUTERS/Andrew Boyers

De novo, Arthur Elias lançou mão de fôlego e vigor. Voltou a mexer bastante na escalação, desta vez com cinco alterações em relação à partida de três dias atrás. Num torneio como os Jogos Olímpicos, de pouco descanso e muitos acréscimos, a rotação tem sido vital para sustentar um plano de jogo que, novamente, incluiu encaixes individuais por todo o campo, sempre que a Espanha tinha um tiro de meta ou uma saída de bola com a goleira ou as defensoras. A agressividade sem bola foi a virada de chave do Brasil entre a fase de grupos e os mata-matas.

No jogo desta terça-feira, Gabi Portilho e Priscila vigiavam as zagueiras Paredes e Codina, enquanto Jheniffer perseguia Abelleira, a volante espanhola. A entrada de Ludmila, com a opção por Adriana no segundo tempo, foi vital para ter no lado direito uma ala capaz de seguir Olga Carmona, enquanto Yasmin fazia o mesmo serviço no lado esquerdo com Ona Battle. Yaya e Angelina cuidavam de Aitana Bonmati e de Hermoso, enquanto as três zagueiras ganhavam seguidos duelos sustentando o risco assumido pelo Brasil de ter zagueiras no mano a mano contra as três atacantes da Espanha. Tarciane foi brilhante no jogo.

É possível argumentar que o Brasil “ganhou” o primeiro gol, no chute errado da goleira Coll. Mas também é justo apontar que o lance decorre da pressão com encaixes do Brasil. Sem opção de passe, a espanhola decidiu por um chute longo e acertou a companheira Paredes.

A pressão do Brasil cortava o circuito de passes da Espanha, que não tinha conforto para construir e se instalar no campo ofensivo. As campeãs de mundo não conseguiam fazer o jogo que desejavam. Assim que roubava a bola, algo que fez 32 vezes na partida, o Brasil sabia exatamente o que fazer: ataques rápidos buscando as costas das laterais e zagueiras espanholas. Foi assim que Yasmin achou Gabi Portilho, infiltrando entre Codina e Olga Carmona para o 2 a 0.

A única dificuldade brasileira era quando precisava defender mais perto do próprio gol. Yasmin dava alguns passos atrás e formava uma linha de cinco defensoras, com Ludmila – e depois Adriana – fechando a defesa pelo lado oposto. Por vezes, havia uma sobra de uma meio-campista espanhola no setor. Mas a passagem do tempo foi amiga da seleção brasileira.

Arthur Elias foi bem ao renovar o fôlego diante de um plano defensivo que exigia tanto das jogadoras. Colocou Adriana e Duda Sampaio, esta na vaga de Angelina. E depois trocou Jheniffer por Ana Vitória para ganhar consistência no centro do campo. Enquanto Arthur mexia, a Espanha se expunha demais, como no lance em que Yaya recuperou bola perto da área do Brasil, até Priscila carregar a bola e dar a Adriana o lance do terceiro gol.

A outra dificuldade brasileira, aliás, era nas bolas aéreas, que resultaram nos dois gols espanhóis. O segundo deles, quando a seleção já vencia por 4 a 1, fruto do gol de Kerolin após nova pressão ofensiva bem executada. O Brasil terminou o jogo com pernas para executar o mesmo plano desde o minuto inicial.

É curioso ver um time passar de uma fase de grupos tão pobre e chegar tão credenciado a uma final. Não será fácil impor ao time dos Estados Unidos um plano de tanta exigência física como o de hoje. Mas parece o melhor caminho para a medalha de ouro.

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