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Por Martín Fernandez — São Paulo


Entidade responsável por distribuir recursos públicos destinados ao esporte, o Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) permite o acesso ao dinheiro apenas a clubes que sejam seus filiados, o que contraria a lei, segundo especialistas.

O CBC recebe verbas das loterias federais e tem a obrigação de repassá-las aos clubes por meio de editais. Os interessados apresentam projetos que, se aprovados, resultam no recebimento de dinheiro que viabiliza contratação de profissionais, compra de equipamentos e participação em competições.

O edital mais recente vai distribuir R$ 162,5 milhões durante quatro anos, de 2021 a 2024. O prazo para apresentação de projetos terminou no dia 22 de maio. Segundo o ato convocatório publicado no site da entidade, só puderam participar os clubes filiados ao CBC – ou seja, aqueles que pagam em dia a mensalidade de R$ 3.900.

Texto especifica que clubes filiados ao CBC podem participar do edital — Foto: Reprodução

A exigência contraria a própria lei 13.756/2018, citada no edital de convocação, que define o destino do dinheiro arrecadado com as loterias. O parágrafo primeiro do artigo 16 da lei diz:

"O CBC aplicará no mínimo 15% dos recursos [...] em atividades paradesportivas: diretamente, sem possibilidade de restringir a participação nos editais de chamamento público em função de filiação das entidades de práticas desportivas."

Trecho da lei mostra aplicação mínima de 15% ao esporte paralímpico — Foto: Reprodução

Para o advogado Eduardo Carlezzo, especialista em direito desportivo, não há dúvida:

– Claramente há uma ilegalidade por parte do CBC ao condicionar o repasse de recursos públicos ao desporto paralímpico apenas às entidades esportivas que forem a ele filiadas – afirmou.

Ao limitar a participação no edital apenas para filiados e que pagam mensalidade, o CBC exclui os clubes paralímpicos do processo. Dos 36 que apresentaram projetos, nenhum se dedica exclusivamente ao esporte paralímpico. O GloboEsporte.com ouviu entidades que quiseram participar, mas não puderam porque não têm dinheiro suficiente para bancar os R$ 3.900 por mês exigidos pelo CBC.

– Para um clube paralímpico, é um valor muito elevado. Não conseguimos. Não somos um clube associativo, não temos uma escala de pessoas que pagam mensalidade – afirmou Luiz Marcelo Ribeiro da Luz, gerente de projetos da Associação Paralímpica de Campinas, que trabalha com 60 atletas de natação e atletismo.

O presidente do Conselho Consultivo do Comitê Brasileiro de Clubes, Arialdo Boscolo, afirmou em mensagem de texto enviada ao GloboEsporte.com que “a fonte orçamentária do edital são duas leis, a Lei Pelé e a Lei das Loterias”. Disse ainda que “para os recursos do esporte paralímpico específicos nesse edital, estamos utilizando os recursos remanescentes da Lei Pelé, que não estabelecia o inciso I do parágrafo 1° [da Lei das Loterias].”

Boscolo também afirmou que o CBC está “esperando a regulamentação desse artigo, inclusive para utilização dos recursos novos por intermédio do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB)".

O edital do qual trata esta reportagem não menciona em nenhum momento a Lei Pelé. Especialistas em direito desportivo também questionam a necessidade de regulamentação citada pelo dirigente.

– A lei está em vigor e está sendo cumprida, tanto que o edital é todo fundamentado nesta lei, a 13.756/2018.  Qualquer parte dessa lei que necessite de regulamentação não pode e não vai alterar o fato de que não se deve exigir filiação das entidades paradesportivas para participação nos editais – declarou Marcel Belfiore, sócio do escritório Ambiel, Manssur, Belfiore, Malta, Gomes e Hanna Advogados.

Arialdo Boscolo afirmou ainda que “na data estabelecida para demonstração de interesse, nenhuma entidade de prática desportiva exclusiva de esporte paralímpico se manifestou interessada em participar de acordo com o estabelecido no referido edital”.

Dirigentes de clubes paralímpicos, que preferem não se identificar, dizem ter procurado o CBC enquanto o edital ainda estava aberto. Mas, de fato, desistiram de participar quando foram informados da obrigatoriedade da filiação.

O dirigente do Comitê Brasileiro de Clubes completou:

– Outro ponto importante é que o Colegiado de Direção, órgão independente e responsável pela aprovação e distribuição de recursos, tem como um dos integrantes o presidente do Comitê Paralímpico Internacional e ex-presidente do CPB, Andrew Parsons, que não apenas aprovou como elogiou o CBC pela forma inteligente e democrática de incentivar todos os clubes, que demonstraram interesse de participar da vinculação de utilização dos 15% destinados ao esporte paralímpico no edital.

Arialdo Boscolo, À direita na foto, é o presidente do Conselho Consultivo do CBC — Foto: Divulgação/Fenaclubes

O CBC informou ter 104 filiados, ou seja, aptos a participar dos editais, e outros 1554 "vinculados", denominação usada para aqueles que participam de competições nacionais mas não estão com a documentação regularizada ou não têm as certidões necessárias para receber recursos públicos. O total de 1658 inclui clubes olímpicos e paralímpicos. Trinta e seis (2%) participaram do edital.

Dependências de outros clubes

Os R$ 162,5 milhões disponíveis no edital em questão estão assim distribuídos:

  • R$ 32,5 milhões (20% do total) para despesas administrativas do Comitê Brasileiro de Clubes;
  • R$ 24,4 milhões (15% do total) para o esporte paralímpico;
  • R$ 105,6 milhões (65% do total) para o esporte olímpico.

O edital prevê que “cada clube participante deverá apresentar um único projeto para esportes olímpicos e paralímpicos, conjuntamente”. Esse desenho incentiva clubes olímpicos com mais estrutura a abrigar atividades paralímpicas – mas, na prática, também impede o contrário.

– Isso incomoda, porque cria uma dependência. Nós ficamos limitados ao que um clube olímpico pode pedir – diz Luiz Marcelo Ribeiro da Luz, da Associação Paralímpica de Campinas.

Delegação brasileira nos Jogos Paralímpicos do Rio em 2016 — Foto: André Durão

Dirigentes de outros clubes paralímpicos, que preferiram não ter seus nomes divulgados, também se queixaram. O presidente do Conselho Consultivo do CBC, Arialdo Boscolo, afirmou que a intenção foi incentivar os clubes a incluírem atividades paralímpicas.

– O edital prevê que quem não incentivar o esporte paralímpico tem que devolver 15% do valor recebido ao CBC. E ainda fica impedido de participar dos editais seguintes.

Na avaliação do advogado Marcel Belfiore, também especialista em direito desportivo, a cobrança prejudica quem mais precisa dos recursos.

– O objetivo desse dinheiro é atender as entidades que não têm capacidade de gerar receitas. Se a filiação fosse gratuita, só para questões de controle, já seria questionável. A lei fala que não pode haver restrição. Eles [o CBC] estão equivocados – declarou.

Para Arialdo Boscolo, dirigente do CBC, a elitização do acesso aos recursos tem um motivo:

– Como é que vai se dar recurso para um clube que não tem patrimônio? Que não tem como responder caso o recurso seja mal utilizado? O clube precisa ter uma capacidade, uma estrutura. Porque se amanhã acontecer alguma coisa [como mau uso do recurso], tem como cobrar (...). Se não tiver capacidade operacional, não pode receber recurso público. São os dois lados.

R$ 82 milhões de dinheiro paralímpico em caixa

O Relatório de Gestão do CBC referente a 2019 mostra que a entidade dispõe de R$ 81,5 milhões em contas-poupança sob a rubrica “Poupança Esporte Paralímpico”. São R$ 72,1 milhões na Caixa Econômica Federal e mais R$ 9,3 milhões no Banco do Brasil.

Contas do CBC mostram poupança para esporte paralímpico — Foto: Reprodução

Arialdo Boscolo, dirigente do CBC, afirma que em breve esses recursos serão todos investidos no esporte paralímpico.

– A lei estabelece que todo recurso público tem que estar aplicado em caderneta de poupança. Por enquanto, não foi aplicado em projetos, então fica lá […] A lei é de dezembro de 2018, é muito recente. Nós estamos trabalhando, deixando a casa em ordem. Vamos terminar o ano com 100% das prestações aprovadas, as nossas e as dos clubes.

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