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Por Camilo Pinheiro Machado — Nova York, EUA


Jogos emocionantes de playoffs da NBA são como realizações de cinema ao vivo. Estão lá os heróis, os vilões, os coadjuvantes do respiro cômico, os diretores, os roteiristas, as celebridades em volta da quadra, a plateia, os takes em câmera lenta. Talvez pelo excesso de elementos cênicos e de entretenimento, parte dos torcedores, mídia e mercado envolvidos na fase derradeira da maior liga profissional de basquete do mundo esquecem que jogos de basquete são, no fim das contas, disputas desportivas e coletivas. O melhor time costuma vencer, o que ocorreu dessa vez com o Boston Celtics, que conquistou seu 18º título na história da Liga.

Boston Celtics 106 x 88 Dallas Mavericks | Melhores momentos | Final da NBA

Boston Celtics 106 x 88 Dallas Mavericks | Melhores momentos | Final da NBA

A franquia que já foi liderada por grandes ícones como Bill Russell e Larry Bird, dessa vez não tem um grande super-herói de dimensões históricas . Depois de passar o carro por cima de Miami Heat (4-1), Cleveland Cavaliers (4-1), Indiana Pacers (4-0) e Dallas Mavericks (4-1), conquista um título de forma dominante e ignorando o "star system" praticado na NBA ao desenvolver um esquema de jogo balanceado entre estrelas e coadjuvantes.

Normalmente acontece assim: em cada elenco da NBA, apenas dois, no máximo três atletas, possuem a autorização da comissão técnica para fazer jogadas individuais. Os demais cumprem funções específicas como bloqueios, rebotes e arremessos de três. Pois nesse Boston Celtics atual há inegável hierarquia no volume das jogadas ofensivas lideradas pelos amigos Jayson Tatum e Jaylen Brown, mas os outros titulares, Jrue Holiday, Derrick White e Al Horford, também gozam de importância e autonomia para brilharem. A lógica de jogo dos celtas serve como filosofia de vida em tempos tão mesquinhos: a bola vai rodando de mão em mão até surgir algum desequilíbrio defensivo no adversário, e quem estiver em melhores condições para o arremesso finaliza a jogada.

Jaylen Brown, Jrue Holiday e Jayson Tatum, três astros a serviço do jogo coletivo do Boston Celtics — Foto: Nathaniel S. Butler/NBAE via Getty Images

Toda essa engrenagem é pensada e treinada pela mente estudiosa, obcecada e interdisciplinar de Joe Mazzulla, o técnico campeão da NBA mais jovem da história, com 35 anos de idade. Não à toa é amigo de Pep Guardiola e o recebeu nos jogos da serie final em Boston. Joe e Pep costumam trocar figurinhas sobre tática e questões mentais do esporte de alto rendimento. Ainda em outras áreas esportivas, Joe Mazzulla treina diariamente jiu-jitsu com seu professor brasileiro, Alex Costa, que aliás costuma viajar com a equipe para atender seu mais ilustre aluno. Recentemente, jogadores do Boston revelaram que o técnico também mostrou vídeos de lutadores de MMA sendo estrangulados e resistindo aos momentos difíceis de um combate para mostrar como é possível manter a calma e racionalidade em momentos adversos.

Joe é um estrategista, um motivador, mas sobretudo convicto na ideia de que não há a necessidade de time liderado por um super-herói que vai somar mais de 40 pontos por partida. Seu jogador mais talentoso, Jayson Tatum, até é capaz de realizar estatísticas ofensivas impressionantes, como na partida do título, quando anotou 31 pontos e 11 assistências. Nessa final contra o Dallas Mavericks, o técnico do time texano, Jason Kidd, ordenou para as primeiras partidas da série a defesa mais recomendada: assim que Tatum pegar na bola, dois jogadores fecham os espaços do jogador. Jayson Tatum poderia encarar a defesa dobrada como um desafio pessoal e tentar arremessos mais difíceis, mas em nenhum momento das cinco partidas finais colocou suas ambições individuais acima do plano coletivo de vencer com o plano de jogo em que o jogador em melhores condições finaliza os lances.

Joe Mazzulla: técnico foi campeão aos 35 anos — Foto: Elsa/Getty Images

A postura madura de Tatum talvez o tenha custado o prêmio de Melhor Jogador das Finais (MVP) recebido por seu amigo Jaylen Brown, mas pelo sorriso sincero de Jayson ao ver o companheiro levantando o troféu, dá pra concluir que o único objetivo do craque era o título de sua equipe.

Em uma Liga cada vez mais internacional, com craques estrangeiros no topo das listas de melhores jogadores, Jayson Tatum se consagra como um dos grandes jogadores americanos dessa geração e estará nas olimpíadas de Paris representando os Estados Unidos, ao lado de lendas do esporte como LeBron James, Steph Curry e Kevin Durant. Também nessa edição do Dream Team, outro jogador do Boston Celtics foi convocado para tentar a conquista da medalha de ouro em agosto, mas não é tratado como grande estrela: Jrue Holiday. O atleta trocado pelo Milwaukee Bucks é o símbolo máximo de esporte coletivo e inteligência tanto no ataque quanto na defesa. Jrue foi campeão da NBA pelo Milwaukee Bucks, conquistou novo título agora com o Boston e tem tudo para contribuir com sua segunda medalha de ouro olímpica (foi campeão em Tóquio).

Jaylen Brown, Jrue Holiday, Jayson Tatum e Derrick White: há espaço para todos brilharem nos Celtics — Foto: Brian Babineau/NBAE via Getty Images

Jrue Holiday tem contrato com o Boston até o 2028 e fará parte até lá de uma equipe que já conquistou o anel de campeão da NBA, mas veja só, ainda tem a melhorar. Jayson Tatum, com 26 anos, e Jaylen Brown, 27 anos, ainda são jovens atletas e podem crescer ainda mais técnica e mentalmente. O técnico Joe Mazzulla, com seus 35 aninhos, promete mais algumas décadas de ambição a títulos.

A NBA continuará a produzir e promover talentos raros, personagens especiais, estrelas do entretenimento, heróis globais e os roteiros das temporadas continuarão estrelados por grandes atores. No entanto, depois desse título do Boston, é preciso repensar a maneira como se montam elencos da liga. Jayson, Jaylen, Joe, Jrue e seus demais companheiros nos relembraram com excelência, talento e esforço que o basquete sempre será um esporte coletivo, de soluções e méritos em grupo.

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