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Por Rafael Carmo* — Salvador


Ele herdou o nome de uma estrela do pop por acaso e ganhou simpatia Brasil afora. Descontraído, o artilheiro e "dançarino" Adriano Michael Jackson viveu de tudo na carreira: foi parceiro de Romário, criou laços com Felipão e deixou sua marca no Bahia e na Ásia.

Adriano Michael Jackson relembra início de carreira cheio de perrengues

Adriano Michael Jackson relembra início de carreira cheio de perrengues

Agora, aos 36 anos, o atacante defende o Jacuipense e se prepara para a disputa a Série D com a consciência de quem já passou pelos grandes momentos no futebol, mas segue com a mesma alegria dos tempos de moleque.

— O melhor eu já vivi, mas ainda estou feliz onde estou.

Relembre gols de Adriano Michael Jackson por Palmeiras e Bahia

Relembre gols de Adriano Michael Jackson por Palmeiras e Bahia

Início com perrengues e incertezas

Até chegar a ser Adriano Michael Jackson, Carlos Adriano de Souza Cruz passou por muita coisa na carreira. Natural de Valença-BA, ele começou a caminhada no futebol em campeonatos amadores, se destacou e ganhou uma vaga nas categorias de base do Bahia. O sonho não durou muito tempo, já que Adriano recebeu poucas oportunidades e decidiu se aventurar em outros clubes.

Adriano, então, arriscou. E, como acontece com muitos garotos em busca de oportunidades, "quebrou" a cara. Em uma das vezes, chegou a dormir na rodoviária por não ter dinheiro para retornar para casa.

— No Ceará, eu ainda cheguei a dormir um dia na rodoviária. Esperei um rapaz me mandar uma passagem para voltar a Salvador, mas não consegui o contato do cara e fiquei dormindo lá, sem passagem.

Mas ele não desistiu. Em 2009, já nos planos do Galícia para a disputa da Série B do Baiano, Adriano soube de uma avaliação no America, do Rio de Janeiro, e decidiu se aventurar mais uma vez. Precisava, porém, passar por uma avaliação. E não era qualquer teste. Seria sob olhares de um dos maiores atacantes de todos os tempos: Romário.

— Eu fiquei rodando com uns amigos em busca de um time para fazer avaliação, mas não achamos nada. No outro dia, pegamos a estrada para a Bahia, até que um amigo ligou falando de uma avaliação lá no America. Voltamos na hora. Fiz testes por lá, na época Romário era o diretor, e esse rapaz que ligou era conhecido do Romário.

— Fiquei duas semanas treinando antes da seleção do time para a disputa da segunda divisão carioca. O treinador me colocou como meia, e o outro colega de atacante. Tinha que ficar ou eu ou ele no time. Eu joguei uma partida de meia e fiz três gols. O Romário também chegou na hora e me aprovou. Eu assinei contrato e fiquei no America em 2009 — recordou.

Amizade com Romário e apelido

Adriano (encoberto ao lado de Romário) foi campeão da Série B do Rio junto do Baixinho em 2009 — Foto: O Globo

Foi no America que ele realizou sua primeira temporada de destaque no futebol profissional. Um dos personagens na campanha de acesso do clube para a primeira divisão estadual, Adriano fez amizade com Romário, que voltou a ser dirigente do Mecão. Mais do que ídolo, o Baixinho também foi conselheiro, parceiro de time e contribuiu para o faro de artilheiro do jovem atacante.

— A proximidade com Romário era espetacular. Ele é um cara elegante. Era um amigo e um paizão que me deu vários conselhos, me ajudou muito a marcar gols, até que surgiu essa oportunidade de ser substituído para dar lugar a ele [em jogo que decretou o título do Mercão na segunda divisão carioca], fiquei muito feliz e orgulhoso.

"Hoje conto para os meus amigos que joguei com o Romário e fui substituído por ele quando a gente conseguiu o acesso para a primeira divisão carioca. Fico muito feliz até hoje".

Michael Jackson conta como foi começo no América-RJ e fala de amizade com Romário

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Foi no America, inclusive, que Adriano ganhou o apelido que carrega até hoje. Durante o frio carioca, o atleta ganhou uma luva de um torcedor, que pediu para ele comemorar os próximos gols com o famoso moonwalk da estrela do pop, falecido em junho de 2009. Daí em diante, passou a ser conhecido como Adriano Michael Jackson.

— Eu sou baiano, e aqui faz muito calor. Eu fui nessa época que estava mais frio, e senti muito, já que nunca tinha saído da Bahia antes. Um torcedor fanático me deu uma luva, pediu para eu usar em homenagem a Michael Jackson. Aí eu coloquei a luva dentro das calças para jogar. Quando fiz um gol, tirei das calças, coloquei na mão e fiz a comemoração do Michael Jackson. Foi assim que surgiu, veio de um torcedor — contou com sorriso largo no rosto.

Michael Jackson ganhou a confiança do clube e, com aval de Romário, renovou com o America para jogar a elite do futebol carioca em 2010. Foi vice-artilheiro do campeonato e chamou atenção do Fluminense, que adquiriu os direitos do jogador. Com poucas oportunidades sob o comando de Muricy Ramalho, Adriano voltou para seu estado de origem e fez sucesso com o Bahia na campanha do acesso em 2010, com 15 gols na Série B.

Adriano Michael Jackson foi artilheiro do Bahia na Série B 2010 — Foto: Ag. Estado

No Tricolor, formou um ataque implacável ao lado de Jael para garantir o acesso do Esquadrão. A confiança era tão alta que ele acertou até previsão de hat-trick.

— Contra o Náutico, eu fiz três gols naquele jogo. Quando a gente estava indo para o estádio, rolou uma entrevista dentro do ônibus com todo mundo. Até que Jael veio até mim e perguntou minha expectativa para o jogo. Eu disse que seria 3 a 0 com três gols do “Michael”, e o jogo terminou 3 a 0, com três gols meus.

Xodó no Palmeiras e aposta com Felipão

Adriano Michael Jackson dança ao fazer quatro gols na Copa do Brasil — Foto: Ag. Estado

O protagonismo no Bahia levou Adriano Michael Jackson ainda mais longe. O atacante foi para o Palmeiras, que, à época, era comandado por Luiz Felipe Scolari. Quando era relacionado, Michael Jackson alternava entre o time titular e o reserva. E foi em um destes jogos que começou no banco que ganhou ainda mais destaque.

Na partida de volta da Copa do Brasil, contra o Comercial-PI, no Pacaembu, o atacante substituiu Kleber Gladiador logo no início e aproveitou as chances para marcar quatro gols e dar uma assistência na vitória por 5 a 1. O feito, inclusive, rendeu até resenha com o professor.

Adriano `Michael Jackson`, do Palmeiras, fala sobre seu estilo

Adriano `Michael Jackson`, do Palmeiras, fala sobre seu estilo

"Eu estava focado, ligado o tempo todo, e fiz quatro gols. Ainda tive outro anulado e dei assistência para o quinto gol. E aí teve essa brincadeira com Felipão. Fizemos uma aposta: se eu fizesse três gols na partida, Felipão iria dançar", recordou.

Felipão até "escapou" no dia do jogo, mas não conseguiu evitar e precisou pagar a aposta no treino seguinte do Palmeiras. Durante recreativo na Academia de Futebol, o professor ensaiou a dança que popularizou Adriano e provocou uma série de risos no Verdão.

Depois de aposta, Felipão ensaia dancinha de Michael Jackson no treino do Palmeiras, em 2011

Depois de aposta, Felipão ensaia dancinha de Michael Jackson no treino do Palmeiras, em 2011

Felipão se empolga e faz a dança de Michael Jackson — Foto: César Greco / Agência Estado

— Fui artilheiro da Copa do Brasil 2011 com cinco gol, com Kleber Gladiador. Um menino novo jogando em uma equipe grande como o Palmeiras, ao lado de grandes jogadores como o Marcos Assunção, o Valdivia, o Kleber, Leandro Amaro, o goleiro Marcos… São coisas que vou trazer para a minha vida e vai ficar sempre marcado na minha história — recordou.

Apesar do clima festivo, Michael Jackson ficou no Alviverde por apenas seis meses. Após atraso em treino e relatos de torcedores que diziam ver o atleta em baladas, Adriano deixou o Palmeiras ainda em 2011. Ele nega que tivesse qualquer tipo de atrito com Felipão.

— Não teve atrito, não. Inclusive eu agradeço muito a ele. Uma vez me atrasei no treino, e ele me deu muitos conselhos. Algumas vezes chegavam boatos de torcedores que diziam ter me visto na balada. Mas ele me disse que quando eu quisesse sair para algum lugar era para avisá-lo. Agradeço a ele pela oportunidade que me deu.

— Essa parte de atrito não existe, foram só coisas boas ao lado dele, e acredito que deixei minha marca no Palmeiras. Minhas boas atuações me levaram para China. Acredito que foi coisa do momento, era para eu ir para a China ganhar meu dinheiro e dar conforto para minha família.

Adriano Michael Jackson conta resenha com Felipão após marcar quatro gols em um só jogo

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Felipão, inclusive, é o treinador que Adriano guarda na memória como maior mentor na carreira.

— Eu acho que ele me ajudou muito no quesito de gols. Todas as atividades tinham finalizações. Então agradeço muito a ele, por onde eu passei sou conhecido por saber fazer gols. E ainda tem o Romário, que me ensinou muito. Mas o Felipão ficou marcado na minha vida e foi um dos responsáveis pela minha fama de artilheiro.

Futuro no futebol

Mas foi fora do Brasil que ele se consolidou como artilheiro e viveu sua melhor fase. Na Ásia, Adriano passou por Dalian Shide (China) e Daejeon Hana Citizen e FC Seoul (Coreia do Sul).

— Em 2014, eu jogava pelo Daejeon, logo quando eu fui para a Coreia do Sul. Estava disputando a segunda divisão e fui artilheiro com 27 gols. Tem o Seoul também, fui artilheiro lá. Sou até hoje o jogador estrangeiro que mais fez gols em um ano lá na Coreia. E isso fica marcado na minha carreira, passei momentos felizes por lá mesmo. Consegui ser artilheiro e campeão.

Atacante elege melhor momento da carreira

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Depois do sucesso na Ásia, Michael Jackson voltou ao Brasil e atuou em times de menor expressão. Em 2024, após uma campanha ruim no Campeonato Baiano, jogou a Série D pelo Jacuipense em busca do acesso e já pensa no futuro fora das quatro linhas, mas sem se afastar do esporte.

— Passei pelos grandes, e hoje estou voltando para os times pequenos. Comecei no intermunicipal, e queria muito encerrar minha carreira no intermunicipal.

Com passagens pela várzea e por grandes clubes, Adriano diz que já "viveu de tudo"

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— Hoje a gente tem uma parceria com o Jacuipense fora das quatro linhas. A gente tem parceria com os jogadores, tem meu filho, tem o Daniel, que foi para o Bahia… Eu já estou nesse caminho para ser empresário de jogadores. Tenho essa academia de futebol em Itinga, em Salvador, e ensino os garotos. Muitos meninos aqui são bons de bola e precisam de oportunidade. As coisas são muito difíceis aqui. Eu venho ajudando, dou aula. Depois que pendurar as chuteiras quero seguir nesse caminho de empresário para colocar esses atletas em grandes clubes — concluiu Adriano.

Adriano Michael Jackson com a camisa do Jacuipense, seu atual clube — Foto: Reprodução / Redes Sociais

* Estagiário sob supervisão do editor Ruan Melo

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