Por Marcel Scinocca, g1 Sorocaba e Jundiaí


Priscila Barbosa, de Sorocaba (SP), vive nos Estados Unidos desde 2018 — Foto: Arquivo pessoal

Uma moradora de Sorocaba (SP), imigrante nos Estados Unidos, foi condenada pela Justiça americana, em 2022, por comandar um grupo criminoso que fraudava perfis de trabalhadores em plataformas de viagens e entregas. Priscila Barbosa, de 37 anos, já cumpriu sua pena, mas ficou conhecida como a "rainha da máfia dos aplicativos".

O g1 investigou a história da brasileira responsável por fraudar aproximadamente duas mil contas, acumular mais de 700 mil dólares, o equivalente hoje a 4 milhões de reais, e ser considerada uma conspiradora contra o país americano.

Priscila vive nos EUA desde 2018. Ela chegou ao país com um visto de turismo e, de forma ilegal, conseguiu um emprego. A partir disso, ela se envolveu em um esquema criminoso e ficou dois anos presa, após uma operação com a participação de diversos órgãos americanos, incluindo o FBI.

Atualmente, ela mora em Boston, Massachusetts, e conta que está arrependida de tudo o que fez. "Não faria novamente. Sinto pela minha família, sim. Não conseguiria ter passado por tudo sem eles", disse em entrevista ao g1.

O esquema

O g1 teve acesso a documentos da Justiça americana sobre a ação contra o grupo. Além de Priscila, as acusações envolvem outros 18 brasileiros que participavam do esquema.

A quadrilha utilizava identidades roubadas e documentos falsificados para criar contas de motoristas e entregadores de aplicativos americanos. O objetivo era alugar ou vender esses dados a imigrantes, ilegais ou não, impossilitados de trabalhar nos Estados Unidos.

Ainda conforme a denúncia, ela e o grupo obtinham carteiras de motorista e números de seguro social na deep web, camada da internet em que atividades ilegais acontecem deliberadamente, como a venda e compartilhamento de informações pessoais.

Com os dados, o grupo usava esses documentos vazados para criar e solicitar diversas contas fraudulentas com as empresas de transporte compartilhado e entregas.

Priscila também teria editado imagens da carteira de motorista das vítimas para exibir fotos dos motoristas alugando ou comprando as contas fraudulentas como modo de enfrentar as tecnologias usadas pelas empresas, como o reconhecimento facial.

No total, ainda segundo a denúncia da Procuradoria dos EUA, Priscila criou mais de duas mil contas fraudulentas em plataformas de entrega e corrida compartilhada.

Atrás das grades

Em 11 de abril de 2022, Priscila Barbosa e mais um brasileiro se declararam culpados por fraude eletrônica. A sorocabana também se declarou culpada de uma acusação de roubo de identidade.

Priscila foi condenada a três anos de prisão, outros três em liberdade condicional e multa de US$ 20 mil, equivalente a R$ 112 mil.

A corte americana chegou a discutir se Priscila deveria receber uma pena maior pelo agravante, já que foi considerada líder, organizadora, gerente ou supervisora ​​da atividade criminosa envolvendo o grupo.

A brasileira, no entanto, saiu antes da prisão por bom comportamento e por ter colaborado com a Justiça.

Até a última atualização do Departamento de Justiça do Estado Unidos, as penas para membros do grupo foram de 20 meses a 40 meses de prisão. Em três casos, não há informação sobre sentença contra os brasileiros. A última atualização pública do caso é e janeiro de 2024.

A vida antes do crime

Priscila Barbosa, que morou em Sorocaba (SP) até 2018, vive nos Estados Unidos — Foto: Arquivo pessoal

Priscila morava em um bairro tranquilo na zona leste de Sorocaba. Tinha uma empresa de comida saudável, que consta com o cadastro ativo na Receita Federal.

O g1 foi até o bairro e falou com os moradores. A família de Priscila é muito conhecida no local. Os vizinhos demonstram saber de toda a situação, mas respeitam os familiares.

“Conheço eles há 32 anos. É algo que não dá nem pra perguntar”, comenta um morador, que relembra que a família de Priscila tinha um comércio no bairro.

Embora todos saibam da situação, alguns moradores preferem ser discretos. Outras nem tanto. "Eles pegaram ela, porque ela falsificou documentos da Uber", comenta um vizinho sem cerimônia. Ele ainda lembrou que Priscila era muito tranquila quando morava no bairro.

Visivelmente abalada com toda a situação, a mãe de Priscila disse que não daria declarações. Demonstrou, entretanto, por meio de palavras, que não concorda com a situação. “Estou muito preocupada. Isso está mexendo comigo. São coisas que a gente não esta entendendo. Não foi isso que ensinei.”

Sonho americano

A trajetória de Priscila mudou muito desde 2017. Naquele ano, ela postou uma foto em um Fusca, na cidade de Araçoiaba da Serra (SP). Cinco meses depois, a sorocabana já estava em terras americanas. O interior de SP, antigo cenário de suas fotografias, foi substituído por lugares paradisíacos, carros e uma vida de luxo.

No mapa de ostentação, locais como o Grand Canyon West, Route 66, Times Square e Rockefeller Center. Os estados marcam presença em suas postagens, entre eles Washington, Nevada, Alasca, Philadelphia, Nova Iorque e Massachusetts, onde mora atualmente, na cidade de Boston.

Crises de ansiedade

A condenação deixou marcas. "Está demais, estou tendo muitas crises de ansiedade", conta Priscila.

Ela também falou como foram os dois anos e meio na prisão. "Solidão demais. Castigos eu não tive pois me comportava pra não ter castigos de disciplina, que são horríveis."

A brasileira também disse que não cortou laços com as pessoas que também foram condenadas no caso. "São meus amigos, independente do que aconteceu."

Priscila também fez uma reflexão, após toda a situação, incluindo o cumprimento da pena. "Olha, eu levo tudo que acontece na minha vida como aprendizado. Foi um aprendizado doloroso e que parecia não ter fim. Mas acho que a vida é uma escola constante."

Ela entrou nos Estados Unidos com visto de turista. Lá casou e se separou. Como conseguiu visto permanente, que está sendo contestado, ainda está no país.

Cuidados nos Estados Unidos

A empresária do ramo de documentação para o exterior, Lyse Anne Zanotti Allegrini, orienta para os cuidados que as pessoas que pensam em morar nos Estados Unidos devem ter. "Infelizmente, muitos que ficam ilegais no país caem em contos de fadas e facilidades e acabam se envolvendo com ilegalidades. Não são todos. A maioria vai para subemprego e vive uma vida simples", diz.

Ela também fala sobre a legislação do país, em alguns casos, mais severas que a brasileira. "Sempre mais severa quando se trata de um estrangeiro, especialmente se esse estiver ilegal. Dependendo do crime, a pessoa pode ser julgada e cumprir pena nos EUA mesmo ou ser deportada", comenta.

Ela acrescenta: "Pegamos muitos casos no escritório em que as pessoas se iludem com tantas facilidades e vida boa e fácil fora. E não é bem assim. Estar documentado corretamente e seguir as leis do país é essencial para uma boa estada."

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