Sou obrigado, por contrato, a falar bem de 'Tá no ar'
Retiro o que sempre disse. Durante anos, eu costumava brincar que, de maneira geral, o humor na TV brasileira poderia se resumir em três tipos de piada: mulheres burras (de preferência, gostosas); homens cornos; e gays. (Tem também a sátira política, que é um terreno fértil num país como o nosso, mas eu prefiro considerá-la uma subcategoria). Pense num quadro humorístico, em qualquer personagem que você goste - ou odeie... Aposto que ele vai cair numa dessas categorias. Pelo menos até a última quinta-feira, quando estreou um novo programa de humor chamado "Tá no ar".
Antes de falar do programa em si, quero só registrar a curiosa sensação que tive no dia seguinte, ao ouvir e repercutir os comentários sobre o novo programa de Marcelo Adnet e Marcius Melhem. Era como se fosse uma manhã do dia seguinte de um bom "TV Pirata" (se é que um dia existiu um "TV Pirata" ruim): todo mundo repetindo suas piadas favoritas. Ou ainda, atualizando para os que não eram nascidos na época de "TV Pirata": sabe quando o Porta dos Fundos solta um daqueles vídeos que você já sabe que vai virar clássico, e todo mundo começa a trocar mensagem? Pois é...
A minha piada favorita - ou pelo menos a que provocou a maior gargalhada -, foi a que assinava: "O Ricardo enlouqueceu", logo depois de um depoimento "chocante" em que o ator Ricardo Macchi dizia que estava pronto para seguir carreira em Hollywood. Ou não, espera! Acho que a hora em que eu ri mais foi no segundo ou terceiro episódio de "Pesca Fatal". Ou teria sido na música da Galinha Preta Pintadinha?
Tudo isso, claro, é coisa da Rede Globo, "como sempre em seu movimento retrógrado às tendências mundiais", como diria o crítico ferrenho à emissora, que foi ao ar logo após o quadro da Galinha Preta Pintadinha - e em várias outras interferências do programa. Um programa "espinafrando a própria TV? E ainda com uma "participação" de Silvio Santos? Quem diria...
Trabalho na mesma emissora que colocou "Tá no ar" no ar. Por isso mesmo - aliás, dentro do próprio espírito debochado do programa -, dei esse título ao post de hoje. Para os que amam uma teoria da conspiração, nada mais natural do que achar que eu sou obrigado, por contrato, a falar bem de um "produto da casa". Aos que fazem parte desse grupo e, como agravante, têm dificuldade com ironia, esclareço: é uma brincadeira. Em tempo: se você não achou graça em "Tá no ar", também não vai achar graça no título de hoje...
Nada que eu faça, escreva, exalte aqui vai interferir no destino do programa - que, como já vimos, foi um sucesso na estreia. O que quero é simplesmente, como um telespectador, expressar minha alegria e usar o espaço de hoje para celebrar a volta de um humor que eu não via desde a "TV Pirata": o que olha TV não com o desprezo pelo seu potencial de entretenimento, mas com a ironia que a cultura de massa (e de celebridades) é capaz de inspirar. E se a TV já oferecia muitos motivos para fazer humor no início dos anos 90, imagine agora?
O que Adnet e Melhem fizeram - junto com um elenco afiadíssimo (Luana Martau, Gerogiana Góes, Danton Mello, Renata Gastal, Verônica Debom, Márcio Vito, Welter Rodrigues) - foi usar o enorme potencial ridículo da TV para apontar para ela mesma e ver que (surpresa!) a caricatura não está tão diferente assim da versão "oficial". Com isso, eles conseguem primeiro fazer rir - que é algo que qualquer telespectador esperto desconfia de que será capaz de conseguir a cada vez que lhe é oferecido um novo "programa de humor". E depois, de uma maneira muito sutil e inteligente, perguntar indiretamente para quem assiste: "Tá rindo de que?".
Bom, quando você acha graça de alguma coisa no novo programa, você está rindo da TV que você mesmo assiste. E isso é uma coisa boa - eu diria até saudável. E o melhor: é um humor sem vítimas, um humor menos previsível - e na contramão do que, na última década, convencionou-se chamar de "novo humor". A fórmula de "Tá na TV" está longe de ser inédita. Além da própria inspiração do "TV Pirata", o programa bebe ainda bastante no que está sendo feito de humor na internet (sobretudo no que diz respeito ao ritmo de cada esquete), e até no finado "Comédia MTV" - fonte na qual Adnet, como criador, tem todo direito de beber. (Parece que o próprio Ricardo Macchi um dia ofereceu à MTV uma série sobre um mau ator que acha que tem talento, que teria sido inspiração para a piada que citei acima - e é bom lembrar que essa ideia mesmo não é lá das mais originais, como alguém que viu "Joey", com Matt LeBlanc, pode comprovar; mas eu divago).
Pedir para alguém prestar atenção nisso, no entanto, é tarefa inglória. Ninguém quer "pensar sobre humor" - uma ideia que lembra Frank Zappa quando brincou que "escrever sobre música é o mesmo que dançar sobre arquitetura". Ou, pelo menos, ninguém que assiste algo de humor na TV quer pensar em nada - só quer rir! Mas não duvide: por trás de "Tá no ar", tem gente pensando, sim. Ou melhor, tem gente reinventando o que é fazer humor na TV. Porque não basta abrir a câmera e sair contando uma piada - ou, como é mais comum recentemente, abrir a câmera e esperar alguém famosos falar uma bobagem (e se não falar, tem sempre a edição para distorcer o que está gravado e fazer, como ouvi um humorista que respeito falar uma vez, fazer o gol com a mão). Parafraseando uma diretora de TV que conheço, e que diz que é fácil fazer TV, mas que o difícil é fazer bem TV: fazer humor é fácil - agora fazer bem feito...
Com seu olhar irreverente voltado para a própria TV, "Tá no ar" promete não poupar nada nem ninguém. Só que no lugar de ridicularizar alguém em particular, ela olha o todo, o formato e seu conteúdo, e mostra como ele já é risível. Para virar piada, só precisa de um empurrãozinho. Às vezes, nem é necessário estar por dentro do programa que eles estão satirizando. Por exemplo, eu nunca assisti a um episódio de "House", e mesmo assim me diverti com o esquete do "Dr. SUS". E quem disse que tudo é derivativo? O clipe final com JC de Nazaré me pareceu algo original, assim como a própria série "Pesca Fatal". E toda a sequência no Egito antigo, embora, tenha como o gancho os canais de exploração geográfica, tinha um argumento inédito ali - além de mais uma piada que me fez dar um pulo da cadeira de tanto rir (na hora em que a atendente do "cartão de crédito" pede para o faraó soletrar o nome da pirâmide de Quéops).
Mais importante que tudo, o programa pareceu curto. A sensação geral no dia seguinte era a de que ele poderia ter durado mais, mas eu discordo. Durou o tempo certo, inclusive na vontade que deixou nas pessoas de ver mais. Não há indicação maior de que alguma coisa agradou do que a sensação de ela não ter saciado. Mas quanto a isso, calma... Vem mais por aí, tem que vir. Sabe aqueles segundos que aparecem de outros quadros quando o programa dava aquela "zapeada"? Pois aposto que são trechos de quadros que você vai ver mais para frente. Fora mais coisas novas que eles não param de gravar.
Tive a chance de encontrar tanto Adnet quanto Melhem no estúdio no dia seguinte à estreia de "Tá na TV". Os dois estavam esfuziantes com a boa recepção do programa, mas não exatamente relaxados. Ambos caracterizados com, digamos, toques indianos (sem querer contar muito, vem aí o "Mahatma Connection"!), eles só tinham uma certeza: a de que para continuar a acertar era preciso seguir se esforçando com boas ideias. E elas, acredite, não vêm do céu. Vêm do trabalho - e da falta de acomodação.
Melhem, que já investiu em vários formatos na TV - inclusive em um dos meu programas favoritos, "S.O.S. Emergência" - está no auge da sua criatividade e polivalência. E Adnet, depois de amargar muitas críticas desde sua saída da MTV, encontrou o nirvana: um espaço onde seu talento para música, para a poesia (quem disse que humor não tem poesia?), para o improviso, e até para a anarquia, podem finalmente germinar. Tudo que você precisa fazer é relaxar e se divertir.
E é exatamente isso que eu vou fazer agora, depois que já cumpri com a tal cláusula do meu contrato... E que quinta-feira que vem chegue logo!
O refrão nosso de cada dia: "Variações sobre Nirvana". Confesso que fiquei tentado a escrever sobre os 20 anos da morte de Kurt Cobain. Quem não ficou? Não faltaram tributos ao ídolo e a sua banda nas últimas semanas. Mas estive envolvido com outros assuntos e achei que não iria acrescentar nada ao que eu já estava vendo ser publicado. Porém, para não deixar passar a data em branco, guardei este link para você, que é fã (como eu), se divertir. Organizado pelo site Flavorwire, aqui estão 15 versões impecáveis - e menos conhecidas - de músicas do Nirvana. Claro que a que abre a lista não é novidade para nós, brasileiros: Caetano Veloso interpretando "Come as you are". Mas entre as outras 14 você vai encontrar verdadeiras preciosidades - e poder lamentar, como eu fiz, a falta que Kurt Cobain faz.