Pharrell se apresenta no show de encerramento do palco principal do Lollapalooza
Vi o show de Pharrell Williams ontem pela TV. Bom. Bem bom. Gostei também da plateia, que quase fez a gente que acompanhava tudo de longe acreditar que estava realmente animado por lá. Deu até para ficar com um pouco de inveja.

Mas aí eu me lembrei da primeira metade do show – a que não teve nem "Happy" nem "Get lucky". Aquela metade em que a mesma plateia parecia um pouco ansiosa com aquele punhado de músicas que que ninguém conhecia. Músicas essas, diga-se, que não eram ruins – pelo contrário!

Pharrell, se não é um grande "showman" na linha de, digamos, Justin Timberlake (o palco do Lollapalooza às vezes parecia grande demais para ele), usa com louvor o título de um dos maiores compositores e produtores do pop atual. E o que ele mostrou na noite de ontem em São Paulo foi exatamente isso: seu talento para criar canções próximas à perfeição. Mas quem está interessado nisso?

Claro que no seu cânone musical, algumas músicas ganham outra dimensão – como é o caso de "Happy" e "Get lucky". Mas o que me chamou atenção ontem na transmissão do show era o quão pouco as pessoas em geral estavam interessadas em ouvir o resto das suas composições. A atitude parecia ser: se não forem aqueles refrões (brilhantes) massacrados por execução pública, não vale a pena prestar atenção.

Essa atitude – que é mais ou menos paralela à história do pop – parece viver seu tempo mais exagerado hoje em dia. E quem sofre com isso, ironicamente, não são os artistas – que, como sempre, seguem criando –, mas o público, que cada vez mais se vê diante de menos opções de boa música. Culpe os algoritmos, que seguem te sugerindo apenas coisas (músicas, filmes, programas) parecidas com as que você já gosta: a triste verdade é que caminhamos para uma homogeneização sem precedentes.

Estou meio afastado deste espaço aqui no G1 – é verdade. Aliás, estou meio afastado de tudo que anda acontecendo no Brasil, por conta de uma série de compromissos (e alguns "descompromissos") de viagem. Num exercício de "purificação", há meses tenho feito o possível para ter apenas um contato mínimo com o que passa por cultura pop no Brasil – mais especificamente, o sacrifício público de artistas e celebridades, nessa terra onde ninguém consegue fazer um elogio...

Porém, fora da nossa esfera miúda, tem um monte de coisas boas acontecendo. Tenho visto filmes incríveis ("Timbuktu"), séries geniais ("Unbreakable Kimmy Schmidt"), lido livros poderosos ("Americanah") e ouvido músicas sedutoras – neste quesito a lista é grande... Quero ter tempo para comentar tudo isso aqui – mas não está fácil! Com muito custo (o tom é irônico, juro), consegui parar para escrever aqui hoje sobre música – e olha que a ideia nem era falar sobre o show de Pharrell no Lollapalooza...

Mas é que sua passagem pelo Brasil ofereceu a alavanca perfeita para eu fazer a seguinte pergunta: por que Mika não é consagrado como o novo Elton John? Bem, porque, como a reação às músicas "desconhecidas" de Pharrell deixaram bem claro, o mundo não precisa de alguém que componha boas canções – só de alguém que faça um refrão aprovado por algoritmos de refrões que já foram aprovados. (A frase parece confusa, mas é isso mesmo).

Falo de Mika – um ídolo de longa data (como quem me acompanha aqui há tempos já sabe) – porque recebi de um amigo querido um link de sua nova música, "Talk about you". Fui pego de surpresa (esse meu amigo tem o dom de me surpreender), primeiro com a novidade e depois com a beleza da música.

Mika
Não é de hoje que Mika oferece melodias bem amarradas, com refrões que se encaixam perfeitamente na nossa memória: "Relax", "Grace Kelly", "Lollipop", "Happy ending", "Elle me dit", "Celebrate", "Popular song", "Kids", "We are golden", "Touches you", "The origin of love", "Love you when I'm drunk" – e mais qualquer outro título que você queira incluir nesta lista. A relação acima é impressionante – um currículo invejável de belas composições, que mal chegaram ao grande público. Mas ele não "estoura"...

Sempre achei Mika um injustiçado – aquelas coisas do pop, onde a sorte o talento parecem não conversar, ou ainda, quando se encontram parece que é para conspirar contra o sucesso de alguém. Mas foi só quando eu ouvi "Talk about you" que me dei conta de que, pelo número de canções bem feitas que ele já nos apresentou, a única comparação possível na história do pop é com Elton John – que, aparentemente é seu fã. Mas quem precisa de um Elton John hoje? O dom de compor músicas? Que bobagem...

Sim, eu sei que os tempos são outros – e eu, já quase pronto para completar 52 anos, corro o risco de ter esse meu argumento tão elaborado trollado por um por um comentário de um garoto ou uma garota que mal sabe soletrar Skrillex com uma simples frase na linha "esse Zeca Camargo morreu e esqueceu de deitar" (para usar uma expressão do tempo do pais, talvez avós, deste mesmo garoto ou mesma garota) – "enfeitado" com algumas palavras que não passam pelo controle de qualidade deste blog...

(Ao mesmo tempo, imagino que este garoto ou esta garota em potencial não teve sequer a atenção ou a paciência, para chegar até aqui na leitura deste texto, então vou em frente assim mesmo – apesar de saber que eu divago...).

Enfim, eu sei que os tempos são outros, mas deixo hoje aqui meu lamento sobre a falta de atenção de toda uma geração – e a indústria pop que a alimenta – para o que é realmente bom: a capacidade de um artista fazer uma música bem-feita. Mika é só um nome, mas atrás dele tem Devonté Hynes, Tove Lo, Fatima Al Qadiri – gente que está fazendo coisas realmente interessantes na música, mas que, nessa cacofonia de trinados ensaiados de hoje, mal consegue ter seu trabalho reconhecido pelo grande público. Que ao menos o "pequeno público" então aproveite esses talentos. Estamos aqui para isso!

Neste lento retorno, prometi a mim mesmo que faria textos mais curtos – menos como uma concessão à atenção geral das pessoas que param para ler alguma coisa na internet do que no intuito de usar melhor o tempo de minha semana para fazer tudo que quero (e escrever aqui é um dos meus prazeres). Pelo que vi, já estou traindo minha própria proposta hoje – e, por isso, encerro a discussão de hoje desejando que Mika seja sim proclamado o próximo Elton John. Que todos os artistas que citei acima sejam headliners dos próximos festivais de música. E que o público de Pharrell aprenda a vibrar não apenas com as canções que elas já estão cansadas de ouvir, mas com o que, no meu tempo, se chamava "conjunto da obra".

O refrão nosso de cada dia – "Shangai freeway", Fatima Al Qadiri – dos nomes que citei acima, este talvez seja o que tenha causado mais estranhamento. Fatima é, no entanto (e na minha modesta opinião), o futuro do pop. Aqui fica a minha sugestão de introdução.

Fotos: Caio Kenji/G1; Flavio Moraes/G1