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  • O sucesso dos totalmente desconhecidos

    Está claro que os maiores sucessos de 2017 virão de pessoas totalmente desconhecidas – de quem você não vai se lembrar nem o nome (talvez o rosto, mas nada do seu trabalho) quando 2018 despontar. Esta é minha previsão, depois de uma análise minuciosa do que realmente está acontecendo na nossa cultura pop.

     

    A “profecia” de Andy Warhol – com esteroides! Com um requinte de crueldade: as pessoas vão ser famosas por 15 minutos não porque as coisas estão acontecendo rápidas demais, mas porque isso é tudo que elas querem. Poucas coisas me deixam mais perplexos em perfil de Instagram quanto a epígrafe que já almeja a fama efêmera. Você já viu – tenho certeza: “Débora Carneiro (nome fictício), futura YouTuber”. Sério? Eis o admirável mundo novo – talento, opcional! O que você precisa, isso sim, ainda mais na loteria da internet, é um pouco de sorte – e uma torcida forte para que quem faz alguma coisa com conteúdo despareça de vez.

     

    O único problema com essas previsões de fim de ano é que elas geralmente dão errado... Mas enquanto a música estiver tocando alta  - nos decibéis de um vitupério twittado por Trump, por exemplo – todo mundo se diverte. Pelo menos enquanto houver um meme... Mas lembre-se: mesmo para essa forma de, hum, comunicação tão contemporânea é preciso um mínimo de esperteza – que parece estar em falta. Tanto que o melhor meme de 2016, pra mim, ainda é um de 2015. E você há de concordar comigo: ninguém teve uma ideia melhor do que aquela imagem do Mussum respondendo à pergunta de como foi o último ano com uma simples foto do astro de “Matrix”... Será que esse ano que você está desejando pros outros que seja feliz vai ser novo mesmo?

    YouTube FanFest Brasil 2016

    YouTube Fanfest no Brasil, em 2016 (Foto: Divulgação/YouTube)

     

  • 2015: o ano em que eles quase venceram

    Não foi fácil. Em vários momentos pensei em desistir. Parte da dor e da delícia de ser um comunicador - de ser ouvido (e sobretudo lido neste espaço por você) - é perceber que aquilo que você fala (ou escreve) tem um impacto na vida das pessoas. Como os profissionais que admiro, trabalho com essa motivação. Mas em 2015, falar sobre cultura pop, em vários momentos, tornou-se um desafio quase impossível.

    Algumas vezes me senti realmente isolado, como se tudo que eu presenciava de interessante - as coisas que lia, via, ouvia - acontecessem numa bolha, longe de qualquer possibilidade de apreciação de um público maior. Anestesiadas pelos algoritmos da internet, acreditei que as pessoas finalmente tinham me dado a prova final de um argumento dos mais interessantes que tive este ano com um dos melhores escritores brasileiros (que, por acaso, é também meu amigo): o de que as redes sociais não permitem que você descubra nada de novo. Ou seja, de que elas são feitas para te apresentar mais do que você já gosta - se você é fã de determinados artistas, você só vai encontrar pessoas que também veneram esses artistas; se você faz parte de um culto, a tendência é que você curta mais pessoas que também fazem parte dele; e se, por algum desvio do bom senso, você abraça alguma ideia estúpida, provavelmente na internet você vai encontrar multidões que constroem todo um pensamento em função dessa mesma ideia estúpida.

    Reforçando essa lógica lúgubre, li este ano um texto de Umberto Eco - que apesar de ser de 2011 me pareceu bastante atual. Não sei citá-lo aqui fielmente mas o sentido do que ele disse em uma entrevista - Eco, há tempos, nos alerta sobre os perigos da burrice nas redes sociais - é que a internet é um desserviço ao ignorante. Para justificar uma ideia que parece óbvia, ele nos lembra que a televisão - que é, claro, um veículo de comunicação de massa - também não é muito boa para disseminar cultura, mas pelo menos é um filtro. Não o filtro ideal, mas um filtro. Ao passo que na internet, não existe filtro nenhum: você é um imbecil, e as coisas sobre as quais você constrói sua vida são totalmente imbecis? Ora, você não está sozinho: está a apenas alguns cliques de encontrar outros imbecis como você… E logo vocês são uma comunidade!

    Neste sentido que digo que 2015 foi assustador - e que eles (o “eles” do título acima, claro, se refere ao imbecis) quase ganharam definitivamente seu espaço. Qualquer um que faça um balanço cultural do ano - se é que alguém se arrisca a isso (você tem menos de 48 horas para tentar fazer um…) - vai ver diante de si um deserto. Ainda não consigo entender porque, ao contrário do que vemos no mundo todo, aqui no Brasil nenhum veículo cultural de respeito (nem mesmo este nobre espaço onde escrevo) ousou fazer uma lista na linha “melhores do ano”. Quando muito, para ganhar o maior número de cliques possíveis, a gente vê uma relação de “maiores erros da TV”, num previsível potencial de acessos na junção das palavras “erros” e “TV”, ou variações sobre elas - como diria Bela Gil, você pode substituir “erros” por “gafes” e “TV” por “celebridades”.

    Mas onde estão as listas das melhores músicas brasileiras de 2015? (Não estou contando, claro, as premiações midiáticas cujas escolhas são distorcidas pela busca de audiência numa bizarra inversão de valores). Quem fez um lista com os melhores filmes brasileiros? Os melhores autores? As melhores exposições visuais? Os melhores eventos de arte pública? As melhores fotos clicadas por brasileiros? Os álbuns do ano, assinados por nossos artistas? Ou, ainda que seja para abrir uma concessão ao que se produz na internet, os melhores esquetes de humor nacional no YouTube?

    Como disse antes, se você olhar sob este ponto de vista, o que temos é um deserto - como se nada do que foi feito este ano merecesse entrar numa lista de “best of”. E é justamente este silêncio que nos fez achar que eles, os que gostam sempre das mesmas coisas, os que não querem nada de novo, os que morrem de medo de olhar para fora de seu quintal - eles que ganharam o jogo. Só que não.

    O barulho da turba é grande, mas, se você prestar atenção, mais de um artista - nacional e internacional - nos deram motivo, em 2015 mesmo, de acreditar que tem gente ainda com vontade de fazer diferente. O mundo - e sobretudo o Brasil - tem criadores corajosos que ainda têm fôlego de nos provocar, de nos tirar da mesmice, de dizer com um sorriso disfarçado que a mediocridade não vai vencer.

    Zeca Camargo

    Comecei a perceber isso há algumas semanas, quando fui fazer uma visita a Belém (PA). Lá, tive a sorte de encontrar uma comunidade de artistas - e gente em geral - que estão pensando diferente. O mais forte deles, um artista de rua, cujo trabalho já havia visto na Bienal de São Paulo, mas que mostrou ser ainda mais impactante quando achado no meio da rua em Belém: Éder Oliveira. Os rostos fortes que ele pinta nos muros da cidade (ou nas paredes de transadas galerias e mostras) vêm de notícias populares - e saltam aos nossos olhos com sua verdade e transparência. É poderoso, e é bom - é original, e não passa nem perto daquela “arte” que as pessoas acham que estão fazendo quando enchem de cor um espaço que não foi criado por elas.

    Éder me encheu de esperança. E fui em frente procurando outras evidências de que a ignorância e a mesmice não venceriam em 2015. Encontrei um aliado forte no livro de Julián Fuks, “A resistência” (Companhia das Letras) - um escritor que tem não só o amor pelas palavras, mas também pelas frases, pelos parágrafos, e pelas emoções que tudo isso ainda é capaz de despertar. Depois me lembrei que, na também recente temporada de cinema, me peguei, não sem surpresa, discutindo qual dos filmes brasileiros eu tinha gostado mais.

    Zeca Camargo

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    A supresa, claro, não era pelo fato de que eu e as pessoas com quem gosto de discutir sobre cultura estávamos falando sobre filmes brasileiros, mas pelo fato de hoje em dia termos um punhado de títulos e diretores (e diretoras!) significativamente interessantes para que a gente possa fazer uma escala de quais nos provocaram mais numa determinada safra (por exemplo, a de 2015) - e ainda: “conjuntos de obras” consistente o suficiente para que a gente possa comparar trabalhos anteriores e atuais desses criadores. Fiz aqui mesmo, um apanhado de três filmes nacionais que me marcaram recentemente - e depois disso ainda vi outras tantas produções brasileiras que justificaram este meu entusiasmo. Sem falar que este ano pudemos conferir, finalmente, “Chatô, o rei do Brasil”, de Guilherme Fontes. Não adorei - taí um filme que dividiu as opiniões de pessoas que respeito -, mas um ano que finalmente trouxe este filme não pode ser de todo medíocre…

    Na música… Bem, na música também temos boas notícias - não daquelas que enchem grandes espaços, mas das que preenchem seus ouvidos. De veteranas (Elza Soares) a novatos (Rico Dalasam), passando por nomes relativamente novos e já populares (Emicida), tivemos diversos motivos para ter a certeza de que nossa música popular não está indo para o poço. Como disse Chico Buarque no recente documentário sobre sua carreira - o “Brasil bonito” que a MPB dos tempos áureos nos ensinou a cantar em coro hoje dia dia não tem mais o mesmo espaço. O que cantam as multidões, como fica claro no sorriso disfarçado de Chico, é um outro Brasil (menos bonito?). Mas defendo que ainda tem gente cantando “aquele Brasil”, mais artistas até do que esses três que citei acima. E, eventualmente, as pessoas vão parar para ouvi-los.

    O Brasil ainda está longe de redescobrir a fórmula mágica de juntar entretenimento popular com arte - algo que fizemos com maestria durante décadas até não muito tempo atrás. Filmes como “Mad Max - Estrada da fúria” ou “Divertida Mente” - que são produtos de cultura de massa e ao mesmo tempo uma festa para os olhos e para a inteligência - talvez estejam ainda distantes. Mas eu sei que temos artistas e criadores capazes de nos trazer isso - se não na telona, na telinha!

    Eu sou um otimista - você que me conhece há tempos sabe bem. E cada suspiro de inteligência eu conto como um ponto a favor na batalha contra a “tímida ignorância” (citando a “Economist”), que puxa a gente para trás. E que em 2015 quase nos fez acreditar que ela tinha vencido… Então eu vou seguir neste espaço aqui em 2016 - algo que, num tempo de crise, eu cheguei mesmo a pensar em desistir.

    Quando nada do que você faz parece repercutir positivamente, a primeira resposta é sempre “jogar a toalha”. Felizmente, acima do barulho dos menos favorecidos culturalmente, eu ouvi murmúrios de pessoas interessadas, como eu, em algo ligeiramente diferente. E por isso segui em frente. A recompensa? Ter você me acompanhando até aqui, com essa sua leitura fiel e inteligente - que pode até discordar de mim, mas não com um chilique reativo, mas sim com um argumento interessante, capaz de abrir uma discussão.

    Como descobri neste ano - em que, finalmente, resolvi experimentar as águas das redes sociais, até mesmo o Facebook (https://www.facebook.com/ozecacamargo) - a própria internet é capaz de nos apresentar pessoas interessantes, a fim de trazer sua curiosidade (e não sua mesmice) para um debate maior, contribuir com sua vontade infinita de ver o diferente para que eu mesmo possa explorar coisas novas.

    Zeca CamargoE pensando nisso tudo, quis fazer essa reflexão de fim de ano. Que foi inspirada também, diga-se, por dois filmes que vi aqui, na cidade onde ainda existem sessões de cinema pela manhã… Falo de Paris e de dois trabalhos ainda inéditos no Brasil - um deles, forte candidato ao Oscar, tem estreia prevista para 14 de janeiro, “A grande aposta”; o outro, nem tem previsão ainda de lançamento: “The Lobster”.

    Os dois filmes não poderiam ser mais diferentes. O primeiro, uma ambiciosa comédia que tenta explicar a crise financeira americana de 2008 - e consegue jogar uma luz bem-humorada sobre esse ponto obscuro da história recente da humanidade como nenhum trabalho no cinema fez até agora. O outro, uma utopia de um mundo não tão distante, em que as pessoas não podem viver sozinhas - são obrigadas a se acasalar, sob pena de, no caso de um fracasso, serem transformadas em um animal de sua escolha (no caso, o protagonista brilhantemente vivido por Colin Farrell, caso falhe em achar um parceira, quer virar uma lagosta).

    Cada filme desses, de tão original, merece um post em si - e quem sabe vão ganhar um, quando finalmente eles estrearem no Brasil. Mas hoje aqui, neste texto que mais uma vez eu comecei com a firme intenção de que não ficasse longo, eu vou apenas usá-los como muletas alvissareiras. Porque o que quero celebrar em 2016 são criações artísticas que não me tratem como um idiota. Esses já tem muita coisa para se divertir… Eu e (com certeza) você também, queremos mais. Queremos o desafio de sermos apresentados a algo que ainda não conhecemos. E poder renovar o prazer da descoberta do novo.

    Que venha então 2016 - feliz ano (de fato) novo!

  • Tô rindo do quê?

    Zeca Camargo e Astrid

    Uma pergunta, tantas respostas... A mais imediata é: estou rindo porque hoje é meu aniversário - e eu sou daqueles que comemoram bem a data, que gosta de receber parabéns, que celebra cada ano que chega. No caso, o quinquagésimo-segundo!

    Outra resposta possível, tem a ver com a foto que ilustra o post de hoje - na verdade uma bem antiga, do início dos anos 90, redescoberta recentemente pela amiga que está às gargalhadas ao meu lado. No caso, a Astrid, numa madrugada de Imagem & Ação, enlouquecidos!

    Se abrirmos um pouco a resposta, estou rindo do porvir. Estou, mais uma vez, diante de novos desafios profissionais - e você que já me conhece (e que já "passou" vários aniversários comigo aqui) - sabe que poucas coisas me animam tanto quando estar diante do desconhecido, seja um novo país, uma nova banda, uma nova aventura. No caso, um novo projeto!

    Mas o que me inspirou mesmo a escrever hoje foram as risadas que eu dei com algumas das séries mais inteligentes dos últimos tempos. Sim, você leu direito: eu ri de séries inteligentes. Elas são também engraçadas - algumas das mais hilárias que já foram produzidas este século. O que, se você pensar, tem tudo a ver: não é possível fazer humor sem inteligência.

    Ou melhor, até é - e nosso cenário está repleto de contraexemplos do que eu acabei de falar. O problema é que esse humor sem inteligência não é muito engraçado... Eu sei, eu sei - ele está por toda a parte. Mas a discussão de hoje não é sobre humor no Brasil - que avança sempre aos solavancos (um Porta dos Fundos cá, um "Tá no ar" acolá, e vamos esperando as mais, ainda que raras, outras luzes nessa área). Tive a sorte de passar a véspera do meu aniversário na companhia de Ellie Kemper, Lisa Kudrow e Lena Dunham - & cia.! E é disso que eu quero falar.

    Comecei vendo os três últimos episódios da quarta temporada de "Girls". Ligeiramente desanimado com a terceira temporada, eu - que já vinha ligeiramente decepcionado da segunda (depois de uma primeira estonteante) - encarei os episódios iniciais com resistência. A mudança de Hannah para Iowa (atenção patrulha do "spoiler", se liga!) não parecia prometer muito dramaticamente. Suas óbvias diferenças com o resto do seu grupo de escritores, ainda que engraçadas - na linha da humilhação (já falamos mais sobre isso daqui a pouco) - parecia ser mais do mesmo. Mas as coisas lá não demoram a dar errado - e logo vemos Hannah de volta para Nova York, onde ela simplesmente encontra o cara da sua vida - também conhecido como "o cara mais 'cool' do planeta, interpretado por Adam Driver - com outra mulher.

    Atrizes
    Drama de novela, você pode pensar. Mas não na mão de Dunham. Do meio para o final, essa temporada se transforma simplesmente na mais interessante de todas. São tantas histórias paralelas, tão inesperadas e tão criativas - para citar apenas uma, a história de amor de Adam (o personagem) foi provocada por Jessa (também conhecida como "a garota mais 'cool' do planeta, e melhor amiga de Hannah!), para ela ficar com o ex da mulher que Adam se apaixonou. Os pais de Hannah também vivem um "impasse" - que vaza na filha. Shoshanna - Shosh, pros íntimos (como não amar uma personagem com esse nome, ainda mais interpretada por Zosia Mamet!) - nos oferece impagáveis entrevistas de emprego. E até Marnie - que geralmente cumpre o papel da chata da turma - tem uma reviravolta interessante (cortesia não do novo namorado, Desi, mas de Ray, que está ainda mais engraçado dessa vez).

    Os fãs de "Girls" talvez discordem achando que o seriado não é uma comédia. Fato, a "balada de Hannah e Adam" é bem melodramática - e o desfecho dos dois nessa série quase me fez chorar (apesar de eu achar que faz todo o sentido!). E os problemas de todas as meninas em geral são fortes. Mas tudo é tratado com tanta inteligência, que o humor vem naturalmente. Desafio você, por exemplo, a não ter um ataque de riso na cena em que a irmã de Adam entra em trabalho de parto dentro de uma banheira...

    Com o bom-humor nas alturas, emendei em "The comeback" - a segunda temporada do "reality surreal" de Lisa Kudrow. Talvez a primeira tenha lhe escapado - afinal, foi há dez anos. Temporada essa que não vi. Por isso mesmo, estava demorando para ver a segunda, mas, no embalo de "Girls", entrei fundo em "Comeback" - uma experiência... torturante.

    Resumindo bem, ela faz o papel de uma atriz que fez sucesso num "sitcom" no passado e tenta voltar aos holofotes - a qualquer custo. Literalmente. E é uma humilhação atrás da outra. A ponto de o riso de quem assiste sair meio nervoso... Ela mesma sorri o tempo todo para a câmera do "surreality" que a acompanha - inclusive durante as filmagens de um outro "sitcom" que é a história do "sitcom" antigo reimaginada pelo protagonista que tinha problemas com drogas e resolve reescrever tudo para humilhá-la ainda mais. É de virar o estômago.

    As situações constrangedoras pelas quais a personagem de Lisa passa são familiares para quem vive nessa nossa cultura de celebridades. Nós mesmo vemos, na TV e na internet, gente tão desesperada para aparecer que suporta qualquer degradação por alguns segundos de mídia. Lisa Kudrow faz um retrato cruel e inteligente disso - e por isso mesmo, novamente, engraçado. E torturante.

    No melhor/pior episódio que vi, o quinto, ela grava cenas inteiras num "chroma key" - aquele fundo verde que é usado para efeitos especiais. Ela inclusive está vestida toda de verde, num visual que é o mais ingrato. Mas ela encara tudo com "profissionalismo" e não diz não para nada, numa autoimolação para as câmeras que é ao mesmo tempo terrível e fascinante. Você não quer parar de olhar.

    Depois de algumas horas com ela, você precisa respirar - sério! E é por isso que passei então para "Unbreakable Kimmy Schmidt" - que é, como você deve saber, a nova série criada por Tina Fey ("30 Rock"), que foi recusada pela TV aberta e abraçada pelo Netflix. E é um sucesso. Novamente temos uma história de humilhação, com um viés: Kimmy é muito inocente porque passou 15 anos num buraco na terra, aprisionada pelo líder de um culto apocalíptico - que pode ou não ter abusado sexualmente dela.

    Uma premissa terrível não? Só que com o texto de Tina - e mais seu parceiro Robert Carlock - cada episódio é uma metralhadora de piadas. Kimmy é uma piada pronta, e muitas pessoas abusam dela por isso - a cena num talk show matutino é especialmente embaraçosa. Mas ela é mais inteligente que todos - dentro da sua inocência. E quem ganha é o telespectador - que morre de rir com tudo.

    As piadas de "Unbreakable" são tão rápidas que muitas vezes eu tenho que apertar "rewind" para ter a certeza de que peguei tudo. E a maioria das ironias são com referências culturais americanas muito contemporâneas - outra marca de Tina. Com isso, a série é uma cascata de risadas - e eu terminei a noite, antes de sair para o aniversário de uma amiga, exausto de tanto gargalhar.

    Como adiantei lá no início, a humilhação é a chave do humor dessas três séries - e da boa performance das atrizes principais. Se quisesse dar mais um exemplo, juntaria Julia Louis-Dreyfus, que está para estrear uma nova temporada de "Veep" (sim, ela faz a vice-presidente dos Estados Unidos, mas não há limites para a humilhação da personagem). Ao perceber isso, detectei um contraste curioso com boa parte do humor que fazemos e consumimos por aqui.

    Num cenário onde o comediante, segundo as modas mais recentes, é o "sabe tudo", e se coloca acima das pessoas com quem está fazendo graça, imaginar personagens ou situações que criem histórias de humilhação engraçadas é quase impensável. O que está valendo por aqui é o "ser esperto", estar por cima - uma resposta natural à estupidez da já citada cultura das celebridades.

    Mas se essas séries que estão me fazendo rir recentemente são algum indício, existe espaço para um humor ainda melhor e mais engraçado. Já soubemos fazer isso - como atesta a "imortal" Magda (da incomparável Marisa Orth), de "Sai de baixo". Amanhã estreia uma nova série com Ingrid Guimarães (uma das nossas melhores comediantes), que promete algo assim - só vi as chamadas, mas sua personagem parece que vai passar por algumas humilhações também (algo que ecoa o ótimo "Sob nova direção", onde ela e Heloisa Périssé viviam situações assim).

    Porém, por enquanto, como um antídoto para o humor do espertalhão, que já dá indícios de cansaço, eu digo: fique com "Girls", "The comeback" e "Unbreakable". Ah! E não perca a estreia de "Veep"!

    O refrão nosso de cada dia: "Mr. Lee", The Bobbettes - esta está na lista das minhas músicas favoritas dos anos 50. Sim, 50 - eu nem era nascido... Achei que o clima de festa que hoje me domina - e que espero que te contagie - tinha tudo a ver com essa música. Com 2 minutos e 15 segundos, não é possível que você não tenha esse tempinho para se divertir com ela hoje no meio tarde...

  • Apresentando: o 'neomed'!

    Pare, olhe, escute, passeVocê também anda achando tudo meio sem graça, tudo meio parecido. Olha as prateleiras (virtuais ou físicas) e não tem vontade de ler nada? Consulta a lista de filmes em cartaz e não se anima com coisa alguma? Passeia pelas vitrines de shoppings e não encontra nada que tenha vontade de comprar? Ou ainda, anda meio cansado ou cansada da discussão de ideias que andam por aí – sobretudo nesta ressaca de eleição presidencial? Fique tranquilo – você não está só nessa sensação. E já inventaram até um nome para isso: é o "neo medíocre", que, para facilitar por aqui, eu rebatizei de "neomed".

    Deparei-me com ele num artigo recente do caderno de opiniões de domingo do jornal "The New York Times", de onde inclusive tirei alguns exemplos do parágrafo anterior. Num tom meio divertido e meio preocupado, Vanessa Friedman, a diretora de moda e principal crítica de estilo do jornal, brinca com a expressão que começou a pipocar recentemente na imprensa americana: "the new mediocre". A origem dele, segundo Friedman está num discurso da diretora do Fundo Monetário Internacional – e, no caso, ela se referia à economia mundial. Mas a jornalista achou que podia esticar a definição para usá-la em outros aspectos da cultura – especialmente da cultura pop. Foi um acerto.

    Tanto que resolvi também me apropriar da ideia e propor aqui que a gente faça o mesmo exercício que Friedman fez: o de reconhecer focos dessa nova mediocridade na nossa própria cultura pop. Fácil demais – eu sei que você já está pensando. Mas nem por isso não vale a pena tentar.

    Pegando ainda a carona no artigo de Vanessa, ela lamenta que as prateleiras das livrarias estão repletas de trilogias – de "pornô light" e "pseudo-aventuras adolescentes". Sabe mais ou menos do que ela está falando? Essa falta de assunto, você há de concordar, vaza sem pudor para as grandes telas...

    Estrangeiras e nacionais. Quando vamos finalmente encher de ver comédias que, como já disse uma vez o brilhante "Tá no ar", estrelam "um grande comediante no papel... dele mesmo"?

    Na telinha, estamos nos acostumando a ver sempre os mesmos artistas como convidados "exclusivos" de programas que, não fosse pela personalidade que um ou outro apresentador empresta à cena, seriam uma mera variação sobre o mesmo tema. E mesmo no formato consagrado dos sitcoms, quantas encarnações de "Friends" podemos aguentar? – sim, "Big Bang Theory", não ponha a mão na frente do rosto, pois estou falando de você também. Naquela tela ainda menor, a do seu celular, convenhamos: para cada novo (e brilhante) esquete do Porta dos Fundos, dezenas de clones inócuos se reproduzem como uma praga no mundo virtual – e, pior, sem virar viral... As graças são as mesmas – e quando ela não funciona (na maioria das vezes) basta fazer uma edição "caprichada", inserindo uma luva de box, um efeito sonoro, uma repetição de um flagrante (qualquer imagem repetida infinitamente é engraçada, certo?), ou o congelamento de um detalhe de uma expressão facial. Hilário...

    Na música, eu só precisaria citar um gênero para você imediatamente identificar o "neomed": sertanejo universitário. E se jogar pagode na mistura então, você vai encontrar uma categoria que eu nunca achei que pudesse existir: o genérico do genérico. (Outro dia peguei um táxi num trajeto que, com o trânsito, me custou quase duas horas, e fui brindado com um pendrive só de pagode – que era o fraco do meu motorista... e meu castigo). Existe pagode bom – não estou generalizando. Mas são poucos. Aliás, são eles – os artistas, produtores, empresários e as gravadoras – que estão generalizando. E com isso, fazendo desaparecer a beleza de todo um repertório.

    Ao falar da área em que é especialista (moda), Vanessa Friedman capricha (na minha tradução sempre apressada): "Fiquei ali assistindo a um desfile depois do outro das últimas coleções prêt-à-porter e vi mais 'reinvenções' e 'homenagens' aos vestidos rock-chique dos anos 60 e calças largas dos anos 70, blazeres poderosos dos anos 80 e melindrosas dos anos 20, e pensei 'Como explicar essa falta de novas ideias entre estilistas tão talentosos?'... O novo medíocre". Levante a mão quem não teve essa sensação ao passar os olhos nos desfiles das últimas Fashion Weeks!

    E o que passa por notícia então – tem coisa mais "neomed" do que falar das mesmas celebridades, inventar os mesmos "furos", e torcer para que eles sejam repetidos até um punhado de gente acreditar que é verdade? Toda vez que vejo uma "notícia bombástica" sobre alguém famoso acho graça da tentativa desses "repórteres" acharem que são bem informados – ou, pior, íntimos das pessoas sobre as quais elas escrevem. Como alguém que convive, ainda que perifericamente, neste universo, sei bem o quão longe esses blogueiros estão da realidade.

    (O "caso Adnet", sobre o qual escrevi aqui no começo da semana, mostrou ser um bom caso de estudo disso. "Horrorizados" com o "escândalo", internautas e blogueiros vestiram a carapuça vitoriana e apontaram seus dedos condensadores, só para, na última segunda-feira, verem a própria Dani Calabresa – que é parte interessada na história – rir dos "carolas" de plantão. O que, claro, provocou uma onda de defesa desses sabichões que se auto-vangloriam de saber o que se passa pela cabeça das pessoas famosas – adoro quando alguém escreve que "fulano está irritado" ou que "tal atriz ficou transtornada" com isso ou aquilo... Dizer que sabe do estado de espírito de alguém que você sequer encontrou pessoalmente na sua vida é, no mínimo, charlatanismo, mas quem disse que as pessoas não adoram ser enganadas?).

    Tudo anda muito igual e sem graça – e em tempos medrosos como os nossos, parece que essa tônica deve continuar. Veja por exemplo a notícia que circulou está semana, sobre a volta de um querido apresentador de TV, o Gugu. Uma "pesquisa" apontou que o quadro que as pessoas mais esperam ver no seu programa é o da banheira (um momento do qual eu quase não escapei na minha carreira de entretenimento, mas isso eu conto outra hora). A "Banheira do Gugu", gente! Fico meio surpreso e meio chocado não por puritanismo, mas pela recorrência da ideia. Quando você pergunta para as pessoas o que elas querem ver – ou ler ou ouvir ou assistir – elas sempre vão recorrer a coisas que já conhecem. (A própria lista de notícias mais lidas daqui do G1 e de todos os outros sites é um reforço disso: as pessoas querem saber daquilo que já foi aprovado por outras pessoas – mas eu divago).

    Mas o que esquecemos, quando lemos uma pesquisa assim e optamos por reciclar coisas do passado (e não só na TV: pense em Hollywood regurgitando – com sucesso – as Tartarugas Ninjas!), é que um dia alguém "inventou" a "Banheira do Gugu". Ou um super-herói de capa azul. Ou uma coisa chamada Bossa Nova. Ou um programa de um formato original. Infelizmente, o "neomed" impede no momento que a gente sequer arrisque uma coisa diferente. Não tá bom do jeito que tá? Então para que mexer!

    Difícil prever por quanto tempo ainda viveremos dessa dieta de mediocridade - só ressaltado, o que é medíocre não é exatamente ruim: é médio, mas não tem brilho nenhum... é só legalzinho. Como a neblina perene no céu de Pequim, ela ameaça pairar sobre nossas cabeças por mais algumas temporadas. Mas eu tenho fé de que a essa altura, enquanto o "neomed" engana um punhado de gente, fazendo o normal passar por moderno, já tem algum artista - um músico, uma cantora, uma cineasta, um escritor, uma atriz, um comediante, uma apresentadora, um roteirista - pensando em alguma coisa bem diferente. E que então vai nos fazer lembrar que a mediocridade, mesmo apelidada de "neomed", em si nunca tem nada de novo. É só a boa e velha preguiça de criar e de inventar se disfarçando com uma roupa nova...

    O refrão nosso de cada dia: "Um jarro d'água", Marlene – não se assuste com o link que indico aqui: um "long play" completo de Marlene – uma de nossas grandes cantoras do rádio. Na verdade, esse é o primeiro disco dela, como a própria Marlene conta numa adorável introdução que felizmente sobreviveu nesse registro. Eu queria mesmo é que você ouvisse "Um jarro d'água" – sim, mais uma música de Assis Valente, meu homenageado da semana –, que é um comentário tão bem-humorado (e mordaz) sobre a falta de água no Rio de Janiero, provavelmente em meados dos anos 30, que não sei como ninguém ainda pegou para usá-lo nessa crise atual em São Paulo (que ameaça se alastrar pelo país). Se quiser só ouvir este sambinha, pule direto para os 14 minutos e 46 segundos – e vibre com versos como: "Passei a noite olhando o bico da torneira, tirei a roupa, botei tudo pra lavar / E até hoje neres de tupiniquim, minha roupa deu cupim, cadê água pra limpar?"; ou "A prefeitura me mandou um jarro d'água, e de joelhos agradeço esse favor / Com essa água lavei roupa das crianças, tomei banho, fiz a bóia e café pro meu amor". Ainda, vibre de alegria com o refrão: "E não convém organizar a batucada. A gente dança a gente cheira, não é sopa não!". Ah Assis... Bem, mas se quiser também, ouça todo o disco de Marlene cantando Assis Valente – que é um "primorrrrr" (imitando a cantora...).

    *Foto: Arquivo pessoal

Autores

  • Zeca Camargo

    Mineiro de Uberaba, o apresentador do ‘Fantástico’ começou a carreira no jornal ‘Folha de S. Paulo’, participou da primeira turma da MTV no Brasil e foi editor da revista “Capricho”.

Sobre a página

Em seu blog, Zeca Camargo transita pelo universo da cultura e discute músicas, filmes e exposições.