Envelheço na cidade
Em 25 de setembro de 2006 - há exatos oito anos - eu inaugurava este espaço aqui comentando sobre um vídeo, com larga circulação na internet, em que Daniella Cicarelli (e estou ciente de que, se você tem menos de 20 anos, é provável que tenha que dar um Google neste nome para saber de quem estou falando) aparecia em uma cena, digamos, erótica com seu então namorado - no meio do mar. Era o assunto do momento, o país só falava disso - e, pegando carona nessa, hum, popularidade, escrevi sobre o fenômeno no meu primeiro post (o que me rendeu um fenomenal volume de 589 - lembra quando as pessoas comentavam coisas na internet, não apenas os "comentários dos comentários", e não resumiam tudo que querem dizer com uma carinha com olhos de coração?).
Hoje, 25 de setembro de 2014, recebo por WhatsApp no meu smartphone a décima (ou décima-primeira, perdi a conta!) cópia de um vídeo onde supostamente uma celebridade (que envereda também pela carreira de atriz) está envolvida em uma cena de sexo tórrida - se não menos romântica do que a de Cicarelli. Tudo filmado, pelo que parece, por um segurança de prédio, uma vez que o enlace acontece na porta de um carro estacionado em uma rua deserta. O nome da celebridade que (de novo) supostamente protagoniza a cena é Viviane Araújo - que já se defendeu dizendo não ser ela no vídeo, e tomou inclusive iniciativas judiciais para reforçar o desmentido. Negativas à parte, as imagens, como no caso de Cicarelli, já fazem parte da "conversa nacional", alimentada por revistas, jornais, sites (e eventuais programas de TV) a mostrar o ocorrido com o discreto pudor - que no código de ética atual, significa colocar uma tarja preta sobre as partes mais íntimas do casal em posição de, hum, "cachorrinho". E por "conversa nacional" entenda sua mãe, seu irmão de 12 anos, sua professora, o guarda que te multa, sua diarista, seu peguete de ontem à noite, a babá do seu filho, sua analista, todas as três últimas fileiras da sua classe, o rapaz que te vendeu um remédio para dor de cabeça, virtualmente todas as pessoas envolvidas em fazer com que este texto chegasse até você - e você também.
Agora, vamos pensar juntos: será que muita coisa mudou nesses últimos oito anos?
Sim, a tecnologia - cada vez mais rápida para espalhar esse tipo de informação (e crucificar qualquer pessoa). O iPhone só surgiria em 2007 - e o próprio WhatsApp (o aplicativo que permite que essas imagens, esses comentários, essa "conversa nacional" circule com uma velocidade assustadora) chegaria dois anos depois, e ainda levaria outro par de anos para se tornar realmente onipresente (e indispensável). Mas olhando este curioso paralelo que o acaso me ofereceu, chego à infeliz conclusão de que, se nossa inteligência permitiu que evoluíssemos nos aparelhos que transformam nossa vida para melhor, nosso comportamento diante das vantagens que esses mesmo aparelhos nos trazem só degringolou.
Outro velho (51 anos, lembra?) reclamando da "decadência" dos nossos costumes - lá vem você talvez protestar... Se quiser, pode mesmo fazer essa leitura da minha reflexão acima - ainda mais com o título, inspirado num clássico do Ira!, que dei hoje para o post (o primeiro depois de um longo hiato, como expliquei anteriormente, por conta de uma recuperação de um problema de saúde). Não me importo - fazer 51 anos tem suas vantagens, entre elas, incomodar-se muito pouco com o que pessoas que você não conhece falam de você. Mas, para os que sempre estão aqui pela discussão saudável da nossa sempre imprevisível cultura pop, eu vejo neste paralelo uma oportunidade maravilhosa de reflexão.
Quando chamo a atenção para o quanto "pioramos" como pessoas que convivem em sociedade, que gozam de um privilégio da modernidade chamado "rede social", minha intenção não é protestar. Muito menos apontar "os males dessa juventude", ou ressaltar "a ladeira para onde despenca a humanidade". É apenas para perguntar: e agora, como vamos lidar com isso?
Não tenho esta resposta - nem sequer a pretensão de encontrá-la (se quiser, pode arriscar um palpite - e uma volta aos tempos em que a gente podia discutir coisas virtualmente - deixando aqui um comentário). Mas talvez eu possa ajudar contando como me protejo disso. Se você me acompanha aqui nesses oito anos - ou em parte deles - já sabe mais ou menos do que vou falar. Afinal, minha "cápsula protetora" é justamente... a cultura pop!
Exatamente! Vídeos como esse que eu e você recebemos esta semana não vão parar de chegar até você. Só vão se multiplicar - e, em breve, estarão ao alcance do seu pulso (viva o Apple Watch!). Mas a quantidade de coisas boas e interessantes, que nos permitem experiências muito mais ricas e iluminadas, também é enorme - e graças ao inesgotável talento humano, só tende a crescer. E eu prefiro me concentrar nisso.
Tem mais de um mês que escrevi um post aqui - e quase dois desde que deixei de colaborar regularmente (às segundas e às quintas, como sempre). Isso significa um tempo enorme que, entre a tal recuperação física e a volta gradual ao trabalho (foi um susto grande, não estou mais para brincadeira com o que meu corpo pede), eu tive de preencher com entretenimento. Que para mim, claro, vai um pouco além de blogs de fofoca... Se eu quisesse fazer uma lista comentada de tudo de bom que experimentei durante essas semanas, não faria mais nada hoje (e talvez nem amanhã!). Mas, numa rápida recapitulação, relaciono aqui alguns pontos altos:
- assisti à série "Fargo" - que, em dez episódios, me fez lembrar porque o filme que a inspirou (dos irmãos Coen) era tão bom. Eu quero ficar amigo de quem escreveu as falar de Billy Bob Thornton!
- ouvi o novo disco de Alt-J (menino! de onde ele tirou essa guinada...) e o de Perfume Genius (que parece ter sido escolhido, merecidamente, como o ídolo alternativo da temporada).
- descobri, ainda que meio atrasado, uma banda nova que é a mais perfeita evolução do Belle & Sebastian (confira no "Refrão nosso de cada dia", logo abaixo).
- vi o novo filme de Woody Allen, "Magia ao luar" e confirmei que Emma Stone é talvez uma das atrizes mais carismáticas hoje no cinema. Além disso, adorei o filme, e caí direitinho na sua trama.
- usei a internet para mergulhar em trabalhos de artistas com quem eu não tinha muito intimidade (como Oscar Muñoz) e outros que já conhecia, mas nunca é demais saber mais (como Phil Collins - não "esse" Phil Collins que você está pensando).
- ainda não fui à Bienal de São Paulo, mas tive o prazer de ver os novos trabalhos de Tunga na galeria Mendes Wood - e ficar totalmente perplexo diante daquelas esculturas
- embarquei em novas séries, como a super original "The Knick" (com Clive Owen, dirigida por Steven Soderbergh, sobre o "açougue" que era um hospital na Nova York da virada para o século 20), e a terceira (e melhor) temporada de "Sessão de terapia", com Fernando Eiras como um impecável orientador (e dois novos destaques não menos notáveis, Ravel Andrade e Rafael Lozano).
- vi, em DVD (ainda uso!), documentários dos mais brilhantes ("The act of killing", sobre ex-torturadores indonésios que reinterpretam seus crimes - e pode ser encontrado na internet) aos mais revoltantes ("God loves Uganda", sobre o qual, o quanto menos for dito, melhor - e o quanto mais ele for assistido, também melhor...).
- e li pelo menos dois livros que me fizeram ter a certeza de que, bem acima de manchetes escandalosas que clamam por um clique, existe um tipo de leitura que nunca vai morrer: a que conta uma boa história. Falo de "O pintassilgo", de Dona Tartt (se você encarar suas mais de 700 páginas, vai entender porque ele ganhou o Pulitzer este ano) e de "10:04", de Ben Lerner (ainda inédito no Brasil), desse autor que é simplesmente o mais original que já li nesta década, e que injustamente permanece sem ser traduzido para o português (o outro livro de ficção deste poeta é "Leaving the Atocha station" - também altamente recomendado).
Vi também alguns filmes ruins, baixei álbuns que me arrependi depois de ouvi-los mais de uma vez, esbarrei em coisas terríveis na TV (mesmo a cabo), empaquei em uns dois ou três livros (um deles, notoriamente, o novo de Martin Amis, "The zone of interest"), e li bobagens sem fim na internet. Mas ainda prefiro ficar com as coisas boas - e dividi-las com você aqui neste espaço. Que deve passar por algumas mudanças... Estou pensando, neste aniversário, em renovar algumas coisas por aqui - mas isso é algo que ainda vou falar com o pessoal daqui do G1, para ver como ficamos. Mas por enquanto quero só agradecer a sua companhia por todos esses anos. Mesmo com todos os percalços, tem sido para lá de divertido escrever aqui.
Lá atrás, em 25 de setembro de 2006, eu convidava: "Quem sabe um dia você clique neste link e se divirta com algumas ideias jogadas soltas". Pensando ainda se as coisas mudaram ou não de lá para cá, noto que "ideia" ainda era escrita com acento agudo no "e"... Mas de resto, continuamos os mesmos: eu aqui escrevendo com o que me fascina na cultura pop, e você sempre bem-vindo (ou bem-vinda) participando dessa discussão. Ah! E seguimos sempre fiéis à novela da vida dos outros. Talvez só um pouco mais cruéis, nocivos, estúpidos e inconsequentes.
Por isso tudo, só posso esperar com ansiedade pelos próximos oito anos...
O refrão nosso de cada dia: "Woody Allen", Allo Darlin' - esta é a banda da qual falei lá em cima, minha "nova descoberta". O mais recente álbum deles, "We come from the same place", sai dia 06 de outubro - e já fiz minha pré-encomenda! Até lá, não paro de ouvir essa faixa que indico hoje - e não só porque ela tem o nome do meu diretor de cinema favorito...
Foto: Zeca Camargo