• Envelheço na cidade

    relógioEm 25 de setembro de 2006 - há exatos oito anos - eu inaugurava este espaço aqui comentando sobre um vídeo, com larga circulação na internet, em que Daniella Cicarelli (e estou ciente de que, se você tem menos de 20 anos, é provável que tenha que dar um Google neste nome para saber de quem estou falando) aparecia em uma cena, digamos, erótica com seu então namorado - no meio do mar. Era o assunto do momento, o país só falava disso - e, pegando carona nessa, hum, popularidade, escrevi sobre o fenômeno no meu primeiro post (o que me rendeu um fenomenal volume de 589 - lembra quando as pessoas comentavam coisas na internet, não apenas os "comentários dos comentários", e não resumiam tudo que querem dizer com uma carinha com olhos de coração?).

    Hoje, 25 de setembro de 2014, recebo por WhatsApp no meu smartphone a décima (ou décima-primeira, perdi a conta!) cópia de um vídeo onde supostamente uma celebridade (que envereda também pela carreira de atriz) está envolvida em uma cena de sexo tórrida - se não menos romântica do que a de Cicarelli. Tudo filmado, pelo que parece, por um segurança de prédio, uma vez que o enlace acontece na porta de um carro estacionado em uma rua deserta. O nome da celebridade que (de novo) supostamente protagoniza a cena é Viviane Araújo - que já se defendeu dizendo não ser ela no vídeo, e tomou inclusive iniciativas judiciais para reforçar o desmentido. Negativas à parte, as imagens, como no caso de Cicarelli, já fazem parte da "conversa nacional", alimentada por revistas, jornais, sites (e eventuais programas de TV) a mostrar o ocorrido com o discreto pudor - que no código de ética atual, significa colocar uma tarja preta sobre as partes mais íntimas do casal em posição de, hum, "cachorrinho". E por "conversa nacional" entenda sua mãe, seu irmão de 12 anos, sua professora, o guarda que te multa, sua diarista, seu peguete de ontem à noite, a babá do seu filho, sua analista, todas as três últimas fileiras da sua classe, o rapaz que te vendeu um remédio para dor de cabeça, virtualmente todas as pessoas envolvidas em fazer com que este texto chegasse até você - e você também.

    Agora, vamos pensar juntos: será que muita coisa mudou nesses últimos oito anos?

    Sim, a tecnologia - cada vez mais rápida para espalhar esse tipo de informação (e crucificar qualquer pessoa). O iPhone só surgiria em 2007 - e o próprio WhatsApp (o aplicativo que permite que essas imagens, esses comentários, essa "conversa nacional" circule com uma velocidade assustadora) chegaria dois anos depois, e ainda levaria outro par de anos para se tornar realmente onipresente (e indispensável). Mas olhando este curioso paralelo que o acaso me ofereceu, chego à infeliz conclusão de que, se nossa inteligência permitiu que evoluíssemos nos aparelhos que transformam nossa vida para melhor, nosso comportamento diante das vantagens que esses mesmo aparelhos nos trazem só degringolou.

    Outro velho (51 anos, lembra?) reclamando da "decadência" dos nossos costumes - lá vem você talvez protestar... Se quiser, pode mesmo fazer essa leitura da minha reflexão acima - ainda mais com o título, inspirado num clássico do Ira!, que dei hoje para o post (o primeiro depois de um longo hiato, como expliquei anteriormente, por conta de uma recuperação de um problema de saúde). Não me importo - fazer 51 anos tem suas vantagens, entre elas, incomodar-se muito pouco com o que pessoas que você não conhece falam de você. Mas, para os que sempre estão aqui pela discussão saudável da nossa sempre imprevisível cultura pop, eu vejo neste paralelo uma oportunidade maravilhosa de reflexão.

    Quando chamo a atenção para o quanto "pioramos" como pessoas que convivem em sociedade, que gozam de um privilégio da modernidade chamado "rede social", minha intenção não é protestar. Muito menos apontar "os males dessa juventude", ou ressaltar "a ladeira para onde despenca a humanidade". É apenas para perguntar: e agora, como vamos lidar com isso?

    Não tenho esta resposta - nem sequer a pretensão de encontrá-la (se quiser, pode arriscar um palpite - e uma volta aos tempos em que a gente podia discutir coisas virtualmente - deixando aqui um comentário). Mas talvez eu possa ajudar contando como me protejo disso. Se você me acompanha aqui nesses oito anos - ou em parte deles - já sabe mais ou menos do que vou falar. Afinal, minha "cápsula protetora" é justamente... a cultura pop!

    Exatamente! Vídeos como esse que eu e você recebemos esta semana não vão parar de chegar até você. Só vão se multiplicar - e, em breve, estarão ao alcance do seu pulso (viva o Apple Watch!). Mas a quantidade de coisas boas e interessantes, que nos permitem experiências muito mais ricas e iluminadas, também é enorme - e graças ao inesgotável talento humano, só tende a crescer. E eu prefiro me concentrar nisso.

    Tem mais de um mês que escrevi um post aqui - e quase dois desde que deixei de colaborar regularmente (às segundas e às quintas, como sempre). Isso significa um tempo enorme que, entre a tal recuperação física e a volta gradual ao trabalho (foi um susto grande, não estou mais para brincadeira com o que meu corpo pede), eu tive de preencher com entretenimento. Que para mim, claro, vai um pouco além de blogs de fofoca... Se eu quisesse fazer uma lista comentada de tudo de bom que experimentei durante essas semanas, não faria mais nada hoje (e talvez nem amanhã!). Mas, numa rápida recapitulação, relaciono aqui alguns pontos altos:

    - assisti à série "Fargo" - que, em dez episódios, me fez lembrar porque o filme que a inspirou (dos irmãos Coen) era tão bom. Eu quero ficar amigo de quem escreveu as falar de Billy Bob Thornton!

    - ouvi o novo disco de Alt-J (menino! de onde ele tirou essa guinada...) e o de Perfume Genius (que parece ter sido escolhido, merecidamente, como o ídolo alternativo da temporada).

    - descobri, ainda que meio atrasado, uma banda nova que é a mais perfeita evolução do Belle & Sebastian (confira no "Refrão nosso de cada dia", logo abaixo).

    - vi o novo filme de Woody Allen, "Magia ao luar" e confirmei que Emma Stone é talvez uma das atrizes mais carismáticas hoje no cinema. Além disso, adorei o filme, e caí direitinho na sua trama.

    - usei a internet para mergulhar em trabalhos de artistas com quem eu não tinha muito intimidade (como Oscar Muñoz) e outros que já conhecia, mas nunca é demais saber mais (como Phil Collins - não "esse" Phil Collins que você está pensando).

    - ainda não fui à Bienal de São Paulo, mas tive o prazer de ver os novos trabalhos de Tunga na galeria Mendes Wood - e ficar totalmente perplexo diante daquelas esculturas

    - embarquei em novas séries, como a super original "The Knick" (com Clive Owen, dirigida por Steven Soderbergh, sobre o "açougue" que era um hospital na Nova York da virada para o século 20), e a terceira (e melhor) temporada de "Sessão de terapia", com Fernando Eiras como um impecável orientador (e dois novos destaques não menos notáveis, Ravel Andrade e Rafael Lozano).

    - vi, em DVD (ainda uso!), documentários dos mais brilhantes ("The act of killing", sobre ex-torturadores indonésios que reinterpretam seus crimes - e pode ser encontrado na internet) aos mais revoltantes ("God loves Uganda", sobre o qual, o quanto menos for dito, melhor - e o quanto mais ele for assistido, também melhor...).

    - e li pelo menos dois livros que me fizeram ter a certeza de que, bem acima de manchetes escandalosas que clamam por um clique, existe um tipo de leitura que nunca vai morrer: a que conta uma boa história. Falo de "O pintassilgo", de Dona Tartt (se você encarar suas mais de 700 páginas, vai entender porque ele ganhou o Pulitzer este ano) e de "10:04", de Ben Lerner (ainda inédito no Brasil), desse autor que é simplesmente o mais original que já li nesta década, e que injustamente permanece sem ser traduzido para o português (o outro livro de ficção deste poeta é "Leaving the Atocha station" - também altamente recomendado).

    Vi também alguns filmes ruins, baixei álbuns que me arrependi depois de ouvi-los mais de uma vez, esbarrei em coisas terríveis na TV (mesmo a cabo), empaquei em uns dois ou três livros (um deles, notoriamente, o novo de Martin Amis, "The zone of interest"), e li bobagens sem fim na internet. Mas ainda prefiro ficar com as coisas boas - e dividi-las com você aqui neste espaço. Que deve passar por algumas mudanças... Estou pensando, neste aniversário, em renovar algumas coisas por aqui - mas isso é algo que ainda vou falar com o pessoal daqui do G1, para ver como ficamos. Mas por enquanto quero só agradecer a sua companhia por todos esses anos. Mesmo com todos os percalços, tem sido para lá de divertido escrever aqui.

    Lá atrás, em 25 de setembro de 2006, eu convidava: "Quem sabe um dia você clique neste link e se divirta com algumas ideias jogadas soltas". Pensando ainda se as coisas mudaram ou não de lá para cá, noto que "ideia" ainda era escrita com acento agudo no "e"... Mas de resto, continuamos os mesmos: eu aqui escrevendo com o que me fascina na cultura pop, e você sempre bem-vindo (ou bem-vinda) participando dessa discussão. Ah! E seguimos sempre fiéis à novela da vida dos outros. Talvez só um pouco mais cruéis, nocivos, estúpidos e inconsequentes.

    Por isso tudo, só posso esperar com ansiedade pelos próximos oito anos...

    O refrão nosso de cada dia: "Woody Allen", Allo Darlin' - esta é a banda da qual falei lá em cima, minha "nova descoberta". O mais recente álbum deles, "We come from the same place", sai dia 06 de outubro - e já fiz minha pré-encomenda! Até lá, não paro de ouvir essa faixa que indico hoje - e não só porque ela tem o nome do meu diretor de cinema favorito...

    Foto: Zeca Camargo

  • Depois dos 50

    "51 anos e 4 meses. Quem fez essa crueldade de marcar minha idade não apenas em anos, mas também em meses? Não cheguei a perguntar o nome dela, mas não me esqueço do seu rosto – ela, a pessoa que colocou a pulseira que estou usando agora. Ali está escrito meu nome, minha idade quase precisa (por que não contar os dias também?), e até um código de barras com o número 5204447 – como se eu estivesse novinho em folha, saindo da fábrica. Só que eu estava entrando num hospital, para uma espécie de recauchutagem.

    A última vez que alguém contou minha idade em meses eu não tinha nem um ano – o que até fazia um certo sentido. Perguntados quanto ao tempo que eu existia, meus pais certamente não respondiam com frações (5/12 – cinco doze avos de um ano!) ou decimais (0,7 ano...). Orgulhosos de sua cria ter resistido por mais 30 dias neste mundo, os pais sempre comemoram em meses a conquista – e, de fato, quando você pensa em tudo que joga contra nossa existência frágil nesses primeiros momentos de vida, eu tenho vontade de perguntar porque não a registramos em semanas, ou mesmo dias! Porém, estou falando de coisas que já vivi há mais de século. Por que a contagem dos meses agora?

    São "regras da casa", escuto como resposta – e disfarço minha indignação pensando que esta é a primeira vez que passo uma noite em um hospital. Ou melhor, é a primeira vez que passo a noite num lugar desses na cama do paciente. Não que as jornadas mal dormidas na cama do acompanhante tenham sido muitas, mas elas foram inesquecíveis. Especialmente aquela vez em que meu pai operou do coração.

    Era o início dos anos 80 – e na época, uma cirurgia assim significava ter de serrar as costelas do paciente para conseguir manipular o órgão. Só a ideia disso já me era bastante aflitiva, mas ruim mesmo era ter que ajudar meu pai a se sentar no meio da noite e, ao segurá-lo abraçando pelas costas, sentir as pontas serrilhadas dos ossos raspando umas nas outras. Mais de uma vez quis largá-lo ali mesmo – e o teria feito não fosse a impressão de que ele desmoronaria no chão como um daqueles brinquedos onde um boneco fica de pé preso por elásticos, e desmonta desmilinguido quando pressionamos a base da caixa que o sustenta. Essa era, até hoje, minha ideia de uma noite ruim no hospital. Será que, instalado agora na cama do paciente, irei superá-la?

    Ali, ao meu lado, a do acompanhante segue vazia porque sou teimoso. Quero me virar sozinho, resmungar só.

    Logo acima da minha pulseira ganhei também um apêndice. Ou um enxerto – sei lá como devo chamar isso. Cateter? Acho que ouvi alguém chamar de "acesso"... É uma agulha com entrada dupla, por onde devo receber meus remédios nos próximos dias. Instalá-lo doeu menos do que eu esperava, e me assustou só um pouco. A única coisa que me aterroriza nela agora é o fiozinho vermelho que se desenha nos contornos visíveis – que não estão sob a pele ou sob os esparadrapos (alguém ainda usa essa palavra?). É meu sangue, eu sei – um resíduo que fica logo depois que qualquer coisa é aplicada em mim. Mas isso não me faz encarar aquilo como um corpo estranho – e ruim de olhar.

    Não sinto dor alguma com esse aparelho – no máximo um leve refrescar que passeia pelo meu braço logo que a medicação penetra minha circulação, como a primeira mordida em um picolé numa semana de fevereiro. Fora isso, a pressão que o tal "acesso" faz em mim é mais visual. Evito olhar nas vezes em que o remédio é rapidamente injetado por uma enfermeira, mas sinto desconforto ao encarar a situação quando sou conectado a uma daquelas bolsas que pendem acima da minha cabeça para que o antibiótico desça gota a gota por longos minutos – como um adereço folclórico de uma série de humor cujo cenário é um hospital. Mas infelizmente não estou vivendo uma ficção, muito menos uma comédia.

    Tento fazer graça da nova realidade desses dias, mas não tenho certeza de que estou me dando bem. Um amigo me escreve perguntando quando vamos jantar, e eu respondo que será logo que eu não precise mais da ajuda de uma enfermeira para fazer a comida chegar a minha boca. Exagero em nome da piada, mas nem assim me sinto melhor. Como sem auxílio de ninguém, mas a posição – não tem como negar – é meio esquisita (esforço-me para não escrever "degradante"): estou sentado na cama, com uma bandeja de rodinhas bem debaixo do meu queixo. Tudo está assustadoramente próximo ao meu peito, e mesmo assim às vezes alguma coisa ainda escapa da colher e cai pela minha roupa. É triste. Dali para o dia em que a mão que me alimenta não ser mais a minha é só um pulo, penso desanimado.

    Na segunda manhã que acordo no hospital, um dos médicos que cuidam de mim entra no quarto logo cedo – os primeiros exames do dia são às 6h! – e me informa com expressão otimista que meu "índice PCR" está baixando. Isso é muito bom, falo comigo mesmo, sem saber se devo acrescentar um interrogação ao final da frase. Mas parece que é bom mesmo: fui internado com 7, cheguei a 9, e agora está em 4,5. Números... Pergunto o que é PCR e me arrependo. A resposta em si não é assustadora – algo a ver com teor de inflamação (e sei que vão ter médicos arrepiando só de ler essa minha simplificação). Mas me faz pensar em tudo que está acontecendo no meu corpo – toda a batalha que se passa aqui dentro – enquanto eu calmamente viro mais uma página do livro que trouxe aqui para ler (a segunda parte da impressionante trilogia de Amitav Ghosh sobre a Guerra do Ópio – um porto seguro para quando a mente começa a pensar em bobagem) ou acompanho mais uma cena bem construída da novela das 9h. Será que eu não posso ajudar mais meu próprio corpo?"

    Considere como um presente, caro leitor, cara leitora. Pelo menos foi assim que eu concebi este texto. Preso à cama de um hospital na semana passada – aquela infecção pulmonar sobre a qual me referi no último post, desenvolveu-se em uma agressiva pneumonia –, entre leituras e outras distrações que preenchiam os intervalos entre os medicamentos, resolvi escrever um apêndice para o livro que lancei no ano passado, "50, eu?". E o que você leu acima é um trecho desse texto.

    OliverioQuando encontrei meus editores (da e-galáxia) na última Flip, conversamos informalmente sobre um relançamento comemorativo de um ano de "50, eu?" – e surgiu a ideia de escrever mais um capítulo, como uma espécie de balanço do primeiro ano depois dos 50. No entanto, minha internação - aliada ao timing de jornalista – proporcionou-me um gancho perfeito demais para eu desperdiçar. Decidi então escrever sobre essa experiência de passar, pela primeira vez em minha vida, uma temporada num hospital – e fazer disso o capítulo extra do livro (que deve estar disponível nas melhores livrarias virtuais até o final do mês).

    Comecei com anotações soltas no caderno que mostro na foto ao lado – este, ilustrado com o queridíssimo Olivério, um dos meus personagens favoritos do Macanudo, o fantástico universo criado pelo cartunista argentino Liniers. Mas logo elas se transformaram em reflexões mais profundas sobre o que significa ter um corpo de 51 anos. Mais: o que fazer com um corpo de 51 anos que dentro leva uma espírito que acha que ainda tem 25 – não na ilusão de juventude, mas na energia que está disposto a gastar.

    Como o trecho acima talvez deixe transparecer, no final não foi uma reflexão melancólica. Como sempre, tentei encarar tudo a minha volta – mesmo que fossem aquelas paredes sem-graça de hospital – com um pouco de humor. Até porque não tenho nenhuma vontade de abreviar os anos que tenho pela frente: quero encará-los com boa disposição e um astral que se não está nas alturas, pelo menos sonha em ser mais elevado. E o resultado você vai poder conferir então quando o capítulo estiver disponível.

    Mas fica aqui esse "tira gosto" para você – que é sempre meu leitor ou minha leitora preferencial. Se o texto completo eu terminei no hospital, este post de hoje eu já conclui em casa, onde estou então de "castigo" (meu médico insiste em usar a expressão "de repouso", mas eu tenho minha maneira de ver as coisas!) por mais esta semana. Isso mesmo! Nada de avião, de programas noturnos, de aulas de natação, de conversas longas – na verdade, nada de nenhum esforço maior – por sete dias. E depois, se eu for bem na minha consulta nesta sexta-feira, a gente pode começar a pensar em voltar ao ritmo normal.

    Não há drama nem nada. É só um problema de saúde, que desta vez exige mais atenção do que minha atávica negligência com o próprio corpo permite. Já já estou de volta com a animação de sempre. E o bom disso é que a cabeça não para. Se existe um lado bom de tudo isso é poder ter tempo para leituras que estou adiando há milênios! Sempre coisas que, espero, eu possa dividir com você em breve.

    O refrão nosso de cada dia:"Darkest place", Woman's Hour - claro que vou usar o meu castigo, digo repouso, para ouvir também da boa música - especialmente coisas novas que estão se acumulando aqui no meu iTunes... Para me acalmar no hospital, quando eu me lembrava que já estava mais de oito horas sem sair de uma cama, colocava Woman's Hour para ouvir. Você não precisa estar com pneumonia para gostar - garanto.

  • O que me tem feito companhia ultimamente

    - Claritromicina
    - Bromoprida
    - Sulfato de salbutamol
    - Meticorten
    - Rinosoro
    - Pantazol sódico sesqui-hidratado
    - "Orange is the new black" (5 últimos episódios da segunda temporada)
    - "Downton Abbey" (5 primeiros episódios da quarta temporada)
    - "Sessão de terapia" (toda a semana de estreia da terceira temporada brasileira)
    - "Império" (segunda, terça, sexta e sábado)
    - "O rebu" (todos da semana, no gshow.com)
    - Isabelle Huppert ("In another country", "White material")
    - Tilda Swinton e Cate Blanchett ("Um sonho de amor" e "Elizabeth", respectivamente)
    - Kate Winslet (na minissérie "Mildred Pierce")
    - "The details" (com Tobey Maguire)
    - "Mother - a busca pela verdade" (do sul-coreano Joon-ho Bong)
    - "Atração perigosa" (a estreia de Ben Affleck na direção)
    - "Incêndios" (de Denis Villeneuve)
    - "Na escuridão, amanhã", de Rogério Pereira (Cosacnaify)
    - "Perseguição" e "Inseparáveis", de Alessandro Piperno (Bertrand Brasil)
    - "Rio de fumaça", de Amitav Ghosh (Objetiva), segundo volume da trilogia "Ibis"
    - "Why I killed my best friend", de Amanda Michalopoulos (Open Letter Books)
    - "Arts & entertainments", Chistopher Beha (Ecco)
    - "O homem mais procurado", John Le Carré (Record)
    - "Lese majesty", Shabazz Palaces
    - "World peace is none of your business", Morrissey
    - "Zentropy", Framkie Cosmos
    - "Conversations", Woman's Hour
    - "They want my soul", Spoon

    E essas são apenas as coisas em que eu "investi" de verdade na última semana. Fora os livros que parei nos primeiros capítulos, os discos que abandonei depois de três faixas, os DVDs que vi em velocidade quadruplicada, lendo apenas as legendas – e, claro, a medicação que eu tive de trocar logo que descobri que minha "tosse seca" era, na verdade, uma infecção pulmonar.

    Sim, caro leitor, cara leitora, estou me recuperando de um severo contratempo na minha saúde. Meu pai, o grande doutor Saul, costumava brincar que a melhor coisa para a saúde era não ficar velho... Mas, não posso negar, os 50 anos (51 na verdade!) batem cada vez mais fortes na minha portas – e, com argumentos persuasivos, me convencem cada vez mais que eu não posso mais ter o ritmo de trabalho de 20 ou mesmo 10 anos atrás.

    Posso, como sempre, fazer graça disso - por exemplo, escrevendo mais um capítulo para o meu livro "50, eu?" (e-galáxia), uma espécie de bônus onde eu faço um balanço dos... 50+1, e que vai estar disponível no final deste mês tanto para quem já comprou o livro (que, só lembrando, existe apenas no formato virtual), como para quem o estiver descobrindo agora (ele foi lançado há um ano). Mas desta vez a situação não convida muito para brincadeiras.

    Estou não só tomando uma batelada de remédios, como, sob recomendação médica, encarando um repouso absoluto. Como você talvez tenha reparado, nenhum desses itens que eu listei acima é o nome de um filme em cartaz nos cinemas. Não que eu esteja perdendo muita coisa - já deu uma olhada no que está "levando" esses dias? Mas claro que eu queria ver, por exemplo, "Planeta dos macacos - o confronto" – apesar de nenhuma pessoa cuja opinião eu confio me recomendar... Só que a ordem é ficar em casa. Até melhorar. O que não está acontecendo...

    Vai acontecer – espero! Mas se escrevo essas breves linhas aqui hoje é mais em nome da transparência e do respeito que tenho com você. Na quinta, por exemplo, quando eu deveria ter postado alguma coisa aqui, eu mal me levantei. E mesmo hoje, tive que "criar coragem" para escrever isto para você. Mas achei que era o mínimo que poderia fazer por alguém que, talvez, já tenha uma relação comigo de quase oito anos!

    Pois aí está então esta "satisfação". As coisas devem melhorar até a semana que vem – porém, não prometo nada para a próxima quinta. O que não significa que eu não vá continuar "me entupindo" de medicamentos – e de livros, de filmes, de música e de TV.

    Afinal, para tudo existe um remédio, não é mesmo?

    Zeca CamargoO refrão nosso de cada dia: "Littlest things",  de Lily Allen- entre os filmes que assisti em quádrupla velocidade, está "Celeste e Jesse para sempre" – um daqueles DVDs que você compra sem compromisso, e que estava pegando poeira aqui na minha estante. Bem, não vou me alongar aqui explicando as razões de eu tê-lo visto em "fast forward", mas só quero dizer que a única coisa boa do filme é o tema de abertura – justamente esta música de Lilly Allen que eu indico aqui hoje.

    Allen é daquelas artistas que eu sempre falo para mim mesmo: "você tem que ouvir mais"... E aqui está mais uma prova disso. "Littlest things" é daquelas canções que eu classifico como um pop perfeito. Quase um hip-hop de amor e decepção, numa base de piano que – a não ser que eu esteja muito enganado – é a do tema de "Emanuelle", o grande filme erótico dos anos 70. Se você quiser tirar a teima, aqui está o original, na voz de Pierre Bachelet. Se não, fique só com a versão de Allen que é simplesmente, considerando a situação de saúde em que me encontro agora, um "santo remédio"!

  • Flip: notas de uma terra distante

    Zeca CamargoParaty fica bem entre Rio e São Paulo. A distância é praticamente a mesma (uns 20 quilômetros de diferença na estrada) e o tempo médio para se chegar lá, se o seu ponto de partida é uma dessas duas capitais, fica em torno de três horas e meia. Porém, quando recebe a Flip, Paraty fica ainda mais longe: a "joia" do Brasil colonial, cartão postal que ostentamos com orgulho (pois aí está um exemplo da nossa história bem conservada), se descola de suas fronteiras geográficas e parte para um mundo ainda mais distante. O dos livros.

    Sei que cometo uma espécie de suicídio editorial quando coloco o nome daquela que é talvez nossa feira literária mais importante no título de um post. Com a rejeição que o público em geral tem com relação ao tema "livros", estampar "Flip" lá em cima é uma espécie "negativo" da estratégia nada transparente que blogueiros e colunistas usam quando colocam "BBB" em suas chamadas. Se o famoso "reality show" atrai leitores (ou, ao menos cliques) como moscas ao bolo, um evento sobre literatura repele esse público na proporção inversa. Não que "realities" e livros sejam duas coisas excludentes - não sei se essa regra ainda vale, mas eu me lembro que pelo menos durante algumas temporadas, os participantes podiam levar um livro para dentro da casa do BBB (eu sei, divago...). Mas, se a experiência de quase oito anos deste blog vale alguma coisa, sei bem o retorno que consigo quando me dedico a falar sobre livros aqui...

    Não obstante, você que é leitor ou leitora frequente, sabe que primo pela teimosia - ou, ao menos, pela teimosia de querer falar de livros, num mundo que cada vez dá menos importância a eles. Não que você pudesse sentir isso andando pelas calçadas malvadas de Paraty - com suas pedras irregulares a desafiar os calcanhares e os labirintos de qualquer visitante (e de qualquer idade). Nos dois dias em que estive lá (sexta e sábado passados), aquelas ruas antigas vibravam com os visitantes que sempre recheiam a Flip de cor - e, eventualmente de poesia... Mas ao mesmo tempo em que me encantava de ver tantas pessoas juntas celebrando aquilo que todo mundo adora achar que está com os dias contados - o hábito da leitura - eu mesmo me perguntava se todo aquele barulho estava sendo ouvido além daquelas casas caiadas onde acontecem a maioria dos encontros literários, ou ainda, além da imensa tenda principal onde acontecem as principais mesas com os autores convidados.

    Sim, a repercussão na mídia foi uma maravilha - a começar por aqui, pelo G1. Acompanhei várias matérias, entrevistas, coberturas e comentários na internet, nos jornais e mesmo na TV. A sensação, enquanto eu lia tudo isso, era a de que não se falava de outra coisa no Brasil! Já pensou que incrível? Por quatro ou cinco dias, nossa atenção mundana suspensa, e todo nosso foco na discussão de ideias e as pessoas que escrevem os livros que as contêm?

    A realidade, claro, não é bem assim. Nós ali celebrando o poder da palavra - eu mesmo fui até lá dessa vez para fazer uma série de encontros com estudantes, divulgando uma campanha da TV Globo sob o tema "Quem lê, viaja" (dois assuntos - leituras e viagens - que navego com certa facilidade, eu diria...) - parecíamos mais uma nave distante da própria Terra, transmitindo sinais de otimismo, de que o livro está vivo e pulsante, para um planeta que não sabemos se está preparado (ou mesmo com vontade) de receber esta informação.

    Lá vem o velho de 51 anos reclamar que ninguém mais lê - alguns certamente já estão pensando. Pela minha trajetória aqui, de sempre defender os livros e exaltar o poder das histórias - ou simplesmente pelo fato de eu pertencer a uma geração (ou talvez duas, três, gerações) a mais de quem me lê - temo que eu seja mal compreendido em minhas intenções. Explico-me melhor.

    A sensação de que, mesmo com um bom quórum, estávamos falando para poucos em Paraty era sim um pouco incômoda. Mas ao mesmo tempo, aquilo que podemos chamar de "resistência da palavra" me enchia de esperança. Nós que lá estávamos, nessa terra distante da literatura podemos ser, talvez, os últimos dessa espécie tão exótica chamada leitor. Mas pelo menos estávamos lá acreditando naquelas palavras, naquele autores e naquelas autoras, nas fascinantes histórias que nos contavam.

    Logo no primeiro encontro que tive na sexta-feira, deparei-me com um grupo de estudantes que, estimulados por seu professor, tinha viajado do Maranhão até Paraty para fazer parte do evento! Como não se emocionar com isso? Visitando escolas, na tarde do mesmo dia, conversei com crianças e adolescentes que - embora claramente pautados por seus professores - mostravam genuíno interesse nas histórias que eu tinha para contar, especialmente naquelas que partiam de uma viagem diferente. E recebi, com entusiasmo, respostas de quantos livros essa garotada já tinha lido aquele ano: um, às vezes dois. Boa parte, em nome da transparência, não havia lido nenhum, mas o legal era justamente puxar a experiência de quem tinha esbarrado naquele "tão exótico" bloco de papel cheio de letras (e, às vezes, alguns desenhos) - e conferir o entusiasmo com que eles contavam sobre o que tinham lido.

    No dia seguinte, fiz ainda uma entrevista com Marcos Caruso - um daqueles atores excelentes que ficam ainda melhores quando acrescentam um "u" ao que fazem: e viram autores. Ele estava lá para participar de um debate sobre humor - uma vez que Caruso é autor da comédia brasileira de maior sucesso na história do nosso teatro, "Trair e coçar é só começar" (com direito até a um lugar no Livro dos Recordes!). E ele também, além de surpreso com a beleza de Paraty (que confessou envergonhadamente não ter tido a chance de conhecer até então), mostrou-se encantado com a movimentação ali em torno dos livros.

    E é tudo mesmo contagiante. Acredito que boa parte das pessoas que circulam pela cidade durante a Flip tenham um interesse apenas periférico pelos livros. Mas mesmo quem vai só pelo passeio - ou pela oportunidade de ver a cidade num ritmo totalmente diferente - acaba entrando no clima. Vi mais de um casal - vi vários, aliás - carregando sacolinhas com livros recém-comprados (uma nova e linda Livraria das Marés parecia ser a passagem obrigatória da vez) ou mesmo distribuídos de graça pelas editoras (quem disse que "amostra grátis" só funciona com remédios, cosméticos e perfumes?). Vi todas as salas de encontros lotadas - desde a mesa em que Caruso participou, na Casa do Autor Roteirista (que, este ano, celebrava Bráulio Pedroso, entre outras coisas, autor de "O Rebu" original, de 1974), até a gigantesca tenda, cenários dos encontros principais, onde eu tive o prazer de ver Antônio Prata - um dos melhores cronistas da sua geração (com o perdão do clichê!) - dialogar com Mohsin Hamid, o autor paquistanês de quem falei aqui no último post. E saí feliz de Paraty.

    Para a longa viagem, ainda levei dois livros de novos autores brasileiros que já queria explorar há tempos. O primeiro é Antônio Xerxenesky - que já prometia com o trecho de seu futuro livro que a "Granta" escolheu para publicar, "F para Welles", e que me deixou ainda mais entusiasmado agora com o lançamento de "F" (publicado pela Rocco), onde expande a complicada trama que criou entre realidade e ficção (dentro de uma ficção, diga-se), e entre cinema e literatura, numa história não apenas inteligente mas também esperta.

    O outro livro, um dos mais falados da temporada, é "Dias perfeitos", de Raphael Montes (Companhia das Letras). Entusiasmado pelos elogios a ele (até de Scott Turow, como fez-se questão de alardear), mergulhei em sua fluente narrativa - e fiquei ligeiramente incomodado ao perceber que "Dias perfeitos" lembra uma macabra mistura de "Miséria" (Stephen King) com "O colecionador" (John Fowles). Como seu autor nasceu anos depois de estes dois livros terem sido publicados ("Miséria" é de 1987; "Colecionador", de 1963), "Dias perfeitos" merece o benefício da dúvida - mas nem por isso se redime do excesso de adjetivos que às vezes sugerem involuntárias contradições ("Entrou no quarto de modo relaxado, sem nenhuma vontade de conversar com ela. O desconforto queimava por dentro").

    Independente desses obstáculos, "Noites perfeitas", assim como "F", me conduziu sem esforço até suas últimas páginas. E quando fechei o livro, lá estava eu de volta ao Rio de Janeiro, longe de Paraty, de Flip - do território onde as pessoas leem e sentem um enorme prazer nisso. Mergulhei num vórtex de saudade desse lugar, até eu lembrar que eu poderia voltar para lá quando eu quisesse.

    Bastava eu abrir outro livro...

    O refrão nosso de cada dia: Os "ossos do barão", Marcos Valle - fazendo uma pesquisa de temas de novelas antigas, tive um "flashback" sensacional quando encontrei essa canção de um dos gênios da MPB - que iluminava "Os ossos do barão" (1973). Simples e perfeita - na verdade, dois refrões colados um no outro, com a adorável assinatura: "ê ê eu vou virar barão". Se você seguiu "Barão", como eu, vai matar as saudades. E se não tem ideia do que estou falando, vai gostar mais ainda.

  • Um punhado de filmes ruins e um livro bom - adivinha quem ganha?

    No dia seguinte à morte de Ariano Suassuna, entre tantos obituários (lidos, vistos e ouvidos), um me chamou a atenção em especial. Era um trecho de uma entrevista com o poeta escritor, onde ele comentava, com ironia, a conversa com um repórter. Não me lembro o que ele disse com todas as letras, mas era algo como:

    "Outro dia um repórter me perguntou se eu tenho o hábito da leitura. Hábito? Eu tenho é uma paixão por leitura!".

    E dali ele contava sobre as origens dessa paixão, que vinha desde a infância e que, segundo ele, o permitia viajar . "Era abrir o livro e a viagem começava", dizia Suassuna com seu poder de encantador. E eu não podia escolher maneira melhor de começar um texto em que, num balanço da minha última semana cultural, um livro ganhou de dez filmes que vi.

    Não eram filmes muito bons, é verdade. Mas eram filmes que eu havia comprado - há tempos. E que estavam pegando poeira na minha estante. Explico melhor: estou ficando livre de várias coisas que acumulei durante minha vida - uma consequência lógica de ter completado 50 anos (na verdade, já estou com 51). Daqui para a frente, não vejo muito motivo para continuar acumulando coisas –  como fiz até agora na minha vida. É melhor eu aproveitar bem o que tenho, e passar adiante o que estiver "sobrando".

    Já comecei este "movimento" no ano passado - quem me acompanha aqui talvez se lembre da minha "promoção" que distribuiu para os leitores deste espaço 500 CDs da minha coleção. Pelas respostas que recebi, dos que receberam os CDs (50 pacotes de 10), foi um grande sucesso - no que diz respeito à descoberta de novos sons. Do meu lado, devo dizer que foi uma experiência liberadora. E, inspirado por ela, desde então estou pensando em fazer uma coisa parecida com meus livros (com outros que estão a mais, além de vários que eu já distribuo). E, com certo atraso, comecei a fazer o mesmo com meus DVDs.

    A diferença entre reciclar CDs e DVDs é uma só: enquanto você hoje pode colocar qualquer música no seu computador – e, dali, para sua "nuvem" favorita, para então ouvir quando quiser –, o conteúdo de um DVD exige uma atenção especial. Isto é, ele pede que você o assista antes. Claro que estou ciente de que é possível você transferir um filme de um DVD para seu computador ou tablet. Mas, além de ser um material pesado, sejamos honestos: ele vai ficar lá, ocupando espaço, e você vai ficar sempre adiando a data para assistir a ele. (Enquanto uma música, você pode ouvir a qualquer hora, fazendo qualquer atividade).

    Pilha de DVDs do Zeca CamargoAssim, semana passada, tomei coragem – e separei um tempo (aproveitando que estou passando por uma gripe "daquelas") – para então "traçar" as pilhas de DVDs que tenho aqui em casa. Muitos deles, aliás, fechados. E, ao contrário do que você possa imaginar – ao contrário até mesmo da minha expectativa –ainda não encontrei nada de bom. A amostra, reconheço, é pequena ainda – vi apenas 10 filmes, de pilhas com mais de 200. Mas a duvidosa qualidade desta primeira leva me levou a um questionamento quase "metafísico": afinal, por que eu comprei esses DVDs num primeiro momento?

    Essa era a pergunta que eu me fazia – e ainda me faço – quando os créditos começavam a rolar. O que me levou a adquirir esses filmes? Antes que você venha com o argumento de que hoje em dia, com o "streaming", não faz sentido comprar DVD, já que está tudo disponível (ou, quase tudo, quando você lembra que a oferta de filmes de uma Netflix, por exemplo, ou mesmo de um Now, não está muito distante de um cardápio de produções que já estão disponíveis no cabo e até na TV aberta – ou, para me alongar na tortura, eu sofro toda vez que eu recebo uma newsletter de cultura pop, "Vulture", e vejo o que eles indicam para assistir de legal da Netflix daquele semana... nos Estados Unidos, ou seja, coisas que a gente nem sonha por enquanto que vão estar disponíveis para "streaming" aqui no Brasil... mas eu divago...) – enfim, quero explicar que comprei esses DVDs todos, ao longo da última década, porque são produções que ou são independentes demais para serem lançadas no circuito comercial nacional (especialmente documentários e filmes de língua que não seja inglês) ou eu não consegui ver quando estavam em cartaz e quis correr atrás do prejuízo.

    Como "Minhas mães e meu pai", "perdi" a chance de assistir a este filme em 2010 – e aí, numa viagem no ano seguinte, lembro-me que o encontrei por menos de R$ 20,00 numa mega livraria americana e achei que seria um bom negócio levá-lo. Tomou três anos de poeira na minha estante até que eu abri o celofane dele na semana passada. Estou tentado, como você que me conhece bem já sabe, a passar o resto do post comentando sobre a estupidez da tradução do título do filme – que, no original, aproveita brilhantemente a canção do The Who ("The kids are alright") para falar que uma família com duas mães pode dar certo. Mas tenho outros nove filmes para comentar – e mais um livro, lembra? Então vamos deixar barato.

    "Minhas mães" é um filme razoável. Talvez se eu o tivesse visto na época em que todo mundo falava dele – chegou a ser indicado para quatro Oscars, inclusive o de melhor filme – eu teria sido mais receptivo. Mas visto com essa, hum "distância histórica", me pareceu, apesar do tema inovador, mais um filme de Hollywood. Com interpretações absurdamente fantásticas – você já vou Julianne Moore errar? –, é verdade. Mas bem normal – e até bem previsível (até na sedução de uma das mães pelo doador de esperma que ajudou a gerar as crianças do casal de lésbicas). Só que teria ficado feliz se esta tivesse sido minha única decepção.

    Veja por exemplo "Cold weather" (2010), de Aaron Katz. Quando acabei de vê-lo eu simplesmente não entendia a razão de eu ter comprado um filme tão ruim – onde não acontece quase nada, apesar de um suposto mistério de uma mulher desaparecida e de uma maleta com milhares de dólares. Tive de ir à internet, procurar o que haviam escrito sobre "Cold weather" para procurar pistas – e se encontrei alguma coisa, foram comentários de que esse era a "melhor" de um um subgênero do início desta década, chamado "mumblecore" – algo que define um roteiro sem muito diálogo, onde os personagens ficam murmurando uns para os outros. Ou seja, um pesadelo.

    Só comparável, entre estes que vi, a "The trip" (também de 2010 - ô ano ruim!), de Michael Winterbottom. Sabe aquele ator inglês, Steve Coogan? Pois é, o filme é ele e outro amigo ator, Rob Brydon, numa viagem pelo interior da Inglaterra, a convite de um jornal inglês, para experimentar a comida de templos modernos da gastronomia local. Só isso. Ah, e entre uma refeição e outra, eles ficam disputando quem imita melhor Michael Cane! Que tal? Como uma ideia dessas sequer chega às telas? Quem para para produzir (e para ver) um trabalho assim? E, novamente... por que eu comprei este DVD????

    Acabo de resolver que não vou falar de um por um aqui -– seria pedir demais de sua atenção. Vou só dar uma passada geral para você ver como a lista é eclética. Tem filme de terror ("O segredo da cabana", quase bom). Tem filme de adolescente e bullying ("Terri", uma bobagem). Tem filme chinês ("Último trem para casa", forte, mas mal amarrado). Tem adaptação de bons livros ("Desonra", tirado de um dos melhores trabalhos do escritor sul-africano J.M. Coetzee, com John Malkovich no elenco, mas com resultados apenas regulares). E tem também documentários – duas relativas boas surpresas quando penso no conjunto: "Interrompendo a violência", sobre um grupo de trabalhadores sociais em Chicago que tenta impedir a escalada de crimes nos guetos da cidade; e "O pesadelo de Darwin" – este sim, muito intrigante, sobre o desastre humano e ecológico que a introdução da gigantesca perca do Nilo teve no lago Vitória, na Tanzânia, embora também mal amarrado.

    Foi depois desse "round" de filmes, digamos, insatisfatórios que resolvi pegar um livro para ler...

    Livro 'Como ficar podre de rico na Ásia emergente'E diante da pilha de volumes recém-comprados, escolhi aquele de um autor que está vindo para a Flip deste ano – que começa esta semana em Paraty: "Como ficar podre de rico na Ásia emergente", de Mohsin Hamid (Companhia das Letras). Este é um escritor, nascido no Paquistão, que admiro desde que li, ainda em 2007, o seu livro anterior: "O fundamentalista relutante" (publicado no Brasil pela Alfaguara). Neste trabalho, seu segundo livro, ele já mostra que é um mestre em provocação – mas um assunto polêmico, como sabemos, não basta para se firmar como uma nova voz na literatura mundial. Hamid tem um estilo muito particular, que mistura finíssima ironia com um realismo descarado – e o resultado é uma leitura totalmente cativante e divertida.

    "Na aldeia, a cópula só é um ato privado quando praticada nos campos. Dentro de casa, nenhum casal tem um quarto só para si. Seus pais dividem o deles com todos os filhos, os três que sobreviveram. Mas como é um quarto escuro, pouco se vê. Além disso, sua mãe e seu pai permanecem quase inteiramente vestidos. Nunca na vida tiraram a roupa para copular".

    Este é um parágrafo típico de Hamid. Em curtas frases ele consegue ao mesmo tempo misturar humor e tragédia ("com os filhos, os três que sobreviveram"), observação aguçada e crítica social ("Nunca na vida tiraram a roupa para copular"). Se você reparou, o livro é escrito na segunda pessoa - ou seja, Hamid fala "com você", com o leitor. Afinal, este é um livro de... autoajuda! Disfarçado, claro. Hamid usa o truque do filão popular para contar a vida de um herói duvidoso, de sua infância até o enriquecimento na vida adulta – e a inevitável decadência. É seguindo os conselhos do livro que você também pode... chegar lá! Só que não...

    Você não vai aprender nada com "Como ficar rico". Mas vai se divertir muito – e pensar bastante no próprio ato de leitura. Afinal, como o próprio autor escreve: "Como todos os livros, este livro de autoajuda é um trabalho de criação conjunta". E segue:

    "Quando lê um livro, o que você vê são rabiscos pretos numa superfície de pasta de madeira ou, cada vez mais, pixels escuros sobre uma tela clara. Para transformar esses símbolos em personagens e acontecimentos, você precisa imaginar. E quando imagina, você cria. É ao ser lido que um livro se torna um livro, e em cada uma das milhões de leituras diferentes, um livro se torna um entre milhões de livros diferentes".

    Bem... lembra dos filmes ruins que contei há pouco que eu vi semana passada? Pois é, ali, nada era possível de ser inventado. Eu tinha que simplesmente digerir o que estava vendo... Já no livro de Hamid, a história é outra. Ou, como ele sugere, a história é sempre outra. Seus personagens não têm nome e mesmo os cenários das narrativas são vagos (possivelmente Índia ou Paquistão, mas...). As situações são ora familiares, universais, ora estranhas, estrangeiras. Mas são todas deliciosas, descritas em passagens assim:

    "Percebe, sim, que você está desconfortável na sua roupa recém-comprada e absurda, mas percebe também, por outro lado, que você não está mais desconfortável consigo mesmo".

    "Você é o tipo de homem que descobre o amor através do pênis. Acha que a primeira mulher com quem fez amor deve ser também a última. Felizmente para você, para suas perspectivas financeiras, a menina bonita pensa no segundo homem como aquele que veio entre o primeiro e o terceiro".

    "Sua mãe e sua avó disputam um jogo de esperar. A mulher mais velha está esperando que a mais nova envelheça, enquanto a mais nova espera que a mais velha morra. É um jogo que ambas irão inevitavelmente ganhar".

    É por momentos assim que eu mesmo vou tentar passar na Flip para ouvir e conhecer Hamid. Mas se não conseguir, já fico feliz de ter sido brindado com o lançamento de "Como ficar podre de rico" por aqui. Nem que seja para provar que um livro muito bom vale mais que dez filmes "mais ou menos"...

    O refrão nosso de cada dia: "Turn down for what", DJ Snake & Lil Jon – excepcionalmente a música que indico hoje aqui não vale a pena pela, bem, pela própria música, mas pelo clipe. Como sugeriu um amigo que me mandou o link, é o melhor do ano por enquanto. E eu iria além: é o melhor do ano – ponto. E talvez também o melhor da década. Eu diria para você esquecer a música e ver só as imagens, uma vez que, como canção, "Turn down for what" não é grande coisa – e eu duvido até que funcione numa posta. Mas ela é fundamental para criar o clima do clipe. Que é, arrisco, uma pequena obra-prima.

    *Fotos: Zeca Camargo/Arquivo Pessoal e Divulgação

  • Lembra do 'momento decisivo'?

    Zeca Camargo apresenta suas fotografiasNo momento, tenho 1.878 fotos no meu smartphone. Isso, porque eu já dei uma boa limpada no último fim-de-semana - acho que joguei fora mais de 400 imagens. Achei que guardar mais de 2.000 fotos era um pouco demais. Dezenas de pratos de comidas; caretas repetidas; placas sem sentido; desastrosas tentativas de arte; retratos esquisitos de amigos - tem de tudo. (Coisas aliás, que você não vê no "meu instagram oficial", já que ele não é meu, mas de um desocupado que adora se passar por mim - não perca, ainda hoje, no "meu instagram oficial" as fotos que estão logo abaixo... mas eu divago). Eu me divirto tirando essas fotos - não muito diferente da sua atitude com seu telefone, uma vez que essa ferramenta já é bastante acessível a todos. Mas será que, justamente pela frequência dos meus cliques, estou me tornando um fotógrafo melhor?

    Pensei hoje em escrever sobre o grande Suassuna - que morreu ontem. Mas uma homenagem dessas, se é que consigo alcançá-la, não se faz da noite para o dia. Até tentei esboçar alguma coisa ontem, mas quando estava procurando pela minha cópia de "Farsa da boa preguiça" - um de seus textos que mais gosto - achei um certo álbum de fotografias esquecido na minha estante. E aí minha inspiração tomou outro rumo.

    Se você tem menos de 25 anos, talvez tenha dificuldade de imaginar um álbum de fotografias que não seja digital. Mas eles existem ainda hoje - provavelmente escondidos em estantes, como o meu. São grandes cadernos de folhas grossas, onde nós, os antigos, colavam nossas fotos "de papel". Elas eram - acredite - fruto de um "negativo", que era único. E que custava caro. Um filme tinha sempre poucas "exposições" - ou número de fotos que era possível tirar com ele -, sempre em múltiplos de 12. Eu geralmente usava o de 36. E houve um tempo - tempo de pretensões artísticas, devo confessar - que eu comecei a usar filmes em branco e preto (um recurso que os antigos usavam antes do advento dos aplicativos de alteração de imagem).

    Pois este álbum que achei é de 1996 - quase 20 anos atrás, quando fiz minha primeira viagem ao Japão - e tem menos de 50 imagens. Com o número de fotos sempre limitado pelo filme, a gente, naquele tempo, pensava muito antes de tirar uma. Ela seria revelada e depois reproduzida em papel fotográfico - e tudo isso tinha um custo. Por isso, cada imagem que queríamos registrar tinha de ser muito bem escolhida. E isso fazia da fotografia - mesmo a amadora, como era meu caso - algo especial. Como dizia o famoso fotógrafo Henri Cartier-Bresson (1908-2004), era preciso encontrar o "momento decisivo" para "clicar". Esse era um instante então precioso, bem como a imagem que ele registrava.

    Não foi sem uma certa nostalgia que abri este álbum de fotos do Japão - na verdade, só de Tóquio, que foi minha única escala nesta primeira visita. A qualidades das fotos, em geral é até questionável - admito. Mas o que me deixou relativamente emocionado foi que eu lembrava de quase todos os momentos em que eu havia decidido tirar esta ou aquela foto. Como se cada uma delas, ali reproduzida em papel, tivesse uma "história" - um "making of". E comecei a pensar como nossa relação com o prazer - e o próprio ato - de tirar fotos mudou. Como hoje esse registro é banal...

    Mas não quer me alongar muito nisso. Vou dividir com você agora algumas dessas imagens do Japão - e apenas como um exercício lúdico vou publicar também algumas fotos de viagens recentes. Será que você consegue ver uma diferença entre elas? Entre a intenção por trás delas. Para você não ter dúvidas, as de Tóquio, de 18 anos atrás, tiradas com uma câmera fotográfica tradicional, são as em branco e preto. Todas as coloridas são recentes, deste ano, tiradas com meu smartphone. Será que você percebe alguma diferença?

    Se não quiser, não precisa nem "fazer a lição de casa". Divirta-se com as fotos - e com o meu penteado naquela época! E segunda-feira falamos de livros. E de Suassuna, claro.

    Zeca Camargo apresenta suas fotografiasZeca Camargo apresenta suas fotografias


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    Zeca Camargo apresenta suas fotografias
    O refrão nosso de cada dia: "Click click", The Beat - além de ser uma das minhas bandas favoritas de todos os tempos (The Beat), achei que não poderia ter outra música que combinasse mais com o post de hoje...

    Fotos: Zeca Camargo/Arquivo Pessoal

Autores

  • Zeca Camargo

    Mineiro de Uberaba, o apresentador do ‘Fantástico’ começou a carreira no jornal ‘Folha de S. Paulo’, participou da primeira turma da MTV no Brasil e foi editor da revista “Capricho”.

Sobre a página

Em seu blog, Zeca Camargo transita pelo universo da cultura e discute músicas, filmes e exposições.