• Como se comportar diante de um ídolo

    Como se comportar diante de um ídolo

    Tenho que começar dizendo que o título acima é uma propaganda enganosa. Leitores e leitoras regulares deste espaço conhecem bem a história de decepção e constrangimento que foi meu encontro com Thom Yorke, do Radiohead, numa loja em Paris. Mais recentemente, contei mais um punhado de contatos fristrados - um deles com ninguém menos que minha musa Patti Smith! E em mais de uma conversa que tive com estudantes de jornalismo de todo Brasil, contei a história de que perdi a atenção de Michael Stipe (R.E.M.) quando, durante uma entrevista com ele, comecei a surtar com o fato de que estava diante de alguém que admirava tanto - ele percebeu que eu não prestava atenção ao que ouvia e encerrou a conversa na mesma hora...

    A verdade é que não sou um exemplo de "frieza" diante de um ídolo - e tive mais uma prova disso agora, na última edição da Flip, a Feira Literária de Internacional de Paraty, que terminou domingo passado. Diante de mim, nada de astros do rock (e muito menos do cinema), mas boa parte do melhor da produção literária - nacional e do mundo. Que foi possível trazer, claro - crise etc.

    Como sempre gosto de um suspense, vamos "jogar" um pouco. Apesar de ser fã incondicional de Arnaldo Antunes e Karina Buhr (agora autora, do "Desperdiçando rima", Rocco) - que fizeram uma mesa animada no sábado à noite - não é desses ídolos que estou falando. Também não fui para ver David Hare - que muitos já falaram que foi talvez a melhor participação de todas as Flips! Eu até adoraria ouvi-lo, pois tive a chance de ver uma remontagem de sua peça "Skylight" recentemente em Nova York (sim, essa com Carey Mulligan - sensacional!), mas cheguei em Paraty bem na hora em que sua mesa estava acabando. Gostaria muitíssimo de ver - e teria feito o esforço para tal - o italiano Roberto Saviano, um dos mais admirados jornalistas e escritores da atualidade, que deveria ter vindo lançar seu mais novo livro "Zero Zero Zero" (Companhia das Letras), sobre o mercado da cocaína. Mas ele teve problemas de segurança e não pode comparecer - aliás, difícil mesmo imaginar um esquema que protegesse ele ali naquele frágil sítio histórico. Ainda: eu poderia ter ido só para conferir o cubano Leonardo Padura, autor do elogiadíssimo "O homem que amava os cachorros" (Companhia das Letras) - um trabalho "sui generis" desse escritor policial.

    Zeca Camargo na Flip

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Mas não - eu estava lá para ver um cara chamado Riad Sattouf. Ele é um cartunista francês, já queridíssimo da França, que agora começa a ser conhecido internacionalmente por conta do sucesso de seu sensacional livro "O árabe do futuro" - aqui, recém-lançado pela Intrínseca. Talvez esse rosto aí, do cara ao meu lado na foto, não queira dizer nada para você. Até ver uma entrevista sua na "Inrockuptibles" de algumas semanas atrás, ela também não me dizia nada. Afinal, sempre que pensava em Riad - que é também o principal personagem dessa sua história em quadrinhos - a imagem que eu tinha era de um garoto (criança mesmo) com lindos cabelos loiros cacheados. O que não podia ser mais diferente do que o próprio Riad...

    Enfim, era na frente desse cara que eu me encontrei na Flip - e literalmente não sabia o que fazer. Eu fui completamente "fisgado" pelo "Árabe do futuro" - a ponto de já ter comprado (e lido) o segundo volume, em francês mesmo, que acaba de sair na França. E quando eu gosto muito de uma coisa - pode ser uma música, um livro, um filme, eu fico apavorado de encontrar quem criou aquilo. Vai entender... Mas antes de contar este momento, deixe-me tentar te convencer do meu entusiasmo por Riad.

    Não sou um grande conhecedor de quadrinhos. Nos (quase) oito anos deste blog, raras foram as vezes que eles me pautaram - mais raras ainda se você descontar as sempre bizarras adaptações para o cinema. Quadrinhos "puros" são algo que passa pelo meu radar ou quando eles nos ajudam a visitar outras culturas - como "Persépolis", da iraniana Marjane Satrapi, ou "O fotógrafo", do francês Emmanuel Guibert. Ou quando são tão preciosos que acabam canonizados como arte - pense em Chris Ware. "O árabe do futuro" cai certamente na primeira categoria - aliás, com um equilíbrio perfeito entre o humor de Satrapi e a observação de Guibert.

    Autobiográfico, o livro conta a infância de Guibert - que é filho de uma francesa e um sírio que ganhou uma bolsa nos anos 70 para estudar na conceituada universidade Sorbonne, em Paris. Um casal improvável, talvez não nos dias de hoje, mas certamente 40 anos atrás. E com uma trajetória ainda mais inesperada: na tenra infância de Riad, o pai resolve mudar a família para... A Líbia de Gaddafi!

    Na época, claro, ainda não era o país sanguinolento que o mundo parece que descobriu só recentemente, quando uma verdadeira caçada humana acabou com a morte do ditador (2011). Mas já era um país bem estranho onde as pessoas, por exemplo, não podiam deixar a casa sem ninguém, senão outra família tomava posse dela - estava escrito no "livrinho verde" de Gaddafi! E os noticiários das rádios tinham textos aprovados pelo governo, só que com tantas mentiras que - num dos episódios mais hilários do "Árabe do futuro" -, quando a mãe de Riad consegue um emprego de locutora, ela tem um ataque de riso com as bobagens que tem que ler, e é presa "ao vivo" por "subversão"...

    E isso é só uma parte desse primeiro volume. Riad, que segue sendo desenhado com seus incríveis cachinhos dourados, muda-se então para a Síria (que também não era o país violento que vemos hoje no noticiário, mas era bastante conservador nas suas tradições) - e lá ele é atacado constantemente nas ruas, e por seus próprios primos, todos muçulmanos, porque ele "parecia judeu". Essa "confusão" que orbita a cabeça do pequeno Riad é o conflito principal que move a narrativa. (No segundo volume, sobre o qual espero escrever aqui quando for traduzido, ele sofre ainda mais com isso, uma vez que vai à escola na Síria).

    "Riad criança" venera o seu pai e não entende muitas bem suas decisões. Mas o "Riad adulto" conduz a história não com sarcasmo, mas com inocente distância, ajudando o leitor a enxergar tudo com a mesma curiosidade que o "Riad criança" - mesmo em momentos mais absurdos onde ele ilustra, por exemplo, a discriminação contra as mulheres. O resultado é uma obra leve no traço e profunda no questionamento das coisas. Que, como você pode imaginar, faz paralelos imediatos com muita coisa que está acontecendo hoje à nossa volta...

    Li esse primeiro "Árabe do futuro" numa tarde - e ainda me sobrou tempo para revisitar algumas páginas favoritas. E fiquei babando de admiração por Riad. Por isso que, quando pensei em pedir seu autografo, imediatamente me questionei se teria coragem de chegar lá e não me desfazer como um tolo fã diante do ídolo. Cheguei a desistir. Mas aí, ele, na sua apresentação na Flip, mostrou um outro personagem que tinha criado, o engraçadíssimo "Pascal Brutal" - além do "Árabe do futuro", ele já fez vários quadrinhos, colaborou anos com o "Charie Hebdo", e atualmente tem uma página semanal na revista francesa "L'Obs". Aí estava um bom motivo, ou melhor, um motivo "original" para pedir um autógrafo, já que o meu medo é sempre passar por "mais um na fila", só incomodando ele com uma assinatura... Além disso, eu tinha trazido de Paris a "Inrock" com seu desenho na capa. Pronto! Já tinha duas desculpas!

    Capa assinada para Zeca Camargo

    Então eu fui. Escorei numa amiga, que tem o francês bem melhor que o meu, e puxei conversa. Para minha surpresa, o contato foi mais que feliz. Bem-humorado e curioso, ele nos recebeu como amigos, e "quebrou" qualquer timidez que eu pudesse ter. Rolou até a foto que você viu acima! E mais a lembrança na "Inrock" que está aqui também. No total, não ficamos mais do que dez minutos juntos, mas o relógio para um fã nunca é justo com seus ponteiros...

    Saí feliz com meus autógrafos, minhas fotos, meus livros - e sem nada a acrescentar na arte de "como se comportar na frente de um ídolo". E é por isso que eu acho que você deve processar o cara que escreveu isso aqui!

  • Catarse e seus descontentamentos

    Não é fácil explicar o significado de uma coisa para quem não tem nem a curiosidade de saber o que ela é. Mesmo assim, vale a pena tentar.

    Falo da palavra “catarse” - embora, no fundo, eu acho que devesse esclarecer também o que significa “descontentamento”. Mas, na esperança de que esta segunda definição fique clara ao longo da nossa conversa, vamos nos concentrar na proposta original.

    O dicionário sempre é um bom ponto de partida - ainda que hoje na internet essa frase tenha que vir no plural. São vários pontos de partidas - e por isso mesmo temos uma certa dificuldade para escolher por onde começar uma explicação para qualquer coisa.

    Um “dicionário de psicologia”, por exemplo, vai nos informar que “catarse” é um “estado de libertação psíquica que o ser humano vivencia quando consegue superar algum trauma”. O que me parece técnico demais - e tendencioso. Se cairmos na filosofia, a fonte maior é Aristoteles: “é a purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um drama”. Hum… Um pouco teatral, eu diria.

    Pesquisando um pouco mais encontrei uma definição mais genérica e prática que talvez pudesse ser então meu ponto de partida: “Catarse é a purificação do espírito do espectador através do purgação de suas paixões, especialmente dos sentimentos de fé ou de piedade vivenciados na contemplação do espetáculo trágico”. Isso! Comecemos por aí então, porque o que me move a escrever o post de hoje é o desenrolar de um espetáculo trágico. No caso, a morte repentina de um grande ídolo da música popular brasileira, Cristiano Araújo.

    Fui convidado recentemente pelo “Jornal das 10” (Globo News) a fazer uma crônica sobre o triste evento e, no lugar de repetir os pêsames - que já faziam parte do inconsciente coletivo nacional àquela altura (a crônica foi ao ar no sábado passado) - e cair no lugar-comum de tantas coberturas, optei por olhar à distância não a dor legítima dos fãs, que estava lá muito presente, mas o sofrimento “por tabela” de tantas e tantas pessoas que conheciam o cantor apenas marginalmente (se tanto) e que, num significativo movimento de massa, “pegaram carona” no sentimento genuíno de quem o seguia desde o início humilde.

    Era curioso ver como, ao mesmo tempo em que o luto genuíno se acumulava nas redes sociais - e vazava para as outras mídias, como rádio e televisão - outras pessoas se perguntavam sobre a identidade do objeto de tanta devoção. Muitos até, quando tomavam conhecimento da música que ele cantava, faziam a conexão entre personagem e trabalho e se sentiam ligeiramente comovidos, sobretudo com a interrupção trágica de uma vida tão fulgurante - e uma carreira tão promissora. Mas uma parte dessas pessoas, como em tantos outros “funerais de massa”, emulavam uma emoção “por aproximação” - inspirada pelo que viam na própria cobertura da mídia.

    Na minha crônica, citei momentos assim, mortes marcantes de ídolos, pelos quais passei na minha vida - e minha carreira de jornalista. Cazuza, Kurt Cobain, Ayrton Senna, Mamonas Assassinas, Princesa Diana, Michael Jackson - nomes aos quais acrescentaria os de Leandro, Claudinho, Tim Maia, Renato Russo, Cássia Eller, Whitney Houston, Amy Winehouse, entre tantos outros. E propus a questão: estaria o cantor que o Brasil acabara de perder no mesmo patamar de popularidade que estes artistas?

    A provocação, claro, era para os “não fãs” - as pessoas que de uma hora para outra cobriram-se no véu do pesar simplesmente porque, na falta de um ídolo próprio, precisavam sentir um pouco desse sofrimento. Este é, enfim, o comportamento que desde de o início deste texto tento definir: a catarse. E quis, com a minha crônica, tentar separar a “genuína” da “de imitação”.

    Usei para isso um elemento muito presente no nosso “caldo cultural”: o famigerado livro de colorir. A comparação era simples: ao contrário da tristeza que os fãs verdadeiros estavam sentindo, milhares (milhões?) de “não fãs” simulavam esse sofrimento como se fosse uma emoção de verdade - assim como as pessoas que se debruçam nos livros coloridos vivem a ilusão de que estão sendo criativos, quando na verdade estão apenas preenchendo vazios de contornos que outros delinearam.

    Na minha experiência profissional - e pessoal, como fã - vi de perto o choque que uma nação inteira (e por vezes até o mundo) mostrava diante da partida de um artista querido. Nesses casos, não havia questão. A ausência de uma artista como Cássia Eller, por exemplo, que teve uma carreira plena - de gravações e apresentações - e atravessou gerações emocionando seu público, era perfeitamente refletida no luto nacional. Uma equação (dolorosa) de equilíbrio perfeito.

    Cristiano Araújo, porém, com todo seu carisma e talento, floresceu numa época diferente do pop, quando as carreiras são mais “relâmpago” e com um cociente de adoração “imediato”. Seu fãs de coração, atônitos diante da perda, abraçaram qualquer gesto solidário - mesmo de quem nunca havia ouvido falar do cantor. E ao mesmo tempo repudiaram qualquer questionamento sobre sua supremacia. E é aí que a história começa a ficar interessante - especialmente no que diz respeito à catarse.

    Munidos apenas da emoção - e de uma má interpretação da minha crônica - esses fãs acreditaram, alimentados por uma meia dúzia de comentários confusos, que eu os acusava de alguma coisa, ou pior, que eu apontava o dedo para seu ídolo, quando na verdade eu tentava entender o que faz justamente o outro grupo - o de “não fãs” - a reagir da maneira como o fizeram.

    Neste momento, a catarse pega um inesperado desvio - e viro eu então o alvo da “purgação de suas paixões na contemplação do espetáculo trágico”. Armados com a ferramenta poderosa da rede social - a única da qual participo, o Instagram (todas as outras, como sempre insisto aqui, são “fakes”) - esses fãs, ecoando a catarse da perda do ídolo (e já sem nenhuma reflexão sobre o que de fato escrevi, mas apenas propagando alguma mensagem que chegou a eles já em tom de indignação), voltam-se para mim com uma carga de fúria que, embora já fosse esperado, eu nunca havia experimentado.

    A esta altura você deve estar se perguntando se este post está servindo, talvez, como uma catarse - para mim! Belo exercício metalinguístico… Bem, sim e não. Ao mesmo tempo que estou um pouco atônito com o nível das ofensas pessoas (de pessoas que ironicamente evocam palavras como “respeito”), relevo o que é (mal)dito - a única coisa que pode nos ofender realmente é aquilo que vem de quem nos conhece profundamente - e comemoro a oportunidade de que essa discussão toda nos dá de, bem, reforçar a pobreza do nosso momento cultural.

    Enquanto escrevo isto, sou procurado por várias mídias para dar “meu lado da história” - como se a própria crônica que escrevi não fosse, hum, o meu lado da história - e saber “como estou recebendo a polêmica”. Como diria aquele meme adorável com o pinscher: “Gente, qual a necessidade disso?”. Mas, imagino, no vácuo cultural que estamos - e que tantos  colunistas ajudam a corroborar - um embate entre fãs sensíveis e uma opinião que eles chama que é contrária a deles (apesar de o texto original claramente exaltar as qualidades - e as “promessas interrompidas” - do ídolo em questão) torna-se o grande tema da semana. Ou pelo menos do começo dela. Estamos mesmo sem assunto…

    Há várias ironias neste imbroglio. A mais óbvia dela, a das pessoas questionando a relevância do que falei - e ao mesmo tempo tão ocupadas em me criticar. Bem, se eu fosse realmente irrelevante… Mas enfim, há ainda a ironia de estar sozinho em meio a colegas que também ironizam a cobertura talvez exagerada da mídia, mas que lhes falta ou coragem ou oportunidade para defender melhor a mesma ideia. E há sobretudo a ironia de achar que estamos discutindo a cultura brasileira quando cada linha sobre o assunto - seja aqui neste texto ou num comentário indignado - só joga mais uma pá de terra na questão: não há nada interessante para falar neste universo neste momento no Brasil. Logo…  vamos criar um evento em cima disso mesmo. Pegando emprestado de uma das melhores canções de Cristiano Araújo, o que temos pra hoje não é saudade, mas um balão de ar.

    É natural. Para mídia - e para os fãs indignados (pelos motivos errados) - é delicioso ver uma pessoa pública como eu ser atacado. Faz parte dessa catarse - que, como a dor é muito grande, não se esgota com os ritos fúnebres do cantor. Curiosamente, porém, no lugar de migrar para assuntos realmente relevantes ligados ao fato cruel de sua morte, desembocam nessa histérica manifestação coletiva contra uma figura conhecida.

    Mesmo quem não é fã de Cristiano Araújo deveria estar absolutamente indignado, por exemplo, com o vídeo que vazou do seu corpo aberto - isso sim, um motivo de vergonha e de questionamento moral. Mas a autora (e comparsas) da “obra” é uma desconhecida, que não vale a pena perseguir - e ainda, temo em pensar, ela fez o que talvez muitos fãs por impulso também fariam nesta época onde não existe mais limite para nenhum tipo de exposição.

    Então agora o negócio é comigo. Muito bem. Não tenho medo das minhas opiniões - até porque, está claro para mim que minha crítica não era ao artista nem ao seu luto, mas à cobertura dele e ao vazio do discurso sobre cultura no Brasil (essa sim, tristemente próxima de um livro de colorir). Como uma amiga me comentou, só posso ser responsável pelo que escrevo, não pelo que os outros entendem. Aceito ser o foco agora desta catarse - até por admiração ao cantor. É disso que os fãs precisam agora? Sirvam-se.

    Daqui a pouco esse mesmo discurso vai em frente - e, tomara, de uma maneira diferente, ou ainda, com um foco mais interessante. Novos ídolos virão, novas polêmicas, novas paixões, novos “ultrajes”. E tudo evolui. O pop - que é o DNA deste blog - é assim.

    Para isso, tenho confiança absoluta na inteligência das pessoas, mesmo naquelas esfumaçadas pela emoção. E uma fé - talvez exagerada - de que um dia a educação no Brasil nos ensine a não só xingar, mas a refletir e argumentar para defender quem a gente gosta.

  • Uma breve história do tempo

    “I got away for a little while”
    (Ghost Ship, Blur)

    Zeca Camargo
    Tenho viajado. Você talvez tenha percebido. Normal. É isso que faço - é isso que gosto de fazer. Porém, nos últimos seis meses, dediquei-me a isso com especial fervor. Uma série de coincidências colaboraram para isso: trabalho, lazer, compromissos profissionais, necessidades de renovação - tudo junto fez com que, de novembro até agora, eu passasse cerca de 20% desse tempo só no Brasil. O resto? Bem, o resto…

    Estive lá e cá. Primeiro, uma volta ao mundo: México, Estados Unidos, Coreia do Sul, Tailândia, Índia, Turquia, Israel, Holanda, Dinamarca e Portugal. Básico. Era trabalho, tudo estava planejado. E depois disso, o acaso se ocupou de me surpreender. Levou-me ele duas vezes a Madri, novamente a Portugal, três a Paris - uma delas, rumo a Avignon, outra ao Vale do Loire. Foi o acaso também que me permitiu voltar a Bangcoc mês passado, apenas alguns meses depois de ter estado por lá em dezembro. E por falar em Sudeste Asiático, some à lista: Laos (como não celebrar a chance de poder ir pela terceira vez a um lugar como Luang Prabang); Camboja (onde não ia desde 2004); e Myanmar - finalmente um país que eu não conhecia! Inclua também Miami e Nova York - duas vezes. Já falei Buenos Aires? E mesmo no Brasil, tive a chance de conhecer a Chapada dos Veadeiros e lembrar como é lindo Búzios - onde não ia há umas três décadas.

    Zeca CamargoAlguns podem achar que estou apenas contando vantagem - o que é bom, pois esses não vão desistir de me acompanhar nessa leitura a partir deste ponto. O que é ótimo, pois a essa altura da vida, não tenho mais paciência de convencer ninguém de que aqui escrevo o que me dá vontade - não por narcisismo, nas pela necessidade de trocar com quem realmente está interessado em ideias. Essas viagens, essas distâncias percorridas, esses lugares visitados - não servem apenas para tirar fotos bonitas, como as que ilustram a abertura do post de hoje. Todo esse deslocamento - e a solitude que me acompanhou por bons trechos desses trajetos - trouxe não só uma sensação frenética, mas, paradoxalmente, uma tranquilidade inusitada. Junto com uma certeza de que estava fazendo a coisa certa.

    Mas coisa era essa? Uma resposta a minha curiosidade infinita - que é, afinal, o principal motivo pelo qual a gente viaja (ou deveria viajar). E justamente porque ela é infinita, meus achados em cada um desses lugares também são infinitos - logo, impossível de caber numa folha de papel, ainda que virtual. O que não significa que não vale a pena tentar. Por isso, convido você agora, que já me segue aqui há tempos (já são quase nove anos!) ou não, mas que tem o mesmo espírito deste espaço: o entusiasmo com as descobertas e as inesgotáveis possibilidades da criação humana - a me seguir nesta breve história do tempo. Ou pelo menos desse tempo tão particular, meus últimos seis meses.

    Zeca Camargo
    Vi templos em Siam Reap e a praça dos Papas em Avignon - onde dancei na ponte da cidade, imitando Tintim ao lado de Milu naquele notório traço de Hergé. Falando nisso, pedi para as bailarinas de plantão ali em Erawan fazerem uma dancinha para mim - não custa nem caro, menos de R$ 100,00. Passei por assistente de artista plástico para conseguir visitar o novo Whitney Museum, em Nova York, antes que ele fosse aberto oficialmente para o público. E, de balão, passei por cima de Chenanceau. Naveguei o Rio da Prata e uma parte (bem pequena) do Mekong. Fiz um ziguezague no lago Inle, Myanmar, e passei um fim de tarde inteirinho vendo o sol ir embora levando seu reflexo do Tejo, em Lisboa.

    Testemunhei o amanhecer de Bagan, senti o calor cruel do meio-dia em Bayon (Angkor), percebi as sombras ficando longas no fim da tarde de inverno em Uzés, saí de bicicleta para explorar a noite de Amsterdam. Deixei cachoeiras caírem nas minhas costas no Vale da Lua (Goiás) e senti maresia do Pacífico em Santa Mônica. Descobri o bairro “art deco” de Tel Aviv e pude compará-lo com o de Miami. Derreti com a tórrida noite em Silom e congelei com a manhã de Copenhague. Noites, dias, horas - impressionante como tudo é relativo quando a gente junta essas lembranças.

    Zeca Camargo
    Vi Basquiat no Brooklyn nova-iorquino e Marlene Dumas em Amsterdã. Morandi novamente me hipnotizou no fim de um passeio em Roma - especialmente com suas flores que eu nem sabia que existiam - e reencontrei meu ídolo, Michaël Borremans, no museu de arte contemporânea da capital israelense. Velázquez me tirou (mais uma vez) do sério no Grand Palais. Janet Cardiff mexeu com os meus sonhos no espaço que o Museu Reina Sofia, em Madri, tem no Palácio de Cristal. Tapiés em Miami, Sonia Delaunay na Tate, 100 anos de cinema turco no Istanbul Modern. Não consigo esquecer as imagens em branco e preto de lésbicas que foram vítimas de homofobia registradas pelas lentes da sul-africana Zanele Muhole, na Photographer’s Gallery, em Londres. Tive o privilégio de conhecer o ateliê de um ídolo meu nas artes plásticas, Francesco Clemente, na parte baixa da Broadway de Nova York, e conversei com uma artista (Rose-lynn Fischer) que fotografa as lágrimas das pessoas no microscópio - no Palais de Tokyo.

    Vi “Whiplash” no moderno complexo cultural em De Hallen, Amsterdã, e “Vingadores” em Yangoon - onde os filmes passam sem legenda em birmanês (ou em qualquer língua: se não entender, boa sorte!). Em horas de avião, chorei com “Selma” e “Pride” - vítima do velho truque de emocionar alguém mostrando gente que vai em frente quando alguém diz não. Meu cinema favorito em Nova York, Angelika Film Center, passava o último trabalho de um dos meus diretores preferidos - “While we’re young”, de Noah Baumbach.

    Zeca CamargoComo resistir? E em Los Angeles assisti ao filme mais aterrorizantes dos últimos tempos (“Força maior”) - que, aliás, não é de terror. Terminei a temporada de “Unbreakable Kimmy Schmidt” no meu iPad (os melhores episódios vi enquanto estava em Mumbai), e em Miami, a abertura da última temporada de “Veep” - com aquele roteiro genial do TP que apaga bem no discurso de posse de Selena como presidente dos Estados Unidos. E, também em Miami, gargalhei ininterruptamente com “Connection lost”, um episódio de “Modern Family” todo feito em telas de computadores, tablets e smartphones - um dos momentos mais originais da TV neste século!

    Fiquei amigo de um baterista em Myanmar - que ouvia The Cure nos anos 90 em fitas cassete contrabandeadas da Tailândia. Em Bancoc, descobri uma loja de discos em Sukhumvit (1979 Vynil) que vende compactos de “pop thai” dos anos 60 junto com "singles" do Supergrass - e onde acontecem “pocket shows” de folk local no fim da tarde. Ouvi Gil em Nova York, Florence Welch em Seoul, Blur em Bagan. Finalmente cedi aos encantos do hip-hop latino na Cidade do México, fui a um karaokê em Mumbai, escutei nova bossa nova sair dos portões das casas de jazz na rua Rosa, Lisboa. Comprei o CD de Fatima na Sounds of the Universe - no Soho Londrino - e, numa loja do aeroporto em Tel Aviv, levei o que o vendedor me garantiu ser o melhor da jovem música acústica israelense (ainda por conferir).

    Zeca Camargo
    Li Miranda July às margens do lago Inle, e me emocionei com “O homem que amava os cachorros” - do cubano Leonardo Padura enquanto cruzava a linha do tempo. Reli Hilton Als (”White girls”) indo para o interior da Turquia, vibrei com o romance mais surreal dos últimos tempos (“The sellout”, Paul Beatty) em Siam Reap, e matei minhas saudades de Edward St. Aubyn lendo seu “Lost for words” nos bancos do Miradouro do Torel em Lisboa. Mantive-me entretido com o último número da “Pitchfork Review” - com um texto brilhante sobre os B-52’s - enquanto esperava amanhecer na beira no Mekong e experimentei Björk não com os ouvidos, mas com os olhos - no MoMA. E elegi “John Doe”, do Young Fathers, a trilha sonora oficial de todas essas viagens. Em tempo: resgatei “The first time ever I saw your face”, com Roberta Flack, como trilha sonora da minha vida.

    Provei do melhor curry (e do melhor carneiro) em Mumbai, a alheira preciosa da Garrafeira Alfaia, em Lisboa - onde o bom amigo Pedro sempre tem uma garrafa do Douro que “ninguém ainda conhece” e que é sensacional. Perdi a conta de quantas variações sobre o tema “sopa thom yum” encarei na Tailândia, mas me lembro bem do restaurante no Camboja onde me serviram um “laap” de porco inacreditável. Não resisti ao kebabs do Hamdi em Istambul - mesmo sabendo que ia enfrentar hordas de turistas, e tive pelo menos um jantar memorável em Seoul, com um tradicional (e farto) churrasco coreano.

    Zeca Camargo
    Aprendi no Laos como finalmente preparar um capim-limão para comer (e não só para perfumar a comida) - o truque é desfiá-lo o jogar no óleo bem quente. E graças à generosidade de um amigo sommelier em Paris, mas que é dinamarquês (de família taiwanesa!), tive o melhor banquete de toda a temporada no Kødbyens Fiskebar, em Copenhague. Costelas defumadas à moda texana em Buenos Aires, sashimi de atum “semi-gordo” em Bancoc, pintxos modernos em Madri, galinhada na Vila de São Jorge (Chapada dos Veadeiros), espaguete com “botarga” numa cantina romana (extra)ordinária chamada Il Vascello, chocolate com lavanda na mesa do melhor chef parisiense do momento - que, na verdade, é japonês. E, por falar em conexões inesperadas, foi no Mercado da Ribeira que conheci o excelente chef catarinense Iuri. Onde ele prepara suas delícias? Na Cozinha da Felicidade…

    E gente. Gente linda que conheci, com quem me emocionei sem querer. Gente que eu provavelmente nunca mais vou ver, mas que pelos minutos das trocas que tivemos, me fez sentir como se eu fosse parte da vida delas: meu guia em Myanmar; nossa produtora em Bancoc; o ator aspirante na Cidade do México; a menina que faz o papel da jornalista na série dinamarquesa “Borgen”; as mulheres cantando dentro da caverna de Budas em Pindaya; o animador de plateia do “The Voice Holanda”; o motorista de tuktuk de Siam Reap que foi até o sacerdote da sua vila pedir que ele fizesse uma bandeira abençoada para minha casa; a italianíssima dona do Il Vascello (que ama o Rio de Janeiro); a mulher que faz a segurança preguiçosa da ala de marionetes de teatros de sombra no Museu do Oriente em Lisboa; os meninos monges jogando futebol no lago Inle; uma pessoa cujo rosto nunca conheci e que fica atrás de uma fantasia misteriosa de uma criatura que pode ou não ser uma cabra e que está sempre na Plaza Mayor madrilena.

    Zeca Camargo
    Eu tentei colocar tudo aqui, nas a tarefa é inglória. Eu mesmo não me lembro de tudo que vivi e experimentei nesses últimos seis meses. Mas sei bem como tudo isso mexeu comigo. Sobretudo como isso me fortaleceu. Lá em cima brinquei que as pessoas que não têm a sensibilidade para entender coisas assim jamais chegariam a essa altura deste longo texto de hoje. Espero realmente que elas tenham me abandonado parágrafos atrás. E celebro quem veio comigo. Porque se você chegou até aqui é porque tem o potencial de entender o poder dessas coisas que a gente experimenta pelo mundo. E sabe como isso transforma.

    Voltar para a rotina, para a minha realidade aqui é um processo cruel, mas que encaro agora sem medo. Voltei com uma coragem e, sobretudo, com uma certeza do que eu quero da vida, como nunca havia conquistado nesses 52 anos. E tudo isso me deixa, repito, mais forte. E, consequentemente, mais feliz. E se escrevi tudo isso até aqui foi para poder dividir isso tudo com você.

    Zeca Camargo
    Numa dessas conversas que a gente tem em viagem, uma amigo recente insistia que para muitas pessoas, a própria experiência de viajar era um insulto. Deslocar-se pelo mundo, segundo ele, ocupa um lugar perigoso no imaginário de algumas mentes que, ao contrário de sonhar com as possibilidades que quem viaja abre para a gente - a possibilidade de sonhar, de descobrir, de simplesmente sair por aí -, vê isso como uma provocação. E, como um tiro que sai pela culatra, responde aos viajantes com raiva e desdém. Não tenho certeza de que já fui vítima de pessoas assim, como meu amigo descrevia, mas consigo compreender que isso existe, e lamentar que essas pessoas não sejam capazes de processar esse contato com experiências de outros viajantes como uma coisa positiva.

    Zeca Camargo
    Como pessoa pública, sou esporadicamente atacado pelo simples fato de desempenhar esse papel - julgamentos que muito pouco tem a ver com a minha pessoa, mas que são lançados no território livre da internet como torpedos inconsequentes. Que, aliás, são também inócuos. Nas próprias viagens, li com surpresas comentários que são não apenas brutais, mas vazios, como se o único fato de eu ter escolhido me deslocar por esse nosso lindo planeta fosse algo a ser condenado.

    Eu certamente nunca encarei assim nenhuma experiência de nenhum viajante. De Julio Verne a Pico Iyar, todos que um dia escreveram sobre a fascinante vivência de provar de outras culturas foram para mim exemplos preciosos de uma pessoa que eu mesmo queria ser um dia. E que acho que sou hoje. Acho não. Se essa última viagem de seis meses (quase ininterruptos) me ensinou alguma coisa, foi a de que eu ganhei essa experiência sim. Cresci ainda mais com ela. E seria injusto guardá-la só para mim.

    Zeca Camargo
    Eu gosto de pensar em um mundo onde as coisas, os desejos, as pessoas, as aspirações sejam maiores do que um tweet rancoroso. Por isso, faço o que sei melhor: escrevo. E escrevo sobre isso que vivi. E ganho em troca o privilégio de ter você aqui me lendo.

    Se isso não é felicidade…

    O refrão nosso de cada dia: “Shame”, The Young Fathers - hum, só no caso de você ser uma daqueles que vão contra tudo que eu escrevi aqui hoje e, mesmo assim, chegou até aqui no texto, aqui vai, cortesia (mais uma vez) dos Young Fathers, uma música (e um vídeo) sob medida para você. A gente por aqui segue sendo feliz…

    Fotos: Zeca Camargo

  • Três encontros improváveis

    Você não precisa acreditar em nada do que eu vou contar agora. Mas em uma semana que passei recentemente em Nova York, eu encontrei três pessoas famosas - duas delas, verdadeiros ídolos. Acontece que eu não tirei nenhuma foto de nenhum desses encontros. E no mundo que a gente vive hoje, se eu não tenho o selfie para "provar" que alguma coisa aconteceu de verdade, é como se eu estivesse inventando. Triste…
     
    "Por que você não tirou uma foto?", perguntaram  as primeiras pessoas para quem eu relatei esses episódios. A resposta é simples: eu não me senti à vontade para pedir para esses artistas posarem para um selfie. Já passei por uma situação dessas antes - é um desses episódios, talvez o mais saboroso, que já contei aqui: o dia em que me vi diante de Thom York, do Radiohead, em uma loja em Paris.

    Tietagem à parte, eu talvez tenha um viés nesses encontros - até pelo fato de ser uma pessoa pública (em dimensões bem mais reduzidas do que essas estrelas internacionais com quem cruzei). Basicamente, eu morro de medo de estar incomodando - e lembro que não é apenas porque eu admiro essa ou aquela pessoa que eu tenho o direito de pedir favores, como parar o que ela está fazendo para posar para uma foto.
     
    Quando é comigo, não me incomodo. Mesmo! Se um dia eu não estou disposto a interagir - por um problema pessoal, ou qualquer outro obstáculo do meu dia a dia -, eu fico em casa. Às vezes, numa situação de pressa - um embarque no aeroporto é um exemplo típico - eu peço desculpas e faço com que a pessoa entenda minha correria (e mesmo assim ainda paro para uma foto). Mas isso sou eu - não posso adivinhar o quanto outras pessoas públicas estão dispostas a essa troca num determinado momento. E na dúvida... Eu acabo não abordando ninguém. O que não significa que eu não tenha a vontade de tirar uma foto com elas! Além de uma admiração profunda por cada uma elas. Como é o caso desses três encontros recentes em Nova York.
     
    Todos eles foram especiais - e numa escala crescente. Como não tirei foto, repito… Você tem todo direito de não acreditar em mim. Mas eu prefiro achar que uma história bem contada ainda pode ser bem convincente. Então aqui vão elas - sem ilustração.
     
    O primeiro encontro foi com um ator do seriado "Girls". Não, não é Adam Driver - pode soltar sua respiração! Seu personagem é relativamente pequeno, mas costura bem a história de duas amigas de Hanna - Marnie e Shoshanna. Afinal, ele já namorou as duas - e na última temporada, a quarta, seu papel cresceu bastante. É dele uma das cenas recentes mais engraçadas, quando ele faz um discurso amoroso disfarçado de blá blá blá político.
     
    O nome desse ator é Alex Karpovsky, e o seu personagem é Ray. Como disse, ele não é nada demais, mas naquela esquina da rua 44 com a Sexta avenida, enquanto eu esperava um casal de amigos queridos (e a filha deles), ter esbarrado com alguém que trabalha num dos meus seriados favoritos já me pareceu bastante especial. Ninguém ali em volta parecia reconhecê-lo e, talvez por isso mesmo, eu me senti na obrigação de falar com ele.
     
    "Olha quem está aqui", disse eu caprichando num sotaque nova-iorquino. Ele pareceu meio sem-graça - e eu reforcei: "Sou um grande fã”! Ele agradeceu modestamente e eu dei o golpe final: "Eu sou do Brasil, você tem muitos fãs por lá". Um pequeno exagero que o deixou atordoado.
     
    Claro que "Girls" tem seus fiéis seguidores aqui no Brasil. Talvez até você que me lê seja um deles. Mas eu fiz o elogio soar como se ele fosse uma espécie de Leonardo DiCaprio - e acho que as informações deram um nó na sua manhã. Ele parecia estar indo num banco ali perto, e eu não tinha um motivo aparente para estar ali parado naquela esquina. Toda a troca foi muito rápida - e quando ele abreviou a conversa com um "ok", eu achei que tinha feito um papel de bobo. Ou talvez não...
     
    Acho que esse é meu medo: piorar uma situação que já é constrangedora! Senti-me ainda mais sem graça quando dois dias depois, andando com outros amigos no Soho, encontrei não apenas um ídolo, mas um ícone: Patti Smith. Foi uma coincidência absurda pois eu estava com uma amiga - e colega, uma excelente atriz com quem divido uma fascinação pela sua história e a do fotógrafo Robert Mapplethorpe. Tudo isso, claro, por conta do livro "Só garotos", onde Patti conta como foi sua formação artística (e a de Mapplethorpe) na Nova York dos anos 70.
     
    Saindo de um almoço num despretensioso - e delicioso - italiano, um outro amigo que nos acompanhava (e que mora há oito anos na cidade) lembrou dessa nossa paixão e perguntou se a gente gostaria de ver onde Patti Smith morava. Respondemos em uníssono que sim!
     
    Aí entrou em cena um velho conhecido meu: o acaso. Pois exatamente na hora que chegávamos na frente da sua casa, um carro estacionava é dele descia ninguém menos que a moradora famosa. Fiquei tão sem reação que enquanto minha amiga atravessava a rua para tentar uma abordagem (ela sempre mais corajosa que eu!) eu fiquei outro lado me perguntando o que eu deveria fazer... Eu realmente fiquei sem reação.
     
    Só quando eu vi que a atriz estava conversando num clima ótimo com Patti eu tive coragem de me aproximar e me apresentar - como sempre, quando a introdução é para um americano, eu falo que meu nome é Zach (como em Zachary), pra ficar mais fácil... Quando cheguei, a rápida troca já estava no final, mas eu tive a chance de apertar sua mão discretamente - e só comemorar o episódio quando eu e minha amiga já tínhamos virado a esquina.
     
    Mal podíamos nos controlar! Era muita coincidência! Uma estrela maior que os dois veneram - eu tenho um retrato de Mapplethorpe em casa e ela um da Patti Smith por conta dessa loucura - dando mole ali, justamente quando os nós dois, fãs, estamos passando pela cidade? Quais as chances de isso acontecer? Eu minha amiga tivemos um ataque de riso de tanta felicidade - e acho que ainda estamos sob o efeito desse episódio até hoje. Mas pelo eu tinha com quem comemorar!
     
    Meu terceiro encontro foi mais solitário - e mais especial ainda para mim. Não foi no meio da rua nem na calçada em frente à casa de ninguém. Foi num elevador. E com uma cantora que eu venero há mais de trinta anos!
     
    Eu estava subindo num prédio dos mais tradicionais de Nova York, ali perto do Meat Packing District. Na verdade eu aguardava ser anunciado pelo porteiro antes de subir, quando achei que por mim tinha passado um rosto ligeiramente familiar. Não dei muita atenção, mas logo que fui liberado, corri para o elevador e pedi para que ela segurasse a porta para mim. E quando entrei meio esbaforido tive um choque: ali na minha frente, com um cachorro no colo, um cabelo desgrenhado e um nariz de quem tinha acabado de espirrar, estava ela: Debbie Harry!!
     
    Antes de você dar um Google no nome dela, deixa eu facilitar as coisas. Afinal, para ter sido fã da banda em que ela cantava, você precisa ter no mínimo 50. Eu, agora com 52, acompanhei o Blondie desde o seu começo. Sucessos como "Rapture" e "Call me" estão aí até hoje - e as gerações que vieram depois dos anos 80 certamente aprenderam a gostar. Mas para entender o meu estado naquele elevador, só mesmo se você já era um fã da New Wave naquela época...
     
    Pois mais de três décadas depois do auge do Blondie, lá estou eu diante de Debbie Harry (cujo retrato tirado pelo próprio parceiro Chris Stein está na parede de honra da minha casa - mas eu divago…), perguntando que andar ela queria que eu apertasse. Não resisti...
     
    Ao contrário de Patti Smith, eu fiz questão de falar que eu a tinha reconhecido - e me insinuar como seu fã. "É bom ver você aqui", disse eu, sem nem me preocupar com o sotaque. Estimulado por um leve - levíssimo - sorriso seu, perguntei se ela estava espirrando porque estava gripada. "É só alergia", disse ela já chegando no seu andar, que infelizmente era baixo (quando minha vontade era que a gente estivesse no Empire State Building, e que ela morasse na cobertura!). "Have a nice day", foi como tudo terminou. E, novamente sem testemunhas para validar meu encontro - a não ser talvez por uma câmera de segurança do elevador -, eu tive um princípio de palpitação...
     
    Todas essas situações foram inesperadas - e breves. Teria dado tempo de pedir uma fotografia? Teria - especialmente com Patti Smith. Mas ao contrário do que você possa imaginar eu não fiquei frustrado de não ter pedido um selfie com cada uma dessas celebridades. No caso de Debbie eu até cheguei a protestar comigo mesmo - sem muita convicção: "Você poderia perder essa vergonha e pedir uma foto - quem vai acreditar em você depois?". Acontece que, talvez porque a gente vive um cotidiano inundado de imagens, que eu ironicamente me senti bem de não ter pedido nada.
     
    Depois da euforia de ter visto pessoalmente esses ídolos, veio a constatação de que, muito melhor do que uma imagem a mais no meu smartphone - que certamente eu ia mandar pelo Whatsapp para vários amigos -, o que tinha de mais especial nessas coincidências era a história do encontro em si. O valor que cada um desses artistas tinha - e ainda tem - para mim não diminui porque eu não tenho um retrato digital ao lado deles.
     
    Na verdade estou mais feliz de poder contar essas histórias aqui, do que simplesmente "instagramar" esses selfies. Porque mesmo nesse tsunami de imagens que a gente vive - e eu estou mais do que nunca encantado com o poder do próprio Instagram (o meu oficial é @zecacamargomundo) - eu gosto de um bom "causo".
     
    E ainda acredito no poder das palavras... E sigo torcendo para que vice acredite nas minhas!
     
    O refrão nosso de cada dia: "Joe Doe", Young Fathers - por falar em Instagram, olha que eu tenho visitado alguns lugares estupendos ultimamente. E a trilha sonora é uma só: o segundo álbum do Young Fathers, o sensacional "White men are black men too". Eu recomendo o disco todo - é genial! Mas em especial essa faixa, que é a única música em que eu tolero um assobio, bem, depois daquela "música do assobio" - você sabe qual é...

  • Tô rindo do quê?

    Zeca Camargo e Astrid

    Uma pergunta, tantas respostas... A mais imediata é: estou rindo porque hoje é meu aniversário - e eu sou daqueles que comemoram bem a data, que gosta de receber parabéns, que celebra cada ano que chega. No caso, o quinquagésimo-segundo!

    Outra resposta possível, tem a ver com a foto que ilustra o post de hoje - na verdade uma bem antiga, do início dos anos 90, redescoberta recentemente pela amiga que está às gargalhadas ao meu lado. No caso, a Astrid, numa madrugada de Imagem & Ação, enlouquecidos!

    Se abrirmos um pouco a resposta, estou rindo do porvir. Estou, mais uma vez, diante de novos desafios profissionais - e você que já me conhece (e que já "passou" vários aniversários comigo aqui) - sabe que poucas coisas me animam tanto quando estar diante do desconhecido, seja um novo país, uma nova banda, uma nova aventura. No caso, um novo projeto!

    Mas o que me inspirou mesmo a escrever hoje foram as risadas que eu dei com algumas das séries mais inteligentes dos últimos tempos. Sim, você leu direito: eu ri de séries inteligentes. Elas são também engraçadas - algumas das mais hilárias que já foram produzidas este século. O que, se você pensar, tem tudo a ver: não é possível fazer humor sem inteligência.

    Ou melhor, até é - e nosso cenário está repleto de contraexemplos do que eu acabei de falar. O problema é que esse humor sem inteligência não é muito engraçado... Eu sei, eu sei - ele está por toda a parte. Mas a discussão de hoje não é sobre humor no Brasil - que avança sempre aos solavancos (um Porta dos Fundos cá, um "Tá no ar" acolá, e vamos esperando as mais, ainda que raras, outras luzes nessa área). Tive a sorte de passar a véspera do meu aniversário na companhia de Ellie Kemper, Lisa Kudrow e Lena Dunham - & cia.! E é disso que eu quero falar.

    Comecei vendo os três últimos episódios da quarta temporada de "Girls". Ligeiramente desanimado com a terceira temporada, eu - que já vinha ligeiramente decepcionado da segunda (depois de uma primeira estonteante) - encarei os episódios iniciais com resistência. A mudança de Hannah para Iowa (atenção patrulha do "spoiler", se liga!) não parecia prometer muito dramaticamente. Suas óbvias diferenças com o resto do seu grupo de escritores, ainda que engraçadas - na linha da humilhação (já falamos mais sobre isso daqui a pouco) - parecia ser mais do mesmo. Mas as coisas lá não demoram a dar errado - e logo vemos Hannah de volta para Nova York, onde ela simplesmente encontra o cara da sua vida - também conhecido como "o cara mais 'cool' do planeta, interpretado por Adam Driver - com outra mulher.

    Atrizes
    Drama de novela, você pode pensar. Mas não na mão de Dunham. Do meio para o final, essa temporada se transforma simplesmente na mais interessante de todas. São tantas histórias paralelas, tão inesperadas e tão criativas - para citar apenas uma, a história de amor de Adam (o personagem) foi provocada por Jessa (também conhecida como "a garota mais 'cool' do planeta, e melhor amiga de Hannah!), para ela ficar com o ex da mulher que Adam se apaixonou. Os pais de Hannah também vivem um "impasse" - que vaza na filha. Shoshanna - Shosh, pros íntimos (como não amar uma personagem com esse nome, ainda mais interpretada por Zosia Mamet!) - nos oferece impagáveis entrevistas de emprego. E até Marnie - que geralmente cumpre o papel da chata da turma - tem uma reviravolta interessante (cortesia não do novo namorado, Desi, mas de Ray, que está ainda mais engraçado dessa vez).

    Os fãs de "Girls" talvez discordem achando que o seriado não é uma comédia. Fato, a "balada de Hannah e Adam" é bem melodramática - e o desfecho dos dois nessa série quase me fez chorar (apesar de eu achar que faz todo o sentido!). E os problemas de todas as meninas em geral são fortes. Mas tudo é tratado com tanta inteligência, que o humor vem naturalmente. Desafio você, por exemplo, a não ter um ataque de riso na cena em que a irmã de Adam entra em trabalho de parto dentro de uma banheira...

    Com o bom-humor nas alturas, emendei em "The comeback" - a segunda temporada do "reality surreal" de Lisa Kudrow. Talvez a primeira tenha lhe escapado - afinal, foi há dez anos. Temporada essa que não vi. Por isso mesmo, estava demorando para ver a segunda, mas, no embalo de "Girls", entrei fundo em "Comeback" - uma experiência... torturante.

    Resumindo bem, ela faz o papel de uma atriz que fez sucesso num "sitcom" no passado e tenta voltar aos holofotes - a qualquer custo. Literalmente. E é uma humilhação atrás da outra. A ponto de o riso de quem assiste sair meio nervoso... Ela mesma sorri o tempo todo para a câmera do "surreality" que a acompanha - inclusive durante as filmagens de um outro "sitcom" que é a história do "sitcom" antigo reimaginada pelo protagonista que tinha problemas com drogas e resolve reescrever tudo para humilhá-la ainda mais. É de virar o estômago.

    As situações constrangedoras pelas quais a personagem de Lisa passa são familiares para quem vive nessa nossa cultura de celebridades. Nós mesmo vemos, na TV e na internet, gente tão desesperada para aparecer que suporta qualquer degradação por alguns segundos de mídia. Lisa Kudrow faz um retrato cruel e inteligente disso - e por isso mesmo, novamente, engraçado. E torturante.

    No melhor/pior episódio que vi, o quinto, ela grava cenas inteiras num "chroma key" - aquele fundo verde que é usado para efeitos especiais. Ela inclusive está vestida toda de verde, num visual que é o mais ingrato. Mas ela encara tudo com "profissionalismo" e não diz não para nada, numa autoimolação para as câmeras que é ao mesmo tempo terrível e fascinante. Você não quer parar de olhar.

    Depois de algumas horas com ela, você precisa respirar - sério! E é por isso que passei então para "Unbreakable Kimmy Schmidt" - que é, como você deve saber, a nova série criada por Tina Fey ("30 Rock"), que foi recusada pela TV aberta e abraçada pelo Netflix. E é um sucesso. Novamente temos uma história de humilhação, com um viés: Kimmy é muito inocente porque passou 15 anos num buraco na terra, aprisionada pelo líder de um culto apocalíptico - que pode ou não ter abusado sexualmente dela.

    Uma premissa terrível não? Só que com o texto de Tina - e mais seu parceiro Robert Carlock - cada episódio é uma metralhadora de piadas. Kimmy é uma piada pronta, e muitas pessoas abusam dela por isso - a cena num talk show matutino é especialmente embaraçosa. Mas ela é mais inteligente que todos - dentro da sua inocência. E quem ganha é o telespectador - que morre de rir com tudo.

    As piadas de "Unbreakable" são tão rápidas que muitas vezes eu tenho que apertar "rewind" para ter a certeza de que peguei tudo. E a maioria das ironias são com referências culturais americanas muito contemporâneas - outra marca de Tina. Com isso, a série é uma cascata de risadas - e eu terminei a noite, antes de sair para o aniversário de uma amiga, exausto de tanto gargalhar.

    Como adiantei lá no início, a humilhação é a chave do humor dessas três séries - e da boa performance das atrizes principais. Se quisesse dar mais um exemplo, juntaria Julia Louis-Dreyfus, que está para estrear uma nova temporada de "Veep" (sim, ela faz a vice-presidente dos Estados Unidos, mas não há limites para a humilhação da personagem). Ao perceber isso, detectei um contraste curioso com boa parte do humor que fazemos e consumimos por aqui.

    Num cenário onde o comediante, segundo as modas mais recentes, é o "sabe tudo", e se coloca acima das pessoas com quem está fazendo graça, imaginar personagens ou situações que criem histórias de humilhação engraçadas é quase impensável. O que está valendo por aqui é o "ser esperto", estar por cima - uma resposta natural à estupidez da já citada cultura das celebridades.

    Mas se essas séries que estão me fazendo rir recentemente são algum indício, existe espaço para um humor ainda melhor e mais engraçado. Já soubemos fazer isso - como atesta a "imortal" Magda (da incomparável Marisa Orth), de "Sai de baixo". Amanhã estreia uma nova série com Ingrid Guimarães (uma das nossas melhores comediantes), que promete algo assim - só vi as chamadas, mas sua personagem parece que vai passar por algumas humilhações também (algo que ecoa o ótimo "Sob nova direção", onde ela e Heloisa Périssé viviam situações assim).

    Porém, por enquanto, como um antídoto para o humor do espertalhão, que já dá indícios de cansaço, eu digo: fique com "Girls", "The comeback" e "Unbreakable". Ah! E não perca a estreia de "Veep"!

    O refrão nosso de cada dia: "Mr. Lee", The Bobbettes - esta está na lista das minhas músicas favoritas dos anos 50. Sim, 50 - eu nem era nascido... Achei que o clima de festa que hoje me domina - e que espero que te contagie - tinha tudo a ver com essa música. Com 2 minutos e 15 segundos, não é possível que você não tenha esse tempinho para se divertir com ela hoje no meio tarde...

  • Finalmente, novos projetos

    Zeca Camargo
    Às vezes o mundo conspira a seu favor. Não é sempre, mas de vez em quando dá tudo certo e você ganha de presente as duas coisas mais importantes para fazer o que quiser: tempo e oportunidade. Pois é exatamente o que está acontecendo comigo agora – e por isso mesmo quero aproveitar. E dividir com você projetos que até pouco tempo atrás apenas um círculo pequeno de amigos sabia.

    Depois de uma série de reportagens de fôlego como a que fiz – sim, uma outra "volta ao mundo", que você talvez tenha acompanhado pela televisão (ou, quem sabe, até pelo meu Instagram: @zecacamargomundo – este sim, oficial) –, agora finalmente ganhei espaço para respirar e pensar em sonhos que a gente passa a vida inteira adiando.

    Sabe aquelas coisas que você imagina que vai fazer "só depois dos 50 anos"? Pois é, eu já estou esbarrando nos 52 (na próxima quarta-feira!) – e agora chegou a hora de declarar independência das obrigações e fazer o que eu realmente gosto! É uma lista ligeiramente ambiciosa. Mas se não for para jogar alto, de que vale a pena um momento como esse que desfruto na minha vida familiar, pessoal e profissional?

    Ok, estou enrolando porque a primeira coisa que quero fazer é... Difícil de contar sem medo de ser ridicularizado! Mas vamos lá, estou aqui para isso! Sem mais rodeios: eu quero gravar um disco! Sim, pode começar a rir de mim. Mas você que me acompanha aqui já há algum tempo sabe da minha relação de paixão com a música. Durante décadas eu alimento esse desejo "secreto" – e a não ser por uma ocasião ou outra num karaokê às 4h da manhã, quase nunca tive a coragem de expor esse talento.

    Que, diga-se, nem tenho certeza de que eu tenho. Mas essa é a hora de descobrir. De maneira bastante informal eu tenho sondado amigos músicos – e mesmo alguns compositores. Tudo de maneira tão discreta que eu acho até que eles vão se surpreender quando eu procurá-los novamente para (declaradamente) gravar algum trabalho de sua autoria. Mas assim seja!

    Uma vez que estou retomando (ainda aos poucos) este espaço, assumo o compromisso de atualizar você, caro leitor, cara leitora, do meu, hum, desenvolvimento musical – escolha de repertório, possíveis parceiras. Admito que não sou um cantor pronto. Mas também, como todo bom "ariano", sou teimoso. E tenho boas referências – cinco décadas ouvindo o melhor (e o pior) do pop – para me ajudar nessa hora. Então, torça por mim. E não só por esse motivo...

    Como disse acima, estou agora cheio de tempo e oportunidade – e vou cuidar também de mim mesmo. Mais ainda. Como vocês talvez tenham reparado, desde que fiz uma dieta para emagrecer diante de uma legião de telespectadores, voltei a ganhar alguns quilos. Não apenas isso – é preciso ter (novamente) coragem para admitir – mas cheguei a superar o peso que tinha antes de passar por esse processo. O que hoje faz com que a balança mostre que eu estou com quase 20 quilos a mais do que quando encarei o desafio de emagrecer publicamente.

    É muito eu sei – e tenho tentado disfarçar. Mas agora não dá mais: é o espelho que está falando comigo. Ou melhor, ele está gritando! E eu vou dar um jeito nisso. Eu posso – sei que posso: já fiz isso antes. Assim, bem como o disco que vou gravar, assumo aqui o compromisso de emagrecer esses 20 quilos nos próximos 3 meses. Como? Bem, a experiência anterior deixou muitas (e boas) lições comigo.

    Vou pegar um punhado delas, juntar com uma boa força de vontade – a idade faz a gente ter mais certeza das coisas que quer, garanto – e entrar em mais uma dieta radical. Não descarto nem mesmo um procedimento – adoro essa palavra! –, caso as coisas não estejam acontecendo do jeito (nem com a rapidez) que eu estou esperando. Mas se tiver que ser, será. E espero resolver todos os conflitos procurando – e aqui vou abrir contigo mais um segredo desse meu "pacote de decisões" – uma certa paz espiritual. Sim, algo que já não tenho há algum tempo...

    E como vou fazer isso: visitando um país que eu ainda não conheço. Como grande projeto desse período de reflexão que estou prestes a encarar, vou visitar finalmente o Butão! E se não encontrar esse sossego por lá, é melhor eu esquecer. Eheh! Mas sei que vou achar esse equilíbrio nesse paraíso. Por tudo que leio, vejo e escuto sobre o Butão – um país "encravado" nas alturas entre a China e a Índia –, lá eu serei capaz de encontrar paz. Um pouco de paz depois de tantos obstáculos que encontrei recentemente – na vida, no amor, no trabalho...

    Não, não sou dos mais "zen"... Mas algo está me dizendo que isso é o que é importante fazer neste momento. E eu vou ouvir esse chamado. Essa viagem – especialmente para mim que gosto de rodar o mundo – tem um caráter muito mais espiritual do que "aventureiro". Não quero, indo ao Butão, conquistar "mais um país" – que seria, conte comigo, o meu centésimo-quarto. Quero sim ir com o espírito aberto, cheio de vontade de descobrir coisas novas – e sobretudo "coisas novas dentro de mim".

    E você é meu convidado, minha convidada, para esse novo período da minha vida. Embarcarei em todas essas experiências, claro, sempre cercado de muita cultura pop – como sempre faço no meu dia-a-dia. Sigo lendo, vendo, ouvindo tudo de bom que cair na minha frente. E sempre que tiver uma brecha, aqui estarei para compartilhar tudo com você.

    Como faço já há quase 9 anos. E com um prazer e uma liberdade que só alcanço em poucas áreas da minha vida. Como sempre, só tenho que te agradecer por ter me lido até aqui – já falei em postagens recentes que estou tentando escrever menos (no tamanho) para escrever mais (na frequência). E este post de hoje, dois dias apenas depois do último, é prova disso. Por isso mesmo (acostume-se com isso), aqui em despeço bruscamente desejando boa Páscoa. E nos encontramos na semana que vem!

    O refrão nosso de cada dia: "Lies", Thomson Twins – achei que uma música com esse nome seria mais que apropriado para o post de hoje. Esse sucesso dos anos 80, dessa banda que desapareceu por completo junto com boa parte do pop daquela década, era uma das minhas favoritas – bem como de muitas pessoas da minha geração. É uma relíquia do "synthpop", com uma produção quase chinfrim, um vídeo ridiculamente ousado (para a época) e uma mensagem – no seu título e refrão – que tinha tudo a ver com o dia de hoje e com o que eu escrevi acima: "Mentiras". Sim, hoje é primeiro de abril – será que sou eu que preciso lembrar você disso?

    Não resisti ao apelo da data – onde notoriamente pessoas pelo mundo brincam de enganar as outras – para inventar todos esses projetos pessoais que descrevi há pouco. Com exceção de alguns poucos detalhes – sim, estou prestes a fazer 52 anos (no dia 8 de abril); e sim, meu Instagram oficial é @zecacamargomundo – tudo que disse com relação a projetos sobre meu futuro próximo é uma mentira calculada para ser publicada no dia de hoje.

    Tive a ideia de fazer isso quando li recentemente algumas coisas sobre mim mesmo na internet – sim, um exercício masoquista, mas que fortalece! –, sobre minha carreira e até sobre minha vida pessoal, e percebi que a quase maioria do que se escreve no que hoje passa por jornalismo (e que usa o "manto disfarçado" do "colunismo"), são mentiras. Dando uma geral nessa torrente de informações, tive a sensação de que esses "colunistas" ganharam um passe livre para mentir todos os dias – é como se o calendário fosse só de primeiros de abril! Nenhuma novidade nisso – você pode pensar. Há anos, mesmo ano da internet, isso é um indigesto efeito colateral da informação. Mas tenho a sensação de que as coisas nunca se tornaram tão descaradas – e tão impunes.

    Se isso era só um comportamento marginal, ele agora é o "mainstream" – a regra. E o resultado disso, claro, é uma desinformação geral. Com a qual ninguém parece estar muito preocupado. Vivemos um estágio da informação em que a maior parte das pessoas que escrevem em veículos que deveriam gozar de credibilidade joga qualquer coisa na "página" (de papel ou virtual) e as pessoas leem como se fosse verdade, quando quesitos básicos como apuração, checagem – ou mesmo uma simples entrevista (algo que, creio, deveria ser a matéria-prima para qualquer informação que se publique) -, passam batidos.

    Reféns de suas fontes, tais “colunistas/jornalistas" publicam não o que bem entendem, mas o que bem elas (as fontes) querem que eles publiquem, numa relação não só promíscua, mas também enganosa – não só para o público, que cada vez menos parece se importar em saber se aquilo que está lendo/ouvindo é verdade ou não, mas também para o próprio "profissional de comunicação" que se acha muito manipulador, mas está é sendo o mais manipulado de todos nesse xadrez de informação. E a banda continua tocando...

    Quando pensei em escrever o texto acima, mentiras deslavadas para um primeiro de abril, não achava que ia mudar muita coisa – aliás, nada muda um centímetro com este modesto manifesto. Mas não descartei a possibilidade de que, na hipótese de algum "colunista" bater os olhos na primeira parte deste texto apressadamente, ele ou ela reproduza algum dos meus projetos acima como uma justificativa para explicar o tempo que estou fora do ar na programação da TV. Tudo vai muito bem nessa área, se você tem interesse em saber da própria pessoa em questão. Ao contrário do que escrevi acima, não tenho encontrado nenhum obstáculo na minha vida profissional. Tampouco na minha vida pessoal. Eu diria até que estou num momento de paz espiritual. Atravesso uma fase absurdamente criativa e plena, que tem me deixado muito feliz – e inspirado não só novos projetos (de verdade), mas também novas amizades, novos contatos, e até novas viagens. Mas não a que citei acima. O Butão é um país que já conheci – fui para lá em 2006. E mesmo que não o tivesse visitado, ele não seria meu centésimo-quarto, mas o centésimo-primeiro.

    Mais de uma vez declarei publicamente que cheguei ao centésimo país (Coreia do Sul) no final do ano passado, na mais recente volta ao mundo. Também não engordei 20 quilos desde o final do "Medida Certa" – quadro de 2011 do "Fantástico", em que fiz a dieta diante de todos. Desde então, ganhei metade dos 11 quilos que perdi na época (problemas de saúde infelizmente colaboraram para isso), e quem sabe eu vou "correr atrás deles". Mas sem nenhuma dieta radical, garanto, e muito menos um "procedimento". Aprendi minha lição.

    E quanto ao meu disco... Fala sério! Quantas vezes já disse aqui mesmo que eu não tenho talento algum para a música a não ser no caso de ouvi-la – e eventualmente escrever sobre ela. Diversas foram as entrevistas em que, para o desgosto do entrevistador, eu me recusava a cantar – não por timidez, mas por absoluta falta de dom nessa área. Aqui está, tudo explicado, mentira por mentira, o texto postado hoje. Mas quem garante que você não vai encontrar por aí uma chamada sensacionalista na linha "Zeca Camargo dá um tempo na TV para gravar um disco, fazer dieta e ir ao Butão"? Afinal de contas, como já mostrei aqui mesmo, hoje é fácil fazer os colunistas publicarem qualquer coisa... Feliz dia da mentira! Que, infelizmente, agora vai muito além do primeiro de abril...

    Foto: Arquivo pessoal

Autores

  • Zeca Camargo

    Mineiro de Uberaba, o apresentador do ‘Fantástico’ começou a carreira no jornal ‘Folha de S. Paulo’, participou da primeira turma da MTV no Brasil e foi editor da revista “Capricho”.

Sobre a página

Em seu blog, Zeca Camargo transita pelo universo da cultura e discute músicas, filmes e exposições.