Blog da Yvonne Maggie

Por Yvonne Maggie

Antropóloga. Professora emérita da UFRJ. Autora dos livros 'Guerra de orixá' e 'Medo do feitiço'


Palácio dos casamentos, Maputo, Moçambique 1992. — Foto: Domingos Guimaraens/Arquivo de Yvonne Maggie

Nesta última quinta-feira (4), em uma rede social, o advogado venezuelano Zair Mundaray descreveu detalhes da autópsia do capitão-de-corveta Rafael Acosta Arévalo, preso e morto após rebelar-se contra a ditadura de Nicolás Maduro. Segundo o documento, Rafael Acosta Arévalo teve 16 costelas quebradas, fratura do septo nasal e de um dos pés, lesões compatíveis com chicotadas e queimaduras possivelmente causadas por choques elétricos.

Após protestos de familiares e de populares nas ruas de Caracas contra a morte do Rafael Acosta Arévola alguns militares, da prisão em que o opositor se encontrava, foram acusados sob suspeita de terem praticado atos de tortura em cidadão sob custódia do Estado.

Como sempre, há aqueles que relativizam, não acreditam e pedem as fontes. Digo que o próprio Maduro emitiu nota afirmando que os "excessos" estavam sendo apurados. Digo ainda que a desumanidade está presente em todo o regime ditatorial quer seja uma ditadura do operariado, quer seja de militares de direita.

Posso dizer que descobri a desumanidade do socialismo quando vi em Moçambique no final dos anos 1980, os restos do que foi o regime baseado na ideia de "Destruir a tribo para fazer nascer a nação", frase de Samora Machel, o grande líder da independência, e repetida pelas "estruturas", como eram chamados os altos funcionários do Estado.

A independência havia sido conquistada com muito suor e sangue e por gente jovem e cheia de esperança. Trouxera a liberdade e o sentimento forte de autonomia frente aos colonizadores. Porém, o que se seguiu foi uma sucessão de mandos centralizados não só na economia planificada como na ideia de construir o "Homem Novo". "Campos de reeducação" foram construídos para os que não se adaptassem ao sistema implantado. Crianças de 12 anos eram recrutadas para a guerra civil que se instalou no país de 1975 a 1992 ceifando milhares de vidas.

A fome se abateu devido à derrocada da economia planificada e à crise dos regimes comunistas. Embora o povo não tivesse o que comer, as famosas "estruturas" se abasteciam em lojas onde havia produtos da Rússia, comprados com dólar americano.

Apesar de em 1988 o fim do socialismo ter sido decretado em praça pública, a guerra impedia as pessoas de se locomoverem e adquirirem bens de consumo. No entanto, muitas delas se aventuravam pelas estradas para conseguir víveres na África do Sul e nos países vizinhos como Zimbábue.

Em 1989, quando estive pela primeira vez em Moçambique e visitei as províncias de norte ao sul do país, fiquei definitivamente descrente da saída socialista, não só porque presenciei o desastre da famosa planificação centralizada como porque vi o quão é desumano um regime em que o poder está concentrado na mão de poucos chefes que o exercem de forma autocrática. Não é apenas um mau emprego da teoria socialista, é a própria teoria que faz dos governantes, déspotas.

Maduro herdou e aprofundou a crise do socialismo de Chaves e só não caiu ainda porque usa a desumanidade contra seus opositores.

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