• Campeão da Copa de 70 confessa que vendeu medalha para comprar cocaína

    Paulo César Caju em entrevista a Geneton Moraes Neto
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     

    Um jogador da Seleção Brasileira campeã do mundo de 1970 faz uma confissão:  Paulo Cézar Lima, o Paulo Cézar Caju, revela que vendeu a medalha da Fifa de campeão do mundo e uma miniatura em ouro da Taça Jules Rimet para comprar cocaína. "Jamais eu teria de negociar e vender uma medalha tão preciosa! É uma perda enorme!. Nunca comentei com ninguém, mas agora vou me abrir" - diz, em tom de desabafo. 
     
    A revelação foi feita em entrevista que irá ao ar neste sábado, às 21h05, noDOSSIÊ GLOBONEWS, com reprise no domingo, às 15h30. 
     
    A medalha e a miniatura em ouro não foram os únicos prejuízos de Paulo Cézar com a droga: o ex-craque diz que perdeu três imóveis na zona sul do Rio. Paulo Cézar lamenta a perda dos troféus e dos imóveis, mas diz que tem um motivo para  comemoração em 2015: faz quinze anos que vive totalmente afastado das drogas e do álcool. "É um negócio excepcional!". Ao final da entrevista, Paulo César dá um conselho, em tom de apelo: "Digo a quem nunca experimentou drogas: não experimente! Só isso: não experimente!. São mortais".
     
     
    O envolvimento de Paulo César com a cocaína começou na França, depois que ele encerrou uma carreira vitoriosa nos campos. O vicio durou nada menos de dezessete anos. O sinal vermelho se acendeu quando uma médica francesa lhe deu um diagnóstico dramático: disse que, se continuasse como estava, Paulo César iria morrer em pouco tempo. 
     
    Hoje, Paulo César diz que só escapou vivo "do fundo do poço" porque nunca fumou. Se, na época do descontrole e da extravagância, tivesse somado o cigarro ao álcool e às drogas, ele não tem dúvidas de que estaria morto.
     
    O trecho da entrevista em que ele faz a revelação sobre a medalha e o troféu de ouro:

    GMN: Além dos apartamentos, algum outro objeto valioso você trocou por droga - alguma medalha que você tenha ganhado como jogador? 

    Paulo César Lima: "A medalha da Fifa de tricampeão do mundo! Você não tem ideia nem do valor nem do que ela representou e representa: o importante para mim era a cocaína.A medalha era o de menos...".

    GMN: A quem você deu a medalha?
     
    Paulo César Lima: "Não me lembro. Eu tinha também uma coleção de Moto-rádios - que eram dados ao melhor em campo. Eram um troféu - mas eu precisava da droga. Você perde a noção total do que está fazendo. Você não tem equilíbrio".
     
    GMN: Você gostaria de ter de volta essa medalha?
     
    Paulo Cézar: "É até difícil responder o que é que eu gostaria de ter de volta. Nem sei o que te responder - honestamente. Eu não tinha controle emocional. Jamais eu teria de negociar e vender uma medalha tão preciosa! É uma perda enorme!". Nunca comentei com ninguém, mas agora vou me abrir: passei à frente também a Jules Rimet, por causa da droga. A Jules Rimet - que ganhamos!  ( uma miniatura em ouro da Taça Jules Rimet foi dada a cada jogador da seleção brasileira campeã do mundo de 1970 pelo governo de São Paulo ). Passei para um brasileiro - que era marchand e ourives. Levei para ele - que me deu um bom dinheiro. Comprei uma quantidade suficiente para usar por um bom período. A Jules Rimet foi embora também...Por que fui experimentar as drogas? Não sei como. Eu - que nunca fui drogado nem fui alcóolatra - fui experimentar essa maldita cocaína e esse maldito álcool. Não sei por quê!. A quem tem filhos, a quem nunca experimentou, eu digo: não experimente! É duro, é duro, é duro".
     
     
  • 'Imortal' da ABL abre mão de mausoléu e confessa mentira

     

    A Globonews leva ao ar, neste sábado (28), às 21h05, no Dossiê Globonews, com reprise no domingo, às 16h05, uma entrevista em que escritor e acadêmico Carlos Heitor Cony confessa que cometeu um pecado contra o jornalismo: "Eu inventava muito."

    O jornalista desembarca diante de uma velha mansão em Aldenham, a trinta quilômetros de Londres, para cumprir um ritual que se repetia uma vez por ano. 

    Como se fosse uma criança que contasse os dias que faltavam para a chegada do Natal, o jornalista – um certo Richard MacPherson – passava o ano contando os meses que faltavam para a chegada de dezembro. Porque, em algum fim de tarde de dezembro, às seis em ponto, o telefone de MacPherson tocaria. Do outro lado da linha, como fazia todos os anos, uma voz gutural convocaria MacPherson para uma entrevista exclusiva, no dia seguinte. Era sempre assim. As florestas interiores de MacPherson entravam em ebulição. Quem o chamava – afinal – era um personagem extraordinário: o "único vidente cego do mundo", um indiano capaz de antever o cardápio de catástrofes, alegrias, lágrimas e glórias que o futuro ofertaria ao planeta nos próximos doze meses. O vidente se chamava Allan Richard Way, um indiano que adotara este nome depois de trocar os incensos de Nova Déli pelo cinza renitente de Londres.

    Allan Richard Way não tinha os jornalistas em grande conta. Uma vez, ao notar no tom de voz do repórter uma certa excitação diante da antevisão de uma catástrofe, o vidente cego desabafara: 

    "Vocês – da imprensa – são uns abutres, mas nós, os astrólogos, não somos feitos de massa melhor..."

    O caderno de anotações do único repórter a quem o vidente dava entrevistas guardou as impressões de um daqueles encontros inesquecíveis. Richard MacPherson tinha um texto inspirado:

    "Pensava encontrá-lo de bem com a vida – mas não se pode confiar em profetas: eles estão sempre acabrunhados, se não com o próprio drama, com o drama dos outros ( ...) Allan Richard Way afunda um pouco na poltrona de espaldar alto onde sempre se senta quando fala comigo para dar suas previsões. É uma rotina que já completa treze anos, mas, para mim, sempre parece uma novidade, um acontecimento misterioso e excitante, com promessas de surpresas e coisas terríveis. Fomos para o escritório, cuja atmosfera só pode ser definida como mágica. O aposento termina numa espécie de jardim de inverno, com claraboia. Nesse ponto, junto às vidraças, voltado para o céu, está o misterioso siderômetro, o aparelho com que Alan Richard Way perscruta os astros e o infinito. Tapeçarias orientais distribuídas com cuidadosa negligência dão um toque fin de siècle ao refúgio do bruxo de Aldenham. Cada vez que entro naquele aposento, meu olhar se dirige de imediato ao siderômetro. Fico a admirá-lo por algum tempo, como se fosse um totem trazido de alguma civilização distante".

    "A catarata que ele operara em 1980 na URSS, com a parapsicóloga Djuna Davitashvili, retornou com força total. Hoje, pode-se dizer que Allan Richard Way é o único grande vidente cego do mundo. Corria, em Londres, o boato de que ele estava morrendo. Mas logo tudo se esclareceu. Fora uma perfídia da parapsicóloga soviética Djuna Davitashvili – que há coisa de três anos operara (infrutiferamente) a catarata do mestre (cirurgia psíquica, é claro). Tremendamente despeitada por Allan Richard Way ter previsto no ano passado a morte de Chernenko e a ascensão de Gorbachev ao poder, Djuna espalhou o boato cruel. A tudo isso, como de resto a todas as outras coisas, o recluso de Aldenham retrucou com um de seus sorrisos irônicos – e também com um comentário cortante: 'Ela é cega e surda como as portas do Kremlin'".

    "Como se tivesse previsto (e acho mesmo que previu) a chegada do chá, desviou o olhar inútil para a porta que se abriu lentamente – deixando passar a silenciosa governanta carregando uma bandeja onde percebi, com alegria, a presença de cheirosos muffins. 'Deixe-me descansar um pouco'. Logo tomei meu carro, percorri os vinte quilômetros que separam Aldenham de Edgware pensando em tudo o que ouvira e meditando, mais uma vez, sobre a selva que habitamos. Parece que Allan Richard Way encontra estranho prazer em descobrir, na sintaxe dos astros, a crueza de nossas desgraças, a perenidade de nossa dor".

    É ou não uma bela descrição de um encontro com um grande personagem? Acontece que tanto o repórter Richard MacPherson quanto o vidente Allan Richard Way jamais existiram. Ambos foram inventados, na redação da revista "Manchete", pelo hoje acadêmico Carlos Heitor Cony. Durante anos, sempre no mês de janeiro, a revista publicava páginas e páginas com as previsões do suposto vidente cego. As reportagens eram sempre assinadas por MacPherson. Tudo invenção.

    Cony confessa este pecado na entrevista gravada para o Dossiê Globonews. Vai adiante: diz que, uma vez, estava no Aeroporto de Heatrow, em Londres. Um indiano – com turbante e vasta barba branca – transitava pelos corredores. Cony se aproximou do homem, disse que, ao vê-lo, lembrou-se do pai. Perguntou: "Posso tirar uma foto?". "Claro", respondeu o transeunte barbado. Resultado: a foto do indiano anônimo foi estampada na revista, como se fosse do vidente cego. E assim Allan Richard Way ganhou rosto.

    O dono da cadeira número três da Academia Brasileira de Letras (ABL) diz que os jornalistas deveriam "meditar" sobre o fato de o vidente jamais ter sido desmascarado.

    Que assim seja.

    Tenho a tentação de perguntar a Cony, como se de repente encarnasse o espírito do repórter Richard MacPherson: "Dizei, Allan Richard Way, o que teus olhos cegos enxergam para o Brasil? ".  Cony responde: "Sou pessimista". Mas esclarece que cultiva um pessimismo não apenas sobre os destinos brasileiros, mas sobre o futuro da espécie humana. "Não, o homem não merece salvação" – constata, com uma ponta de desolação temperada por oito décadas de irrevogável ceticismo diante de tudo e de todos.  

    Em outro trecho da entrevista, Cony anuncia que tomou uma decisão provavelmente inédita entre acadêmicos. Resolveu, desde já, que não quer ser sepultado no mausoléu da Academia, no cemitério São João Batista. Disposto a não deixar no ar qualquer dúvida, diz que já incluiu a decisão no testamento.

    Aos 89 anos de idade, recém-completados, Carlos Heitor Cony terá toda a obra relançada pela Editora Nova Fronteira. Os primeiros títulos já estão nas livrarias. 

    Abaixo, um trecho da entrevista:

    Com algum bom humor, você escreveu que não considera o cemitério de São João Batista "merecedor da confiança que se deve ter nos cemitérios". O  problema é que o mausoléu da Academia Brasileira de Letras – para onde um dia o acadêmico Carlos Heitor Cony será levado, num futuro que a gente espera remoto – fica justamente no cemitério São João Batista – que você detesta. Como é que você vai resolver este impasse? Vai abrir mão desse privilégio acadêmico?

    Cony: "Vou resolver da seguinte maneira: podendo morrer, não morro! A morte é uma coisa nojenta. Se morrer, serei cremado. Minhas cinzas serão jogadas num morro em Itaipava, que pertencia ao seminário. Era o Morro do Cruzeiro, porque tinha uma cruz em cima. É um sonho que me persegue muito. Quando queria me isolar, ainda nos tempos do seminário – embora já vivesse isolado da família e do mundo – eu sempre ia a este morro, para ver aquelas montanhas e o açude. Minhas cinzas merecem estar lá. Já deixei em testamento: não quero ir para o mausoléu da Academia Brasileira de Letras!".  

    Se fosse criança, que pergunta você teria curiosidade de fazer ao adulto Carlos Heitor Cony sobre a vida?

    Cony: "Por que é que não morri antes? Se eu tivesse essa possibilidade, é o que perguntaria. E às vezes me pergunto: o que é que estou fazendo aqui? Minha vida – e a dos outros – não tem sentido algum".

    Foto: Reprodução

  • Um grande conselho: 'Cometam erros impressionantes e gloriosos'

    GNews - Eduardo CoutinhoO que é que o documentarista brasileiro Eduardo Coutinho poderia ter em comum com Neil Gaiman – o escritor e quadrinista inglês?

    O texto do discurso que Gaiman fez para os estudantes da University of Arts, na Filadélfia foi lançado há algum tempo em livro, no Brasil. As palavras de Gaiman fazem sucesso entre a rapaziada. O livro chama-se "Erros Fantásticos: O discurso 'Faça Boa Arte' - de Neil Gaiman".

    Há uma ou outra "platitude", mas, em resumo, ele diz:

    "Eu observava meus colegas, amigos e pessoas mais velhas e via quanto alguns eram infelizes: escutava quando me diziam que não conseguiam mais enxergar um cenário em que fariam o que sempre quiseram, porque àquela altura precisavam ganhar todo mês certa quantidade de dinheiro só para se manterem na posição em que estavam."

    "Não podiam fazer o que importava, o que realmente queriam. Isso me pareceu tão trágico quanto qualquer problema no fracasso. Além disso, o maior problema do sucesso é que o mundo conspira para que você pare de fazer o que faz, só porque é bem-sucedido".

    "Um dia, ergui os olhos e me dei conta de que tinha me tornado alguém cuja profissão era responder e-mails e, nas horas vagas, escrevia. Passei a responder menos mensagens e descobri, aliviado, que estava escrevendo muito mais (...)."

    "A vida às vezes é dura. As coisas dão errado, na vida e no amor e nos negócios e nas amizades e na saúde e em todos os outros aspectos que podem dar errado. Quando as coisas ficarem complicadas, é assim que você deve agir: faça boa arte. É sério (...). Faça o que só você faz de melhor (...). Faça aquilo que só você pode fazer."

    "O impulso, no começo, é copiar. Isso não é ruim. Muitos de nós só encontraram a própria voz depois de soar como várias pessoas. Mas a única coisa que só você e mais ninguém tem é você. Sua voz, sua mente, sua história, sua visão (....)."

    "Meus projetos que funcionaram foram aqueles dos quais eu estava menos certo (...). Mas qual deve ser a graça de fazer o que você sabe que vai dar certo? E, algumas vezes, o que eu fiz não deu nada certo. Aprendi com elas tanto quanto com as que funcionaram (...). Cometam interessantes, impressionantes, gloriosos, fantásticos erros. Quebrem regras. Deixem o mundo mais interessante por estarem nele."

    Como disse, ao longo do discurso há uma ou outra declaração de princípios que pode lembrar aquelas lastimáveis performances de animadores de funcionários de corporações – mas, na essência, Neil Gaiman toca no que interessa: "Faça aquilo que só você pode fazer".

    O importante é apostar no incerto, cometer erros "gloriosos".

    Thank you, mr. Gaiman.

    Eu me lembrei da pregação de Gaiman ao ver um documentário em que o personagem principal é o documentarista Eduardo Coutinho.

    Título: "Coutinho - sete de outubro". Ao contrário do que fazia habitualmente, dessa vez o cineasta Eduardo Coutinho fica diante da câmera para dar uma entrevista, conduzida pelo realizador do documentário, Carlos Nader. É como se Coutinho se transformasse em personagem de Coutinho. Bola na rede.

    (O depoimento foi gravado quatro meses antes da morte de Coutinho – uma daquelas tragédias que nos deixam mudos).

    Lá pelas tantas, Coutinho fala sobre o "prazer indizível" que é fazer um determinado filme num determinado momento num determinado lugar. É como se dissesse que a aventura do cinema precisa – necessariamente – ser pessoal e intransferível. Só assim vale a pena. Não pode ser delegada a outros. Porque outro realizador faria de outra maneira. A regra vale, claro, para documentários – o território que Coutinho elegeu para transitar.

    O (belo) depoimento de Coutinho aponta para um caminho: o ato de fazer um filme deve ser revestido de uma devoção quase religiosa. Fazer ou não fazer passa a ser, nos delírios do realizador, uma questão de vida ou morte (a atitude aplica-se não apenas a filmes, claro, mas a qualquer "aventura" do tipo).
    Em resumo: "Faça aquilo que só você pode fazer".

    Somente Eduardo Coutinho poderia fazer os documentários de Eduardo Coutinho. Não é, óbvio, o único caso de cineasta com marca pessoal, mas o que ele diz, na entrevista, marca uma posição, um tardio mas bem-sucedido "projeto de vida".

    É óbvio que noventa e nove vírgula noventa e nove por cento dos terráqueos permanecerão absolutamente indiferentes ao fato de que um filme "x" sairá ou não do papel, mas o realizador precisa criar a ilusão de que aquele filme é indispensável, é indispensabilíssimo – nem que seja para ele mesmo. Pouco importa – aliás – que o resultado seja eventualmente precário ou aparentemente banal. Não é este o "ponto". É o que Coutinho diz, com outras palavras,no depoimento.

    A situação pode soar surrealista mas é assim: um personagem anônimo – como os que povoam os filmes de Coutinho – poderia, claro, ser filmado "n" vezes. Não haveria qualquer dificuldade. As situações eram, em tese, perfeitamente "repetíveis" - mas, como princípio, Coutinho se convencia de que tudo teria de acontecer, necessariamente, ali, naqueles trinta, quarenta ou sessenta minutos diante do entrevistado: o desnudamento, as revelações, a confissão. É uma sensação que, a rigor, move todos os entrevistadores.
    Coutinho cumpria este mandamento ao pé da letra, diante de personagens anônimos que ia encontrando em apartamentos de Copacabana, morros da zona sul, casebres no sertão. Diz, no documentário, que evitava ouvir figuras públicas ou gente que ele próprio conhecia. Não ia dar certo.

    As palavras de Coutinho no documentário soam fortes: resumem a necessidade de quimeras pessoais numa época dominada pela uniformidade mediocrizante.

    Já estou soando como crítico de cinema. Não sou. E foi bonito ver a plateia aplaudindo Coutinho no fim do filme.

    Palmas para ele. É uma grande lástima que uma carreira que, como ele dizia, começou tarde tenha sido violentamente interrompida. "A morte é uma piada. A vida é uma tragédia. Mas, dentro de nós, mesmo no maior desespero, há uma força que clama por coisas melhores", já dizia Paulo Francis.

    Em última instância, "clamar por coisas melhores" é o que faz quem, como Coutinho, apostava numa aventura pessoal. Já é tarefa para uma vida.

    Foto: Reprodução/GloboNews

  • Brasil espera posição do STF e do Senado sobre a Lei da Tesoura Estúpida

    Um assunto sumiu do noticiário, mas não deve ser esquecido jamais, sob hipótese alguma, porque afeta diretamente a liberdade de expressão: a Lei da Biografias.

    Que se saiba, o Brasil é o único país do mundo em que biografados com vocação policialesca, órfãos de Adolf Hitler, podem fazer o papel de censores e simplesmente proibir previamente a publicação de um livro – ou, então, mandar os exemplares já impressos para a fogueira. A citação ao nome de Hitler não é gratuita: a visão de livros ardendo em fogueiras ou recolhidos das prateleiras por policiais provoca este sentimento.

    Há um argumento pior ainda: gente que diz que biógrafos só querem ganhar dinheiro. Deus do céu. Quem faz esta "acusação" é gente que mede os valores da vida e da civilização com uma nota de cem reais na mão. Ou seja: nem merece ser levada a sério.

    É patético ter de repetir: em sociedades democráticas, é livre a circulação de informação. Ninguém pode exercer a censura prévia. Ninguém.

    Já se disse um trilhão de vezes, não custa nada repetir: em qualquer país civilizado do mundo, quem se sente prejudicado por uma publicação recorre à Justiça. Ponto. Se algum abuso for cometido, a Justiça sabe o que fazer. Funciona assim há séculos nas democracias.

    Mas não neste país: aqui, biografados e herdeiros que tenham vocação censória vestem, lépidos, o uniforme nazista e tratam de cumprir o tristíssimo papel de censores. Neste momento, o Brasil parece uma republiqueta de décima-oitava categoria.

    Deus do céu: basta ver as prateleiras de livrarias em qualquer país. Estão entulhadas de biografias. Se editores e leitores de países como Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos (e centenas de outros) ouvissem alguém lhes falar a sério sobre censura prévia exercida por biografados e herdeiros, rolariam no chão de tanto rir diante de tamanha estupidez. De fato: o tema seria risível, se não representasse uma tragédia.

    Pergunta-se: todos os países democráticos estão errados e só o Brasil é que acertou? Óbvio que não.

    Mas nem tudo é estupidez. Como se sabe, a Câmara dos Deputados aprovou o fim da LTE – ou seja: a Lei da Tesoura Estúpida (eis aí um nome justo para tal aberração). O projeto seguiu para o Senado, que terá a grande chance de tomar uma providência de fato merecedora de aplausos nacionais. Mas as coisas andam em ritmo de tartaruga pelos corredores legislativos.

    O Brasil espera o pronunciamento dos ilustríssimos senadores. Não haveria uma maneira de apressar a tramitação?

    Em outra instância, uma ação que declara inconstitucional a Lei da Tesoura Estúpida corre no Supremo Tribunal Federal.

    A ministra Cármen Lúcia – relatora do processo que joga no lixo esta aberração – não se pronunciou ainda. Faz meses e meses que se espera que ela dê sinal de vida.

    Por ironia, ao se pronunciar sobre uma lei que trata exatamente de biografias, a ministra terá diante de si uma escolha dramática: se fizer coro com os obscurantistas que defendem censura prévia, estará jogando a própria biografia no lixo. O que se espera, claro, é que a ministra jogue no lixo não a própria biografia, mas o artigo que transforma biografados e herdeiros em censores.

    Ao que se sabe, a ministra é uma figura acima de qualquer suspeita. De qualquer maneira, uma notícia preocupantíssima foi publicada, faz algum tempo: a ministra recebeu Roberto Carlos, bom cantor travestido de censor de biografias, em uma audiência. É preocupante. O que Carlos terá dito à ministra? Imagina-se que tenha feito "lobby" a favor da escuridão. É o que tem feito desde que teve a péssima ideia de virar militante da tesoura.

    (Não faço estes comentários com alegria: RC é um grande cantor. Como letrista, há controvérsias: aquele verso "meu cachorro me sorriu latindo" é indefensável sob qualquer critério: estético, ético, veterinário, filosófico, artístico, musical, sinfônico, sociológico ou antropológico).

    De volta às biografias: é tristíssimo que Roberto Carlos tenha manchado para sempre a própria biografia com esta cruzada obscurantista.

    Pergunta-se: quantas audiências a ministra concedeu aos que consideram esta lei uma estupidez indefensável?

    É estupidamente simples: se o Brasil finalmente jogar no lixo a Lei da Tesoura Estúpida, o país dará um passo adiante no difícil, esburacado e tortuoso caminho rumo à civilização. Incrivelmente, o primeiro grande passo neste sentido foi dado pela Câmara dos Deputados. Nem tudo se perdeu!

  • John Lennon manda lembranças: o 8 de dezembro de cada um

    John Lennon, Ringo Starr, Paul McCartney e George Harrison desembarcam no aeroporto John F. Kennedy Airport, em Nova York, EUA, onde são recebidos por multidão de fãs em fevereiro de 1964
    Bato o olho no alto da página do jornal para checar a data e se estou no planeta Terra: oito de dezembro!

    A data – por um desses mecanismos pessoais e intransferíveis – deflagra uma torrente de lembranças sobre um daqueles acontecimentos que "marcam uma geração": a morte de John Lennon, que foi assassinado a tiros por um fã enlouquecido, num oito de dezembro, no saguão de entrada de um edifício chamado Dakota, em Nova York.

    Quem um dia foi devoto dos Beatles deve se lembrar exatamente onde estava quando recebeu a notícia de morte de Lennon. Não sou exceção. Por coincidência, 14 anos depois, em 1994, um grande nome da MPB morreria num oito de dezembro, também em Nova York: o maestro Tom Jobim.

    (Não faz tempo, um manifestante, fatigado de um mundo sem utopias, pichou num muro: "Chega de realizações! Queremos promessas!". Bingo. O meu demônio-da-guarda me sopra no ouvido, neste oito de dezembro: "Chega de notícias! Queremos lembranças!". Faço, então, uma pequena expedição pelo Boulevard da Memória).

    O locutor-que-vos-fala estudava cinema e, nas "horas vagas", fazia bicos como motorista de uma família rica e camareiro de um hotel no Quartier Latin, em Paris, naquele dezembro de 1980 (um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias Secretas de um Camareiro Acidental...).
    Dias antes, por uma grande coincidência, eu comentara com um amigo – Fernando Correia, à época estudante de economia – o plano de fazer, em Nova York, o que fizera em Paris: desembarcar "na aventura", pela simples curiosidade de ver o que se escondia além da linha do horizonte da Cidade do Recife. "Quem sabe, vou tentar entrevistar aquele alcoólatra decadente", disse, na brincadeira, numa referência injusta a Lennon.

    Porteiro da noite num hotel nos arredores de Paris, este amigo ouviu no rádio, na madrugada francesa, a notícia que começava a correr mundo: John Lennon tinha sido assassinado naquela noite de inverno.
    De volta à "pensão" na qual morava um punhado de brasileiros, depois de cumprir o plantão noturno, ele deixou, de manhã de bem cedo, embaixo da porta do meu quarto, um bilhete: "Bicho, mataram John Lennon!". Pensei que era brincadeira. Ao sair para a escola, em Nanterre, deixei embaixo da porta do quarto do vizinho outro aviso, em retribuição: "Bicho, mataram Fidel Castro!".

    As notícias, "naquele tempo", corriam velozes, mas não na velocidade da luz, como acontece hoje. Não existia internet! As edições da manhã dos jornais franceses não publicaram nada sobre a morte de Lennon, por conta do fuso horário. Quando a bomba explodiu na Europa, os jornais já estavam na rua.
    "Por desencargo", dei uma olhada nas primeiras páginas estendidas numa banca perto do metrô Place D´Italie. Nada. Perguntei a colegas que frequentavam um seminário sobre documentários, na Universidade de Nanterre: "Vocês ouviram falar alguma coisa sobre John Lennon?". Incrivelmente, nada.

    O choque veio no caminho de volta para a casa. A manchete do vespertino France Soir berrava, num título que, para mim, foi inesquecível, pelo impacto: "John Lennon assassinado por um admirador decepcionado. Era o mais talentoso dos Beatles". Guardei o jornal comigo pelas décadas seguintes.

    Não é exagero dizer que um geração inteira se sentiu de alguma maneira órfã naquele oito de dezembro. Perto do Natal, Joan Baez foi fazer um concerto ao ar livre, diante da Catedral de Notre Dame. Não disse nada sobre a tragédia, mas, ao final do show, cantou “Let it Be”, acompanhada apenas do violão. A multidão fez coro. A cena foi bonita.

    (Fui ao show por complacência dos meus "patrões" – a família rica para quem eu "trabalhava" como motorista. O que não faz "um rapaz latino-americano /sem dinheiro no banco / sem parentes importantes", em busca de uns trocados para ir tocando a vida? O casal ia a uma ceia antecipada de Natal, na casa de uma filha. Perguntou se eu poderia fazer uma jornada extra naquela noite, já que eles queriam levar o neto de carro para o jantar em família. Era algo que só acontecia uma vez por ano. Douglas era um menino especial, incapaz de se mover sem ajuda. Aprendi com ele lições inesperadas sobre a convivência com gente especial. Promessa dois: um dia, quem sabe, se me sobrarem tempo e neurônios, rabiscarei as Memórias de um Motorista Acidental... Eu disse a meus "patrões" que sim, claro, não poderia deixar de levar Douglas e os avós para a ceia de Natal, mas gostaria de ver Joan Baez cantando na frente da Notre Dame. E eles: "Você nos deixa, vai ver e volta para nos levar de volta para casa, no fim da noite". E assim foi feito. Duvido que o casal, simpático e bem situado, imaginasse quem era a cantora de protesto Joan Baez.)

    O filme "Let it Be" voltou a cartaz, num cinema perto do metrô Odeon. Fui ver. Fazia frio. A plateia era de beatlemaníacos repentinamente jogados na "orfandade".

    Paulo Francis escreveria na “Folha de São Paulo”: "A morte de Lennon é o fim de uma época, talvez a última que conheçamos em que uma geração de jovens talentosos, como os Beatles, tentou humanizar o nosso mundo de poderes impiedosos, impessoais e letais. Lennon baniu Reagan, Brejnev, Israel, Síria e Jordânia do centro das notícias. Talvez porque a maioria das pessoas reconhecesse nele um ser humano, enquanto esses outros problemas não podem ser tocados pelo cidadão comum, que, se interessado neles, é submetido à dieta de “press releases” dos poderosos. Com Lennon, se foi não só uma era, nos parece, mas um anseio de simplicidades que se tornaram aparentemente impossíveis em nosso tempo".

    Francis acertou na mosca: além de tudo, ali, se perdia para sempre uma espécie de inocência e de ingenuidade que, embalada por belíssimas canções, parecia protegida e inalcançável pelos horrores do mundo.

    A revista “Newsweek” publicaria um lead brilhante (aos não iniciados em jornalismo: lead é o início de uma reportagem – aquelas frases em que o autor tenta fisgar logo o leitor. O lead da “Newsweek” reproduzia o momento em que a figura nefasta de Mark David Chapman, o assassino, abordou Lennon, na calçada do Edifício Dakota: "Era apenas uma voz, saída de dentro de uma noite americana: "Mister Lennon?".
    Faço um pequeno tour pelo Youtube. Lá, vejo Joan Baez cantando "Let it Be", uma das melhores canções da dupla imbatível, Lennon & McCartney.

    Quando o casal Rosenberg, acusado de espionagem pró-União Soviética, foi executado nos Estados Unidos, Jean Paul Sartre escreveu: "O casal Rosenberg morreu, a vida continua. Não era o que vocês queriam?".

    Hoje, o assassino Mark David Chapman mofa numa prisão – e o oito de dezembro traz de volta lembranças que, aos olhos de beatlemaníacos de todas as gerações, parecerão sempre irreais e absurdas.
    É inevitável fazer o cálculo inútil: quantas e quantas belas canções não deixaram de ser escritas depois daquele fim de noite de inverno em Nova Iorque?

    Não era o que os beatlemaníacos queriam.

    (Aqui, uma das melhores pérolas do Lennon pós-Beatle: "Mother". Em um verso, ele resume tomos e tomos de Sigmund Freud: "Mãe, não vá embora/ Pai, volte para casa")

    Não se fez, em música pop, nada que igualasse a beleza de Abbey Road – o auge dos Beatles. Os versos de "Golden Slumbers" soam tristemente irônicos aos ouvidos de beatlemaníacos embalados pelas lembranças "pessoais e intransferíveis" do oito de dezembro de cada um ("Boy / Você vai carregar este peso / Vai carregar este peso/ por um longo tempo).

    *Foto: John Lennon, Ringo Starr, Paul McCartney e George Harrison desembarcam no aeroporto John F. Kennedy Airport, em Nova York, EUA, onde são recebidos por multidão de fãs em fevereiro de 1964 (AFP)

  • Um susto no ar – e as mensagens que jamais chegarão aos destinatários

    Já tinha ouvido falar no silêncio que precede as tempestades.

    Agora, conheci o bicho pessoalmente – ele, o silêncio coletivo movido pelo medo.

    Quem viaja de avião teme intimamente pelo dia em que o comandante vai pegar o microfone e, em vez de dar as boas-vindas e aquelas informações clássicas sobre tempo de voo e condições meteorológicas, avisará que há "um problema".

    Demorou, mas aconteceu: o comandante pegou o microfone e avisou aos passageiros que o avião tinha apresentado um "problema técnico". Primeira reação: “Não é possível! Logo hoje e logo no meu voo!”, devem ter pensado os senhores passageiros. O locutor-que-vos-fala ocupava o assento 11C.

    Pior: o avião teria de fazer um pouso não-programado.

    Em resumo e em bom português: a situação era de emergência.

    O avião tinha acabado de levantar voo do Aeroporto Santos Dumont, às cinco da tarde da quarta-feira da semana passada. Iria para Belo Horizonte. Eu estava a caminho do Fórum das Letras, em Ouro Preto.
    Uns dez minutos depois da decolagem, veio o aviso. O avião, recém-saído do Santos Dumont, iria fazer um pouso – não previsto, obviamente – no Aeroporto do Galeão.

    Em meus delírios de passageiro temeroso, eu imaginava que, numa situação assim, haveria algum pânico, alguma inquietação, alguma erupção coletiva de medo. Que nada.

    Olho para os passageiros. Um silêncio absoluto se instala a bordo. Ninguém diz nada, nada, nada, nada. Ninguém se anima, sequer, a fazer uma mísera pergunta à aeromoça.

    O pouso no outro aeroporto demora séculos (numa situação assim, quando os passageiros não fazem a menor ideia da natureza do "problema técnico", cada segundo parece demorar um minuto: cada minuto parece durar uma hora e, cada hora, um século).

    O avião passou cerca de quarenta minutos, ou seja, quarenta séculos, voando em círculos, ora sobre o mar, ora sobre a terra.

    E todo mundo esperando, intimamente, pelo estrondo final. Ah, o estrondo, o estampido, o relâmpago final viria assim, sem aviso prévio (é o que a gente pensa, mas não diz).

    Confesso que uma taquicardia agitou minhas florestas interiores.  

    Faço, a mim mesmo, a pergunta fatal: o que seria pior? Desabar sobre o mar ou sobre a terra? A resposta que dou a mim mesmo: silêncio.

    Olho para um vizinho: seus olhos estão fechados. Tenho vontade de perguntar: “Nós estamos na iminência de viver um momento épico – uma catástrofe nos céus de São Sebastião do Rio de Janeiro –, e você fecha os olhos, impassível?”.

    Não pergunto. Se perguntasse, quem sabe, a resposta seria a mesma: o silêncio.

    O que fazer para que os minutos passem logo?

    Fico pensando o que é que eu poderia escrever como últimas e inúteis palavras. Quem sabe, eu poderia, no último minuto, rabiscá-las num guardanapo de papel e guardá-las numa garrafa plástica que, com sorte, poderia boiar, se o avião se precipitasse sobre as águas... Um dia, quem sabe, um escafandrista encontraria a garrafa já cheia de lodo, perto do assento 11C – o meu.

    Lá estaria a declaração final: "A humanidade só será feliz no dia em que o último derrubador de matéria for enforcado nas tripas do penúltimo!". Mas... Não, não valeria desperdiçar esta chance com uma queixa contra jornalistas que passam a vida jogando notícia no lixo. Não, o jornalismo não é tão importante. Não mereceria, jamais, ser agraciado com as últimas palavras de quem quer que seja.

    Uma alternativa seria exclamar por escrito, no guardanapo: "A Terra é um equívoco giratório! A Terra é um equívoco giratório!".

    Ou, quem sabe, um apelo: "Deus, se você existe, dê um sinal – já, neste minuto. Quero lhe fazer umas perguntas. É agora ou nunca!".

    Eu bem que poderia deixar uma mensagem cifrada perguntando por onde andaria a moça argentina que, num dia hoje remotíssimo, vi num trem e de quem nunca me esqueci. Como ela se chama? Dolores? Cristina? Como mandar uma mensagem final para um rosto sem nome? A mensagem jamais chegará.

    Neste momento, enquanto a taquicardia parece embalar meus íntimos delírios, chego à conclusão definitiva: não, não adianta mandar mensagens para ninguém. Porque elas não chegarão. A vida é assim: uma gloriosa coleção de mensagens que jamais chegarão aos destinatários.

    Eis aí, afinal, a solução! As últimas palavras bem que podem ser estas vinte e duas: "A vida é uma gloriosa coleção de mensagens que cada um de nós carrega dentro de si, mas jamais enviará aos destinatários!". É isso! É isso! Só agora descobri, enquanto espero o estampido final.

    Neste momento, depois de séculos de íntima angústia dos passageiros, o avião finalmente faz o pouso não previsto. O piloto não nos diz o que aconteceu de errado. Fica em silêncio, exatamente como nós todos, os que imaginaram enviar inúteis mensagens para destinatários que jamais as receberiam.

    E a noite na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro pôde seguir, sem assistir ao clarão fatal que, em nossos mais secretos delírios, poderia acontecer a qualquer momento, em algum ponto do céu, entre o Santos Dumont e o Galeão.

    PS: Ah, sim: os senhores passageiros foram reacomodados em outro avião. E a vida continuou – rumo a Belo Horizonte. Nunca um nome de cidade pareceu tão apropriado.

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Sobre a página

O blog apresenta reportagens orientadas pela fórmula ideal do jornalismo: quando entrevistava um personagem, Geneton fazia, a si mesmo, a pergunta sugerida por um editor inglês: "Por que será que estes bastardos estão mentindo para mim?". Esta coleção de posts, com entrevistas memoráveis, fica como um arquivo e uma homenagem do G1 a um jornalista apaixonado pela profissão.