Filmes adultos

qui, 31/10/13
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Gosta de sexo oral? Então não deixe de assistir aos primeiros minutos de “O conselheiro do crime”, o novo trabalho do diretor Ridley Scott – até porque, à primeira vista, este talvez seja o único bom motivo para você ver o filme. Ok, se o que você procura no cinema ultimamente é um tipo de excitação (sexual) que a pornografia da internet não é mais capaz de suprir (ironicamente, pela própria facilidade de acessá-la), então talvez você tenha, seguindo essa linha de raciocínio ao longo desse mesmo filme, pelo menos mais um bom motivo para ir em frente na sessão: não quero revelar muito, mas você vai perceber do que eu estou falando quando Cameron Diaz tenta uma relação sexual com um carro. Aliás, tentar é eufemismo: ela transa com um carro. (Em tempo: se essa conversa está te animando, a data de estreia do filme vencedor de Cannes este ano, “Azul, a cor mais quente” – duas adolescentes apaixonadas!!!! – já está definida para o Brasil: 6 de dezembro). Porém, a, digamos, “força” dessas duas cenas que acabo de citar não é exatamente o motivo por eu chamar “Conselheiro” de um filme adulto – aquela designação sombria, que sempre indicava nas locadoras de vídeo (lembra de locadoras de vídeo?) o espaço em que você tinha que entrar “por engano”, como se estivesse procurando “documentários” e “sem querer” acabou se deparando com títulos como “Licença para sentar” ou “Jorrada nas estrelas”.

Quando falo de filmes adultos, falo daqueles que não ofendem sua estupidez (e, veja bem, usei a expressão “ofender a estupidez”, e não “ofender a sua inteligência” de propósito, já que algumas produções recentes – “Elysium” e, pelo que vi do trailer, “Thor: o mundo sombrio” – são tão sem pé nem cabeça que não satisfazem nem mesmo sua/nossa preguiça de raciocinar; mas eu, claro, divago…). Refiro-me a dois filmes que vi recentemente: “O conselheiro do crime” e “Os suspeitos”. Com resultados bem diferentes, estes são dois exemplos (atualmente raros) de como ainda é possível ir ao cinema e não sair sentindo que você foi enganado.

“Suspeitos”, sobre o qual vou discorrer mais para frente, é o melhor deles. Mas mesmo “Conselheiro”, no meio da confusão toda que é, resgata uma intenção que eu já tinha perdido a esperança de ver nas telas este ano: a de envolver o espectador com uma boa história. Há alguns dias, publiquei aqui mesmo um “post minimal”, apenas com uma foto de “Gravidade” e o título “O único argumento que você precisa ter para entrar numa reunião onde o assunto acaba e você começa a discutir com seus amigos se o cinema, como a gente conhece hoje, deveria continuar a existir”. Era uma provocação, claro – e também um elogio ao filme. Mas “Gravidade”, espetacular como é (além de apresentar um novo e mais elevado patamar de cinematografia), sofre do mal maior conhecido como “roteiro ruim”. Entenda: eu fiquei tão estupefato quanto você com tudo que eu vi na tela (Imax e 3D!). Mas quando Sandra Bullock “reencontra” George Clooney num momento de aflição, ou quando as contagens regressivas terminam perfeitamente no momento em que ela consegue escapar do perigo (e não vamos nem falar do final, com aquelas pegadas na areia…), minha vontade era a de perguntar para Alfonso Cuarón: “Vem cá… Só porque você tinha imagens deslumbrantes para mostrar, resolveu mandar a história para o espaço?” (Com o trocadilho totalmente proposital).

Num constaste saudável, “O conselheiro do crime” traz um roteiro assinado por Cormac McCarthy (“Onde os fracos não têm vez”, entre outros) que, embora demore mais de uma hora para fazer sentido, te conta uma história de fato interessante. Não exagero quando falo que com uma hora de filme você não tem muita ideia do que está rolando. Ridley Scott tem o talento – pelo menos a minha devoção total – para conseguir sequestrar minha atenção pelo tempo que quiser (se bem que “Prometheus” testou perigosamente esses limites!). A história principal – do roubo de uma milionária carga de drogas – não é exatamente apresentada, mas aparece como se nós, sentados ali na cadeira do cinema, já soubéssemos o que estava acontecendo – ou ainda, como se nós também fizéssemos parte da gangue, como um comparsa. Eu diria até mais: com aqueles três ou quatro primeiros minutos de sexo oral entre Penélope Cruz e Michael Fassbender (que é o tal conselheiro), você já começa num clima de intimidade tamanha, que perguntar alguma coisa sobre o que está acontecendo é quase como dar um fora – sob o risco de ser expulso da turma.

Então, sua melhor opção é seguir tudo como cúmplice, e tanto o diretor quanto o roteirista te oferecem isso de maneira tão irresistível, que só lá na frente, já quase no final do filme – bem depois de você perceber que o plano inicial desandou -, é que você se dá conta de que acima do círculo da maldade que você está acompanhando (ou ainda, desse círculo que você “convive”) existe um pior – ainda mais cruel e malvado.

Quando saí da sessão de “O conselheiro” estava incomodado. O filme tem pelo menos uma inconsistência grave (o caminhão de drogas é sequestrado duas vezes… afinal, de que lado vai parar a cocaína?) – e a sensação imediata é a de que você foi enganado. Só no dia seguinte (vi o filme no último sábado) é que fui revisitando a trama e me sentindo recompensado pela maneira como tudo me foi contado. Seria fácil elogiar aqui o elenco incrível – além dos já citados, tem ainda Javier Bardem, Brad Pitt e Cameron Diaz (sei que já falei dela, mas acredite: nunca é demais ressaltar sua participação neste filme!!), mas o mérito do “Conselheiro” é maior do que a soma de todas essas performances. Usando velhos truques – filmes “snuff” (em que sexo e morte não são atuados, mas “reais)”, milionários exóticos (que tal ter dois leopardos de estimação?) -, “O conselheiro” consegue ser original. E inteligente. E misterioso. E sensual. Ou seja: filme adulto.

Já “Os suspeitos” satisfaz de outras maneiras – e aqui, dispenso trocadilhos… O sexo não é nem um pouco gráfico – quando aparece, é na velada insinuação de pedofilia. Mas o que te alimenta ao longo de quase duas horas e meia (e vamos combinar que é preciso ter muito peito para fazer um filme tão longo quase sem nenhum efeito especial nos dias de hoje) é o simples poder da narrativa.

Por uma bizarra associação de ideias (duvido que seja por isso que os distribuidores no Brasil resolveram batizar o filme por aqui com o mesmo nome do clássico de Kevin Spacey) lembrei de outro “Suspeitos” – aquele sobre a história de um certo Keyser Söze. (O título original dessa nova produção é “Prisioners”, ou “Prisioneiros”, em português – custava usar isso?). O que une os dois filmes, ao meu ver, é a sutil inserção de pistas falsas, que não são atiradas gratuitamente, mas elegantemente sugeridas para que você nunca perca o interesse na trama. Que aliás, não poderia partir de uma premissa mais simples: duas meninas desaparecem de uma pacata cidade americana, depois de um jantar de “Ação de graças”. Joy e Anna – respectivamente filha de casais representados por Viola Davis e Terrence Howard, e Hugh Jack e Maria Bello – foram vistas pela última vez brincando ao lado de uma van cujo motorista é um suspeito com idade mental de 10 anos de idade. Ele é preso, mas como o detetive Loki (o excelente Jake Gyllenhall) não tem nenhuma evidência física do envolvimento dele no sequestro, o menino não pode ficar mais que 48 horas na cadeia. E é então que o pai de Anna (Jackman) resolve fazer justiça com as próprias mãos. “Brigada do spoiler”, pode relaxar. Não estou contando nada que já não esteja no trailer no filme. Essa trama toda ocupa mais ou menos o primeiro terço de “Suspeitos”. O “filé” mesmo começa dali em diante. E é sensacional.

Jantando ontem com amigos, soube que a aniversariante da mesa adivinhou o final já na metade do filme – e fiquei indignado! Eu precisei chegar no início da terceira parte para desconfiar que o que tinha acontecido de verdade era… Bom, claro que não vou contar, mas o que é fascinante é que o diretor Denis Villeneuve (do também surpreendente “Incêndios”) nunca entrega tudo. Mesmo as coisas mais óbvias que vemos acontecer podem – e muitas vezes são – pistas falsas. Mas como num outro clássico recente do suspense, “Se7en”, você nunca se sente traído por elas, mas sim estimulado.

Como Villeneuve já havia deixado claro em “Incêndios”, julgar o que é certo e o que é errado não é seu objetivo principal. Esse tipo de escrutínio está totalmente a cargo do espectador – e você pode chegar à conclusão que quiser (o risco é seu). O que interessa é prender sua atenção – e isso ele consegue com louvor (só lembrando: são mais de duas horas de filme). Quando você percebe, já está tão “fisgado” pelo que está sendo contado, que é quase impossível escapar do labirinto – um símbolo que, muito propriamente, tem um papel importante na reta final de “Os suspeitos”. Ah! E eu mencionei que o clima é apavorante?

A estranha expressão de Paul Dano (que faz o papel do suspeito) colabora bastante para isso – e prepare-se para vê-lo ainda mais desfigurado à medida em que Keller (Jackman) deixa seu cativeiro mais e mais sombrio. Mas a fotografia cinza-chumbo do filme e mais o olhar sempre dúbio de Loki também contribuem para transformar “Suspeitos” em uma experiência extraordinária. E adulta…

Na janela de trailers que agora tenho na minha “Smart TV” – o nome é irritante, reconheço -, vejo que a temporada no cinema se anuncia como uma das mais incríveis dos últimos anos – “12 anos de escravidão”, “Dallas buyers club”, “Capitão Phillips”, “Nebraska”, “Blue Jasmine”, para citar apenas alguns… Tomara que esses filmes nos façam parar para pensar, ainda que apenas retoricamente, se queremos sempre ser adolescentes diante de uma tela de cinema…

O refrão nosso de cada dia: “Afterlife”, Arcade Fire – que música é essa minha gente? E quem teve a ideia de colocá-la sobre imagens de “Orfeu negro”? Talvez seja o caso de eu rever meus conceitos sobre esta banda… “Reflektor”, o novo álbum, foi lançando anteontem… Adivinha o que eu vou baixar agora?



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