Céus! Elas já estão aí!

qui, 28/11/13
por Zeca Camargo |
categoria Música

Sabe aquela sensação esquisita de quando você começa a ver o shopping que você frequenta da noite para o dia decorado para o Natal – e você confere no calendário e ainda faltam várias semanas para a data festiva? Por acaso, a cada ano, você tem essa sensação cada vez mais cedo? Você, claro, não está sozinho. Eu também já me senti assim várias vezes. Em 2013, porém, talvez por ter tido tanto tempo nesses últimos dias para circular por um shopping center, eu achei que estava protegido deste impacto de fim de ano – mas ele acabou me atingindo forte no meu (forte) ponto fraco: a música.

Na semana passada, fui até o site da Rough Trade – uma das lojas de disco que mais marcaram a minha vida. Tudo que eu queria era lembrar do “velho” endereço na Talbot St., em Londres, para indicar a um amigo, mas o “banner” do alto da página imediatamente pediu minha atenção: “Os melhores álbuns de 2013″! Como assim? Ainda estávamos no meio de novembro, e a Rough Trade já tinha organizado a sua lista? Será que eu estava tão atrasado assim? Tinha me organizado para fazer a minha tradicional seleção de música boa que você “não” ouviu este ano lá pela segunda semana de dezembro… Será que eu deveria adiantar a minha programação?

Fui conferir na minha outra grande “bússola musical”, o site da Other Music. Ufa! Eles ainda respeitam o mês de dezembro – o “update” da loja com a escolha do pessoal que trabalha lá listando os melhores lançamentos e relançamentos do ano é uma ordem de compra para mim, mas ainda não saiu. No Pitchfork, o “best of” também ainda não chegou, mas fiquei ligeiramente desconfiado das recomendações para a “lista de compras do Natal”… E será que no Flavorwire tinha alguma coisa? Não: o mais próximo de uma lista de fim de ano é uma relação dos “álbuns mais tranquilos de 2013″, para você relaxar no meio dessa loucura de fim-de-ano (entre eles o do Eluvium, “Nightmare ending”, e um da mãe de Nick Drake, Molly Drake!). O que significa, claro, que a Rough Trade está ligeiramente à frente do seu tempo (e não no sentido com que sempre respeitei a loja…).

Não que eu tenha achado ruim. Num ano em que deixei impiedosamente a música de lado (sim, foi um ano corrido, caro leitor, cara leitora), pegar carona numa recomendação confiável para me atualizar quanto ao que ouvir para entrar bem informado em 2014 é até saudável. E por isso resolvi explorar a lista dos discos do ano da Rough Trade. E qual não foi minha surpresa quando o primeiro da seleção é de um artista que eu mesmo tive o prazer de apresentar aqui, neste espaço. Ele é John Grant, com seu “Pale green ghosts” – e se você procurar por um certo post de abril deste ano sobre uma exposição de David Bowie em Londres vai encontrar ali no “Refrão nosso de cada dia” a indicação para “GMF”, de John Grant. Que é, diga-se, uma música que me “assombra” até hoje.

Esbarrei neste disco quando estava em Reykjavik, na Islândia, no último mês de abril. Como contei então, logo que voltei de lá, uma das coisas que fiz na cidade foi explorar a melhor loja de discos do círculo polar ártico (ok, estou tomando uma certa “liberdade poética”, reconheço), a 12 Tónar. Ali, num ambiente agradável, que quase nos faz esquecer o frio intenso aliado à chuva da primavera islandesa, pedi várias recomendações musicais a um funcionário da loja. Procurava artistas locais – ciente de que Björk não é um caso único na rica relação entre os islandeses e a música – e no meio de uma pequena pilha de CDs veio também o de John Grant.

Jan Frode Haugseth/Wikimedia Commons

Não o reconheci imediatamente, mas não tive trabalho em perceber que não se tratava de um artista local – geralmente com nomes bem menos comuns que John (pense em Aðalsteinsson, Oddgeir, Sigurjón, Friðþjófsdóttir ou Diðrik, para citar apenas alguns…). Quando perguntei ao atendente porque ele havia me indicado Grant, ele disse apenas que o artista passava metade do ano na Islândia, e que já era considerado um “tesouro nacional”. Só mais tarde quando, já no hotel, fui procurar mais informações sobre ele é que descobri que se tratava de um dos fundadores de uma obscura banda americana chamada The Czars (que eu sempre associei erroneamente à Escócia por ter comprado o primeiro disco deles quando visitei Edimburgo, mas eu divago…).

De fato, conforme fui pesquisando, entendi que ele tem uma forte relação com a Islândia – a ponto de ter gravado “Pale green ghosts” em Reykjavik, com músicos locais (entre eles Birgir Þórarinsson, que era de uma divertida banda dos anos 90 que sobrevive até hoje, Gus Gus). Mas independente disso, gostei do álbum – que é parte sombrio, parte bem-humorado, e até parte dançante. Tem um punhado de faixas boas – a do título, por exemplo, além de uma que eu adoro chamada “Sensitive new age guy” (por falar em ironia…). Mas o problema é que o refrão de “GMF” é uma espécie de buraco negro para nossos ouvidos: é escutar e não querer ouvir mais nada. As letras do título se referem à abreviação de um corriqueiro (ainda que não menos ofensivo) palavrão em inglês, mas Grant canta com uma poesia que faz com que pareça música dos anjos. E mais: ele está falando dele mesmo – ele é que é o “traste” (para suavizar o palavrão) a quem a letra se refere, e assim tudo fica no universo da auto-ironia e da diversão.

Esse foi um bom sinal de que, mesmo distante da música, como eu já falei que estive este ano de 2013, eu não deixei de estar alinhado com o que está acontecendo de bom – pelo menos na opinião da Rough Trade. Mas o que mais eles tinham no cardápio de “melhores do ano”? Será que eu tinha acertado “Pale green ghosts” apenas por acaso? Resolvi ver o resto da lista.

Entre os dez melhores, eu também conhecia bem o número 2: “Silence yourself”, do Savages – que curiosamente também já havia indicado aqui, junto com o último do Daft Punk (inexplicavelmente número 66 na “parada” da Rough Trade). Mais um ponto para minha intuição! A questão é que, dali em diante, as coisas começaram a desandar. No número 3, encontrei um disco que escutei – cheguei a comprar – e não gostei: “Big inner”, de Matthew E White. E na posição de número 8, tem um CD que comprei em Paris e não abri até hoje: “II”, do Moderat (alemão e eletrônico!). O resto? Thee Oh Sees, Jessica Pratt, Parquet Courts, Daniel Avery – eu não tinha ideia de quem eram essas pessoas!

O número 11 me ofereceu um alento: Jagwar Ma, com seu “Howlin”, que gostei bastante (ia até entrar na minha lista, a ser publicada em duas semanas). Mas depois, corri todos os títulos até o número 100 – e encontrei muitos desconhecidos (lembrando que por “conhecidos” quero dizer discos que, mesmo de artistas que já são íntimos de longa data, como Nick Cave and The Bad Seeds, eu nem cheguei a registrar). As consolações? Alguns poucos artistas que experimentei este ano, quase todos por acaso:

- London Grammar (17)
- Arcade Fire (23)
- Haim (24)
- Daughter (25)
- The National (45)
- Vampire Weekend (46)
- Atoms for peace (47)
- Bill Calaham (55)
- Money (59)
- David Bowie (62)
- Palma Violets (65)
- The Knife (71)
- The Asphodells (88)
- Pantha du Prince (90)
- James Blake (97)

No total, meus ouvidos mal chegaram perto de 20% dos melhores artistas de 2013, segundo a Rough Trade. Será grave doutor? Ou, numa pergunta mais metafísica: será que só eu estou sofrendo disso?

Não me canso de celebrar aqui o poder que essas listas têm sobre nós, pobres amantes de música – e de livros, e de filmes, e de tudo! A capacidade da internet de gerar essas compilações cresce na mesma proporção que o nosso desespero de não conseguir acompanhá-las. Só que eu achei que estava imune a essa “maldição”, mas parece que 2013 vai ser o ano em que eu finalmente joguei a toalha!

A ironia é que nunca foi tão fácil ter acesso à música do mundo inteiro. 2013 é também o ano em que eu mais baixei música – oficialmente, antes que você pergunte – no meu smartphone, quando eu finalmente me rendi à facilidade do processo (e à ansiedade de querer ouvir, por exemplo, a última música do Beck AGORA, sem ter que esperar todo um trâmite de importação). Mas por que então estou me sentindo tão… vazio?

Não vou mais reclamar da minha falta de tempo aqui – não quero que isso vire um refrão chato da minha nova rotina de trabalho (que, pelo visto, não vai mudar tão cedo). Mas deixo claro que começo agora uma investigação sobre o que não está funcionando na maneira como eu organizo meu tempo: mais especificamente, quero me aprofundar na questão “por que eu estou ouvindo menos música?”. E vou ver se faço isso rápido! E começo a escutar umas coisas bem inusitadas.

Afinal, se a Rough Trade deu uma de “shopping center apressadinho”, daqui a umas duas ou três semanas todas aquelas outras listas de fim de ano que ainda não saíram vão começar a jorrar na minha caixa postal – e eu não quero nem saber como eu vou fazer para administrar a frustração de não ter (ainda) ouvido tudo. Mas eu chego lá – e tomara que você chegue também!

2014 ainda demora a chegar…

O refrão nosso de cada dia: “Early days”, Paul McCartney - não deixa de ser uma ironia eu indicar uma música de um veterano como Paul McCarteny num post que fala só sobre música nova. Mas essa é justamente a questão! “Early days” é uma das melhores faixas de “New”, o álbum que o ex-Beatle lançou há pouco tempo, e que eu tenho quase certeza de que você não ouviu. Eu mesmo só o ouvi porque outro dia saí de casa sabendo que ia enfrentar um congestionamento e achei que essa seria uma boa música para relaxar. Para minha surpresa, “New” é bem melhor que isso. Como você já deve ter lido em várias resenhas, nesse álbum McCartney retoma descaradamente o lado artesanal das composições dos Beatles, mas sem saudosismo. O resultado é variado – muitas canções acabam ficando parecidas. Mas “Early days” é sensacional. Primeiro pelo acorde de violão que abre a faixa e serve de base para toda a música. Depois pela ótima letra – que, nem que ele quisesse, deixaria de ser autobiográfica. Ainda: o refrão é mesmo muito fácil e vai ficar imediatamente na sua cabeça. E por fim, pela levada geral, que faz a gente celebrar sim esse grande cara que um dia teve uma banda chamada The Beatles…



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