As mãos de Eva Wilma

seg, 10/02/14
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Adriana Esteves gravou um programa comigo no último sábado. Como se não bastasse a honra e o prestígio de ter uma das atrizes mais queridas e, depois do estrondoso sucesso de “Avenida Brasil”, também uma das mais importantes figuras da nossa TV no nosso palco, eu ainda fui presenteado com um sincero agradecimento. E mais: um elogio que, desde que comecei a comandar o “Vídeo Show” é sempre esboçado pelos nossos convidados, mas na voz de Adriana Esteves tomou ainda uma forma mais concreta e carinhosa – a certeza de que o artista sai dali homenageado no seu trabalho e na sua carreira.

Sábado foi realmente um dia especial. Além de Adriana – que nos ajudou a lembrar por que gostávamos tanto não só de sua Carminha, como de tantos outros personagens para quem ela emprestou seu talento – recebi também Ney Latorraca e Betty Gofman. Gravamos programas não menos que intensos (que você vai ver em breve no ar), com Ney generosamente revivendo uma de suas criações mais famosas (o Barbosa da “TV Pirata” – quem disse que eu conseguia segurar o riso durante a entrevista quando ele começou a repetir todas as últimas palavras das coisas que eu perguntava, como o bom velhinho de “Fogo no rabo”?); e Betty, animada como sempre, encarnando logo na abertura do programa a Dona Bela, por sua vez, uma encarnação impagável de Zezé Macedo, a personagem que Betty soube tão bem levar ao teatro, no sucesso “A maldição do espelho”.

Fiz esse corte deste fim de semana por acaso. Ou ainda, para não dizer que eu não penso em datas, escolhi abrir esse texto de hoje com Adriana, Ney e Betty porque eles marcam três meses desde que começamos a gravar o novo formato da atração – e três meses de um programa diário, acredite, é quase um aniversário! Mais de sessenta convidados ilustres – ilustríssimos – já passaram pelo novo “Vídeo Show” (e muitos ainda virão!), fazendo com que eu, inevitavelmente, com minha capacidade já bem conhecida por quem frequenta este espaço de “divagar”, decidisse então olhar para esses primeiros meses com a mesma lente que enxerga tudo que passa por este blog: a da cultura pop.

Nem preciso fazer uma reflexão muito profunda para concluir que nunca estive tão envolvido com pessoas importantes, dessa nossa cultura pop – gente que, com seu talento e brilho, dominam nossa imaginação com seu trabalho na TV. Claro que eu já cobria isso quando apresentava o “Fantástico”. Foram muitas e muito especiais as entrevistas que eu fazia com personalidades do “show bizz”, nacional e internacional (mais sobre isso daqui a pouco). Mas a pauta do “Fant” (como, já contei aqui um dia, o programa é carinhosamente chamado nas internas) é bem mais variada, pela sua própria natureza.

Quando recebi então o convite para reformular (ao lado do diretor de núcleo Ricardo Waddington) um programa que era exclusivamente de variedades, vi nisso uma oportunidade única de mergulhar ainda mais nesse universo – uma guinada boa, quando não “cósmica” (como diria Baby do Brasil!), para alguém que estava então completando 50 anos e procurando novos desafios. Mas isso já é notícia antiga – nem me lembro quantas entrevistas dei no final do ano passado (em função da estreia do novo formato) falando sobre a importância dessa mudança para mim. Só retomei essa história para reforçar minha surpresa, três meses depois, com relação ao nível de envolvimento que estou tendo com esse universo incrível de talento que agora é meu cotidiano.

Minha experiência em entrevistar estrelas do entretenimento – no Brasil e no mundo – já havia me ensinado que por trás da celebridade existem pessoas bem mais interessantes do que a fama que as envolve pressupõe. Mas, como disse há pouco, eu entrevistava uma Madonna aqui, um Paul McCarteny acolá, e essa observação geralmente ficava perdida. Agora no “Vídeo Show”, porém, não tem como negar que o fluxo de carisma que passa por mim é muito mais intenso – e a gratificação que vem junto com ele é quase indescritível.

Comecei a pensar mais especificamente nisso há alguns dias quando, no meio de uma noite de autógrafos do meu livro virtual “50, eu?” (e-galáxia), um repórter de um site me entrevistou sobre este trabalho e aproveitou para fazer algumas perguntas sobre o “Vídeo Show”. Coisas de sempre, repercussão não de coisas que ele apurou, mas de rumores que ele colheu de fontes nem sempre confiáveis na internet (a mais divertida de todas, como sempre, a fantasia de que meu salário foi triplicado, assunto que já abordei com muito bom humor aqui mesmo). Depois desse inócuo exercício, ele veio com uma pergunta de fato original, que então ligou uma centelha em mim.

Pouco confortável (numa atitude típica de quem está fazendo uma pergunta “de encomenda” do editor – acredite, já estive do outro lado, sei o que é isso -, ele me questionava sobre uma possível saudades que eu poderia ter do meu tempo de “Fantástico” quando eu então entrevistava (sic) celebridades como Madonna, e agora eu não tinha mais essa possibilidade, ou ainda, o que eu tinha diante de mim para entrevistar era outro cenário: elencos de novela.

Num primeiro momento achei engraçado alguém que cobre justamente televisão (vamos combinar que ele não estava lá no lançamento do meu livro como “repórter de literatura”) achar que esse é um universo menor para cobrir – a não ser que ele fosse o mais masoquista dos jornalistas (uma categoria que, como observo por experiência, já tem essa tendência) e se deliciasse em fazer reportagens sobre um assunto que ele tem em tão baixa conta… (Esta é uma contradição que noto em vários comentários sobre minha mudança de rumo profissional, sempre de pessoas que justamente cobrem… televisão! – mas, eu, claro, divago…).

Pensei em retrucar com um questionamento neste sentido, mas fiquei com medo de fugir do assunto. Procurando uma resposta rápida, pensei nos grandes artistas que já haviam passado pelo palco do “Vídeo Show” (e eu ainda nem tinha gravado com esse time com quem estou abrindo texto de hoje) e disse: “Mas hoje eu tenho oportunidade de entrevistar Lilia Cabral, Marcos Caruso, tanta gente que talvez seja tão ou mais interessante que Madonna… Quantas pessoas não gostariam de ter este privilégio?”. Inclusive ele mesmo, que estava ali falando comigo – mas eu apenas pensei nisso, não disse por elegância…

Ao longo desses três meses, acostumei-me a encontrar reações como essa – e até a me divertir com elas. Sim, divertir. Afinal, elas são exatamente o reforço que eu preciso para ter a certeza de que, ao explorar novos formatos, estamos no caminho certo. A estranheza é sempre um desafio – e, para mim, quase um combustível. Alguns dirão que é sempre mais fácil fazer o mesmo programa por anos e anos. Deve ser. Mas e onde fica o risco da aventura – e a própria necessidade da televisão de se renovar? É isso que está me entusiasmando. E, tenho certeza, é nisso que estamos acertando – é isso que comemoramos.

Novamente, deixando o estúdio depois de um programa glorioso com Adriana Esteves, olhei para a última semana e comemorei novamente. Não apenas por conta dos bons programas que fizemos, mas por uma semana em que colocamos no ar um programa totalmente experimental, com sucesso. Falo, claro, de um “Vídeo Show” que fizemos em homenagem ao pop dos anos 80, misturando o melhor das novelas daquela época com o “fino” da música que tocava nas rádios. E foi uma delícia – para nós, de fazer; e para o público, de assistir.

Este era um formato totalmente diferente, no qual o programa, com muitas atrações e “flashbacks”, se desenrolava quase que integralmente no palco. Já tínhamos feito uma experiência também ousada no início do ano, montando um “tribunal” em cena para fazer um “julgamento” do Félix – o impagável personagem que Walcyr Carrasco criou para Mateus Solano em “Amor à vida”. E também saímos felizes com o resultado. Outros formatos virão – programas que incluam viagens, entrevistas fora do estúdio (não vejo a hora de poder fazer isso, por exemplo, com Paulo José, algo que já está programado há tempos), outros “flashbacks”, homenagens a atores e atrizes que já se foram, e por que não até um programa ancorado só com o “nosso Walcyr”? Tudo é possível, como aliás já havia sido anunciado naquela primeira entrevista coletiva que demos em novembro de 2013 – um tempo muito distante, de fato, para alguém que só escreve (e lê) na velocidade da internet possa se lembrar…

São todas essas possibilidades que eu celebro hoje aqui com você – e mais essa felicidade que tenho de estar, finalmente, no meu habitat natural: a cultura pop! É só lembrar quem já passou por lá (Suzana Vieira, Marcelo Adnet, Alexandre Borges, Arlete Sales, José de Abreu, Sandy, Beth Faria – uma lista longa demais para eu fazer justiça aqui!). E vem mais aí, nos próximos programas, Claudia Leitte, Preta Gil, Juliana Alves – e isso só para falar das convidadas que vêm para esquentar o clima do Carnaval. Tem também outros artistas queridos, desde as grandes estrelas atuais como os figurões que são a história da TV – e, em última análise, em parte a história também da nossa imaginação. Como Ângela Vieira, que também esteve por lá e, junto com seu marido, o excelente cartunistas Miguel Paiva, me deu o presente que reproduzo ao lado. Mas vou parar por aqui porque não quero tirar o prazer de você se surpreender com o convidado do dia – pelos comentários de pessoas que me encontram na rua, e espontaneamente demonstram sua alegria de ver este “Vídeo Show”, elas gostam de ter a surpresa de descobrir “quem o Zeca vai entrevistar hoje”…

Mas eu só queria encerrar esse agradecimento – se você não percebeu, este é sim um agradecimento não só a quem me assiste, como também aos astros e estrelas que vão me emprestar um pouco do seu brilho -, enfim, queria encerrar assinalando que, em breve, você vai poder conferir um dos programas mais emocionantes que já gravei: um com Eva Wilma. Depois de sua passagem pelo meu palco, eu costumo responder para quem me pergunta “como foi?” que Eva Wilma veio como uma espécie de “Sá Marina”: fez o povo inteiro chorar. Chorei eu em alguns momentos; chorou a plateia com coisas lindas que ela disse na entrevista; chorou o pessoal que fica de fora do estúdio, na sala de controle acompanhando a gravação; até ela chorou – primeiro quando lembramos de uma de suas últimas cenas com Carlos Zara, e depois quando chamamos ao palco duas “figuras” para lhe fazer uma surpresa (que, claro, não vou contar aqui…).

Foi um programa lindo, que tenho certeza de que vai emocionar você também, mas que me pegou de um jeito que eu não esperava, já que acabei chorando por causa dele alguns dias depois de ele ser gravado. Chegando ao PROJAC para a reunião de produção semanal (talvez a parte da minha nova rotina que eu mais gosto: a criação), deparei-me com algumas “lajotas” de cimento guardadas – os registros dos últimos programas para a “Calçada da Fama” (um quadro que criamos para o “Vídeo Show”). No topo da pilha estava uma com as mãos de Eva Wilma, e alguma coisa ali chamou minha atenção.

A repetição sempre nos faz deixar de focar nos detalhes. Todo programa, convidamos o artista que está no palco com a gente para deixar um autógrafo e, depois, as marcas das suas mãos no cimento frio. É sempre divertido, cada um brinca com esse momento de uma maneira diferente. Para Eva Wilma, no lugar de pedir para ela abaixar, criamos um suporte na altura de suas mãos – estávamos ali, afinal, com uma mulher de 80 anos! Ela cumpriu o ritual, feliz, e seguimos com o roteiro. Nada ali me pareceu diferente. Foi só quando, dias depois, eu me deparei com o registro disso, que eu fiquei emocionado.

Porque as mãos que Eva deixou ali com a gente tem os dedos tortos. Não estou falando de um defeito, mas de uma marca da idade, uma registro inevitável dos anos vividos por essa grande atriz, que mesmo do alto de toda sua carreira incrível, encontra tempo e disposição para vir ao nosso programa. E ser celebrada como deve ser – graças a um formato inovador, executado de maneira impecável por uma equipe que é sensacional. Ali, naquelas mãos “tortinhas” de Eva no cimento, mãos de alguém que teve (e ainda terá) uma vida cheia, preenchida, e inspiradora, encontrei mais uma justificativa para meu trabalho. Eu agora, entre tantas coisas que tenho na minha carreira para me orgulhar, também tenho o privilégio de conhecer melhor esses artistas incríveis. E, sobretudo, dividir isso com você.

O refrão nosso de cada dia: “Common people”, Pulp, – na recém-publicada lista de 500 melhores músicas de todos os tempos que o “NME” soltou (um exercício de terrorismo cultural que eles fazem de tempos em tempos – e que será certamente comentada aqui em breve), entre as dez primeiras colocadas, quase todas são escolhas previsíveis. Por exemplo, vai discordar de “Smells like teen spirit”, do Nirvana, no topo da lista? Outras são surpreendentes, mas fáceis de justificar – como “I feel love”, de Donna Summer, na posição de número 3! Mas, escolhida como a sexta melhor música da história do pop, o “NME” colocou “Common people”, do Pulp – uma banda dos anos 90, muito boa, seminal para os ingleses, mas muito mais importante para eles do que para o resto do mundo. Essa foi a única escolha que me incomodou no topo da lista (várias outras me deixaram perplexos entre as outras 490 músicas, mas isso é para discutir mais para frente), e por isso mesmo resolvi ouvi-la de novo, e sugerir que você faça o mesmo agora. “Do you really want to live like common people?”. “Well”…



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