2014: ‘Strangeways, here we come’

seg, 30/12/13
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Vou começar logo explicando a citação – algo necessário para quem tem menos de 40 anos e/ou não é fã dos Smiths. Esse é o título do último álbum de estúdio dessa banda – e eu quis usá-lo para o abrir o breve post de hoje por dois motivos. O primeiro é que Morrissey está mais do que nunca no meu imaginário, uma vez que escolhi sua autobiografia (ainda inédita no Brasil), como principal leitura do meu fim de ano – aguarde um longo comentário neste mesmo espaço assim que eu terminá-la (e está não é uma promessa de ano novo que eu pretendo descumprir!). O segundo é que aquilo que a frase anuncia (que em português, na minha tradução sempre apressada, poderia passar por “Caminhos estranhos, aqui vamos nós”) parece se encaixar perfeitamente nos desígnios do pop para 2014.

Você, tanto quanto eu, deve estar no limite de ouvir previsões e tendências para o ano que vem. É a maneira que os críticos, repórteres, blogueiros e similares têm de preencher seus espaços nesta época em que, presumivelmente, quase nada acontece. Não se preocupe que eu não vou perder tempo com isso, até porque eu não acho que nesta temporada não tenham boas coisas acontecendo. Ótimos filmes estão ainda frescos nas telas de cinemas – em especial por aqui, onde os bons lançamentos mesmo (aqueles com boas chances de estar entres os premiados das cerimônias vindouras) só estreiam por agora. Posso apostar que nessa pilha de CDs pegando poeira aí na sua mesa – ou na lista infindável de álbuns que você baixou nas últimas semanas – ainda tem coisa que você nem ouviu, verdadeiros tesouros que correm o risco de serem “atropelados” pelos novos sons que vão abrir 2014 (sim, porque esses mesmos jornalistas já estão preocupados em preencher seus espaços culturais de janeiro e fevereiro com as tais previsões que depois ninguém nunca vem cobrar lá na frente se elas se cumpriram de fato – mas eu divago….). E o que dizer dos livros? – os que você comprou para ler nesses feriados, ou mesmo aqueles que você ganhou de amigo secreto, se é que alguém ainda dá livro como presente de amigo secreto…

A cultura pop nunca para de oferecer coisas fantásticas – não importa se os jornais, revistas, sites, oráculos e similares tentem te convencer do contrário. O pop é uma fonte infinita de provocações. Eu mesmo, passando por Londres nesses dias entre Natal e Réveillon tive de me controlar para não me afogar nas opções culturais que são oferecidas nesta época do ano – ao chegar na cidade bem no dia 25, depois de ficar quase paralisado sem ação só de conferir os filmes que estavam em cartaz, decidi ficar em casa (isto é, na casa do meu irmão, que é residente) e ver o episódio final da quarta temporada de “Downton Abbey”, mesmo sem ter conferido sequer um capitulo além do trágico final da terceira temporada (a “brigada do spoiler” pode sossegar: não vou entregar nada aqui, até porque algumas coisas nesse “especial de Natal” ficaram bastante nebulosas para este que não acompanhou os episódios anteriores, como por exemplo “o mistério de Edith”, “o desabrochar de Rose”, e “a escolha de Mary”, que continua uma chata…).

Como sempre, acabei por priorizar as visitas às exposições mais interessantes, começando pela de Mira Schendel, na Tate Modern. Que é simplesmente sensacional. Tive mais de um momento de prazer andando pelas salas vazias da mega mostra desta artista que nasceu na Suíça, mas teve todo seu desenvolvimento artístico no Brasil. Vagar pelos salões da Tate praticamente sozinho é um raro prazer – raro e também duvidoso, já que a contrapartida é que eu só estava tão desacompanhado assim porque a exposição obviamente não era das mais populares (no andar debaixo, o mesmo espaço decorado com obras de Klee, um artista que eu sempre considerei mais um ilustrador, além de um bom teórico de arte, estava abarrotado de turistas, em pleno dia 27 de dezembro, se acotovelando para conferir suas diminutas criações). Azar de quem não quis viver a experiência dos trabalhos de Mira, que foi uma das primeiras artistas plásticas que conheci.

Sob o risco de ser acusado de novamente divagar, enveredo agora por um parágrafo em sua memória. Na primeira metade dos anos 80, logo que sai da faculdade, fui trabalhar numa galeria de arte que infelizmente já não existe mais, a Paulo Figueiredo. Foi um período riquíssimo da minha vida, em que eu tive contato com vários talentos brasileiros das artes – havia uma certa “geração 80″ nascendo, ao mesmo tempo em que a “galeria do Paulinho”, como era carinhosamente chamada, expunha grandes nomes como Tomie Othake e Mira Schendel! A tentação de contar algumas historias desse tempo é grande, mas vou focar agora só em Mira, que tinha uma relação especial com aquele espaço. Suas obras, de um rigor estético que eu ainda não conhecia, eram extremamente frágeis e difíceis de serem manuseadas (até hoje tremo só de saber que um trabalho é feito em têmpera!), mas mais frágil de tudo era a saúde de Mira – que viria a morrer não muito tempo depois de eu deixar a galeria (1985). Eu sempre ia buscá-la de carro, numa Brasília velha que eu tinha, e vínhamos batendo longos papos, sempre regados com seu forte sotaque (alemão) e intercalados com súplicas de que eu fosse mais devagar – mais devagar do que os 20km/h que o velocímetro marcava! – para que sua coluna não sofresse quando eu passava nos buracos. Ela sempre chegava na galeria reclamado para o Paulinho da minha condução, mas era sempre eu que ela pedia que fosse buscá-la – numa prova de afeição velada, que se materializou quando um dia ela me deu uma de suas têmperas com uma letra “Z” (de Zeca) estampada, e que é, claro, até hoje a peça mais valiosa (pelo menos para mim) da minha coleção.

Eram historias como essa que me cruzavam a mente enquanto eu visitava a Tate. E foi com uma mistura de uma grande satisfação com um ligeiro desconforto (pelo fato da exposição estar vazia) que sai de lá para a nova Serpentine Gallery – aberta recentemente, numa construção bem próxima à galeria original, reformada pela arquiteta iraquiana Zaha Hadid. E mesmo preparado “psicologicamente” para ver uma exposição dos irmãos Chapman (famosos, entre outras coisas, por substituírem bocas e narizes dos manequins mirins de suas esculturas por órgãos sexuais) devo dizer fiquei ainda mais desconfortável – o que é um bom sinal, afinal, não é esse um dos objetivos da boa arte?

Os “velhos truques” de Jake e Dino – os irmãos Chapman – já nem me incomodavam mais. Lá estavam suas crianças deformadas, vitrines com miniaturas de mortos vivos (muitas lembravam aquelas cenas em que os zumbis de “Guerra mundial Z” escalavam muros enormes!), reproduções de genitálias variadas. Mas mais forte do que isso eram as ultra realistas estátuas de homens vestidos como membros da Ku Klux Klan que pareciam visitar a exposição com você – e apreciar tudo com surpreendente desenvoltura. Calçando meias coloridas e chinelão, essas figuras ganhavam detalhes ainda mais verossímeis, que só faziam aumentar o desconforto pelos corredores. Não eram uma ou duas, mas dezenas delas, criando uma sensação de que toda a arte ali era feita sob medidas para eles!

Saí literalmente desorientado, e tentei espairecer no Soho, visitando minha loja de discos favorita em Londres, a Sister Ray. Mas mesmo depois de conferir a seleção – que reproduzo aqui – dos seus funcionários com os melhores discos de 2013 (sim, comprei quase todos que eu não tinha), ainda estava em transe pelo efeito da exposição dos Chapman. Afinal, o que eu tinha visto (ou sentido, ou experimentado) de tão perturbador?

Ainda não encontrei a resposta – e, ao que tudo indica, vou entrar 2014 insistindo na pergunta. Mas aqueles figurinos horripilantes serviram ao menos para pontuar para mim a estranheza com que as coisas estão se encaminhando na cultura pop. Em um dos balanços que fiz deste ano (e que você pode conferir em praticamente todos os posts meus de dezembro), lamentei de maneira geral que as coisas estão cada vez mais superficiais e tolas – uma música de sucesso equivale a uma carreira, uma “notinha” equivale a uma notícia etc. Num certo sentido aqueles manequins dos Chapman também são superficiais e tolos. Mas eles estão lá para nos lembrar que toda a cultura pop agora parece ser direcionada a eles.

Quem são aquelas figuras? Ora, medíocres reacionários (KKK) disfarçados de “hipsters” (lembra das meias coloridas?). São os anônimos medíocres que assombram incógnitos pela internet, as cabeças vazias que andam fazendo e consumindo o pop, os advogados míopes do nivelamento da cultura “por baixo”. E identificar esses seres nos torna muito diferentes deles? – perguntam os mais cínicos. Bem, eu tenho que achar que sim. Se não, não valeria a pena sequer ter chegado até aqui. Contudo, não desanimo!

São caminhos estranhos que não aguardam ali na esquina, logo que virarmos 2014. Mas também não deixam de ser divertidos. Mesmo na música mais ridícula, no humor mais degradante, na performance mais constrangedora, há sempre uma certa graça – que talvez não sobreviva até 2015, mas pelo menos nos ajuda a atravessar mais 12 longos meses de dor e prazer na cultura pop!

Um bom descanso para você – retomamos aqui dia 06 de janeiro. Fecho aqui com uma imagem linda da exposição de Mira. E lembre-se: todo ano novo é feliz!

2013: o ano em que o meu salário triplicou

seg, 23/12/13
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Estou em Amsterdã, na Holanda, passando o Natal a gastar meu salário milionário. Afinal, li tanto sobre esse aumento nos meus rendimentos, quando deixei de apresentar o “Fantástico” e passei a comandar o “Vídeo Show” (uma verdadeira “roda viva”, como ilustro aqui), que acabei acreditando nisso. O problema é que a conta do cartão um dia vai chegar – e eu vou descobrir, na verdade, que meu salário não triplicou. Será que não mesmo? Mas todo mundo está falando que sim! Deve ser verdade, não deve?

2013, para mim foi isso: o ano em que eu decididamente decolei da “verdade”. Por que as aspas? Bem, porque verdade hoje em dia é uma coisa muito relativa… Estamos no meio de uma cultura onde invenção é fato; um sucesso no rádio (OK, no YouTube) é uma carreira; o que acontece na novela ganha mais cliques do que acontece na sua vida; “notinha” é notícia; os melhores filmes passam em salas vazias; humilhação passa por humor. E, como diz a velha expressão americana, a banda continua tocando.

Só que eu não preciso mais da verdade – ou, pelo menos, não dessa “verdade”. Talvez isso tenha a ver com o fato de eu ter feito 50 anos em 2013. Pois é, mais que uma mudança física, mais do que uma guinada no dia-a-dia, acho que a diferença mais importante que veio com a idade foi que eu decidi não perder mais tempo com bobagens. Eu tive um ano maravilhoso – e antes que você se pergunte, este é sim um “balanço” disfarçado de post -, em que fiz uma viagem espetacular com quase 50 amigos para comemorar meu aniversário, e em seguida fui sozinho para um dos lugares mais fantásticos do mundo, a Islândia. Foi o ano em que um desejo de longa data, passar do jornalismo na TV para o entretenimento, finalmente se cumpriu. E ainda por cima tive sucesso nessa virada. Um ano em que consolidei meus amores, meu amigos, minha família. Um ano em que publiquei um livro (digital, “50, eu?”) e avancei uma nova marca pessoal e virtual. Um ano em que olhei em volta – das casas onde eu moro, dos lugares que visito, das pessoas que me abraçam – e concluí: eu não preciso de mais nada. E ainda por cima, meu salário triplicou? Vou reclamar do quê?

De tudo que listei acima, provavelmente a única coisa que você sabia era o item do meu salário – que, não por acaso, é a única coisa que não é verdade! Porque as coisas boas não costumam circular na internet. Não me entenda mal: eu não queria (nem de longe) que essas verdades mais próximas ao meu verdadeiro cotidiano se espalhassem por aí. O que observo é que essas boas notícias não são o que interessa ao internauta – e ao pobre “colunista” que tem que sobreviver de cliques. Melhor para mim, que tenho meu sossego preservado. Mas com o que eu estou implicando então? Ora, com nada.

Pelo contrário, estou celebrando 2013! Eu tive um ano maravilhoso, repleto de prazeres que começaram logo em janeiro – Paris, “O som ao redor”, David Bowie, “Downton Abbey”… Seguiu pelo Carnaval, adentrou no mês do meu aniversário com muitas comemorações, passou por vários “Porta dos fundos”, uma despedida emocionante (MTV), outra despedida emocionante (“Fantástico”), uma estreia animada – e um feliz Natal. E só estou falando das coisas que todo mundo pode acompanhar…

Por isso, quero fechar o ano, não com amargura – como quem se informa sobre mim só por meio de notícias da internet talvez assuma -, mas com imensa alegria. Não, não estou gastando três vezes mais nesta viagem, mas estou num hotel confortável, e da janela do meu quarto, do outro lado da rua, vejo o museu Stedelijk – que vou visitar agora de manhã, primeiro pela incrível exposição de Malevitch (e a vanguarda russa), mas também para conhecer suas novas instalações. Não venho a Amsterdã há uns bons 5 ou 6 anos, e todos os museus estão de cara nova – inclusive o Rijksmuseum, que vou ver amanhã (sim, aqui os museus estão abertos no dia 24 e 25 de dezembro!). Só isso já seria um bom motivo para estar aqui.

Mas Amsterdã significa muito mais. É um lugar que visitei pela primeira vez nos anos 80, com uma mochila nas costas e uma fatia de pizza na mão. E que hoje, mesmo ficando num hotel bem mais razoável do que o que me hospedei naquela época (e comendo em lugares bem mais saborosos do que as cantinas de rua que me sustentaram então), consigo aproveitar a cidade com a mesma simplicidade e curiosidade de como se a estivesse visitando pela primeira vez. E só isso me deixa extremamente feliz – o suficiente para dividir com você esta alegria.

Vamos para 2014 com a mesma sede de coisas boas que entramos em 2013 – ou assim eu espero. Mais e mais (e os 50 anos ajudaram a reforçar isso) tenho certeza de que o mundo – o verdadeiro, não o virtual – tem coisas incríveis a nos oferecer. A fantasia da internet vai continuar, claro. Aliás, num exercício de imaginação, daqui a pouco vamos chegar no patamar cômico de manchetes como as que o tumblr Ataque de Estrelismo (outra boa descoberta de 2013) coleciona da antiga revista “Amiga”, que misturam a história dos personagens das velhas novelas com o nome de verdade dos atores, numa “inocente” confusão entre realidade e ficção – por exemplo: “Nuno Leal Maia ataca até a noiva para conquistar Vera Fischer”. Os blogueiros vão continuar mentindo – eles sabem que estão mentindo, pois quem não tem uma informação apurada só tem uma opção: inventar (e é justamente isso que os torna mais divertidos). Mas a gente continua com o pé no chão. Aliás, com os dois.

Por que uma hora a banda para de tocar. E só então eles vão perceber que o Titanic está afundando. Enquanto nós – e, claro, incluo nessa você, caro leitor sóbrio, cara leitora sóbria – olhamos de longe o naufrágio, do relativamente confortável ponto de vista da lucidez e da realidade. Mas eu divago… O ano está terminando e Malevitch me espera ali na esquina. A vida é generosa…

O refrão nosso de cada dia: “Vacation”, The Go-go’s - tenho que me lembrar de um dia escrever um post só para as Go-go’s. Mas hoje, fique apenas com essa música, que não poderia descrever melhor o meu momento. Lembrando que “vacation”, em português, pode significar férias…

O que eu aprendi em 2013

seg, 16/12/13
por Zeca Camargo |
categoria Literatura, Música
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Andei vendo muita lista de fim de ano ultimamente – inclusive as minhas… Elas não mudam muito. Um tenta sem mais “descolado” que o outro nas suas escolhas, como se isso fosse um exercício competitivo. Não deixa de ser divertido, mas ao mesmo tempo é um pouco cruel – e tolo. Afinal, para que servem essas listas? No meu ponto de vista, para informar – jogar uma luz sobre coisas interessantes que o ano trouxe e que, com essa vida fragmentada que temos hoje, não conseguimos registrar. Há sempre as listas mais óbvias, que são meros exercícios de vaidade – e aí falo dos dois lados do espectro: as óbvias com coisas previsíveis e as óbvias com coisas tão alternativas que nem fazem sentido. Mas há também as mais curiosas, mais específicas, mais idiossincráticas – e são essas, claro, são as que realmente me divertem (e as que me fazem descobrir coisas novas).

De maneira geral, porém, elas são rasas. A maioria fica na base do “eu conferi isso e você não”. Mesmo aquelas que esboçam algumas linhas para justificar os itens de cultura pop que estão nela (e falo, sempre, de listas sobre cultura pop) não vão muito além na elaboração. Por que exatamente aqueles filmes, livros, álbuns, mexeram com a pessoa que os escolheu? E por que eles têm chance de mexer com a gente também?

Claro que fazer uma lista dessas dá muito mais trabalho – fora o risco de isso se tornar um trabalho inútil. Numa era em que ler é uma atividade que exige um enorme sacrifício da parte de um internauta (você, caro leitor, cara leitora, é naturalmente uma exceção!), afrontar quem dá um clique em algo que você escreveu com mais de um parágrafo pode significar brutal rejeição – e até uma condenação ao limbo virtual. Mesmo assim…

Mesmo assim resolvi me aprofundar num experimento. Olhar para a cultura pop de 2013 e tentar entender o que eu aprendi com ela. Assim, diante do espírito “natalino”, embalado pela comoção que, mesmo (e sobretudo) contra nossa vontade, bate à porta, eu resolvi elaborar uma lista de coisas que aprendi com o pop este ano. E aqui ofereço então este olhar um pouco mais aprofundado sobre os “fenômenos” culturais que nos acompanharam em 2013. Não são exatamente “lições iluminadas” – nem tudo que a gente aprende nesta vida é para o bem. Mas são divagações honestas sobre esse mundo fascinante e inesperado – afinal, 2014 já está ali na esquina com novas tentações e novas possibilidades de “aprendizado”.

Como em qualquer tipo de educação, porém, é fundamental que o aluno queira aprender – ou, no mínimo, tenha o gosto pela nova informação. Se este é seu caso – ou acaso -, vamos em frente! Em 2013, na cultura pop (sempre é bom frisar, no caso de alguém ainda achar que a pauta deste blog é a situação global e as mazelas do mundo) – enfim, em 2013, eu apreendi que…

- …banda “velha” é que faz música boa (também). Esta é uma das tentações mais óbvias de listas de fim de ano: escolher entre uma safra de bandas e artistas frescos do seu primeiro trabalho. Mas este ano alguns dos melhores álbuns vieram de veteranos, e de várias épocas. Viu qual foi “o” disco de 2013 para o “NME”? “AM”, do Arctic Monkeys – uma banda que dificilmente pode ser considerada uma novidade do cenário musical britânico. O último dos Strokes é um favorito pessoal, mas também estava na lista dos “50 melhores” do “NME”, entre outras. Assim como o terceiro trabalho do Vampire Weekend. Sem falar que Sir Paul McCartney mandou muito bem no seu disco mais recente – que, para calar a boca de engraçadinhos, ele resolveu batizar de “New” (“Novo”). Sim, tem gente nova fazendo música muito boa também – preciso citar King Krule mais uma vez? Mas em 2013, os veteranos também mandaram muito bem.

Alex Turner, vocalista da banda Arctic Monkeys (Foto: Divulgação)

- …já estamos nos acostumando a ver o número 2 nos títulos de comédias brasileiras. “De pernas pro ar 2″ inaugurou 2013 (ele estreou na última semana de 2012) com ótima bilheteria – e vieram outras “parte 2″ com o mesmo sucesso (por exemplo, “Até que a sorte nos separe”). O espaço do humor nas produções nacionais já está garantido não é de hoje, mas a surpresa é o fôlego que elas mostram também nas suas continuações (pelo menos aquelas que deram certo da primeira vez). Diretores e atores parecem nem dar conta da demanda – o público quer mais, e vai ganhar! “Minha mãe é uma peça 2″ já está sendo criada a todo vapor, e eu não tenho dúvidas de que a tentação para fazer o segundo “Meu passado me condena” já é grande. Nem preciso falar de “Crô 2″, preciso? E que assim seja, desde que elas não percam a graça – o que acontece mais ou menos quando elas chegam no número 3 (pense em “Se beber não case”…).

- …boa parte das colunas de TV não fazem ideia do que acontece em TV. Das coisas que mais me divertiam enquanto eu preparava a minha transição do “Fantástico” para o “Vídeo Show” – uma passagem do jornalismo para o entretenimento não apenas desejada como solicitada há mais de dois anos – era ler as “notinhas” (esses parágrafos que preenchem tais colunas e passam por informação apurada) com “informações quentes” sobre o que estava acontecendo. Tinha um prazer especial em ler que a apresentação do programa estaria (os colunistas tinham “certeza”) a cargo de uma colega minha ultra competente (e que já tinha seu programa!), quando minha ida para o “Vídeo Show” estava mais que definida. Se esses colunistas “acertam” tanto num item tão trivial, o que dizer das seus “furos” sobre o que é decidido nas “reuniões de cúpula” nas TVs… Mas ninguém está checando, não é mesmo?

- …mega festivais de rock não fazem mais sentido, a não ser que… O último Rock in Rio foi um sucesso. Centenas de milhares de pessoas circulando ali pelo espaço que será eternamente chamado de “cidade do rock”, divertindo-se como nunca, num evento que nem achávamos mais que seria possível. Mas será que foi isso mesmo? Na ressaca do festival, o balanço era perigosamente de cansaço do formato. Afinal, o que vimos foram shows de quarentões, cinquentões, e até sessentões, puxando atrações menores que tinham potencial para um público que equivaleria a uma fração do que estava lá. Será que precisa ser assim até as atrações (e o público) baterem na faixa dos setentões? Será que ninguém nesses festivais percebeu que em mais de um momento o que acontecia em palcos menores era bem mais interessante? Não seria um caminho?

- …vilão que tortura vilão tem cem anos de perdão. César, o personagem de Antônio Fagundes, é um clássico vilão. Pai de metade da galeria de personagens de “Amor à Vida” – novela de Walcyr Carrasco (que, tenho certeza, vai me perdoar por essa “liberdade poética”) -, ele tem inúmeros motivos para ser odiado pelos telespectadores. Mas Félix, a criação suprema de Walcyr, conseguiu ser ainda mais revoltante. E enquanto César pena no trágico desfecho do seu segundo casamento (oficial), Félix experimenta uma redenção pela via improvável de sua “babá chacrete”. E todo mundo se diverte! Mudaram os tempos ou mudaram os vilões? Como promete o autor de “Amor à Vida”, o final de ambos os personagens será algo que nunca se viu na TV. Mas uma coisa é certa: o público já aprendeu a amar os seus vilões (lembra de Carminha?), e até torcer pela sua salvação.

- …Woody Allen é imbatível. Se você gosta pelo menos um pouco de cinema, é provável que você tenha visto “Blue Jasmine”. E é provável também que você tenha adorado – não só a interpretação irreparável de Cate Blanchet, mas todo o roteiro brilhante, o elenco de apoio preciso, e a direção natural do filme. Também é provável que você tenha discutido o filme com seus amigos, e tenha perdido um bom tempo tentando encaixar “Jasmine” na sua sempre incompleta escalação dos melhores filmes do diretor (eu tentei encaixá-lo na posição de número 7, mas não estou muito seguro disso). E mais provável que tudo isso é o fato de você nem se dar conta que é justamente um cara quase octogenário que segue fazendo alguns dos filmes que mais afirmam a necessidade de se contar uma boa história.

- …se você não tem uma boa história, que venha então com um filme que ninguém nunca fez. Claro que esse deveria ser o impulso maior de qualquer cineasta. Mas, em troca de uma bilheteria estupenda, essa proposta fica vergonhosamente em segundo plano – “Homem de aço” e a continuação da saga de Thor (você não calcula o mal que me faz chamar isso de “saga”) são só os exemplos mais óbvios disso. Felizmente existe Alfonso Cuarón. Com um roteiro fraquíssimo, ele fez de “Gravidade” um clássico instantâneo – e de uma maneira totalmente inovadora. Num toque de ironia, o diretor de uma das maiores bilheterias de todos os tempos Joss Whedon, de “Os vingadores”, fez algo ainda mais incrível: pegou uma boa história (“Muito barulho por nada” – tipo Shakespeare) e a filmou em branco e preto de um jeito que ninguém nunca tinha feito. E tem sempre Spike Jonze, que chega com o seu “Ela”, e inverte todas as regras – ainda não vi, mas se o trailer e as críticas que estão saindo são um bom termômetro, esse será sim um dos melhores filmes de 2013 (que só veremos em 2014).

- …o Brasil tem condições de fazer bons filmes alternativos, com algo mais que uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Caso em questão: “O som ao redor”, de Kleber Mendonça Filho. Já defendi bem este filme aqui, e a lição que ele deixa é que finalmente estamos tendo coragem de ousar – novamente. De um passado de criatividade e irreverência, nosso cinema passou por décadas desacreditado. Até que, nos anos 90, as coisas começaram a mudar. A princípio de maneira original e ousada, até que, no século 21, descobrimos que podíamos ser tanto comerciais (vide o sucesso das comédias, já assinalado aqui hoje), como instigastes (“Cidade de Deus”, “Tropa de Elite”). Mas com “Som”, eu arrisco dizer que chegamos a outro patamar. Um filme que perturba com muito pouco – uma espécie de bomba de hidrogênio, cujo efeito só sentimos depois. Ah! E fora do eixo de onde você geralmente espera que saia algo assim…

Cena de 'O som ao redor' (Foto: Divulgação)

- …também no humor, tudo se copia (do “Porta dos Fundos”). O abalo sísmico criado pelo “Porta dos Fundos” – já bastante comentando aqui - trouxe consequências que ainda nem conhecemos por completo. Mas uma coisa é certa: todo mundo quer ser o Porta! Na internet, a lista de imitações é enorme – bem como a lista de fracassos nessa intenção. Mas mesmo na TV, dentro dos limites do que é possível fazer numa TV aberta, o Porta faz escola – e a gente tem mais que comemorar isso! O esquete mais engraçado da recente reestreia de “Junto & Misturado” era “puro Porta”: Heloísa Pérrissé no papel de uma professora torturada pela alunas mirins, perguntando “Meninas, o que a titia falou pra vocês sobre brincar com granada?”. Tomara que esse seja o caminho. E para quem precisa de inspiração “do estrangeiro”, tem sempre “Portlandia” – que eu descobri tardiamente este fim de ano (e agora estou absolutamente dependente dela). Se o seu mau humor apertar, procure na internet por episódios com os sugestivos títulos de “Put a bird on it” ou “Take back MTV”.

Portlandia (Foto: Divulgação)

- …já existe sim um bom público para os livros virtuais. Entre tantas coisas incríveis que me aconteceram em 2013, ainda passei pela experiência de escrever um livro para ser lançado apenas no formato digital. Fiz isso, claro, apostando na novidade, mas ao mesmo tempo um pouco desconfiado: será que o leitor brasileiro já estava preparado para isso? Para a minha surpresa, a resposta foi mais que positiva. O espaço para os livros virtuais ainda é pequeno se comparado com o dos livros “de papel”, mas já está crescendo. Fiquei imensamente feliz quando vi “50, eu?” – o nome do meu livro sobre o que significou fazer 50 anos (que, já que estamos falando dele, você pode baixar com um clique ou dois agora mesmo aqui na internet) – arranhar as listas dos mais vendidos neste formato, agora nas últimas semanas de 2013. E mais feliz ainda quando alguém me conta que se divertiu lendo suas páginas virtuais. Só não consegui dar alguns deles de presente de Natal… Mas ainda vou descobrir um jeito fácil de isso acontecer – e ainda mandar autografado!

E prometo incluir essas lições aprendidas em 2013 na nova edição de “50, eu? – 2″ – a ser lançada apenas para “download” em tabletes como um curta-metragem dirigido por Alfonso Cuarón… Ah, 2014, chega logo…

Enfim, uma bela mensagem de fim de ano (adaptada)

qui, 12/12/13
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Amor, paz, fraternidade, sorrisos, abraços, beijos. Tudo fácil de sair da boca da gente – e mais fácil ainda de encontrar em um cartão (de papel ou virtual), onde o único trabalho que você tem é escrever (ou digitar) o nome de quem você quer mostrar que gosta. Mas algumas dessas mensagens que você recebeu até agora – e pode colocar na conta as outras que você ainda vai receber – realmente fez você parar para pensar?

Hoje eu tinha pensado em fazer um post sobre as melhores listas de fim de ano – melhores filmes, discos, livros, são para principiantes: tem gente escolhendo os melhores pôsteres de cinema e até mesmo as melhores músicas que ninguém ouviu (que boa ideia!). Mas recebi um link esta semana que mexeu comigo – e resolvi deixar o assuntos das listas para a semana que vem.

Não se trata exatamente de uma mensagem de fim de ano. É um trabalho independente, de um fotógrafo chamado Kyiun que resolveu perguntar para seus amigos – de várias origens e com ancestrais bem diversos – com que tipo de preconceito eles se deparavam no dia-a-dia. Nós não somos preconceituosos, não é mesmo gente? Ninguém com um mínimo de sobriedade e mínima inteligência hoje em dia vai se declarar abertamente uma pessoa preconceituosa. Ao mesmo tempo…

Ao mesmo tempo temo que isso seja um defeito da raça humana. E, como qualquer defeito, às vezes ele já sai de fábrica. Podemos passar a vida inteira lutando contra a manifestação de um (ou vários) preconceito(s). Algumas pessoas conseguem isso sem o menor esforço – geralmente com o simples exercício de olhar para dentro de si e perceber que ninguém é especial só porque nasceu com determinado traço étnico, determinada cor, ou em determinada parte do mundo. Outros têm de vencer uma resistência maior, porque muitas vezes foram criados em famílias (ou mesmo sociedades) já contaminadas – mas percebem a tempo que é mais interessante combater esses preconceitos do que abraçá-los. Mas sempre há também aquele que não perdem um segundo da sua vida pensando nesse assunto: quase que involuntariamente exercem e espalham seu suposto de direto de se acharem especiais (leia-se melhores) do que os outros só porque o acaso fez com que eles nascerem com a nacionalidade “certa”, na família “certa”, na cor “certa”, na medida “certa”.

Não, não estou falando de você. Nem de você. Nem daquele seu amigo, sua ex-namorada, sua prima de segundo grau. Não, não estou falando de ninguém que você conhece – é claro. Mas falo “dos outros”, de gente que “sem querer” expressa seu preconceito – e nem desconfia. Gente que cruza com os amigos do fotógrafo que teve essa ideia que quero mostrar aqui e fazem seus comentários inconsequentes sem se dar conta de que estão ofendendo.

Seu trabalho foi simples: ele simplesmente pediu para seus amigos escreverem os comentários que ouviam no cotidiano que mais os incomodavam – algo que ele chama de “micro agressões”. E depois fotografou a pessoa com a frase ofensiva. O resultado dessa experiência apareceu esta semana no site Buzzfeed – e chegou a mim sem nenhum contexto natalino. Eu que, percebendo o clima de falsa confraternização que cresce em níveis alarmantes daqui até o fim do ano, resolvi chamar atenção para o assunto como uma maneira de a gente se perguntar: “Está tudo bem mesmo?”.

As mensagens das fotos estão em inglês, mas não é difícil você captar o significado delas – e em casos mais complicados, tem sempre um tradutor automático que você pode usar aqui mesmo na internet. Tenho certeza de que você vai pegar “o espírito da coisa”… Para dar um exemplo, a quarta foto traz uma garota negra com a frase: “Courtney, eu nunca vejo você como negra”. E por aí vai… Dá uma olhada, vai. E quem sabe assim, passar a não apenas desejar um Feliz Natal, mas quem sabe praticá-lo dentro de si. É incrível como a gente pode deixar as outras pessoas alegres simplesmente não dizendo nada…

Pronto para o exercício? Então é só clicar aqui. E segunda-feira retomamos.

O refrão nosso de cada dia: “Winter wonderland”, Radiohead – só para provar que até eles podem abrir o coração…

Os 20 (+1) melhores discos que você não ouviu em 2013

seg, 09/12/13
por Zeca Camargo |
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Daft Punk, Haim, Disclosure, Vampire Weekend, Eminem, Justin Timberlake, Arcade Fire, Chvrches, The Knife e Jay-Z. Estes são, segundo o site de cultura Flavorwire, os artistas com os discos mais supervalorizados de 2013. Em inglês, a expressão é “overrated”, mas mesmo que a tradução não seja muito boa, dá para você entender. Um artista (ou um álbum, ou uma obra de arte) supervalorizado é aquele que mesmo antes de existir já faz tanto barulho que, não importa o quão bom ele seja: nunca, jamais, ele será capaz de cumprir a expectativa. E não é só no pré-lançamento, não. Muitos deles, mesmo depois de estarem disponíveis, recebem críticas estelares – mas que muitas vezes são apenas consequência desse próprio “hype”, ou seja, muita gente escreve bem com medo de contrariar a forte corrente positiva (leia-se “de promoção”) deste ou daquele álbum.

Eu mesmo, talvez, tenha caído nesta armadilha – apesar de eu ainda defender os elogios que teci este ano para o Daft Punk e o Arcade Fire. (E em rodas privadas, lá para o começo do ano, ainda me lembro de exagerar no entusiasmo pelo disco do Knife, “Shaking the habitual”). E vários críticos que colocaram esses mesmos artistas nas suas seleções de “melhores no ano” devem ter experimentando a mesma sensação que eu ao ler o Flavorwire. Mas que importância tem isso mesmo? Nenhuma, a não ser de nos lembrar que essas listas… bem, elas não servem para muita coisa…

Não obstante, aqui estou eu com mais uma das minhas – esta, uma verdadeira tradição deste blog: os melhores discos que você não ouviu em 2013. Para quem está chegando agora, não estranhe: você vai encontrar vários artistas de quem nunca tinha ouvido falar – ou mesmo alguns que flertaram com sua atenção, mas não a conquistaram totalmente. Não estou exatamente preocupado com isso. Esta é uma lista extremamente idiossincrática – ou, pegando emprestado de Cássia Eller, essa lista é “minha, só minha, e não de quem quiser”.

Faço ela teimosamente todos os anos, na esperança de que ela te inspire. E onde eu vou buscar a minha inspiração? Nas viagens que faço, nas minhas fuçadas da internet, nas indicações dos amigos – onde der. Como lembro todos os anos (se você estiver interessado nas listas anteriores, procure aqui mesmo, sempre no mês de dezembro), este espaço está aberto a críticas, sugestões e adendos. Mas não ao seu mau humor… É fim de ano… Vamos nos divertir – pelo menos com música!

“Önnur Mósebók”, Moses Hightower – este foi garimpado da viagem que fiz à Islândia em abril. Trouxe uma boa leva de discos de lá – a metade muito ruim (como em qualquer compra que faço em países que não conheço). Mas a outra metade… Não foi fácil escolher apenas um artista islandês para representar o país nesta lista. Rökkurró – uma outra descoberta de Reykjavik – ficou ali na disputa final, até que acabei me decidindo pela variedade musical de Moses Hightower. De bossa nova, a soul dos anos 70, eles passam por tudo – em islandês. Estou quase pegando umas aulas da língua só para aprender a cantar junto.

“Tape two”, Young Fathers – num ano ótimo para o hip-hop (inclusive no Brasil, como você vai ver mais adiante), vou ressaltar o trabalho de Alloysious Massaquoi – e não só porque não é todo dia que você tem a chance de conferir música de um cara que vem da Libéria! Agora imagine que esse cara se junta com outro da Nigéria, Kayus Bankole – e, em Londres, os dois tramam as sonoridades mais inesperadas. Não, não é música africana do jeito que você está pensando – nem hip-hop do jeito que você está pensando. Tem que ouvir.

“Elements of light”, Pantha du Prince & The Bell Laboratory – disparado, o disco que eu mais ouvi em 2013. O trabalho de Pantha – um DJ alemão – já é conhecido há tempos. A novidade foi que desta vez ele se rendeu ao som dos sinos! Isso mesmo, sinos! Eu não conhecia o Bell Laboratory, e tenho que agradecer Pantha por isso. Mas o que poderia ser apenas uma curiosidade, virou uma das experiências mais transcendentais do ano: um carrilhão inteiro, outro instrumento com 50 sinos de bronze – e mais a linguagem eletrônica única de Pantha du Prince. Ouça, e você vai entender porque o álbum inteiro está em loop no meu iPod.

“Embracism”, Kirin J Callinan – a primeira vez que “encontrei” Callinan foi no vídeo de “Embracism” – e não acreditei! O que era aquilo que eu estava vendo? (Eu daria aqui o link para ele, se o próprio YouTube permitisse, mas seu conteúdo aparentemente é ousado demais para o público comum). Foi preciso eu assistir a ele umas quatro vezes até que eu conseguisse prestar atenção só na música. E aí eu fui procurar mais. Não é dos sons mais fáceis no ouvido, mas no momento em que você passa a entender o que Kirin está fazendo, uma obra-prima se descortina.

“La dinastia scorpio”, El Mato A Un Policia Motorizado – estava eu passeando com uma amiga que mora em Buenos Aires por Palermo Soho quando, ali na Honduras, passei pela Exiles. Ela imediatamente recomendou que eu perguntasse por uma banda com este nome – em português, “Ele matou um policial motorizado”. Achei um palpite improvável, mas… Os olhos do cara da loja simplesmente se iluminaram quando eu falei isso. E quando pude ouvir “La dinastia scorpio” entendi o porquê. Agora pergunto: por que os argentinos são sempre melhores que a gente no rock?

“MC II”, Mikal Cronin – se você anda meio cansado com a onda “folk-acústica” dos últimos anos, aqui está um bom antídoto. O cara com quem ele tocou por anos, Ty Segall geralmente leva a fama, mas em 2013 Cronin partiu para este voo solo – e que voo! Uma boa quantidade de artistas, inspirados justamente por essa mini tendência recente, pulou no mesmo vagão sem saber para onde estava indo. Mas adivinha quem pegou o lugar do maquinista? Ouça ligeiramente bêbado para melhores resultados, em casa, bem tarde da noite.

“Banda sonora”, DJ Dolores – conversando com meu colega Mauricio Kubrusly, sobre o filme “Tatuagem”, entre os elogios que conseguimos pinçar sobre ele, destacamos a trilha sonora – que é realmente preciosa. Eu sabia que DJ Dolores estava envolvido nisso – e, como uma coisa leva à outra, Kubrusly depois me mandou o link para eu ouvir “Banda sonora”. Quero fazer pública aqui minha gratidão! Já conheço DJ Dolores de anos, mas este trabalho me fez lembrar que sempre é bom checar de vez em quando o que este pernambucano está fazendo…

“Howlin”, Jagwar Ma – quem diria que da Austrália sairia música tão rica, tão densa, tão inovadora? Nada contra os músicos daquele país, mas você há de concordar que aquele não é um dos centros criativos do mundo musical moderno. Mas antes de entrar em discussões mais perigosas com o pessoal de lá, deixe-me exaltar “Howlin” – uma banda que o próprio Noel Gallagher elogiou este ano no “NME”: eles fizeram uma das melhores “dance music” de 2013. E sabe como? Com guitarras! Com muitos sintetizadores também, mas eu diria que a química aí foi perfeita. Experimente.

“Recital”, Yma Sumac – uma “velha” favorita. Em algum lugar deste blog já citei Yma Sumac. Provavelmente mais de uma vez. Agora ela entra “pela porta da frente”, com o lançamento (inusitado, eu diria) de um recital seu, gravado em Bucareste (sim, Romênia), em 1961. Quando você lembra que ela é uma cantora peruana, que fez sucesso nos anos 40 – em Hollywood! – as coisas começam a ficar realmente estranhas. E este é o espírito! Nos idos de 1989 tive o prazer de ver um show dela em Nova York, mas sua voz então já não era aquela potência toda. Felizmente agora veio este recital para preservar sua memória.

“The shadow of heaven”, Money – há quanto tempo você não ouve uma banda boa vinda de Manchester? Money veio “matar esta saudade”, mas não exatamente de uma maneira nostálgica. Este é o disco mais “atmosférico” de 2013 – se bem que nem mesmo eu tenho certeza do que este adjetivo significa, ou melhor, como ele pode ser usado para descrever boa música. Jamie Lee, o vocalista, é ao mesmo tempo suave, teatral, denso, romântico e visceral. Além do que, Money nos ofereceu uma das capas mais bonitas no ano!

“Comedown machine”, The Strokes – pode torcer o nariz, falar que nunca vai vai conferir minhas dicas musicais, espalhar que meu blog é vendido. Mas “Comedown machine”, que saiu lá no começo do ano – longe o suficiente para você já tê-lo esquecido – é um dos discos mais inovadores do ano. E que importância tem se eles pegaram um ou dois sons emprestados do brega paraense? Ponto para eles – “One way trigger” é simplesmente brilhante. E “Happy ending” é de arrancar lágrimas. Agora, por que os Strokes estão numa lista de álbuns que você não ouviu? Ora, você ouviu?

“Diabolical synthetique fantasia”, Psychemagik – indescritível. Eu sei, eu sou jornalista. Eu trabalho com palavras. Eu deveria encontrar as melhores para descrever este álbum. Mas não consigo. Nem sei muita coisa sobre a banda, a não ser que ela é formada por dois DJs – provavelmente franceses (comprei este CD em Paris). E o que eles oferecem? Bem, faixas completamente psicodélicas e eletrônicas, que começam a varrer as pistas nos anos 70 e só vão parar no século 23. A primeira vez que você ouvir “Diabolical”, não vai entender nada. Mas aos poucos suas faixas vão entrando no seu inconsciente, até que você não vai conseguir dar um passo sem se mover ao som delas. “Trash”? Claro. Bom? Paraíso…

“One thousand sleepless nights”, CESRV – “How I miss 90′s” – outro dia, procurando por música eletrônica, fui parar num curioso site chamado “cesrvhatesbeats” – e dali em diante foi uma descoberta atrás da outra. Não tanto de quem está por trás desse som – um certo brasileiro Cesar Pierri, me parece. Mas falo das sonoridades: camadas e camadas de beats e “grooves” que, por fim, justificam o título em inglês deste álbum – “facinho” de baixar de graça na internet. As mil noites sem sono foram certamente necessárias para ele colocar essas faixas impecáveis juntas. Você não vai ficar parado!

“Unlearned”, Scott Matthew – versões são sempre complicadas. Qualquer um que já ouviu uma gravação ruim de “Human nature”, de Michael Jackson, (inclusive em português) sabe do que estou falando. Mas quando alguém acerta… E Scott Matthew acertou em praticamente todas as faixas de seu último álbum, “Unlearned”. Minha única ressalva é para “Love will tear us apart”, do Joy Division – que qualquer fã da banda vai concordar comigo que deve permanecer intocada por séculos e séculos. Mas “No surprises” (Radiohead) é quase mais triste que a original. E lá no céu, Whitney Houston certamente está dando sua benção para a versão de “I wanna dance with somebody” – tenho certeza…

“Free the universe”, Major Lazer – não gostei do primeiro trabalho do Major Lazer, alguns anos atrás. Mas essa “divagação” do DJ Diplo – com colaboradores ainda mais especiais que da primeira vez (Ezra Koening, Amber Coffman) trouxe de fato uma cara nova para faixas ligeiramente calcadas no reggae eletrônico – se posso arriscar um rótulo. Ouvi por insistência de um amigo – e me dei bem! “Bubble but” é a melhor faixa de todas – e, a julgar pelo vídeo da música, é também a prova de que as meninas que fazem quadradinho de oito por aqui ainda têm muito o que aprender. Mas o álbum inteiro é inspirador – e faz com que eu espere com gosto pela terceira versão do projeto.

“6 feet beneath the moon”, King Krule – é só um lembrete. Já falei de Krule aqui mesmo neste espaço. Mas não custa insistir. Todo músico interessante atual, de Beyoncé a Frank Ocean, parou para prestar atenção em Archy Marshal – o nome oficial do garoto ruivo, para quem você não dá mais de 15 anos (ele tem 19), mas que soa como um “folk singer” que regula com Tom Waits (que tem 64). Que tal você prestar atenção nele também? No momento em que escrevo isso, ouço “Border line”. A vida é bela e triste…

“Lady”, Lady – uma das maiores injustiças de 2013. O disco que Nicole Wray – que já chamava certa atenção no circuito “soul” – gravou com Terri Walker (da mesma praia) deveria ser exaltado por todo o mundo. Mas o pop tem dessas coisas. Poucos são os que descobriram esse som fortemente inspirado nos anos 70 – e felizes os que encontraram Lady. Mas sempre é tempo. Acho que era isso que Madonna sempre quis dizer quando ensinou a gente a “get into the groove”. Já disse isso algumas vezes aqui mesmo no blog, mas, no caso de “Lady”, essas palavras nunca foram tão verdadeiras. Vem lá de dentro esse som – e é feito para você dançar (e soluçar).

“Fantástico mundo popular”, Sombra – falei há pouco que este tinha sido um bom ano para o hip-hop, especialmente o brasileiro – mas não se engane: meu elogio está mais para Emicida (com seu ótimo “O glorioso retorno de quem nunca esteve aqui” – que só não está nesta lista porque, com um pouco de sorte, você ouviu… ouviu, né?) do que para Das Quebradas (“Ela gosta de dinheiro” etc.). No meio disso, destaco o bom humor e a inventividade de Sombra (ou, MC Sombra, se você é “das antigas”). Ri, me diverti, e dancei à beça com este CD desde que me foi apresentado. Em algum lugar de São Paulo, alguns vagalumes estão agitados pensando em como poderiam reproduzir esse som…

“Walking on a pretty day”, Kurt Vile – tem espaço para mais um artista “folk” este ano? Aperta aí, vai! Porque esse cara é muito bom. Lembra de melodia? Como era bom ter seus ouvidos sequestrados por uma frase musical logo nos primeiros acordes? Pois Kurt Vile traz tudo isso de volta – e muito mais. Sem falar que seu vídeo para “Baby’s arms” é a única coisa que, este ano em que completei 50 anos, fez com que eu lamentasse não ter mais 20 anos. Mesmo assim, não posso esconder: a música de Vile mexe comigo – e com todo mundo que tenha um coração.

“El festival del beso”, Pablo Malaurie – na mesma loja onde encontrei o disco do El Mato A Un Policia Motorizado (Exiles, em Buenos Aires), achei este CD numa embalagem diferente (ela é longa, e não quadrada), meio que esquecido num canto de uma prateleira. Perguntei do que se tratava e ouvi que era de um dos melhores artistas argentinos atualmente, Pablo Malaurie. “El festival del beso” – o que é este nome e esta capa? – nem é seu trabalho mais recente: em 2013 ele lançou “El beat de la questión”. Mas este é o disco que me fez ter fé de novo no ukelele – e não estou sendo irônico! Beijos, beijos, beijos a todos!

E o melhor álbum de 2013 que você não ouviu é… de 1991. E não é um disco só, mas dois! Falo de “Small time / Hey hey we’re The Manqués”, do The Servants – e uma certa explicação é necessária aqui. Quem estava ouvindo alguma coisa pelos idos do final dos anos 80, sabia de cor quem era a geração C86 – uma compilação de bandas inglesas da época, lançada pelo “NME”. Primal Scream, The Pastels, The Soup Dragons, The Shop Assistants – todos os “suspeitos” estavam lá. O  Servants também, mas fez pouquíssimo barulho – e acabou sendo esquecido. A ponto de o material que eles gravaram em 91 ter ficado guardado mais de 20 anos, até a alguém resolver lançar tudo este ano. Que alívio! O som não poderia ser mais simples – as comparações com o Young Marble Giants não são tão gratuitas assim. Mas como eles são inventivos! E que melodias! Se você está pensando em formar uma nova banda, ou simplesmente está cansado que está ouvindo por aí, abrace The Servants. E feliz 1992 – digo, feliz 2014!

Os “entertainers” de 2013

qui, 05/12/13
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Achei por bem me adiantar. Quando já está todo mundo a sua volta desejando um Feliz Natal e um 2014 cheio de realizações, é porque o ano já terminou mesmo. Afinal, o que são 25 dias – o tempo que falta para 2013 acabar? Sim, foi um bom ano – e eu, em especial, não posso reclamar quanto ao que os últimos 12 meses significaram para mim: 50 anos, um novo livro, um novo programa (para ficar apenas na esfera pública!). É verdade, como me expressei aqui mesmo, que fiquei um pouco chocado com a maneira prematura que alguns já estão fechando 2013 para balanço. Mas, olhando para frente, acho mesmo que pouca coisa deve mudar no nosso cenário cultural até dia 31 deste mês. Então resolvi eu mesmo me adiantar. Abrindo a temporada das minhas listas, aqui vai um breve registro de quem agitou nosso universo pop este ano.

Novamente, para quem perdeu a mesma seleção dos anos anteriores, o que ressalto aqui é esse conceito do “entertainer” – o artista (ou, como no caso do ultimo item da lista, a entidade) que mais mexeu com nosso imaginário pop ultimamente. A inspiração lá atrás é a revista “Entertainement Weekly” – que, aliás, já publicou sua seleção de 2013. Mas, na versão que faço aqui, procuro sempre adaptar as escolhas ao nosso também riquíssimo cenário cultural. Não é, como nunca foi, uma lista definitiva. É, por outro lado, uma escolha bastante pessoal, calcada em fina observação do que acontece ao nosso redor. E, claro, estamos abertos à discussão… Vamos a eles, os “entertainers” de 2013:

Renato Russo – estranho abrir a lista com alguém que já não está mais entre nós há 17 anos? Mas por que não? Afinal, dois dos melhores filmes nacionais de 2013 foram inspirados nele – “Somos tão jovens”, de Antônio Carlos da Fontoura, que mostra a trajetória do jovem Renato até o início do fenômeno Legião Urbana; e “Faroeste caboclo”, de Renée Sampaio, uma adaptação livre (e genial) de um dos maiores sucessos gravados por Renato. Nossa música pop sempre teve o bom senso de preservar a memória dos grandes – Raul, Tim, Cássia, Cazuza. Mas Renato esteve especialmente vivo nos nossos corações este – e olha que eu não estou nem computando aquele show em Brasília, em que o cantor foi o primeiro ídolo nacional a “ressuscitar” num palco nacional em 3D…

Mateus Solano – Félix, Félix, Félix! Três vivas para o personagem que entrou sem pedir licença no nosso imaginário pop, salgando não apenas a Santa Ceia, mas também a noite dos noveleiros de plantão – o Brasil todo. A novela de Walcyr Carrasco, “Amor à vida”, vai ser lembrada, entre outras coisas, por personagens memoráveis (veja também a próxima entrada desta humilde lista) que aprendemos a amar (e odiar!). Mas graças ao talento de Mateus Solano, Félix já tem um lugar permanente no cânone dos grandes vilões – e não apenas por ser o primeiro protagonista gay da nossa teledramaturgia. Walcyr e Solano projetaram o personagem para muito além dos clichês, e fizeram com que todo mundo torcesse por ele – às vezes contra, às vezes à favor. E mais: parece que o melhor ficou para o comecinho de 2014…

Foto: Pedro Curi/TV Globo

 Tatá Werneck – ela é reincidente, eu sei. Nos idos de 2012, quando o final da MTV Brasileira era só um rumor, eu já me desdobrava em elogios aqui mesmo, para celebrar seu talento como humorista. Pois não é que em 2013 ela mostrou que também é uma ótima atriz? Sua Valdirene é mais uma criação espetacular de Walcyr Carrasco em “Amor à vida”, que conquistou todos os brasileiros. Se nossas novelas estavam esquecendo o valor de um personagem tragicômico, Tatá veio nos lembrar de como ele é importante para a narrativa de nossas próprias vidas. Será que ela vai voltar na lista de 2014? E como será este retorno? Eu tenho cá meus palpites, mas vamos esperar o ano passar…

Lulu Santos – outro reincidente. Quer dizer, mais ou menos isso. No ano passado incluí Lulu na lista junto com os outros “técnicos” do já consagrado “The Voice Brasil”. Mas este ano merece um destaque ainda maior, não apenas pelo programa, no qual ele brilhou novamente, mas também pela reinvenção que Lulu fez de Roberto Carlos. Se o disco que ele lançou este ano, com releituras banhadas de “blues” para os clássicos do Rei, ainda não passou pelo seu radar, você está perdendo um dos melhores momentos musicais de 2013 – corra para colocar “Lulu canta & toca Roberto e Erasmo Carlos” na sua lista de o que você quer receber de seu amigo secreto. E não perca o encontro dos dois no especial de RC nesta noite de Natal.

Paulo Gustavo – Dona Hermínia caiu na boca do povo. E já não era sem tempo. Um dos personagens mais engraçados e peculiares a surgir nos palcos brasileiros finalmente chegou à “telona” e conquistou a todos. “Minha mãe é uma peça”, enquanto peça, surgiu lá atrás – lembro-me de ela estrear em São Paulo em 2009, depois de uma já longa temporada de sucesso no Rio. Mas com o lançamento da versão para filme este ano – um dos mais vistos em 2013 -, a mãe de Marcelina e Juliano, sempre confortável de “bobs & penhoar”, passou a assombrar também a nossa imaginação. E já se fala em “parte 2″… Incansável, Paulo Gustavo ainda rodou o Brasil todo com seu “stand up” mega popular – “Hiperativo”. E é ainda o grande mentor (e ator) de “Vai que cola”, um “sitcom” anárquico, que ainda conseguiu ser um dos programa mais vistos da história da TV paga no Brasil.

Foto: Reprodução / TV Globo

Fernanda Torres – quando eu queria ler uma coisa interessante este ano, eu procurava o nome de Fernanda Torres. Sua iniciação nas letras – o “batismo” foi na revista “piauí” – não aconteceu exatamente em 2013, mas foi este ano que ela se tornou leitura necessária, não apenas na “piauí”, mas também na “Folha de S.Paulo” e na “Veja Rio”. E aí veio o livro “Fim” (Companhia das Letras) lançado há apenas algumas semanas (e aqui já comentado). Numa prova de que é possível sim explorar seu talento de mais de uma maneira (alguém esqueceu que Fernanda brilhou em mais uma temporada de “Tapas & beijos”?), a atriz agora pode usar sem medo o predicado de escritora também em seu aposto. E nós, leitores ávidos, só podemos agradecer que ela tenha tempo para fazer tanta coisa bem.

Gregório e Clarice no filme 'Eu Não Tenho A Menor Ideia Do Que Tô Fazendo Com a Minha Vida'' (Foto: Divulgação)

Gregório Duvivier e Clarice Falcão – em inglês, existe a expressão “power couple”, que pode ser traduzida apressadamente por “casal poderoso”, e que poderia ser usada para descrever confortavelmente Gregório e Clarice – se eles não fossem tão… tão… tão pouco poderosos. Ou melhor, são poderosos sim, mas sem a menor pretensão de ser. Quem já ouviu Clarice Falcão acompanhada apenas de um violão sabe o quanto ela pode ser poderosa (e engraçada) com uma rima simples. E qualquer episódio de Gregório para o “Porta dos fundos” é uma lição de poder e despojamento – de como fazer rir mais com muito menos. Ainda: enquanto Clarice conquistava aos poucos as rádios nacionais em 2013, Gregório foi se firmando como um dos melhores cronistas da nossa imprensa (“Folha de S.Paulo”) – e de quebra ainda lançou um inesperado livro de poesias, “Ligue os pontos – poemas de amor e big bang” (Companhia das Letras).

Daft Punk – “She’s up all night ’til the sun / I’m up all night to get some / She’s up all night for good fun / I’m up all night to get lucky”. Não sabe do que eu estou falando? Então é porque 2013 passou em branco para você. Que pena. Este foi o ano em que o Daft Punk fez todo o mundo (literalmente) dançar a mesma batida. E se o refrão de “Get lucky”, que reproduzi acima, ainda enrolar sua língua, não se preocupe. Como diria Madonna, basta “get into the groove”. Ah! Vale a pena lembrar que o último álbum inteiro do Daft Punk, “Random access memories”, é simplesmente impecável.

David Bowie - lá no começo do ano, quando o hemisfério norte mal começava a descongelar, Bowie veio, aparentemente do nada, com um novo disco. “The next day”, seu primeiro álbum em quase dez anos, chegou como uma necessária bomba no pop. Foi preciso esse nobre sexagenário abrir os trabalhos de 2013 para que o mundo entendesse (de novo) que não só é necessário como importante se reinventar. Ele podia estar quieto no seu canto – ou, como muitos da sua geração fazem, apenas reciclando sons antigos. Mas se não fosse para mexer com tudo, não seria David Bowie. E, como um bônus magnífico, o Victoria & Albert Museum montou uma monumental retrospectiva de seu trabalho - que nós no Brasil vamos ter a chance de ver (ainda que em versão reduzida) em 2014. “Ch-ch-changes” – eternamente.

Kanye West e Kim Kardashian 'Bound 2'. (Foto: Reprodução)

Kanye West & Anitta – por pura provocação juntei o artista que fez o disco mais pretensioso do ano com a cantora que fez o álbum menos pretensioso de 2013. E o mais incrível é que os dois funcionaram! Eu mesmo não recebi “Yeezus”, de Kanye, muito bem no momento em que ele foi lançado. Mas quanto mais escuto esse “disquinho”, mais ele vai penetrando na minha mente. E com o semi-revolucionário clipe para “Bound 2″ (provavelmente o melhor do ano), ele finalmente me convenceu. Dou o braço a torcer: este é um artista que, como Bowie, quer fazer as coisas diferentes. Já Anitta… Se não quer (ou não consegue) mudar muita coisa, pelo menos pega o que tem por aí e transforma isso num grande momento pop. Ah, você está torcendo o nariz? Então cante comigo: “Pre-para…” – e pode me agradecer por fazer esse refrão incrível voltar à sua cabeça (e não sair mais até o fim do dia).

Alfonso Cuarón – mal falei de “Gravidade” aqui neste espaço. Quando muito, tentei provocar você apenas com uma das centenas de imagens memoráveis do filme mais revolucionário de 2013. Mas a importância de Cuarón hoje para o cinema não caberia apenas num post – que dirá neste parágrafo que eu vou dedicar a ele nesta lista. O diretor, que ainda em 2001 sairia do México para contar uma das mais estranhas histórias de amor e amizade (“E sua mãe também”), agora dita as regras de como inovar a narrativa no cinema. Ou melhor, ele sempre teve o potencial para fazer isso, como até os fãs de Harry Potter sabem admitir – afinal foi ele que dirigiu uma das melhores adaptações de um dos livros do bruxo-herói, “O prisioneiro de Azkaban”. Mas com a robusta bilheteria mundial de “Gravidade”, ele agora faz o que quer. Ou melhor, o que a gente quer assistir…

Netflix – não, eu ainda não assisti a sequer um episódio de “Breaking bad”. Mas estou ciente que participar de uma roda de conversas em 2013 sem tocar nesse assunto era praticamente impossível. Sempre que ele surgia, eu disfarçava, levantava da mesa, dava uma volta – mas sabia que tudo que eu precisava era assinar o serviço de baixar vídeos e ser fisgado pela brilhante insanidade de Walter White. Agora mais para o fim do ano eu acabei assinando. E qual foi a primeira coisa que eu vi? “Orange is the new black” – sensacional! E depois vi “Homeland”. E outros filmes. E mais outros. Mas “Breaking bad” (que não foi criado originalmente pela Netflix, como “Orange, mas popularizado pelo seu sistema de distribuição, que, agora que chegou ao Brasil, deve mexer com o jeito que a gente vê filmes na TV) continua na fila. Se é que tudo que eu quero assistir caberá em 2014…

O que eu leio quando leio Fernanda Torres

seg, 02/12/13
por Zeca Camargo |
categoria Literatura

Sei… O cara fica reclamando que não tem tempo para nada e aí vem dizer que está lendo livro? Pois é… eu tenho esta mania: se eu estou parado (num táxi, numa carona, num avião – coisas que, claro, acontecem com boa frequência no meu dia a dia), eu não aguento e pego um livro para ler. De certa maneira, ler é uma atividade mais fácil de adaptar a uma rotina corrida do que, por exemplo, ver um filme. (Eu poderia escrever um post inteiro sobre como é mais simples interromper e continuar uma leitura do que fazer o mesmo com um filme – que, ao contrário de uma obra literária, é concebida para ser absorvida de uma só vez… mas você sabe o que acontece quando eu já divago no primeiro parágrafo…). Por isso, anuncio com orgulho que, ao mesmo tempo em que brinco que “nunca trabalhei tanto em minha vida” – a piada que faço com meus amigos agora é que, ao sair do “Fantástico” e abraçar o “Vídeo Show”, eu continuo fazendo um programa semanal… só que é diário! -, eu estou conseguindo ler alguns dos melhores lançamentos do ano, aqueles que as editoras espertamente esperam para lançar na época das compras de Natal.

E este ano os livros são apenas bons, no sentido mais “literário” do elogio. Eles estão cada vez mais bonitos – uma tendência que, na minha torcida, chegou para colocar o livro tradicional com certa vantagem sobre a versão digital. Alguns lançamentos são de encher os olhos. Como uma nova versão de “Decameron”, que a Cosac Naify lançou recentemente, e que resolveu um impasse da leitura moderna: como despertar o interesse de um leitor atual por uma obra do século 14? A solução foi convidar o artista plástico Alex Ceverny para fazer belíssimas ilustrações para os contos de Giovanni Boccaccio. Ou, se você quiser uma leitura que não seja de ficção, mas que fale também de tempos antigos, corra atrás de “A história do mundo em 100 objetos” – que finalmente foi lançada no Brasil (pela Intrínseca) e é um sonho para os olhos… e para a sua inteligência.

Acredite: este livro veio de uma série de rádio. Isso mesmo: lembra de rádio? Não serve só para tocar música – e a BBC 4 (que, como o número indica, não é nem a estação mais importante do conglomerado da comunicação britânica), em 2010, colocou no ar uma série incrível em que Neil MacGregor, diretor do British Museum, escolhia 100 objetos do acervo do museu (certamente um dos mais importantes do mundo). Foi um enorme sucesso – e isso sem mostrar nenhum dos objetos escolhidos (rádio, né?). Quando o livro foi lançado no Reino Unido, foi um “bestseller” – e merece repetir essa trajetória aqui no Brasil. É uma viagem fascinante: começa com a “múmia de Hornedjitef” (sim, Egito, ano 240 antes de Cristo) e termina com uma lâmpada e um carregador solar, produzido na China (Shenzen), em 2010. Parece simples, mas os outros 98 objetos que conhecemos ao longo dela transformam a jornada numa experiência incrível. Uma moeda de ouro da Turquia, um dragão de Jade da Ásia Central, relevos de pedra encontrados no norte do Iraque, um banco de madeira da República Dominicana… A lista é enorme e cativante. Imperdível!

E, ainda nos livros “caprichados”, não posso deixar de indicar “S.”, o primeiro livro de J.J. Abrams (Intrínseca). Escrito em parceria com Doug Dorst, ele é parte quebra-cabeças, parte “caça ao tesouro”, parte aventura literária. Incrível como o cara que nos fez viajar (e como!) visualmente – “Lost”, na TV, e “Além da escuridão – Star trek”, no cinema, para citar apenas alguns trabalhos – agora encara o desafio de nos encantar também apenas com esse objeto tão “arcaico” que é o livro. E se dá tão bem… (Em nome da transparência, devo dizer que “S.” não é para ler no carro ou no avião… se tem algo que me sequestra a atenção ultimamente quando estou em um raro momento quieto em casa é este livro exigente!).

Mas e o “bom e velho” livro – daqueles que você simplesmente abre e começa a ler? Respire aliviado: há uma boa safra deles nas prateleiras também, pode procurar. Comece com, por exemplo “Grande irmão”, de Lionel Shriver (Intrínseca). Inspirada pela história de obesidade mórbida de seu irmão, a autora do sensacional “Precisamos falar sobre o Kevin” conta a vida emocionante de alguém que simplesmente não consegue vencer a obsessão com comida. O assunto – em tempos de “Medida Certa”- já é interessante, mas com o talento de Shriver ele adquire uma outra dimensão: a de um narrativa brilhante.

Sou um apaixonado por autores portugueses – sempre volto de Lisboa com alguns quilos a mais na bagagem depois de passar nas incríveis livrarias do Chiado (sem falar na Cotovia, do Bairro Alto…). E agora a editora Leya parece ter ouvido minhas preces – e vem lançando, dentro de um selo chamado “Novíssimos”, uma série de novos autores portugueses. Comecei escolhendo pelo título: como resistir a um trabalho chamado “No meu peito não cabem pássaros”? Seu autor, Nuno Camarneiro, não conta apenas uma história, mas três, aparentemente independentes, mas inesperadamente conectadas. Se você nunca lei um livro português – nem mesmo “Equador”? – comece então por esse para entender minha paixão pelos autores da “Terrinha”. De Novíssimos, já li também “Para cima e não para o norte”, de Patrícia Portela, e agora estou devorando “O teu rosto será o último”, de João Ricardo Pedro. Estou exatamente no momento em que ele descreve um lugar ordinário, a barbearia Playboy, mas que é frequentada senhor Walter, cuja calvície era difícil perceber se era devida a “uma precoce queda de cabelos” ou ao “permanente e desmesurado crescimento da caixa craniana”… Estou encantado com João Ricardo Pedro – e lamentando o fato de não ter conseguido passar por Lisboa este ano: acompanhado de “O teu rosto”, teria sido uma viagem e tanto…

Num ritmo bem mais lento, estou encarando também aquele que talvez seja o livro de não-ficção mais interessante do ano: “Longe da árvore”, de Andrew Solomon (Companhia das Letras). Com suas mais de 800 páginas (e mais 200 de referências), ele está mais para “livro de cabeceira” do que algo que você leva na mala de mão… Mas esse estudo impressionante sobre filhos que não saem, digamos, como seus pais esperam – prodígios, esquizofrênicos, gays, surdos, anões… – é mais que um exercício “voyerista”: é uma belíssima reflexão sobre aceitação, e sobre a própria essência da família, e da relação entre pais e filhos. Se preferir ficção – e não tiver medo de segurar um volume de quase 500 páginas – meu conselho é que você passe um bom tempo com “A arte do jogo”, de Chad Harbach (Intrínseca), que li em inglês sem a menor expectativa no ano passado – só me interessei por um livro sobre beisebol porque as críticas eram muito boas – e que foi uma grata surpresa. Por isso, agora que ele foi lançado aqui, faço questão de adicioná-lo às minhas recomendações de fim de ano (e não deixe o tema desanimar você não: eu venci essa barreira e me dei bem!).

Mas OK, digamos então que você anda meio sem tempo para tomos “pesados” como estes que acabei de sugerir… Então mergulhe na boa safra de autores brasileiros. Acabei de ler “Barreira”, de Amilcar Bettega (Companhia das Letras), que me encantou muito além do que minha já conhecida paixão por Istambul poderia esperar. E estou, por recomendação de um amigo em cuja opinião confio, encarando “O drible”, de Sérgio Rodrigues (Companhia das Letras) – se me surpreendi com um livro sobre beisebol, por que não um sobre futebol? O esporte, porém, é só um belo (belíssimo) pano de fundo para a reconstrução de uma história entre pai e filho. Não estou nem na metade, mas já dou o meu aval!

E Fernanda Torres, onde fica em tudo isso? Não, usar o nome dessa atriz conhecidíssima – e reconhecidíssima – não foi só um truque para atrair mais leitores (considerando a dispersão de atenção dos internautas, jamais conseguiria fazer com que eles chegassem até este parágrafo apenas com a força do nome de Fernanda!). Deixei “Fim” (Companhia das Letras) para o final do texto – e não apenas para tirar vantagem de um trocadilho infame. Quis falar de sua estreia na ficção por último para reforçar uma tecla em que bato já há algum tempo – e que a qualidade de “Fim” só vem reforçar: a de que não existe limites para o talento.

Mesmo depois de colecionar elogios como cronista (as evidências estão espalhadas pela “Folha de S.Paulo”, “Veja Rio” e “piauí”), não duvido que haja gente que tenha perguntado: mas o que esta atriz está fazendo se metendo a escrever livros? É natural. Para dar um exemplo em outra escala, enfrentei um questionamento parecido quando deixei o jornalismo de lado por um tempo e fui fazer um programa de entretenimento. Não, não estou falando do momento atual, quando troquei o “Fantástico” pelo “Vídeo Show”, mas quando fui apresentar um certo programa chamado “No Limite”, há mais de 12 anos! Quem esse jornalista pensa que é? – eu lia com frequência. Ora, alguém que tem vontade de experimentar outras coisas – e investir seu talento em novas áreas, ajudado pela competência que já conquistou em outras.

Neste momento atual da minha carreira, esse questionamento dúbio ameaçou um retorno, mas acho que meu entusiasmo com o novo projeto deixou logo claro que a opção era minha – e abraçada com vontade! Sim, é possível fazer bem coisas que as pessoas não esperam de você. Mas deixo aqui esse paralelo para voltar a falar do ponto de partida dele: Fernanda Torres, escritora. Eu não diria que sua conquista a este leitor foi fácil. Talvez eu mesmo tivesse dúvidas quanto ao que ela – que já tinha provado ser não só competente na interpretação, como extremamente popular (e divertida) nas suas criações – tivesse a oferecer no que diz respeito às palavras que saíam não de sua memória, emprestada de outros autores, mas de sua inspiração genuína. Mas aos poucos fui ficando encantado com seus textos – e quando “Fim” chegou não hesitei em adquiri-lo.

Comecei a lê-lo ontem e, mesmo cansado como estava (pensa que é mole gravar 5 programas em dois dias?), atravessei meu domingo em sua companhia – ou melhor, na companhia de Álvaro, Neto, Ciro, Ribeiro e Sílvio… e mais uma galeria de personagens riquíssimos que orbitavam em torno desse clube de amigos. “Fim” é divido em cinco partes – mais um epílogo necessário e ao mesmo tempo inesperado. Cada um deles foca em um desses amigos às vésperas de ele encarar a morte. Mulherengos e devassos (mesmo o Ribeiro…), cada um à sua maneira, eles constroem o retrato de uma geração que talvez a própria autora só tenha conhecido por tabela – quem sabe até por alguns de seus “velhos” a quem Fernanda dedica os livros. Mas são personagens muito vivos – apesar da decadência. E entrelaçados de uma maneira esperta, envolvente.

Não deixa de chamar a atenção também o fato de ser uma mulher que dá voz a esses homens tão ordinariamente especiais. As mulheres de “Fim” – e elas são muitas, e importantes (inclusive uma certa Maria Clara, bem no final) – vão surgindo com seus coloridos enredos atormentados, mas raramente independentes de seus homens. Só uma vez ou outra ouve-se um sotaque genuinamente feminino – como quando Ruth, a mulher que Ciro literalmente enlouqueceu, perdeu a virgindade:

“Sérgio lhe levara o hímen, é certo, mas não arranhara em nada a inquietação. É a paixão que deflora as mulheres, é ela que desperta os sentidos, o olfato, o tato, o paladar, a visão, o arrepiar dos ouvidos. Ruth permanecia intocada. Quem a iria resgatar?”

Todas as história de “Fim” são trágicas, como é trágica a vida miúda. A das calçadas sobre as quais um velho (Álvaro) não consegue andar. A das sarjetas onde outro velho – este, tarado (Sílvio) – não acredita que vai morrer. A do vôlei na praia. A do homem vestido de mulher na televisão, que assusta o telespectador dos anos 70. A das salas de necrotério. A vida da gente. Por tudo isso, li “Fim” com um prazer imenso. Mas a lembrança de que a autora ali é uma atriz famosa estava sempre a rondar.

E eu me perguntava: o que estou lendo quando leio um livro dessa atriz? Um “divertissement”? Uma proposta “séria”? Uma derivação de seu trabalho nos palcos e na TV? Uma inspiração passageira? Ou simplesmente um bom livro? Não estamos nunca livres das nossas próprias referências. Nosso inconsciente se acostuma a ver uma pessoa de um jeito e dá um trabalho enorme encará-la de outra maneira. Mas é por isso que insisto que maior do que a história de quem faz um produto cultural, é o próprio resultado que finalmente chega a você. Só se concentrando nele você pode aproveitar o que está sendo oferecido sem um viés. E, no caso de “Fim”, o que você tem finalmente nas mãos é um dos melhores livros que eu consegui ler nessa temporada tão intensa da minha vida.

O refrão nosso de cada dia – “Girlfriend”, Icona Pop  - em algum lugar do mundo pop, Kate Perry está se perguntando: por que eu não gravei esta música antes? Querida Kate, que eu gosto tanto: as meninas do Icona Pop – que talvez tenham feito o disco mais dançante de 2013 – chegaram lá antes… Se liga…



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