A nova matemática da música

seg, 29/10/12
por Zeca Camargo |
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Você conhece uma música chamada “Neckspots”? Se eu disser o nome da banda, ajuda? Games to Avoid. Nem assim? Tudo bem, então aqui vai o link do YouTube para você escutá-la – mas corra: você pode ser a tricentésima-nonagésima-terceira pessoa a fazer isso! Isso mesmo: até o momento em que eu escrevo este texto, apenas 392 pessoas tiveram a curiosidade de procurar essa canção por lá. Por isso, se você não conhece “Neckspots”, nem Games do Avoid, não se preocupe. Eu mesmo nunca tinha ouvido falar deles antes de visitar a exposição “Some day all adults will die – Punk graphics 1971-1984” (em cartaz até dia 4 de dezembro, para quem tiver a oportunidade de passar por Londres até esta data, ou para você que, de repente, estiver lendo isso e morando na cidade que acabei de visitar).

Admito que, quando perguntei, no post anterior, onde eu estava – diante do cartaz que dava o nome à mostra –, sabia que estava facilitando a vida de quem fielmente se empenha em adivinhar as locações de minhas andanças pelo mundo. Afinal, eu estava diante de um cartaz com o nome da própria exposição – que, diga-se, descobri por acaso. Estava voltando da China (mais precisamente de Hai Kou, como contei aqui na semana passada) e, para diminuir o impacto do fuso horário – e, confesso, descansar um pouco de uma jornada de 12 dias seguidos de trabalho –, resolvi fazer uma escala de dois dias em Londres. Que, no meu caso, significa 48 horas de frenéticas visitas a museus e galerias (lembra do que escrevi aqui em março último?).

Nesse roteiro, que faço já sem GPS, a Hayward Gallery é sempre uma parada obrigatória, independente do que eles estiverem mostrando. Nesta temporada, o espaço principal está com uma coletiva de novos (e bem interessantes) artistas chineses – que me deixou no mínimo estimulado. Mas numa sala menor, numa espécie de mezanino da galeria, encontrei a tal exposição sobre artes gráficas do período punk. Minúscula, ainda que recheada de várias imagens, ela foi uma boa surpresa para este visitante acidental. E, inevitavelmente, remeteu-me a uma outra Londres: a que eu conheci no início dos anos 80. Já falei desse meu “primeiro encontro” com a cidade algumas vezes aqui mesmo neste espaço. Mas as saudades provocadas por “Some day all adults will die” (numa tradução literal, “Um dia, todos os adultos vão morrer”) eram de outra espécie… Saudades não só da cidade onde eu garimpava cada lojinha independente de discos atrás de “descobertas inesperadas” de um “caldeirão” pós-punk (e “new wave”) –, mas também de um cenário musical que provavelmente nunca mais terá a chance de existir.

Como gosto sempre de lembrar, cheguei ligeiramente atrasado para a “revolução punk”. Não só porque as coisas, nos idos dos anos 70, demoravam naturalmente para chegar ao Brasil, mas porque, naquela época, eu vivia um curioso conflito de estilos musicais – traduzindo: minha paixão pela “disco” me segurava de uma imersão total naquele som mais radical. Que era também excitante. Se grandes nomes como Sex Pistols e The Clash tinham dificuldade de chegar aqui no Brasil, imagine bandas como Games to Avoid! Fato, “Neckspots” é de 1982, quando o próprio punk já era história. Mas uso a faixa – que ouvi durante a visita à exposição, onde caixas de som em volume máximo ofereciam uma generosa  amostra de bandas obscuras da época – como um exemplo de vitalidade… que não deu em nada! Assim como eles, centenas de artistas cuspiam vinil no mundo inteiro – no Brasil, na Indonésia, na Tailândia, no México, no Chile –, apostando numa carreira que tinha um pouco de romance, um pouco de utopia e um pouco de ideologia. Mas isso era, repito, o início dos anos 80 – e você pode apostar que muita coisa mudou de lá para cá…

Aliás, elas já começaram a mudar naquela década mesmo. Em 1986, um jornalista musical inglês, Dave Rimmer, escreveu um livro que eu reli dezenas de vezes: “Like punk never happened”  – ou, em português, “Como se o punk nunca tivesse acontecido”. Com humor e olhar de quem conhecia aquilo tudo de perto, ele deixava transparente sua decepção com o que a música pop havia se transformado depois da promessa do “furacão punk”. Ou melhor, sua decepção é com relação ao quanto o pop não se transformou depois de tudo que o punk tinha proposto. Usando bandas como o Culture Club e Spandau Ballet como pano de fundo, Rimmer joga um balde de água fria em qualquer ideia de revolução musical. O pop, já defendia ele na época, vai ser o que sempre foi: uma trituradora de talentos, um imã de sonhos – e uma máquina de fazer dinheiro. E, de fato, com exceção do “detalhe da grana”, tudo continua mais ou menos do mesmo jeito até hoje.

Falei displicentemente do “detalhe da grana” como uma provocação – afinal, com todas as gravadoras oficialmente em crise (na verdade, com todo o modelo da indústria fonográfica em crise há pelo menos uma década), dinheiro é o lado do pop mais complicado hoje em dia. Cenário este que foi resumido muito bem num artigo recente da revista “New York”, sob o título de “A nova matemática da música” (sim, de onde eu tirei o próprio título para o post de hoje). Aliás, não é apenas um artigo, mas uma série deles – que você pode começar a conferir por aqui. E o retrato do pop nesse final de 2012 é assustador. O que chamou primeiro a atenção foi o próprio destaque que a “New York” deu ao assunto: eles simplesmente colocaram na capa o Grizzly Bear – uma banda nova-iorquina, claro, mas das mais alternativas, e que, mesmo assim, consegui chegar ao “top 10” da parada americana (com uma vendagem que, vale a pena notar, fez Timbaland chegar à  trigésima-nona posição – há apenas três anos). A manchete era ligeiramente irônica (aqui, traduzida livremente do original): “O estrelato no rock é um jeito de ganhar a vida?”. A primeira coisa que pensei foi: a revista está de brincadeira. Mas, nas suas páginas, o que encontrei foi uma seríssima investigação sobre o que está acontecendo com a indústria musical.

Cada artigo vale a pena ser lido na íntegra, para entender o contexto geral – que, muitas vezes, tem a ver com o que acontece com o próprio pop aqui no Brasil (se não em qualidade, pelo menos no que diz respeito ao “negócio da música”). Mas para você ter uma ideia desse panorama, uma boa introdução são os gráficos que a “New York” elaborou. Um deles, por exemplo, mostra o declínio nas vendas dos álbuns que chegam ao número um da parada americana. Só em 2001, o recorde de vendagens baixas foi quebrado três vezes – “Speak now” (Taylor Swift, 52.000 cópias), “Showroom of compasion” (Cake, 44.000), e “Mission Bell” (Amos Lee, 40.000). Nos vinte anos anteriores, esse recorde só havia sido quebrado três vezes…

Em outra página, mais um dado curioso. Em 1986, a parada semanal americana teve 31 canções diferentes ocupando o primeiro lugar da música pop – 31 uma músicas, de 29 autores diferentes. De 2008 até hoje (um período de quase quatro anos), foram “apenas” 66 “números 1” – e só seis artistas estão por trás de quase a metade deles: Rihanna (9 “números 1”), Kate Perry (7), Black Eyed Peas (3), Flo Rida (3), Adele (3), e Lady Gaga (3). Ou seja, estamos ficando mais pobres de variedades – e, como consequência natural, o mercado (e o gosto da maioria) está ficando extremamente polarizado. Em mais um gráfico assustador, a revista mostra que o total de álbuns vendidos por Adele em 2011 é equivalente a quase 70% de todos os álbuns de música eletrônica vendidos nos Estados Unidos no mesmo período! (E praticamente a mesma quantidade de discos vendidos pelo segundo e terceiro artistas mais populares também em 2011, respectivamente, Justin Bieber e Michael Bublé).

Lembrando, esses são números do mercado americano – um dos mais vibrantes do mundo (se é que podemos usar esse adjetivo para falar de música em 2012). Alguém arrisca como estão as coisas aqui no Brasil? Pelo número de CDs que recebo – e que eventualmente confiro nas minguantes prateleiras das lojas de disco sobreviventes por aqui –, dezenas e centenas de artistas novos não desistem do sonho de estrelato (ainda que efêmero) no “maravilhoso mundo do pop”. Não muito diferente do que o Games to Avoid talvez quisesse por volta de 1982. Mas com uma certeza que as bandas de 30 anos atrás não tinham: se quiserem fazer dinheiro, não vai ser com vendas de discos. Com um pouco de sorte, numa turnê…

O refrão nosso de cada dia

“Anjo”, Kelly Key – uma provocação explícita. Num dia em que escrevo justamente sobre as saudades da subversão (musical e comercial) do punk, o que ofereço é… Kelly Key? O que tenho a dizer em minha defesa, primeiro, é que sou fã dela – uma declaração que, conheço bem, pago um preço alto por divulgar… Mas além disso, “Anjo” tem um refrão infalível – ainda que com um bizarro, ainda que meigo, erro de concordância (“É por você todos meus planos” – custava substituir o “por” pelo “com”?). Ademais: ontem, quando estava correndo na Lagoa, no Rio de Janeiro, o “shuffle” do meu iPod fez o favor de selecionar essa música. E eu quase levantei do chão…

Onde eu estou (no tempo e no espaço)?

qui, 25/10/12
por Zeca Camargo |
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Tortura chinesa

seg, 22/10/12
por Zeca Camargo |
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Lembra de “Avenida Brasil”? Em tempos de curta atenção como os nossos é sempre bom perguntar… Pois então, essa foi a novela que finalmente fez a gente gostar novamente de novela – e cujo último capítulo, embora tua memória eventualmente te traia, foi ao ar na sexta-feira à noite. Aliás, manhã aqui em Hai Kou, China. Sim, é aqui que eu passei uma “nem-tão-adorável-assim” semana – um lugar tão longe de qualquer referência, que apenas uma pessoa acertou onde eu estava (fiz a pergunta no post de quinta passada). Foi aqui que, graças à dedicação de um colega que me ofertou um link precioso, eu consegui ver ao vivo o episódio final da trama de João Emanuel Carneiro.

Calma! Este não vai ser mais um texto meu sobre a novela – o quarto, pelas minhas contas. A internet mesmo está cheia de opiniões sobre ela – algumas comicamente criticas, casmurras na sua cobrança de perfeição de um gênero que em si é imperfeito, outras tantas histericamente elogiosas e inconsequentes (mais próximas até do espírito de um gênero que pretende apenas divertir), e ainda umas poucas que acertam na superficialidade, como se seus autores tivessem finalmente compreendido que o grande trunfo de “Avenida Brasil” foi fazer com que o Brasil inteiro falasse dela, ressuscitando o interesse num gênero que acreditávamos moribundo e surrado. Honestamente, você não precisa de mais uma opinião sobre o final da novela – muito menos da minha.

O que quero contar é que sofri um bocado para assistir ao começo do capítulo do dia 19 de outubro. O tal link, apesar de funcional, dependia de uma excelente conexão de internet – que não era exatamente o meu caso. Eu estava hospedado num hotel no centro de Hai Kou, meia hora e carro de onde acontecia um dos mais importantes campeonatos de golfe do mundo – evento este em que Ronaldo (que estou acompanhando desde que ele começou a entrar na “Medida Certa”) era um dos convidados especiais. E o centro de Hai Kou, bem… Para você ter uma ideia, examine atentamente a foto que abre o texto de hoje. Para colocar de uma maneira elegante, não é dos lugares mais convidativos que eu já conheci. Aquela imagem é da vista do meu quarto – e era de lá que, no sábado de manhã (lembrando: eu estava onze horas para frente no fuso horário, ou seja, era por volta das 8h da manhã de sábado para mim quando eu pude ter a chance de acompanhar o tão esperado desfecho) que eu ansiosamente entrei no link.

A experiência, no entanto, não foi das mais satisfatórias. Como já sugeri, para tudo funcionar 100%, eu teria de ter uma conexão… 100% – e não era bem assim… Por conta disso, eu assistia a cerca de 20 segundos do capítulo ao vivo, e então a imagem travava. Eu tinha de começar tudo de novo, reiniciando toda a operação (que, claro, incluía uma senha), para ter o prazer de ver mais 20 segundos de novela – o que transformava toda a experiência numa verdadeira tortura chinesa – e, uma vez que eu estava em Hai Kou, o trocadilho é mais que proposital, como você pode imaginar…

Não obstante, diverti-me o suficiente vendo os fragmentos que colecionei – aqui ilustrados com fotos tiradas do meu próprio iPhone durante as várias tentativas de conexão (repare na operadora chinesa que aparece no canto superior esquerdo das fotos). À exceção da “canastrice” de Juca de Oliveira interpretando um Santiago subitamente malvado – um truque ligeiramente exagerado para justificar as reviravoltas finais da trama -, aquela primeira parte do capitulo era pura diversão. Por conta disso, e de uma maneira quase poética, senti-me, do outro lado do mundo, conectado ao Brasil. Não só por aquele frágil elo na internet, mas também pelas dezenas (e não estou exagerando) de mensagens de whatsapp que chegavam para mim do Rio e de São Paulo, de amigos que estavam bem ligados na novela.

Nesse esquema meio capenga, só pude ver a primeira hora do final de “Avenida Brasil”. O trabalho me chamou às 9h (hora local) para registrar o encontro curioso de Ronaldo Fenômeno e Michael Phelps – ele também convidado especial do tal campeonato de golfe. E foi assim que fui tirado do doce torpor da emoções novelescas para a realidade nada glamurosa do meu trabalho.

Quando contei a alguns amigos e colegas que viria para a China, a reação foi unânime: “que máximo”! E é o máximo mesmo, se você vai a Beijing (que até hoje não conheço) ou a Xangai (que já visitei e me encantei). Mas Hai Kou? O próprio dono do hotel que promovia o torneio, durante um gentil almoço para a imprensa, me perguntou; não sem um ar sem jeito: “E então, valeu a pena atravessar o mundo para conhecer o Havaí da Ásia?”. Mal pude disfarçar minha surpresa diante da comparação. O lugar certamente goza de um clima tropical – e a paisagem, lá e cá, é salpicada de palmeiras… Mas chamar isso de Havaí era de um otimismo de enternecer o coração. O resort onde Ronaldo ficou hospedado era, de fato, estupendo – a piscina de ondas onde tirei a foto do último post, por exemplo, era uma das suas atracões irresistíveis. Os campos de golfe, segundo quem entendia do assunto (Ronaldo, entre eles) eram sensacionais. Mas nada disso nos deixava esquecer que estávamos em um oásis de natureza e beleza no meio de um grande jardim de concreto, típico daquelas cidades chinesas que cresceram de maneira assustadora na última década.

Vivemos dias longos aqui, acompanhando Ronaldo nas suas partidas de golfe, e ainda seguindo seus treinos (de vez em quando até participando de alguns deles, como você pode ver em breve no “Fantástico” ) – quando não experimentando algumas delicias duvidosas da culinária chinesa. Não foi ruim, mas foi estranho. Sobretudo quando faço o exercício (cruel, admito) de comparar o dia de ontem com o domingo anterior que passei em Madri – e comentei aqui segunda passada.

Aproveitando uma manhã de folga, ontem fui com a equipe explorar o centro de Hai Kou e visitar “o melhor Shopping da cidade” – na verdade, um labirinto de seis andares onde capas de celular dividem cubículos que servem como lojas com outras mercadorias como roupas infantis, cosméticos de marca internacional, eletrônica, papelaria – e até uma loja com finas pedras de jade lapidadas. Não muito diferente de lugares que já visitei aqui mesmo na Ásia – Bangcoc me vem à mente -, mas sem a graça e o charme dos tailandeses para mitigar a sensação de desorientação. Exaustos desse “experimento social” – e tentar fazer compras em pé de igualdade com os locais em Hai Kou é mesmo uma ousadia que só pode ser justificar como uma pesquisa científica! -, seguimos de tarde para o hotel de Ronaldo, quando, enfim, assisti com um dia de atraso ao derradeiro capítulo de “Avenida Brasil”, graças a um outro link (uma página de Facebook) que parece ter sido criado pensando com carinho nesses pobres noveleiros (eu!) que nem sempre podem estar na frente das televisões de suas casas para acompanhar todas as emoções de uma novela… Foi, novamente, num iPhone – emprestado agora da Amanda (a produtora responsável por esta viagem). Mas foi bom…

Os mais críticos, sem dúvida, verão uma certa condescendência nessa minha superficial avaliação do fim de “Avenida Brasil”. Os mais cínicos, um (mal) disfarçado esforço de promover um produto da TV onde eu trabalho… Ambas interpretações, porém, importam muito pouco – uma vez que disse, logo de cara, que a coisa menos importante do texto de hoje é o que eu achei ou deixei de achar sobre a novela…

Num universo inconsequente como este da internet, que permite que uma notícia plantada – como a de que Ronaldo estaria recebendo um cache milionário para participar no “Medida Certa” – encontre espaço na imprensa séria que já soube checar melhor suas fontes -, eu pergunto: quanto vale uma opinião?

Sigo viagem – ao mesmo tempo que tento encontrar uma reposta a essa pergunta.

Onde eu estou?

qui, 18/10/12
por Zeca Camargo |
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Domingo em Madrid

seg, 15/10/12
por Zeca Camargo |
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Seria mais fácil mandar uma foto. Mas com a teimosia que já é uma das marcas deste espaço, vou tentar descrever o céu desta manhã de domingo aqui em Madri. Azul, claro. Mas um azul que ainda não havia sido inventado – que foi criado justamente nesta manhã, como se o sol tivesse convocado todos os tons celestes que os pintores que silenciosamente me aguardam dentro do museu do Prado para anunciar uma nova cor. Meus olhos mal conseguem se fixar neste céu – talvez porque seu brilho é forte demais, ou talvez por pura inveja.

Corro para dentro do museu como um reflexo. A ideia inicial era rever os Velásquez e Goyas que nunca saíram da minha cabeça, desde minha primeira visita à cidade, em 1980 – não seria para refrescar a memória, claro, já que o registro durou todos esses anos, mas apenas para eu ter a certeza de que essas imagens que tanto me emocionaram no primeiro encontro ainda estão lá. Mas ao ajustar minha visão para aquela luz interior, percebo que o primeiro impulso foi de fugir daquele céu, que sem querer, humilhava as lembranças da primavera cinza da qual me despedi semana passada no Brasil.

Lembro que estou no Prado e sigo sem itinerário certo por suas salas – novamente ciente da minha missão. Acho graça nos turistas que, já preocupados com as outras coisas que têm que visitar de tarde, reviram o mapa do museu para, sem perda de tempo, visitar logo “As meninas” ou “La maja desnuda”. Não o fazem por desinteresse automático, mas por uma questão de tempo – e com isso, perdem a chance de encontrarem sem querer com um desses trabalhos. Um “susto” memorável…

Programei-me para passar duas horas por lá, mas saí antes disso. Nossos olhos só podem assimilar um tanto de belezas por um período – a partir de uma certa quantidade, elas passam a ser percebidas como genéricas, uma injustiça com elas e um desfavor ao seu prazer. Em função disso, saio direto para o museu Thyssen – bem em frente ao Prado -, cuja coleção, embora mais modesta, se aproxima em parte à do Prado. Mas não vou lá pelo acervo, mas sim pela exposição especial ali montada: “Gaugin e a viagem ao exótico”. Os que aqui vêm com frequência talvez já tenham percebido meu problema com a palavra “exótico” – que, resumindo bem, na minha concepção, serve mais como um selo discriminatório do que como um simples adjetivo. “Exótico” é uma palavra maldita para descrevermos aquilo que é diferente de nós – e, portanto, objeto de uma curiosidade apenas superficial.

Não no caso de Gaugin – felizmente. Como fica claro nessa exposição, o pintor queria não apenas registrar o “exótico”, mas se inserir nele, viver a experiência de estar dentro dele – e, como um generoso efeito colateral, registrar isso para o mundo, mexendo! “de quebra”, com os caminhos da pintura ocidental. Pequena, mas emocionante, a mostra merece mais que esses magros parágrafos. Hoje, porém, passo por ela apenas como uma escala deste domingo maravilhoso em Madri.

A próxima parada do dia é no museu Renia Sofia – aquele labirinto de salas que faz o Prado parecer tão simples quanto um shopping center. A coleção, já conhecida, é moderna e contemporânea – e embora nenhuma grande exposição justificasse a visita, o mero prazer de rever “velhos conhecidos” – Dalís e Mirós entre eles – já justificou minha passagem por lá.

Esqueço de almoçar. Uma cervejaria na praça de Sant’ana me lembra que tenho fome – mas desisto de comer uma refeição completa. Como um par de tapas ali mesmo e sigo andando de volta ao meu hotel, que fica na Plaza de la Independencia. Sem perceber, passo por um hotel que já fiquei em uma viagem passada – Villa Real – e reproduzo o trajeto de um passeio inesquecível, alguns anos atrás…

No frio de um dezembro espanhol, em 2006, voltava ao tal hotel em boa companhia – na melhor companhia da minha vida, eu diria. Era uma caminhada à toa, mas que foi marcada por uma visão que mexeu comigo de maneira que até hoje não consigo explicar. A nossa frente, uma mulher empurrava uma cadeira de rodas com um homem claramente “prejudicado” – como minha avó costumava falar. Podia ser seu filho – ou talvez seu marido. Enquanto braços e pernas – e, às vezes, a própria cabeça – balançavam em direções diferentes daquelas que a própria cadeira de rodas tomava, a mulher não se cansava de beijar e abraçar aquele homem, numa prova de carinho que, para mim, naquele fim de tarde gelado, era a prova mais incondicional de amor que eu já havia visto na minha vida – até hoje. Cheguei no Villa Real, mexi na disposição de todos os móveis do quarto, para que o sofá mirasse o jardim do Prado (o Villa Real fica bem em frente à praça de Netuno, antes do museu), e deitei-me num colo amado para chorar.

Choro até hoje, ao tentar descrever esta cena – só de lembrar dela. Não sei o que aconteceu – e espero morrer sem saber o que Madri fez comigo naquele dia, pois parte desse doloroso prazer é seu mistério. Só sei que me faz chorar ainda mais cada vez que faço esse trajeto…

As lembranças que registro aqui – pela primeira vez publicamente – vieram tão fortes que eu não tive opção, a não ser me recolher de volta ao meu hotel, onde estou agora (só como lembrete, acompanhando Ronaldo Fenômeno, na sua escala espanhola – que hoje, especialmente, está “de folga”, ou seja, tanto ele quanto a equipe desfrutam de um domingo de folga nessa cidade encantadora). No conforto do meu quarto, tomei um banho que me renovou e me inspirou a convidar a equipe para uma noite de tapas na “movida madrileña”. “Movida” esta, que num domingo não está no seu dia mais animado. Mesmo assim bebemos Gin Tônica e vinho numa “Taqueria” de um dos melhores chefs atualmente na Espanha – Estado Puro, de Paco Roncero – e voltamos ligeiramente entorpecidos para nossos hotéis.

No meio do caminho, porém, somos interrompidos por um convite protocolar. Entre tantas pessoas que nos abordam nas ruas do bairro de “Las Letras” e nos oferecem “copas” (drinques) grátis se visitarmos determinado estabelecimento, uma delas nos propõe uma “copa” com um espetáculo de dança flamenca. Já vi muitos, é verdade – e quase passei. Mas meus colegas que me acompanham se animam – e por € 22 (vinte e dois euros) por cabeça, somos brindados com um fim de noite que – agora sim – preciso de fotos para me ajudar a descrever.

Não que as palavras me faltem. Mas é que tive a sorte de registrar uma sequência de pés que serve como uma bela alegoria da energia que fechou este meu domingo. Com meus colegas, brinquei que eu mesmo, quando dançava, depois de uma aula de flamenco, só tinha uma preocupação: gastar aquela energia toda com sexo. Não foi o caso dessa noite de domingo – estamos trabalhando e, pelo menos no meu caso, já estou velho demais para fazer disso uma prioridade na minha vida, mesmo embriagado com o flamenco… Ademais, a lembrança daquele passeio de anos atrás, onde entendi o que era amor incondicional não me permitia nem uma fantasia que não fosse o passado…

Assim, depois desse fim de noite que muitos chamariam de “arapuca de turista”, mas que prefiro classificar como um inesperado presente, fui dormir feliz e completo. E se posso, de alguma maneira, inspirar você a sentir o mesmo, mando aqui, “sin embargo”, uma sequência que fotos que tirei ontem à noite.

¡Buen provecho! (E seguimos viagem…).

Adeus ao Divino

qui, 11/10/12
por Zeca Camargo |
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Quis o destino que uma viagem a trabalho aparecesse exatamente nas duas últimas semanas da novela que eu – e você, e seu irmão mais velho, e sua tia, sua mãe e seu pai, seu cunhado, e todo mundo -, enfim, todos nós acompanhamos com dedicação. “Avenida Basil” já foi tema de mais de um post por aqui – e se você contar as outras novelas de João Emanuel Carneiro que eu já citei neste blog, vai concluir que eu sou um fiel seguidor de seu trabalho. Mas na semana passada, a confirmação de que eu deveria acompanhar Ronaldo Fenômeno em duas semanas de viagens pelo mundo, como parte do quadro “Medida Certa”, do “Fantástico”, veio primeiro com alegria – e depois com uma certa reserva, uma vez que isso me tiraria da frente de uma televisão brasileira justamente nesses momentos cruciais da novela.

O trabalho, claro, sempre fala mais alto. E o roteiro da viagem é mais que tentador (mais detalhes sobre isso, em breve, aqui mesmo neste espaço). Mas não tenho como disfarçar minha decepção de não poder ver o final da novela “ao vivo”. Sim, eu sei – ao contrário da Nina e do Jorginho, que nem pensaram em colocar as fotos que daria a grande virada na trama numa nuvem virtual (ou mesmo num email!), eu não sou tão afastado assim do mundo moderno: eu sei que posso assistir à novela de qualquer computador logo depois de o capitulo ter ido ao ar! No entanto, você há de concordar comigo que o prazer não é o mesmo. A gente gosta de ver o capitulo na hora! Ler o que vai acontecer antes na internet não é a mesma coisa, assim como ver num site o capitulo que acabou de passar na TV. Mas é com isso que eu vou ter que me contentar.

O último capitulo que consegui ver foi o de terça-feira – ou seja, pelo menos a derrocada de Carminha eu acompanhei (inclusive os tapas que ela levou de quase toda a família Tufão – ficou faltando o Adauto, mas tudo bem…). Mas, já na noite de ontem, fui obrigado a abandonar  a trama do Divino e substitui-la por um filme sobre Bob Marley no avião – uma troca que até teria sido interessante (o documentário “Marley” é bom, ou melhor, no mínimo me fez prestar atenção ao reggae por duas horas – um recorde para mim), não fosse por um pequeno detalhe: ele era dublado em espanhol.

O último filme que tinha visto em versão espanhola foi “Forrest Gump” – e até hoje aquela voz gritando “Corre Forrest, corre” não me sai da cabeça. Por várias razões – uma certa dissonância cognitiva, a mais forte delas – eu teria preferido ver o filme na sua língua original, o inglês. Mas a companhia em que eu voava não me dava essa opção. Ou era em espanhol ou nada. (Antes de “Marley”, tentei ver “30 Rock”, também em espanhol, mas não rolou – principalmente por que a voz de Liz Lemon parecia ter sido dublada por uma daquelas atrizes saídas do genial filme “Mulheres à beira de um ataque de nervos”, de Pedro Almodóvar. Parei de ver quando percebi que estava rindo não do roteiro de “30 tock”, mas da dublagem…).

Mesmo com esse obstáculo – ouvir Bob Marley falar “rastafari” com sotaque madrileno era algo quase desrespeitoso à memória do grande criador – fui em frente, seduzido menos pela música do que por sua incrível história de vida. Porém, nem com toda a satisfação que o filme me trouxe eu deixei de desejar que eu estivesse em frente a uma TV, vendo Carminha & Cia. Vai ser assim até dia 19, eu sei. Por isso mesmo, venho aqui pedir sua ajuda. Como aprendi num episódio de “In treatment” (que agora ganhou uma versão brasileira, “Sessão de terapia”, ser comentada aqui em breve), o que a mente não sabe, ela inventa.  Assim, nas minhas horas vagas, eu fico aqui imaginando como seria o final de “Avenida Brasil”. Devoto de João Emanuel que sou, já aprendi que posso esperar qualquer surpresa deste autor. Mas o que será que ele vai aprontar?

Na internet, é possível encontrar as versões mais absurdas – desde a que profetiza que o pai de Nina ainda está vivo e vai fazer uma aparição-surpresa no último capitulo, até a “explicação” de que Adauto estaria por trás de toda a trama de Carminha (!!!).  Nesse espírito lúdico, convido você a usar a sua imaginação para estimular a minha: como você acha que a novela vai terminar? Mande seu palpite num comentário – e depois a gente confere no próprio dia 19 de outubro.

Pode chutar alto. No Divino, tudo é possível…

Preço de banana?

ter, 09/10/12
por Zeca Camargo |
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Fingindo que estava em 2003, este fim de semana resolvi comprar uns CDs. Isso mesmo. Sei que muitos podem ficar chocados com essa informação – ou mesmo não entenderem alguma parte dela (com dúvidas do tipo: “como se faz para comprar um CD?”; ou ainda, “o que é um CD?”). Mas tomado de uma nostalgia involuntária, enquanto estava em uma livraria – que, ironicamente, é o último lugar onde você pode encontrar uma boa variedade de música “física” para comprar -, resolvi visitar a seção de discos e deixar, como faço sempre nesses estabelecimentos pelo mundo (que, cá e lá, resistem à extinção), minha intuição me guiar entre nomes conhecidos e descobertas inusitadas. Apesar de estampados em números pequenos no plástico das embalagens, não dei muita atenção aos preços – até chegar ao caixa e perceber que o total a ser pago era um valor, hum, inesperado: pelos sete CDs que estava levando, eu deveria desembolsar R$ 244,00 (para não haver dúvidas, aqui vai por extenso: duzentos e quarenta e quatro reais!).

Os bons de conta (que não é o meu caso) já calcularam que isso dá um pouco mais de R$ 36,00 por CD. Mas essa é a média. Como comprovo na foto que ilustra a abertura do post de hoje, um deles (o novo do Pet Shop Boys, “Elysium”) custava a bagatela de R$ 46,10. Quarenta e seis reais e dez centavos! Por um CD! Com a credibilidade de quem, como você confere por aqui, está sempre viajando (e comprando música, até para dividir com você neste espaço), lanço a pergunta: você conhece algum lugar no mundo onde um CD custa 23 dólares?

Eu não conheço. Nos EUA – ou, pelo menos em Nova York, que é onde eu tive a oportunidade de conferir mais recentemente, a média é de 10/11 dólares. Isso quando você não acha algo em promoção – inclusive lançamentos. Na Europa, por exemplo, na FNAC (uma loja que já conferi não só em Paris, mas também em Madri e Lisboa), uma novidade como “Coexist” (The xx), sai por 11,99 euros (cerca de R$ 29,00, R$ 15,00 a menos que o do Pet Shop Boys aqui no Brasil) – e quando a gente dá a sorte de estar marcado com uma “etiqueta verde”, ainda tem um desconto! O mesmo CD, na Sister Ray, minha loja favorita em Londres, custa 9,99 libras esterlinas – o que dá mais ou menos R$ 32,50, cerca de 30% mais barato do que nessa “ilha de prosperidade econômica” que é o Brasil!

Agora imagine: se eu sou um fã de Pet Shop Boys e quero ouvir seu novo trabalho, quantas vezes eu devo pensar antes de desembolsar quase R$ 50 reais por ele? Ou, colocando de outra maneira: quanto tempo eu levo antes de decidir se gasto essa pequena fortuna ou baixo o disco ilegalmente na internet?

Estou pegando “Elysium” como meu exemplo principal, mas os outros discos que comprei não ficavam muito atrás. Um relançamento comemorativo dos 20 anos de “Achtung baby” – que é do ano passado – custou mais de R$ 70,00 (é um disco duplo, edição especial, mas mesmo assim…). A trilha sonora de “Avenida Brasil” – comprei duas – saiu por R$ 38,00 cada uma (lembrando, certa de 19 dólares!). Os mais baratinhos (mas ainda assim, em torno dos R$ 30,00) eram discos de artistas desconhecidos – um deles, de um cara que eu não tinha cruzado até então, chamado Pethit (muito bom), mas com um preço capaz de espantar qualquer curioso acidental que queira experimentar se aventurar em novos sons…

Você certamente tem histórias de “horror” como essa para contar – produtos culturais que você quis consumir mas desistiu quanto viu o preço (os livros não ficam longe disso – e vou falar deles já já). De quem é a culpa? Da loja em que comprei esses discos, por querer ganhar muito em cima do preço que vem das gravadoras? Das gravadoras, que impotentes diante da revolução digital, querem tirar o último centavo de um modelo antigo, como Nero tocando sua lira no meio de Roma incendiada? Do “sistema”, nos sentido de uma legislação maior, que não permite que o consumidor brasileiro compre legalmente música digital de fora do Brasil (e não deixa outra opção para o fã de uma determinada banda que ainda não estourou a não ser pirateá-la)?

Às vezes sinto que, de certa maneira, estamos de volta aos meus anos 80, quando minha curiosidade musical explodiu, e eu não conseguia comprar as músicas que eu só ouvia em raros programas de rádio alternativo – ou lia sobre elas em ainda mais raros exemplares do “NME” encontrados em improváveis bancas de revista no centro de São Paulo. Naquele tempo, se alguém queria uma coisa alternativa – digamos, um maxi single do Everything But The Girl (“Mine”) – tinha de fazer fila na pequena loja de discos importados chamada “Bossa Nova”, no fundo de uma galeria ali na rua 7 de abril, onde o estoque era alimentado por secretos carregamentos trazidos por comissários de bordo que também amavam a música alternativa (como o saudoso Pardal). O paralelo é justamente o da “ilegalidade”: impossibilitados de importar discos (e estamos falando, claro, de vinil), fãs de música recorriam ao “contrabando semi-legal”. E hoje, cercados de um lado por preços absurdos do produto nacional e um protecionismo anacrônico no que diz respeito à música digital estrangeira, esse mesmo fã precisa ser muito “consciente” para não cair em tentação e baixar alguma coisa ilegalmente.

Com os livros, pelo menos existe uma fresta – isto é, para quem lê em inglês e tem um smartphone ou um computador. É possível, por enquanto, baixar legalmente um livro de uma amazon.com ou barnesandnoble.com por valores que não chegam a R$ 20,00 (mesmo para lançamentos) – e com isso não só driblar os incertos escolhas das editoras por aqui, mas também as tributações que encarecem a chegada de um livro importado no Brasil. Falo de livros importados porque, como você mesmo pode conferir numa livraria grande (física ou virtual), muitas vezes ele é mais barato do que a edição brasileira – mesmo viajando de outro país para cá. Sério! Novamente, procurar um culpado por isso é entrar num labirinto de perguntas repetidas. É culpa das livrarias? Das editoras? Dos impostos?

Essa é uma questão que me acompanha desde os meus tempos de faculdade (e estamos falando novamente do começo dos anos 80!), quando eu não tinha exatamente um salário folgado para dispor de uma verba para livros. O dinheiro era meio contado nessa época – mas mesmo com preços que eu já achava exagerados, eu sempre priorizava os livros… E só não doía mais no bolso, claro, porque a recompensa da leitura era sempre maior. Mas para muito gente, naquele tempo assim como hoje, esse é um gasto que precisa ser avaliado – e muitas vezes, em prejuízo da cultura, suprimido. Hoje mesmo, me diga: quem é que gasta cerca de R$ 40,00 ou R$ 50,00 num livro sem pensar?

Há casos extremos. Outro dia, por exemplo, ao procurar por “A descoberta da Europa pelo Islã”, de Bernard Lewis (Perspectiva) – um livro que eu já tinha, mas que precisei de outro exemplar em cima da hora para preparar uma aula -, deparei-me com o seguinte preço: R$ 95,00. Isso! Noventa e cinco reais – e não pense que se trata de um volume fartamente ilustrado com iluminuras orientais… São 432 páginas de texto, eventualmente intercaladas com um ilustração em branco e preto. Um livro “sofisticado”, ou específico demais – você pode achar. Vamos pegar então um exemplo mais popular: “50 tons de cinza”, o enorme sucesso independente da escritora E L James (um pseudônimo). Comecemos pelo mundo físico: nas estantes que pesquisei (na internet), o livro, aqui editado pela Intrínseca, sai por R$ 31,00 (depois do desconto, já que o preço original é R$ 39,90). Numa amazon da vida: R$ 19,50 (U$ 9,57), com desconto – preço original, R$ 32,40 (U$ 15,95). A diferença de preços é significativa também para a versão digital: R$ 24,90 no Brasil, e R$ 20,11 (U$ 9,90) nas livrarias virtuais americanas.

Minha triste conclusão, depois de anos como consumidor de cultura, é que ainda continuamos a pagar muito caro por ela. Minha pesquisa, reconheço, tem uma amostra pequena. (E olha que eu nem entrei na questão do “truque da meia entrada” para cinema e espetáculos, que ao contrário do que se pensa, significa bons negócios para os produtores culturais). Mas se você por acaso achar histórias para me contradizer, por favor, mande em forma de comentário. Aliás, pode mandar também outros absurdos, no que diz respeito a preços de produtos culturais que você encontra por aí. Tenho certeza de que não faltam histórias assim…

Por que isso acontece com a gente? Eu realmente gostaria de entender. Esse é um mistério tão grande quando a nossa própria perseverança em querer ler, ouvir e ver tudo de maravilhoso que as mentes mais criativas do mundo teimosamente insistem em nos oferecer. E, com um pouco de sorte, nos encantar.

O refrão nosso de cada dia

“OK”, Tulipa Ruiz – extraída de um dos discos que mais tenho ouvido recentemente: “Tudo tanto”. Estou guardando para falar dele de maneira especial em breve, mas aqui vai esse aperitivo – aliás, fina iguaria…

Eletricidade

qui, 04/10/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

“Você acha que não vai acontecer com você, que não pode acontecer com você, que você é a única pessoa no mundo para quem nenhuma dessas coisas vai acontecer, e então, uma a uma, todas elas começam a acontecer com você, da mesma maneira que aconteceram com todo mundo”.

Assim começa o novo livro de Paul Auster. Escrito às vésperas de o autor completar 64 anos, “Winter journal” (ou, “Diário de inverno”, numa tradução tão apressada quanto a que usei para reproduzir o parágrafo acima) é uma meditação sobre a idade avançada – e a proximidade da morte. A exemplo de “Nada a temer”, de Julian Barnes (editado no Brasil pela Rocco, e aqui já comentado), trata-se menos de um discurso melancólico do que de uma saudável reflexão sobre o que vale a pena ser lembrado de uma vida – e, talvez até mais importante, o que vale a pena ser ponderado até o final dela.

Ainda não terminei de ler “Winter journal” (que, pelo que pesquisei aqui na internet, não tem uma previsão de lançamento imediato entre nós – quem sabe no Natal?). Mas já gualguei 38% dele, como me informa a barra de leitura do meu Kindle para iPhone. (Sim, eu sei: há algumas semanas eu estava aqui mesmo registrando minha primeira experiência com livros digitais – com “Skios”, de Michael Frayn  –, ainda sem saber se eu iria de fato abraçar o formato, e agora eu já estou aqui falando de outro “peccadillo”, assumindo que já comprei não só o livro de Auster digitalmente, como também uma edição em inglês de “Caixa preta”, de Jeniffer Egan, e um outro curioso volume: “The revenge of geography”, de Robert D. Kaplan”, que pretendo ler nas horas de avião que me esperam a partir da semana que vem… Mas eu divago – e apesar de este post ser, admito, pura divagação, vou tentar me controlar, pelo menos por enquanto). Enfim, não estou nem na metade de “Winter journal”, mas com seu texto nunca menos que envolvente, Paul Auster inevitavelmente provocou uma reflexão deste mesmo que vos escreve.

Aliás, não foi só ele. Como uma “madelaine proustiana”, uma música que decidi ouvir de um CD que eu havia comprado no início do ano e ainda conservava com seu celofane protetor provocou ontem em mim uma corrente de lembranças que me arrasta nas últimas horas de maneira um pouco incômoda, um pouco saudável – mas indiscutivelmente bem-vinda. As associações que tenho feito desde então têm interferido em tudo que faço: na aula de ginástica que sobrevivi (para onde estava a caminho quando ouvi a música); no almoço que preparei em seguida; na Ponte Aérea para o Rio; na conversa solta do taxista que me trouxe até meu local de trabalho; na reunião informal que tive com um colega sobre a série que estamos gravando com Ronaldo; nas primeiras chamadas que gravei para o “Fantástico” desta semana; no capítulo de “Avenida Brasil” que assisti logo em seguida; na conversa descontraída em torno de um combinado de sushi e sashimi que tive com amigos sobre o final da própria novela; na leitura que tentei fazer antes de dormir (de “Cloud atlas”); no meu próprio sono – ou melhor, na má qualidade dele, que me fez acordar hoje às 5h15 da manhã, sem nenhum motivo mais forte do que as próprias lembranças que não me deixavam. E pensei: quem sabe se eu escrever sobre elas aqui, eu poderia talvez exorcizá-las?

Assim, empurrei para frente outros assuntos que tinha programado para comentar aqui hoje e resolvi simplesmente soltar esses pensamentos na página do meu computador. Nada muito diferente do que faço muitas vezes aqui – e você que sempre me lê vai me dar razão. Mas aviso: o fluxo das ideias hoje promete ser ainda mais aleatório do que de costume, então segure-se. Venha comigo se você estiver neste espírito – ou então nós vemos na segunda-feira com um texto mais, hum, focado.

A minha “música-madelaine” faz parte de uma compilação que comprei na loja do Victoria & Albert Museum, durante uma viagem que fiz no começo deste ano. Lá, peguei os últimos dias de uma exposição chamada “Postmodernism, style and subversion 1970-1990” (“Pós-modernismo, estilo e subversão 1970-1990”), que mexeu muito comigo. Na época, voltando ao Brasil, pensei em escrever um post sobre ela, com o título de “You’re history!” (uma expressão bem comum em inglês, quase sempre usada com ironia, para indicar que alguém “já é passado”…). Não sei exatamente o que me impediu de falar sobre o assunto – terá sido uma certa polêmica em torno de Rita Lee? Fato é que fui adiando, adiando… e acabei quase que me esquecendo dessa exposição. Talvez tenha sido até um ato falho, tentando esconder um certo desgosto com “Postmodernism”, uma vez que a visita ao Victoria & Albert, como já era de se esperar, fez com que eu me sentisse, hum, velho.

Não exatamente velho – no sentido de fisicamente desgastado (essa, como sempre comemoro, é uma questão bem resolvida para mim, provavelmente pela boa relação que sempre tive com meu corpo, graças à dança). Mas velho no sentido de ter já acumulado coisas demais, principalmente no que se refere à cultura pop – que é minha paixão. Ou ainda, de ter me sentido, por tantos anos, como alguém que sabia mesmo o que era moderno, sempre – com um grande amigo desde os tempos de faculdade, costumávamos exclamar sem parar a expressão quando víamos algo… “Moderno!”. E que hoje está ligeiramente anestesiado com relação a isso. Ou não? Ainda vibro sim com coisas que se mostram inovadoras – como meu post recente sobre três bandas e seus segundos álbuns pode atestar. Mas o efeito da exposição “Postmodernism” parece não querer se afastar de mim. Sem eu consegui explicar por que,  olhos e ouvidos parecem às vezes cansados de entrar em contato com tanta “modernidade” – e será, eu me pergunto, que isso deve ser porque estou próximo dos 50 anos?

Nos meus rascunhos de ficção – uma área que eu exploro ainda com grande timidez – existe um conto chamado “Você vai”, onde numa atmosfera semi-rancorosa, mas também carinhosa, o narrador lembra a uma paixão imaginária, um par de décadas mais jovem que ele, que um dia ela vai passar por tudo isso que ele passa agora – inclusive o constrangimento de se apaixonar por alguém que é tão despreparado para o amor como essa paixão que dele se despede. (O conto mesmo, se eu vencer as inibições de um autor claudicante, um dia ainda publico – eventualmente até aqui mesmo). E fazendo uma conexão do coração direto para os sentidos, quando vejo, do alto dos meus 49 anos, um grupo de artistas, ou mesmo de seus seguidores, celebrando uma nova onda – que já foi “nouvelle vague”, bossa nova e até Jovem Guarda – eu tenho vontade de me aproximar e dizer algo como: “Prepare-se para ver tudo isso que você está criando/curtindo numa exposição no Victoria & Albert por volta de 2042!”. Imaginando que a ciência provavelmente deve me ajudar a chegar até os 70 anos  – otimista, eu? –, espero estar lá para ver…

Esse impulso, claro, é sempre controlado. Não tenho o direito de estragar festa nenhuma – ou cortar qualquer tipo de euforia. Até porque não iria adiantar nada. Se, em 1983, alguém me dissesse que a capa mais moderna e interessante que eu jamais havia visto – esta da “The Face”, com o New Order – fosse um dia parar em um museu, eu certamente cairia na risada. Mas lá estava ela, em uma sala especial dedicada ao design gráfico, logo depois de um grande salão onde videoclipes daquela época (entre eles, o icônico “Slave to the rhythm”, de Grace Jones), junto com tantas outras capas e pôsteres que eu achava que era o supra-sumo do moderno! Como diria Paul Auster, “Você acha que não vai acontecer com você…”.

Mas vai. Para cada Sophia Coppola e seu “Um lugar qualquer”, vai ter existido já um Wim Wenders” e um certo “O estado das coisas”. Para cada The xx vai ter existido um Cocteau Twins – assim como para cada The Vaccines vai ter tido um The Jesus and Mary Chain. Novo mesmo? Acho bom você esforçar para encontrar… Ou então mudar seu ponto de vista, Como diz um dos personagens do livro que estou relendo – o já citado “Cloud atlas”, de David Michtell – quando alguém lhe joga na cara que tudo já foi feito centenas de vezes: “Como se Arte fosse o ‘quê’ e não o ‘como’!”.

Não estou relendo o que escrevo com atenção, mas tenho noção de como posso estar soando um pouco melancólico. No entanto, faço questão de afirmar que todos esses pensamentos estão me deixando à beira de um estado de euforia. A tal “música-madelaine”, que estava na compilação vendida na mostra “Postmodernism” (junto com pérolas como “Penthouse and pavement”, do Heaven 17; “Fashion”, de David Bowie; “Transmission”, do Joy Divison; e “O Superman”, de Laurie Anderson, entre tantas), me encheu de energia. Estou ciente de que, no caso, a palavra rima com “nostalgia”, mas não estou falando de curvar-me ao passado para então celebrá-lo. Ao ouvir aqueles primeiros acordes me lembrei que da excitação de ouvir aquela faixa pela primeira vez – num “single” que um amigo tinha pedido para sua irmã trazer de uma viagem que havia feito pela Europa. E comparei com outras situações em que fui surpreendido por uma novidade – pela onda renovadora de alguém que está preocupado menos com o “quê” e mais com o “como”.

A caminho da academia – como já contei – ouvi essa música não apenas umas, mas duas, três, seis vezes, durante todo o tempo que durou o trajeto de poucos quilômetros, banhados no reconfortante trânsito matutino de São Paulo. E vibrei como se fosse novamente 1979. Mas estou ciente de que estamos em 2012. Eu não quero viver naqueles, hum, loucos anos de antes, mas quero experimentar a mesma excitação daquela época hoje. O que eu quero mesmo é perder a capacidade de me surpreender. Coloco um pequeno viés quando, pegando carona em Proust (quem dera eu tivesse o mesmo talento para desfilar tantas emoções), evoco um “sabor” do passado para me arrastar por um turbilhão de sensações presentes. Mas esforçando-me um pouco, consigo fazer uma linha do tempo que conecta, digamos,“Nowhere”, de Micachu a minha “música-madelaine” – e até a coisas anteriores. E assim renovo a esperança de que, com a tranquilidade que Auster e Barnes me inspiraram, eu não tenho que temer nem os 50 nem os 60 nem os 70. Nem o que vier depois – se vier. Se tudo vier com a devida eletricidade (você já vai entender). Até porque, isso vai acontecer com todo mundo. Até com você, tão moderno, tão moderna…

Sugeri, lá no começo, que essa seria uma viagem imprevisível. Acho que cumpri a promessa.

O refrão nosso de cada dia

Electricity”, Orchestral Manouvers in the Dark – esta é minha “música-madelaine”. Só isso.

Pais e filhos (parte 2.768) – e um beijo para minha “mãe”

seg, 01/10/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

O ator Julio Andrade dá vida a Gonzaguinha no filme (esq), e Chambinho do Acordeom, que interpreta Gonzagão dos 27 aos 50 anos

Eu ainda estou tentando entender por que eu gostei tanto de “Gonzaga, de pai para filho”. O filme – o mais novo trabalho do diretor Breno Silveira (“2 filhos de Francisco”) – abriu o Festival do Rio na última terça-feira, para uma plateia emocionada. E deve entrar em circuito comercial ainda este mês, para um público ainda maior, e não menos emocionado. Eu, no entanto, tive a oportunidade de conferir este novo trabalho há duas semanas, numa sessão especial para uma equipe do “Fantástico”, como uma espécie de “première” de uma serialização da mesma produção, que está sendo exibida pelo programa desde ontem (o primeiro episódio, se você não conferiu, está aqui). E desde então o filme não sai da minha cabeça.

Quando eu digo que ainda não entendi bem a razão de eu ter gostado tanto de “Gonzaga” é porque, à primeira vista, ele tem poucos elementos que se encaixam no gosto deste que vos escreve. Como você que acompanha esses recém-completados seis anos de blog (!), o baião não é dos temas que aqui aparecem com mais frequência. Independente do gênero musical, eu nasci tarde demais para testemunhar a explosão de Luiz Gonzaga como artista popular, e muito cedo para entender o que as letras de Gonzaguinha queriam dizer. Além disso, por se tratar de uma biografia de um artista bem popular, com sua trajetória da extrema pobreza ao reconhecimento nacional, eu tinha uma ligeira desconfiança de que o filme fosse um mero clone de “2 filhos”. E, para complicar tudo um pouco mais, quando então a sala ficou escura e as imagens finalmente começaram a tentar afastar todos esses meus pré-julgamentos, o que vi, naqueles primeiros minutos de “Gonzaga” foi uma construção confusa – que parecia não saber para onde ir. Seria uma ilustração da conversa que Gonzaga e Gonzaguinha gravaram já na vida adulta? Uma coletânea de momentos da carreira de um? Ou de outro? Gonzaguinha entra no palco, mas não ouvimos nenhuma música – será uma coletânea onírica-musical da vida dos dois? Seria uma história “chororô” de pais que não se dão bem com os filhos? Uma narrativa de suspense para descobrirmos se Gonzaginha é filho legítimo de Gonzagão?  Vamos começar a acompanhar tudo do começo, bem linear, desde a infância de Luiz (Gonzaga) ou seremos levados pela narrativa de seu filho (Gonzaguinha) a momentos selecionados dessa saga?

Comecei a ficar incomodado. Era como se Breno – que já havia provado ser um excelente contador de histórias (com a de Zezé di Camargo e Luciano) – tivesse resolvido ousar: jogar tudo para cima e deixar que o espectador construísse seu próprio filme. O que, diga-se, para um trabalho que pretende apresentar um antigo ídolo das massas a um novo público (o do cinema), sem alienar seus tradicionais admiradores, era no mínimo uma decisão arriscada. Mas então, cerca de uns dez minutos depois que “Gonzaga” começa, o filme toma forma. Um forte retrato inicial da miséria em Exu (Pernambuco) resvala um pouco em velhos clichês de momentos do cinema brasileiro que você prefere esquecer. Mas essa porém, é a última patinada do filme. Dali para frente, eu comecei a ser cativado não pelas distrações que me puxavam para a crítica fácil, mas para uma outra caraterística dos filmes de Breno que eu quase passei por cima: sua capacidade de tirar de atores pouco ou nada conhecidos interpretações que não só convencem, mas emocionam – capazes de te conduzir pela história, por mais tola que seja (e olha que a vida de Gonzagão não é nada tola…). E o primeiro desse elenco que me fez prestar atenção nisso foi Cláudio Jaborandy, que faz o papel de Seu Januário, pai de Luiz Gonzaga.

A partir dali, vi que “a coisa era séria”. Não que o filme fosse uma brincadeira – claro que não. Mas que por trás do que tinha tudo para ser uma produção fácil, havia um estupendo trabalho de atores e de direção – que justamente começava com Jaborandy e terminava em Julio Andrade, que faz o papel de Gonzaguinha adulto. Ou melhor, “fazer o papel”, no caso, é mero eufemismo para uma verdadeira reencarnação que acompanhamos na tela – mas já falo mais dele. Graças a esses atores incríveis – não só Jaborandy, mas também Cyria Coentro (como a mãe de Gonzaga) – toda a história então se ilumina, e deixa tudo a sua volta crescer, inclusive o talento ainda incipiente de Land Vieira, que interpreta Gonzaga na adolescência.

Retratar um personagem, mesmo da vida real, em várias etapas de sua vida é uma tarefa ingrata para um diretor. Primeiro, há a opção da maquiagem, mas que nem sempre funciona bem – aliás, nunca funciona muito bem, nem mesmo com Brad Pitt (lembra de “Benjamin Button”?). A alternativa é apelar para vários atores – e aí a escolha é sempre um perigo, pode ser sempre desigual. Por isso mesmo, é um prazer reconhecer que Breno teve a sorte de ver esse papel passar de Vieira para Chambinho do Acordeon, e dele para Adelio Lima, com a delicadeza de uma equipe de revezamento que está mais preocupada com a beleza da corrida do que com uma possível subida ao pódio. Com isso, quem passa pela vida “desses” Gonzagas só ganha na parceira – como Nanda Costa, por exemplo, que faz Odaleia, mãe de Gonzaguinha. Ou Ana Roberta Gualda, que vive Helena, a segunda mulher de Gonzagão.

Mas é no “embate” entre Julio Andrade e Adelio Lima que essas parcerias do elenco oferecem mais recompensas. Os encontros entre Gonzagão e Gonzaguinha na vida adulta nunca são menos que tensos. Mas Julio e Adelio transformam esses sutis duelos em elegantes acertos de contas. Entre eles, o meu favorito é o que Gonzaguinha, que está registrando uma espécie de entrevista com o pai – que teria desafiado o filho na linha: “Se você quer me conhecer de verdade, então se prepare para o que eu tenho para contar” -, desliga o gravador (daqueles antigos, com teclas barulhentas), e dá um basta nas fantasias do seu entrevistado. Não tive a chance de registrar o texto original, mas Julio/Gonzaguinha diz algo como: “Você já enganou muita gente com essas histórias, mas a mim você não engana não”… A temperatura sobe tanto que se Breno tivesse filmado isso com uma daquelas câmeras sensíveis ao calor, a imagem sairia apenas em tons de laranja e vermelho. E ao mesmo tempo a cena é quase silenciosa.

Gonzaga é, inevitavelmente, a figura central do filme – um herói meio cômico, meio constrangedor, meio inocente e meio piegas (mas teimoso que só ele!). É divertido não só ver como ele vence as adversidades (as suas participações em programas de rádio, na era pré-TV são impagáveis!), mas ainda como sua simplicidade ajuda a construir na memória do povo brasileiro o mito do Rei do Baião! Mas quando Julio/Gonzaguinha entra em cena, é como se nossa atenção fosse desviada para a história do filho – que talvez até um dia mereça uma biografia só sua… É na introspecção infinita de Gonzaguinha que vemos o drama de pai e filho – que nunca se deram bem – ir se desenrolando. Mais de um filho que já brigou bastante com o pai (este blogueiro, certamente, entre eles) vai se emocionar com as disputas, as turras, e até com as tréguas.

E foi assim, caro leitor, cara leitora, que este devorador de cultura pop abraçou, quase que relutante, “Gonzaga, de pai para filho, como o bom filme que ele é.

Acho que é a primeira vez, em seis anos, que faço um apêndice num post, mas tenho certeza de que você vai me perdoar. Pois faço isso para falar de Hebe, e fazer uma pequena homenagem a ela, que desde a sua morte no sábado, só tem recebido o carinho de quem a adorava e as honras de uma merecida dama da TV. Ela é a “mãe” a que me refiro no título acima – e faço isso sem pieguice (você já vai entender), e respeitando minha própria mãe, que fez parte de não apenas um, mas dois episódios em que minha vida cruzou com a de Hebe.

Ontem, num depoimento para o “Domingão do Faustão”, Antonio Fagundes fez um belo discurso, referindo-se a um certo egoísmo que se instala no coração de quem conheceu de perto uma pessoa pública e tem que se despedir dela. Fagundes, de maneira mais lírica do que eu sou capaz de traduzir aqui, falou sobre o aprendizado que é sabermos dividir o vazio da ausência de uma pessoa querida com uma multidão de admiradores que ela tinha. O que faz todo o sentido. E que me fez pensar que uma maneira de dividir isso é contar toda a gente alguma história sua com ela. E, no caso de Hebe, qualquer história, que qualquer admirador (ou amigo, ou familiar, ou colega de trabalho) contar, vai ser sempre de alegria.

A minha favorita é de quando eu fui convidado, pela MTV, a apresentar um prêmio no VMB de 1996. Eu havia acabado de entrar para o “Fantástico”, estava totalmente envolvido com o novo desafio, mas o convite que o Zico Goes (meu amigo e diretor da MTV) fez era irresistível: dividir o palco com a Hebe! Aceitei na hora. Mais de uma vez, eu já tinha ouvido brincadeiras na linha de que eu era parente dela – por causa, claro, do sobrenome. E o texto do VMB era em cima disso. Nós entrávamos, e Hebe, à queima-roupa, dizia algo como: “Eu estou aqui para dizer que o Zeca é meu filho biológico!”. Bomba! Só por isso, já teria sido muito divertido. Mas, sem eu saber, minha mãe (a verdadeira!) tinha sido convidada para a cerimônia – e naquele momento um holofote se acendeu sobre ela na plateia, ao que Hebe repicou: “Maria Inez, ele é meu”. Não me lembro bem se houve um selinho – talvez nos bastidores. Mas sei que saímos do palco às gargalhadas – e eu que já era fã (já tinha até ido ao seu programa, com a Astrid, num especial de festa junina, registrado nas fotos ao lado e acima), virei devoto.

A outra história é um pouco longa demais – e até pessoal demais. E envolve mais gente – Nair Belo, Roberto Carlos -, e muitas gargalhadas. Por isso, vou deixar para uma outra hora. Quem sabe até para a tal biografia que eu vivo adiando… Mas isso é outro assunto. Hoje quero terminar com a lembrança de uma mulher que sempre foi inspiração para muita gente, mas que eu respeito sem limites pela simples beleza do brinde que ela costumava fazer – e que a própria Astrid contou ontem de maneira carinhosa ao “Fantástico”.

“VIVA A VIDA!”.

O refrão nosso de cada dia

“Dezessete e setecentos”, Luiz Gonzaga – a homenagem é inevitável… Porém, como escolher de um repertório tão rico e divertido? O próprio filme “Gonzaga” me ajudou. Essa é um de seus mais antigos sucessos – mas faz apenas uma brevíssima aparição na sua biografia nas telas. Tem ritmo, tem levada, tem humor, e tem uma das estrofes mais divertidas de toda a história da nossa música: “Eu acho bom você tirar os novesfora antes que eu vá embora e deixe a conta sem pagar; eu já disse que essa droga está errada vou buscar a tabuada e volto aqui pra lhe provar”… A escada perfeita para a confusão do refrão: “É dezesseis e setecentos/ É dezessete e setecentos”… Genial! Genial! Genial!

 



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