O que aconteceu com os discursos divertidos de agradecimento?

seg, 27/02/12
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Todo mundo adora falar que a cerimônia de entrega do Oscar é sempre chata. Meio que na contramão, eu sempre me vi obrigado a defender a festa – achar alguma coisa que fosse diferente todo ano, e, mesmo que a produção do espetáculo (porque é um espetáculo, não é mesmo?) não colaborasse com um momento mais criativo, fosse no roteiro ou nas próprias falas dos apresentadores, havia sempre a possibilidade de alguém enlouquecer nos discursos de agradecimento. Gritos, ataques de riso, de choro, uma referência maliciosa (ou até elegantemente maldosa) a alguém ali na plateia, um elogio inesperado, quem sabe até um silêncio propositalmente constrangedor… Todo ano sempre trazia alguém que quebrava a rotina – e que depois me fazia pensar que voltaria a nos divertir em cerimônias futuras, quando, em digamos 2022, alguém resolvesse fazer uma colagem dos melhores (e mais engraçados) momentos desses agradecimentos. Bem, quem quer que vá editar esse vídeo daqui a 10 anos vai ter problemas para selecionar alguma coisa do Oscar 2012 – uma vez que a festa que eu vi ontem foi indefensavelmente… chata!

Como sempre, desde que comecei a dedicar o post de segundas-feiras depois do Oscar aos comentários da festa, tenho que explicar que não assisti à transmissão desde seu início. Como talvez você acompanhe, eu trabalho no domingo à noite, mais ou menos até as 23h… Depois disso tenho que “limpar a área” lá no serviço – e só então correr para a casa de algum amigo ou amiga que está reunindo um grupo que adora cinema. E pegar de onde estiver. Assim, era pouco mais de 23h30 quando finalmente eu me sentei para ver, se não uma cerimônia diferente, pelo menos um daqueles discursos engraçados. Como já adiantei, minha expectativa não foi recompensada.

Octavia Spencer e Meryl Streep namoram seus troféus

Se os prêmios pareceram previsíveis – a única surpresa mesmo (e mesmo assim, olhe lá!) foi na categoria de melhor atriz -, os discursos então eram tão bem comportados que pareciam vir de uma turma de formandos do ensino médio (ou melhor, eu acredito que alunos do ensino médio poderiam vir com coisas mais criativas). As listas de sempre estavam lá – mulher, filhos, produtores, colaboradores… Ah! E Deus! Mas aquele elemento fundamental para dar sabor a um evento especial parecia ter sido barrado logo no tapete vermelho: o improviso!

Talvez por conta de um pequeno “escândalo” (note as aspas) numa outra transmissão ao vivo recente da TV americana – os ridículos protestos por conta do gesto “obsceno” que M.I.A. fez durante a apresentação estupenda de Madonna no intervalo do último Super Bowl (mais um exemplo do falso puritanismo que assola o público americano, e eventualmente o brasileiro – mas se eu entrar nessa discussão eu certamente vou divagar…) -, enfim, talvez para não correr riscos de ninguém se comportar “mal”, a organização do Oscar tenha proibido terminantemente qualquer gracinha (Sacha Baron Cohen, talvez o único ator, além de Ricky Gervais, que tenha entranhas para desafiar o “toque de recolher” velado da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, foi brincar na festa da chegada e acabou convidado a se retirar).

Fato é que tudo parecia muito duro – duro demais. Os textos dos atores convidados, então, davam a sensação de terem sido tão passados e repassados que o “teleprompter” (aquele aparelho que reproduz em frente às câmeras o texto que o apresentador tem que ler – um recurso que, em nome da transparência, admito, usamos até no “Fantástico”) poderia até ser dispensado. Billy Crystal – que este ano voltou a ser o mestre de cerimônias – tinha alguns lampejos de espontaneidade, mas mesmo esses me pareciam um pouco forçados. Tudo enfim colaborou para que eu e os amigos que assistiam comigo frequentemente dedicássemos mais atenção a alguma conversa paralela do que propriamente ao “teatro da compostura” que se desenrolava no Kodak Theater, em Los Angeles.

Mesmo assim, esforcei-me para colecionar alguns comentários sobre a noite – que, como sempre, gosto de dividir com você (e mesmo saber se concorda ou não comigo). Vamos a eles – só lembrando, comecei a acompanhar a festa depois das 23h30, mais precisamente da hora em que duas estrelas genuínas apareceram num balcão do teatro…

23h30
Caco e Miss Piggy surgem animados – e ela definitivamente disposta a chamar a atenção de um Steven Spielberg (ausente). O texto era divertido – você já assistiu a algo que envolve os Muppets e não é divertido? -, mas não me ajudou a entender do que se tratava exatamente o número musical (e de dança) que veio a seguir. Era sensacional – especialmente aquele início que fazia uma referência a “Intriga internacional”, pegando uma carona nas arriscadas acrobacias aéreas “à la” Homem-aranha na Broadway (ou “Xanadu” aqui no Brasil…). Era bonito, mas confuso – eu estava chegando na casa da minha amiga, falando com todo mundo, não consegui focar minha atenção. De qualquer maneira, fiquei feliz em saber que era uma performance – de fato original – do Cirque du Soleil

23h39
Vejo Billy Cristal pela primeira vez. Ainda sem prestar muita atenção, percebo que ele está falando algo sobre “idade não importa” quando o assunto é cinema? Será que não importa mesmo? Cada vez vejo menos jovens nas salas de cinema onde frequento – a não ser que o está em cartaz é um genérico de “Missão impossível” ou “Transformer”. As novas gerações claramente estão cada vez menos interessadas em cinema… Comento isso com os amigos – e faço força para finalmente me interessar pela transmissão.

23h41
Robert Downey Jr, numa tentativa de ser engraçado, entra acompanhado de câmeras para apresentar prêmios para melhores documentários. Sacou? Ele estava “participando” de um documentário sobre a vida de quem apresenta cerimônias de premiação. Hilário?

23h44
Chris Rock em cena – e o mínimo que você pode esperar é um comentário irreverente. E ele vem: antes de apresentar o melhor prêmio para longa-metragem de animação, ele diz que já participou de algumas produções do gênero, e que é bom ver que os atores negros também recebem muitos convites para fazer a voz de bichos em desenhos… Desde que os bichos sejam um burro ou uma zebra! Fina ironia… O leve mal estar causado pelo comentário logo foi apagado pelo aroma geral de água sanitária da noite – que eu já estava percebendo, menos de 15 minutos depois de começar a assistir…

23h52
Péssima tentativa de Emma Stone (que estava ótima em “Histórias cruzados”) de fazer graça como uma estreante histérica na apresentação do Oscar, antes de premiar “A invenção de Hugo Cabret” por seus efeitos visuais. A essa altura eu já me perguntava se o resto da noite estaria mais para esse clima ou para o de Chris Rock… Nem precisei esperar muito pela resposta…

23h57
Misericordiosamente sem se aventurar pelo reino do humor (ou será que ela fez uma piada e ninguém riu?), Melissa Leo anuncia que Christopher Plummer é o melhor ator coadjuvante do ano, por “Toda forma de amor” – um ótimo filme sub apreciado, na minha modesta opinião. Previsível, claro. A concorrência era fraquíssima, uma vez que essa categoria, ao lado da de “melhor ator”, é uma das mais frouxas este ano.

00h07
Billy Cristal chega com um interlúdio quase engraçado – se a memória não me falha, com um truque que já havia sido tentado em anos passados: ler a mente de estrelas na plateia. O melhor momento, claro, foi com o Uggie – a verdadeira estrela da noite! Sabe quem é, não sabe? O cachorrinho de “O Artista”, claro!

00h09
Em seguida, Billy Cristal quase me conquista tirando um onda com ninguém menos que o presidente da Academia, Tom Sherak. Ele deixa o palco depois de um agradecimento ultra formal – e Cristal dispara algo como: “Obrigado por causar um frenesi no público, Tom”. Momento Ricky Gervais, é verdade. Mas que infelizmente era uma exceção.

00h11
Atenção estrelas e pretendentes! Penélope Cruz entra no palco – para anunciar o prêmio de melhor trilha sonora original – e ensina a todas o que é glamour. Anotaram tudo? Parece que Owen Wilson estava com ela – mas não tenho certeza. Como se diz em Portugal… não percebi!

00h15
Em outro momento que (acho) deveria ser engraçado, Will Ferrel e Zach Galifianakis entram tocando pratos – sim, pratos – para anunciar a melhor canção. E, como todos os sites destacaram hoje, esse Oscar não foi para o Brasil… (Fico me perguntando se a notícia teria tanto destaque assim se tivéssemos ganho a estatueta… Nossa cobertura, sempre suspeita, adora uma derrota… Mas eu divago, vamos voltar ao Oscar!). Convenhamos… Se “Rio” não foi indicado nem para melhor filme de animação, as chances de ganhar com a música não podiam ser grandes. Uma das amigas que assistiam ao Oscar com a gente fez aniversário à meia-noite. Demos parabéns e presentes – e por breves momentos, a nossa festa parecia mais animada do que a de Los Angeles.

O magro braço de Angelina Jolie

00h25
Fui só eu que achei que os braços de Angelina Jolie – no palco para apresentar o Oscar de melhor roteiro adaptado e original – eram um sinal claro de anorexia? O rosto belíssimo. A  bela coxa que ela fez questão de colocar para fora, também. Mas o que era aquele braço? O pessoal de “Os descendentes” ganhou – e lá veio mais um discurso chato…

00h28
Woody Allen ganhou o Oscar pelo melhor roteiro (original) de “Meia-noite em Paris”. U-hú! Estou comemorando de verdade! Mas até isso foi meio previsível. Ah! Woody Allen não foi receber a estatueta. Previsível, também…

00h31
Vejo, pela primeira vez, uma colagem de depoimentos de atores e gente de cinema tentando explicar o que faz um “grande filme”. Pois é… Ninguém sabe…

00h36
Mila Jovovich entra no palco para apagar a lembrança do braço de Angelina Jolie. Sua presença é a primeira da noite – desde que eu comecei a ver – a fazer frente à de Penélope Cruz. Que Oscar ela apresentou mesmo? Ah, sim: aquelas categorias mais técnicas – acho…

00h37
O elenco de “Missão madrinha de casamento” entra em cena para premiar vários “curtas” – documentário, ficção, animação. A palavra para o formato em inglês não tem gênero – é apenas “short”. O que dá uma ótima oportunidade às meninas para fazer trocadilhos sobre o tema “Tamanho é importante?” – trocadilhos esses que funcionam muito bem, pelo menos antes da tradução… Esse foi, até agora – e imagino que até o final da noite – o momento mais ousado de toda a festa. Nada que fizesse @sigapiovani corar, claro… Mas pelo menos ninguém pode acusar os produtores da festa de não terem tentado… (Fiquei com vontade de ver o curta de animação vencedor, “The fantastic flying books of Mr. Morris Lessismore” – mas sabemos que as chances de isso ser lançado oficialmente por aqui são mínimas…).

00h50
O quê? Michael Douglas está no palco para apresentar o prêmio de melhor diretor? Já? Vou fazer um elogio “torto”: o Oscar desse ano pode até estar chato, mas não está arrastado. Como isso é possível? Mistérios de Hollywood. O vencedor é, claro, o diretor de “O Artista”. Todos na plateia se preparam para um longo discurso em inglês, com forte sotaque em francês – mais ou menos na linha do que fez Ludovic Bource, quando ganhou pela trilha original. Michel Hazanavicius não decepciona nesse sentido – e após declarar que esqueceu seu discurso de agradecimento, soltou aquela longa lista de nomes… O único momento fofo quando quando ele agradeceu sua mulher, Bérénice Bejo – que é a atriz principal do filme. Quase chorei – sem ironia.

Milla faz esquecer os braços de Jolie

00h54
Meryl Streep chama um vídeo com a festa de entrega de prêmios especias – Oprah recebeu um! Eu diria que ela já está treinando o controle de suas expressões caso não leve o Oscar de melhor atriz daqui a pouco… Sei que Viola Davis é a favorita (antes de eu começar a assistir, Octavia Spencer ganhou como a melhor atriz coadjuvante, também por “Histórias cruzadas”). Mas eu torço por Meryl!

01h02
O já tradicional “momento tributo” (aos que morreram no ano passado) foi sóbrio, simples e sincero. “What a wonderful world”, de fato…

01h11
Mais uma daquelas colagens de gente falando o que sente quando faz e/ou vê cinema – e Billy Crystal chega com mais um sopro de espontaneidade (ou seria de honestidade?): “Eu nunca senti nada disso que eles estão falando”. Ponto para Crystal! Que por sua vez chama Natalie Portman para anunciar os indicados ao prêmio de melhor ator. Reiterando: achei essa categoria fraquíssima este ano. O que já indicava uma barbada para Jean Dujardin (“O artista”). Era curioso ver como ele reagia ao texto de Portman sobre sua pessoa – claro, em inglês, língua que Dujardin não domina. Nem por isso ele deixou de arriscar um belo discurso de agradecimento – o único que deu uma “pirada”, pelo menos no finalzinho, quando ele liberou geral e começou a falar francês. O “refresco” de naturalidade chega tarde demais… Só faltam dois prêmios para a festa terminar.

01h23
Colin Firth vem e faz a mesma coisa que Natalie, só que agora dirigindo-se às atrizes. Pessoal! Isso ficou legal da primeira vez, mas se for virar rotina… O que me chama atenção a essa altura é a beleza de Viola Davis! Deixou as perucas de lado e veio com seu cabelo natural – a não ser pela cor (pintou de um laranja escuro). Ela só havia aparecido de relance – o diretor de TV ainda não a havia privilegiado (acho que o cara era parente de Sandra Bullock – essa sim, presente em qualquer corte de câmera!). Agora todos podiam vê-la bem – radiante num vestido verde. Bonita sem maiores truques, Viva Viola! O prêmio, porém, não foi para ela, mas para Meryl Streep – que o recebe com um discurso meio antipático (“Metade das pessoas que estão assistindo isso em casa estão falando: ah não, de novo…”). O que não tira seu mérito. Depois de tantas indicações ela tinha mesmo que ganhar um Oscar – já fazia tempo. E o bom é saber que ela ainda vai ser indicada por muitos outros papéis. Por isso mesmo eu proponho desde já a Academia a criação de uma nova categoria: Oscar de melhor Meryl Streep!

01h31
Se podemos falar em surpresas, a maior da noite foi ver Tom Cruise ali no palco para anunciar o melhor filme deste ano. Tom Cruise? A filha de uma amiga nossa ali presente, já com seus 20 anos, foi impiedosa: “Ele está velho”, disse ela. E estava mesmo. Como sou apenas um ano mais novo que ele, posso falar… Seu rosto estava estranho, como se os músculos da face estivessem permanentemente lutando para se apresentar como se fosse 1986 de novo – e “Top gun” tivesse acabado de estrear… Passado esse estranhamento, porém, veio um belo vídeo de artistas e pessoas envolvidas com as produções indicadas “defendendo” a estatueta para os filmes que representavam – pense em um participante do “BBB” justificando porque deve continuar na casa… Esforço inútil, claro, pois o vencedor era barbada: “O artista”. E tome mais discurso com sotaque francês!

Não me entenda mal – não quero terminar esse post com um tom rabugento. O clima no palco nesse final era altíssimo astral! Acho que a Academia – como vários “gurus de Oscar” já escreveram hoje – estava tentando passar um recado (se bem que ninguém sabe direito que recado era esse). Ao premiar um filme sem diálogos – atenção “brigada do spoiler”: dizer que “O artista” é um filme mudo não significa revelar um segredo da trama! -, o Oscar dá voz a uma certa nostalgia, a um recado do passado que parece vir nos lembrar das razões que fazem do cinema algo tão importante para todos nós. Então, que fale – e alto – uma nova geração de diretores (da qual Hazanavicius faz parte)!

Mas quem eu queria mesmo ouvir para fechar a festa era Uggie… Meio com a cara assustada, em plena comemoração ali no palco, ele parecia ter na cabeça a mesma pergunta que todos nós que acompanhamos a premiação estávamos formulando: “É isso?”.

O óbvio ululante

qui, 23/02/12
por Zeca Camargo |
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A Unidos da Tijuca é a campeã de 2012 do Carnaval carioca. Desenvolver sobre o tema hoje aqui seria algo como plagiar a mim mesmo. Afinal de contas, mais de uma vez dei minhas explicações neste mesmo espaço sobre os motivos que justificam a consagração do carnavalesco Paulo Barros como um dos maiores criadores da história dos desfiles das escolas de samba do Grupo Especial (se você precisar refrescar sua memória, ou se for novo – ou nova – por aqui, clique aqui e aqui.

Claro, eu poderia falar da originalidade de um carro – e toda um ala – reproduzindo figuras de barro de Mestre Vitalino. Ou da proposta de mudar a perspectiva do olhar para um carro alegórico onde seus participantes emprestam os braços para se tornarem “asas brancas”. Eu poderia tentar achar uma coisa original sobre mais uma transformação de algo tão previsível quanto nosso corpo na comissão de frente da Tijuca 2012 (Lembra-se do que ele fez no ano passado, com cabeças que “rolavam” na fantasia? Pois Paulo Barros foi além…). Ou ainda eu poderia exaltar a simplicidade e a beleza de uma ala de retirantes – que ao mesmo tempo relê e homenageia a ideia dos mendigos na passarela do samba, criada por outro gênio do Carnaval, Joãosinho Trinta (homenageado este ano também pela Beija-flor). Mas isso todo mundo já está fazendo. Como um coro arrependido, a horda de jurados voluntários de escolas de samba – um grupo talvez só menor do que o de “técnicos de futebol” entre nós, brasileiros – se apressa em juntar elogios repetitivos à criatividade de um cara que já era original há muito tempo. Mas tem gente que precisa de uma confirmação oficial para perceber isso… Então aí está: Unidos da Tijuca, campeã de 2012. Salve Paulo Barros! (E salve Luiz Gonzaga!).

Mas se não vou falar sobre essa vitória hoje, você pergunta, por que toda essa introdução? Ora, porque vou falar de uma coisa muito parecida – algo que o próprio Paulo Barros, intuitivamente ou não, evoca em cada uma de suas criações: a capacidade de encantar os olhos. Ou se preferir, o dom de inventar os sonhos.

Por uma feliz coincidência, nessa mesma temporada em que vi de perto o desfile da Tijuca, assisti também a um dos filmes favoritos ao grande prêmio do Oscar este ano: “A invenção de Hugo Cabret” (eu até agora estou tentando entender qual é a “invenção” de Hugo Cabret à qual o título em português se refere – mas eu divago…). E fiquei chocado com a coincidência inesperada: se Paulo Barros este ano fez mais um convite (e talvez o mais convincente) para que nosso olhar deixasse de lado o racional e se conectasse com a imaginação, em “Hugo”, Martin Scorsese, homenageando um dos pioneiros do cinema, Georges Méliès, faz uma proposta muito semelhante. E quem há de resistir?

“Hugo” não começa bem. Aliás, o comecinho mesmo é até sedutor. Os passeios de Hugo Cabret (interpretado pelo garoto Asa Butterfield, quem, de maneira irritante, tem mais expressões no nariz do que Jean Dujardin em “O artista” – e olha que de nariz eu entendo…) pelos corredores secretos da estação de trem na Paris dos anos 30 são tão estonteantes que Scorcese faz você achar que toda a tecnologia de cinema em 3D foi criada justamente para isso. Depois dessas explorações mirabolantes, porém, a história dá uma desacelerada – ou, como diria a imortal Nádia Zulpério, interpretada por Regina Casé, o roteiro encontra um bolsão narrativo…

Hugo, com a ajuda de uma amiga, tenta desvendar o mistério de um boneco mecânico deixado por seu pai – que já morreu. Os vários closes do rosto do boneco, alternados com o rosto do próprio Cabret, acabam resultando em longos momentos onde nada acontece (pior: o rosto do “automaton” ameaça superar o de Asa em capacidade de se expressar!). Mas logo o segredo da máquina é desvendado: ela é capaz de desenhar – e a imagem que o boneco produz abre uma nova possibilidade de narrativa. E logo estamos diante do fascinante mundo do então esquecido Méliès. E que mundo incrível é esse…

Diante das imagens mirabolantes dos trailers que assisti antes de a sessão de “Hugo” começar – o mais frenético deles, sem dúvida, é o de “John Carter” –, as criações de Méliès parecem extremamente ingênuas. Mas quando você para e pensa que aquilo era feito há mais de um século, não tem como não reconhecer que aquilo sim é que era o trabalho de um visionário. Quando Hugo descobre quem é Méliès, sua obra já está quase esquecida – e é com a ajuda de um acadêmico de cinema, Rene Tabard (interpretado por Michael Stuhbarg), que ele é redescoberto, numa aclamação triunfal!

Como uma daquelas cerejas no topo do bolo, Scorcese oferece ao espectador uma amostra da alucinada imaginação de Méliès, com trechos de uma fração de seus trabalhos originais que sobreviveram até hoje. É pouco – e esse pouco que vemos nos faz ter vontade de ver muito mais. Mas já é suficiente para nos convencer de que tudo isso que a gente está tão acostumado a ver numa tela – qualquer tela, até mesmo essa aqui do computador (ou tablet ou celular), onde você está lendo este texto) – é fruto de mentes brilhantes como a desse cineasta.

Mais de uma geração já nasceu e cresceu nesse mundo de imagens. E talvez para esses espectadores – “jovens” de várias idades –, o deslumbramento que seus olhos ainda podem oferecer parece coisa corriqueira, quase um pressuposto. Mas não é assim. Para criar justamente esse universo visual onde hoje seus globos oculares orbitam – em vídeo games, em filmes, em computações gráficas infinitas – é preciso sempre existir alguém que, como diz uma amiga minha, “jogue a lanterna lá para frente” e nos mostre a direção.

Méliès fez isso na virada do século 20. Scorsese nos relembra isso com virtuosismo neste início do século 21. E Paulo Barros, mais uma vez, nos lembra que nem é preciso ser cineasta para reinventar os sonhos…

Por falar neles, segunda-feira, claro, como já é tradição, falamos de Oscar. Proteja-se!

O refrão nosso de cada dia

How it should be (sha sha)”, Ben Kweller  – como hoje falamos de visionários, aqui apresento o refrão de um deles. Em 2000, um total desconhecido de 19 anos lançou um disco independente chamado “Sha sha”. Não vou dizer mais nada – a não ser que você nunca ouviu nada como essa música – uma faixa escondida no meio desse trabalho. Um refrão desestruturado, brilhante. Que hoje divido com você. Tente não errar a hora de cantar “sha sha”…

Extra! Extra! Leia tudo sobre como é fácil fazer os colunistas publicarem o que você quiser!

ter, 14/02/12
por Zeca Camargo |
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Deu certo! Eu esperava escrever sobre isso apenas na quinta-feira, mas eu, claro, subestimei a rapidez da própria internet – e a falta de assuntos dos colunistas de celebridades! Então, por isso – e talvez abusando de sua paciência -, fiz esta edição extra no blog. Apenas para provar como é fácil manipular o que passa por notícia hoje em dia…

Ontem fui convidado para dar uma aula inaugural para alunos que entraram no último vestibular da ESPM, em São Paulo. O evento tinha um sabor especial: eu mesmo fui calouro da ESPM – cerca de 30 anos atrás… No meu tempo, os únicos cursos que existiam por lá eram justamente de Propaganda e de Marketing (o P e o M da Escola Superior). Hoje, porém, você pode se preparar para várias carreiras por lá – inclusive para a de jornalista! Por isso tudo, fiquei bastante animado em aceitar o convite para falar para cerca de 1.400 pessoas – entre alunos e seus pais.

Preparei a aula com uma espécie de trajetória da minha carreira, mas também fiz questão de ressaltar o que é importante para a vida de quem está entrando numa faculdade – que para mim, independente da profissão que o estudante (ou a estudante) escolher, tem que ser a atitude de ter uma cabeça aberta, justamente para absorver não só o que é dado em sala de aula, como todas as múltiplas experiências a que somos expostos nesse período tão fértil. Especialmente para quem vai trabalha com informação, eu queria chamar atenção para a confusão que existe hoje em dia entre o que é relevante ou não, o que conta como informação ou simplesmente ruído -ou ainda, o que era notícia ou não.

Para ilustrar isso, fiz uma espécie de teste: enquanto falava sobre o acaso (minha “religião”) e a imprevisibilidade das coisas, “revelei” aos alunos que, momentos antes de entrar no palco do teatro, ao sentar para autografar um livro, o puxador da gaveta da mesa onde apoie pegou na lateral da minha calça – e fez um pequeno rasgo. Aproveitando o “gancho”, falei que isso logo logo viraria notícia – que alguém ali na própria plateia poderia twittar aquela “notícia” e em seguida isso estaria sendo divulgado aos quatro cantos.

O rasgo em si não era nada demais: não mais de dois centímetros na lateral externa da coxa direita. Em momento algum me senti constrangido – a “fenda” era praticamente invisível de uma distância de mais de 50 centímetros. E, dito isso, prossegui com a palestra, na certeza de que alguém ali teria mordido a isca e, incapaz de resistir à tentação, teria twittado a tal “notícia”…

Para isso sair do auditório onde eu dava a aula para a primeira página de um dos portais de notícias mais lidos do Brasil (o uol), levou cerca de 24 horas! Há alguns minutos, abri a página inicial do site – e estava lá: “Zeca Camargo conta ter rasgado calça em palestra”. Comecei a rir – e estou rindo até agora…


Não porque o título, de tão mal escrito, leva o leitor a crer que um peguei minha calça num gesto furioso e a rasguei durante uma palestra – ou poderia até ser uma performance artística, sei lá! Mas a graça que eu estava achando tinha justamente a ver com o sucesso da armadilha que eu havia preparado para os colunistas de plantão – uma armadilha, diga-se, para que ficasse claro sua incompetência, preguiça, e, em última análise, irresponsabilidade. Afinal de contas, se você abraça o jornalismo, o mínimo que você pode fazer é ter a responsabilidade de apurar o que está escrevendo para que sua relação de credibilidade com o leitor (ouvinte, telespectador, internauta) permaneça intacta. No caso, a “notícia” do uol é um primor de “lavação de mãos”…

Como boa parte do que é publicado na internet hoje, a primeira providência é atribuir a responsabilidade de divulgação da “notinha” para outra pessoa. No caso, a o texto do uol, a “autoria” da notícia era dada ao colunista João Fernando, do jornal “Agora”. Sem dar nenhum contexto – quem liga para isso hoje em dia? – a notinha afirma que eu passei por um “vexame” – justamente o contrário do que eu havia colocado à plateia da ESPM (que riu do “acidente” como um evento natural). A foto publicada, como você pode imaginar, não era do “vexame”, mas de arquivo – mais precisamente (já que faltou apuração, vou dar aquela “forcinha”) do dia em que comemoramos meu aniversário na Redação do “Fantástico” no ano passado, durante as gravações do quadro “Medida Certa”.


Minha sede de informação pedia mais: fui saber o que João Fernando havia escrito sobre o “vexame”. E no link do jornal “Agora”, lá estava a “notícia”: ” Durante uma palestra para universitários no Teatro Bradesco, em São Paulo, a calça de Zeca Camargo rasgou no palco no momento em que ele falava sobre imprevistos. Na mesma hora, o apresentador revelou o acidente para as cerca de 1.400 pessoas da plateia”. Onde estava a palavra “vexame”? Na criatividade do redator da nota da uol, é claro! Não que a informação de João Fernando fosse um primor de apuração… Não definiu a proporção do rasgo, o contexto em que eu havia contado sobre isso, e muito menos minha previsão de que aquilo logo viraria “notícia”.

Pois é… Virou! E com isso eu deixo você descansar e se preparar para este Carnaval. Assuntos tão relevantes como esse devem pipocar na sua tela nos próximos dias. Quem sabe outros acontecimentos como esse não vão abalar o mundo!

Mais uma vez, bom Carnaval! Com a ajuda de foliões como esses envolvidos no “vexame da minha calça rasgada” (sem contar os responsáveis pela minha “entrevista” na revitsa “Multticlique”, sobre a qual comentei no post anterior), a farra em 2012 promete!!!

Você também pode entrevistar Whitney Houston hoje mesmo – pergunte-me como

seg, 13/02/12
por Zeca Camargo |
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Não tive a chance de entrevistar Whitney Houston, uma das mais importantes (e controversas) artistas pop das últimas recentes – ou, se você preferir, uma das últimas grandes divas da música popular internacional. No auge de sua carreira, eu já trabalhava na MTV, mas sua ascensão foi tão estratosférica – e a jogou tão para o alto – que ela era, no início dos anos 90, uma das artistas mais inacessíveis do universo (e olhe que eu falo do ponto de vista de quem, àquela altura, já tinha chegado perto de ninguém menos do que Axl Rose…). Uma situação que só se tornou ainda mais exagerada depois que o papel principal do filme “O guarda-costas” – ajudado pelo sucesso universal de “I will always love you” – a catapultou para o histérico universo das estrelas de Hollywood. A própria vida, porém, iria ajudá-la a voltar para a realidade – uma aterrissagem nada suave…

Foto: AFP

No final dos anos 90 – e, mais adiante, durante todo esse início do século 21 – ela não deixou de ser uma personagem interessante para uma entrevista, mas por motivos alheios a sua música. Os escândalos da sua vida pessoal – do casamento turbulento às internações em clínicas de reabilitação – tinham se tornado o foco da sua carreira. E esse não era um assunto que Whitney estava a fim de discutir, a não ser fosse numa poltrona, de frente para Oprah Winfrey… Claro que, se eu tivesse tido a chance de conversar com ela, não falaria apenas disso. Afinal, uma artista tão poderosa como Whitney Houston certamente teria muitas outras histórias para contar.

Sobre sua herança musical, por exemplo – como a música fazia parte de sua família (pensa que é todo mundo que tem o privilégio de ser afilhada de Aretha Franklin?). Ou das suas escolhas de repertório – algo que certamente a diferenciou de tantas outras cantoras donas de vozes não menos interessantes da sua geração. Seu casamento com Bobby Brown – que pode ser chamado de, no mínimo, turbulento – também seria assunto, talvez como uma boa oportunidade de explorar suas fraquezas emocionais, algo que, quem sabe, explicaria a intensidade com que Whitney cantava o amor. E inevitavelmente falaríamos também do álcool e das drogas, mas tudo sempre dentro de um conforto que uma boa entrevista consegue dar ao entrevistado, até que ele se sinta à vontade para revelar coisas que nem pensava discutir a princípio (nisso, tenho experiência – mas eu divago…).

Com sua morte – que, numa idade que é exatamente a deste que vos escreve, eu só posso chamar de prematura –, a possibilidade de uma reportagem assim acontecer agora é, claro, igual a zero. Mas será mesmo? Uma entrevista que li recentemente jogou uma nova luz no impasse dos encontros “impossíveis”. E o mais surpreendente é que essa entrevista era… comigo mesmo!

Trata-se de uma matéria “publicada” na revista “Multticlique”. As aspas que acabei de usar são necessárias porque essa revista, ao que consta, só existe no mundo virtual. Ela é, como o slogan estampado na própria capa esclarece, “sua praia nas redes sociais”. É bonita, com um ótimo design gráfico, cheia de  assuntos interessantes – e mais: não só boas reportagens como também bons trabalhos de ficção. Digo isso, porque a entrevista que li nesse número especial da revista (100!) – só lembrando, comigo mesmo – tem partes inteiras que foram pinçadas, não de um “bate-bola”, mas de textos meus, postados aqui mesmo neste blog. Sem falar de outras que foram totalmente inventadas.

Duvida? Então vamos começar… do começo! Tive uma surpresa logo na primeira pergunta “editada” (acho que não preciso mais explicar as aspas que vou usar em temos que geralmente servem para definir elementos da atividade jornalística, certo?). Reproduzo aqui o texto da página 57:

“O que você faz para tentar se manter dentro das tendências do mundo?

Sempre gostei muito de ler. Desde os tempos em que as pessoas se informavam pelo jornal. E isso já parece tão distante. Hoje, por exemplo, adoro ver os cartoons da revista The New Yorker’. Eles são um bom exemplo da cultura pop corrente”.

Logo que li isso, pensei: não me lembro de eles terem feito essa pergunta! Eu não tinha o menor registro dessa questão. Pior: a minha “resposta” soava bastante familiar com um post que eu havia escrito aqui mesmo muito recentemente, sobre o filme “As aventuras de Tintim”. Veja você mesmo como começa este meu texto:

“Há algumas semanas, um dos cartoons da revista ‘The New Yorker’ – que são, em geral, um bom termômetro da cultura pop corrente – trazia a imagem de um casal se vestindo, com o marido, que segurava uma peça de roupa com o inconfundível rosto do jovem repórter de topete loiro estampada, dizendo…”

Teria eu me traído? Será que os cartoons da “New Yorker” estão tão inseridos no meu pensamento que eu acabo usando-os como referência várias vezes sem eu mesmo saber? Ainda um pouco confuso, fui adiante na “entrevista”. E na página seguinte, 58, encontro a outra surpresa em forma de “pergunta & resposta”:

“Lembra-se do que mais leu na infância?

Eu li todos os volumes de As aventuras do Tintim (personagem representado por um jovem repórter curioso, que se metia em casos de investigação criminosa ou em conspirações políticas). Posso garantir que me lembro de cabeça de todas as passagens , como por exemplo a chegada dele à Sildávia, a sessão paranormal, a sequência do esparadrapo… Eu amava Tintim”.

Aí eu tive certeza! A tal “entrevista” da “Multticlique” estava mais para um pastiche de coisas que eu mesmo havia escrito do que uma reprodução de um questionário que eu havia respondido – o que geralmente a gente chama de… entrevista! Afinal, a minha “resposta” à pergunta que jamais foi feita diretamente a mim (“Lembra-se do que mais lia na infância?”) tinha sido adaptada de outro trecho do mesmo post sobre “Tintim”:

“Se lhe interessar a opinião deste fã assumido de Tintim – que já deixou isso claro aqui mesmo neste espaço (…), e que também não só leu todos os volumes com suas aventuras na adolescência, como lembra várias passagens de cabeça (como esquecer da sessão “paranormal” de ‘As sete bolas de cristal’; ou a chegada de Tintim à Sildávia, em ‘O cetro de Ottokar’; ou a sequência do esparadrapo que vai passando por vários passageiros dentro de um avião – certamente a página de quadrinhos que mais me fez ria na minha vida!) –, enfim, se lhe interessar a minha opinião, eu digo que adorei o que Spielberg fez…”.

Comecei a ficar um pouco perturbado. Não apenas pelo, hum, plágio (se é que posso usar essa expressão nesse caso), mas pela enorme preguiça que o entrevistador (Jorge Nicola) demonstrou. Não apenas por não perguntar isso na entrevista original (eu teria rapidamente respondido que o que lia avidamente na infância eram quadrinhos da Disney, e já na tenra adolescência passei a devorar tudo quanto era livro de Agatha Christie), mas por sequer dar-se ao trabalho de procurar aqui mesmo, no próprio blog, por uma referência das minhas primeiras leituras – num post de 2007, eu deixava claro minha paixão pela grande dama do romance policial.

Parece ruim? Pois fica pior… Na página seguinte, 59, o assunto muda para cinema:

“E filme? Qual o mais antigo que recorda ter gostado?

O mais antigo eu não lembro. Já estou ficando velho né? Mas poucas coisas me deram tanta emoção no cinema quanto ‘Missão impossível 4’ e todos os ‘Transformes’ juntos”.

Sim, eu sei. A resposta acima não faz o menor sentido. Não só ela deixa a pergunta no ar, como foge do assunto. Se é que foi isso mesmo que o “editor” quis colocar para seus leitores. O resultado é um frase que só faz sentido quando você lê o trecho de onde essa “colagem” foi pinçada (também o mesmo post sobre “As aventuras de Tintim”):

“Quando eu digo que adorei a adaptação – poucas coisas que vi no cinema me deram tanta emoção em sequências de ação (incluindo ‘Missão impossível 4’ e todos os ‘Transformers’ juntos) quanto dois trechos de ‘Tintim’ sobre os quais vou falar mais daqui a pouco”.

Ou seja, o que a “Multticlique” “publicou” não só está confuso como distorce o próprio sentido das minhas palavras originais! O que havia me dado tamanha emoção não era exatamente “Missão impossível 4” ou “Transformers”, mas a adaptação que Spielberg fez de Tintim para o cinema. Raras vezes vi um texto tipo “samba do crioulo doido” tão… doido!

E essas são apena as partes da “entrevista” que foram “adaptadas” de um texto original. Em uma outra “pergunta & resposta”, Nicola (desculpe-me a intimidade, mas sinto que o “autor” me conhece tão bem que resolvi referir-me a ele no mesmo tom) tira conclusões sobre minha personalidade simplesmente “interpretando” o que escrevi. Veja no texto da página 60:

“Você já foi em algum dia da sua vida um cara encrenqueiro?

Nunca. Sempre prevaleceu meu espírito de paz. Não quero arrumar briga com ninguém, a ponto de costumar escrever as opiniões no meu blog e morrer de medo de desagradar, ofender, irritar. Já até descrevi dois ponto, para agradar gregos e troianos”.

Eu poderia processá-lo só por sugerir que algum dia eu usei publicamente um clichê tão surrado quanto (sic) “agradar gregos e troianos”. Mas, lembrando do trecho do blog de onde ele “tirou” isso, eu fiquei completamente sem ação:

“Não quero arrumar briga com ninguém – aliás, nunca quero. Por isso mesmo, preparei aqui dois comentários diferentes – e você pode escolher aquele que quer ler. Ou melhor, aquele que, depois de ler, você vai ter menos vontade de brigar comigo. Primeiro, um comentário para quem foi (ou vai) assistir a ‘As aventuras de Tintim’ e não é fã do personagem – ou mesmo nem tinha ouvido falar dele antes dessa adaptação para o cinema. E, em seguida, um comentário para o que podemos chamar de ‘a minha turma’: gente que já conhece bem a obra de Hergé e estava (ou ainda está) um pouco apreensiva quanto à produção. Pode escolher qual fala mais com você!”

A partir daí, a “entrevista”… decola! E passa a ter trechos de pura invenção. Como essa minha “memória do passado”:

“Como era o Zeca Camargo criança?

Eu era um menino apaixonado por música, que não tinha a menor ideia de que iria partir para o jornalismo. Pensava em ser bombeiro”.

Novamente, era só ter me perguntado… Todos meus amigos de infância – e familiares, claro – sabem que meu sonho de criança era ser arquiteto (cheguei a passar no vestibular da FAU, na USP, mas não fui adiante). Agora… Bombeiro? De onde o “entrevistador” tirou isso? Talvez do mesmo lugar onde ele “descobriu” que eu era supersticioso, como está na página 65:

“Tem alguma superstição?

Já tive várias, como descer da cama com o pé direito, nunca passar debaixo de uma escada, fugir de gato preto, ficar em casa o máximo que conseguisse nas sextas-feiras 13. Hoje, vejo tudo isso como uma grande bobagem”.

Mais de uma vez aqui no blog – e em várias outras situações, de palestras em faculdades a conversas com amigos – disse, de uma maneira ou de outra, que minha “religião” é o “acaso”! Nunca fui supersticioso, nem no passado. Quando muito, se Nicola tivesse feito mesmo uma pesquisa, eu costumo brincar (já falei isso em várias entrevistas – sem aspas – e até mesmo numa reportagem no “Vídeo Show”) que gosto de pegar uma mala na noite do reveillón e dar uma volta completa na casa onde estou, para que isso traga muitas viagens no ano que chega. Novamente, se ele tivesse me perguntado…

Mas ninguém pergunta mais nada nesses tempos onde basta você repetir uma mentira algumas vezes na internet (ou, atualizando a regra, basta você retwittar um hashtag à exaustão na sua rede social) para ele virar verdade. Eu sei que não fui eu quem disse essas coisas que descrevi acima para a “Multticlique”. Mas será que seus leitores sabem? Na minha opinião eles estão tão perdidos quanto, por exemplo, as 110 mil pessoas que seguem um tal de zecacamargo1 no Twitter – uma pessoa qualquer que usa meu nome para mandar “pérolas” em 140 toques, que não têm absolutamente nada a ver com o que eu realmente penso (a menos, claro, que ele cite alguma coisa que escrevi aqui…). Ou tão iludidos qaunto qualquer outro internauta mais descuidado que só tem uma fonte de informação e acha que aquilo é a verdade absoluta.

Nos primórdios da internet, lembro-me bem de certos “profetas” que viam este meio como uma promessa de um “novo iluminismo”. Tantas seriam – como são de fato – as possibilidades dessa “rede mundial de computadores”, que era possível vislumbrar um futuro em que as pessoas fossem mais esclarecidas, informadas, articuladas. Como vários exemplos facilmente colecionáveis na própria internet, não foi isso que aconteceu. As pessoas estão, aparentemente, mais confusas, menos esclarecidas – e, numa triste ironia, mais certas de que estão mais bem informadas. A melhor prova disso são as “discussões” surreais que vemos em fóruns e seções de comentários (inclusive neste blog). Não estou falando, claro, de você, que me acompanhou até aqui com sua leitura atenta. Mas acho que posso contar com sua cumplicidade quando afirmo que os “iluminados da internet” são de fato a exceção.

Na semana passada, no “Week in Review” (caderno de ideias do jornal “The New York Times”), foi publicado – sem aspas – um ótimo artigo sobre a morte (simbólica) de um personagem curioso, o “cyberflanêur”. Recomendo sua leitura para quem quer se aprofundar no assunto “o que aconteceu com a promessa iluminista desse admirável mundo novo” – e proponho até discutir o artigo de maneira mais extensa depois do Carnaval. Mas por enquanto, vamos ficar por aqui. Tentando acreditar que existe coisa boa na internet, sim! E torcendo para que não apareça por aí nenhuma “entrevista exclusiva” com Whitney Houston, usando o mesmo método que a “Multtclique” usou para a minha entrevista…

Na internet, como vimos, tudo é possível…

O refrão nosso de cada dia

“I’m just a girl”, Hortense Ellis – já teve gente reclamando que eu não gosto de reggae, e que nunca indico nada desse gênero por aqui. Pois o refrão de hoje está aqui par desmentir isso. Aqui está um pequeno clássico – da época em que o reggae valia a pena ser ouvido. É uma das melhores faixas da incrível sério “Studio One” – essa especial com cantoras. O refrão em si é de uma simplicidade constrangedora. Mas funciona tão bom que sua cabeça fica repetindo “I’m just a girl” sozinha, mesmo na (longuíssima) parte instrumental da música. Separe oito minutos do seu dia para entrar nesse clima…

Mulher rica

qui, 09/02/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

No fim da tarde da última segunda-feira – que é, para os que conhecem minha rotina de trabalho, “meu domingo de folga” – coloquei para ver um DVD que esperava há tempos: “The Black Power mixtape 1967-1975″. Trata-se de um documentário lançado no ano passado nos Estados Unidos, que por pouco não consegui assistir da última vez que estive em Nova York (com uma agenda apertada, acabei decidindo usar minhas únicas horas livres para ver “Tabloid” – o que quem leu meu post sobre o documentário vai concordar que não foi uma má escolha). Desde então fiquei obcecado por esse trabalho – assim que ele foi lançado em DVD, encomendei pela internet, e alguns dias depois (esta segunda) lá estava eu pronto para ver o “Mixtape”!

É sensacional. Explicando rápido, trata-se de um precioso registro esquecido. Entre 1967 e 1975, várias equipes de TV da Suécia fizeram extensas reportagens sobre o movimento negro americano – e sobre o cotidiano da população negra também. Os jornalistas não apenas acompanharam as grandes figuras do movimento (Stokely Carmichael, Huey P. Newton), como também colecionaram depoimentos de pessoas comuns, pintando assim um retrato nada generoso da sociedade americana nesses anos tão turbulentos. O resultado é devastador.

(Não tenho notícia de que esse documentário chegou no Brasil, ainda que em algum festival de cinema. Tampouco acho que as chances de o grande público daqui possa vê-lo são grandes… Assim, se o assunto de hoje te interessar, recomendo que você também encomende seu DVD na internet. Duvido que você vá se arrepender).

Para alguém que, como eu, nasceu e viveu num país que se recusa admitir que tem um problema racial, “The Black Power mixtape” é como uma lembrança, cruel e muito distante, de algo que nós mesmo jamais fomos capazes de concretizar: uma luta pela igualdade social. Entendo – e, por tudo que sei do assunto, respeito – as questões pelas quais os brasileiros lutavam exatamente no mesmo período: uma liberdade ainda mais abrangente, a do pensamento (político e além). Mas de alguma maneira, essa enorme batalha que nossa juventude dos anos 60 e 70 enfrentou deixou de lado um outro “probleminha” que os Estados Unidos – ao mesmo tempo que lutava (em outro nível) por mais liberdade e contra uma guerra nada popular (alguma vez já existiu uma guerra popular?), ainda achou espaço para tentar resolver uma questão de mais de um século. Justamente a segregação entre negros e brancos naquele país.

Essa comparação, estou ciente, é superficial. Cada sociedade tem seus “nós” e descobre, sempre intuitivamente, a melhor maneira de lidar com elas. Não estou dizendo aqui que o Brasil – no que diz respeito às questões sociais – deveria ser mais como os Estados Unidos. As lutas dos anos 60 e 70 mudaram muita coisa por lá, mas não passaram nem perto de resolver essas diferenças. Aqui, tivemos também nossos enfrentamentos e nossas conquistas – e, infelizmente, ainda gostamos de acreditar que quem levanta a questão racial por aqui está chamando atenção para um problema “menor” (a esse grupo, eu recomendo a leitura de um artigo recente na “The Economist” sobre como estamos lidando com o assunto nos último anos – e já adianto o título do texto, só para você perceber o tom: “Afirmando a divisão”). Tudo que quero hoje é chamar a atenção para esse documentário que vi – e que, de tão poderoso que é, quem sabe não pode inspirar alguém que está pensando seriamente na questão do racismo no Brasil?

Enfim, eu estava extremamente absorvido no DVD, quando a noite começou a chegar. E um irmão meu, que também é meu vizinho, me chamou para jantar na casa dele – um convite que, eu já sabia, incluiria não apenas um delicioso macarrão ao pesto fresco (preparado na hora por minha cunhada), mas também um bom “digestivo”: assistir a mais um episódio de “Mulheres ricas”. Ligeiramente tentado a continuar assistindo ao “Mixtape”, hesitei. Mas o filme ainda tinha uma meia hora até terminar – e, como era cedo, eu poderia voltar também cedo para casa e concluir a minha sessão. Atravessei a rua, comi um belo jantar, e relaxei (bastante) com o “reality” das cinco milionárias que resolveram se expor para as câmeras da televisão.

Segure seu comentário precipitado. Não vou aqui me juntar ao coro dos, hum, “protestos” contra um programa como “Mulheres ricas”. Além de repetitivas, as, hum, críticas a um programa como esse me parecem ligeiramente anacrônicas. Lembro-me dos ruidosos protesto que nossos colunistas mais conceituados escreveram quando a revista “Caras” surgiu no Brasil em meados dos anos 90. “Absurdo!”, “Ridículo!” – gritavam alguns. Mas outras mentes mais iluminadas tiveram a lucidez de perceber que a própria revista – ou melhor, a chegada desse tipo de imprensa ao Brasil (algo que na Europa já tinha comprovado ser uma fórmula de sucesso) – era simplesmente mais um reflexo da própria sociedade que vivemos. Ou ainda, que construímos.

De lá para cá, muito pouca coisa mudou. Hoje, “descolados”, informados, e conectados que somos, com a rapidez de quem escreve 14 caracteres em menos de um minuto, rimos de “Mulheres ricas” com a doce ignorância de quem não tem espelho em casa. Vi mais de uma voz condenando o programa, como se fosse a última gota d’água de uma sociedade que, de tão decadente, “precisa” ser extinta. Ora, amigos… todos nós sabemos que os retratos que vemos em “Mulheres ricas” não são o “fim da picada” – aliás, não são o fim de coisa nenhuma. São apenas o começo. Acho fundamental assistir um programa como esse para que você entenda melhor o mundo à sua volta – e não se chocar quando, no meio do trânsito, ou num shopping de luxo (ou não), você topar com alguém reclamando de algo que o dinheiro não conseguiu comprar. Ou quando você simplesmente assiste à milésima cena de humilhação social – que de tão frequente, você quase se esquece de que aquilo jamais poderia ser considerado uma coisa normal.

Enfim, as maiores críticas (e os maiores elogios) a “Mulheres ricas” não precisam ser feitas aqui por este humilde blogueiro. Você, tenho certeza, tem condições de analisar o programa com um filtro bastante pessoal e inteligente – e tirar suas conclusões. Dei essa volta para fazer essa citação apenas em função do tal documentário – que, só lembrando, falava do movimento negro nos Estados Unidos, no final dos anos 60, começo dos 70. Ainda com as primeiras cenas de “Mixtape” frescas na memória, foi inevitável para mim perceber que, em todo o episódio de “Mulheres” que vi (segunda-feira, 13 de fevereiro) a presença de pessoas negras era quase imperceptível. Acho que contei duas “participações”: uma de um “assistente” da decoradora Brunet Fracarolli; e outra de um trabalhador que estava fazendo uma reforma no escritório da joalheira Lydia Sayeg (a quem ela dirigia alguns vitupérios por não terminar “nunca” o trabalho) – é possível que, num “flashback”, onde a, hum, “caminhoneira” Débora Rodrigues, escolhia um “personal trainer”, alguns candidatos “morenos” também tenham aparecido rapidamente, mas posso estar confundindo os episódios. Acho que o “placar” foi esse mesmo: dois personagens negros em todo um episódio com mais um retrato de mulheres ricas no Brasil.

Depois de umas boas risadas (“Truck! Truck!”) e mais algumas sequências ligeiramente incômodas, voltei para a minha casa e retomei meu DVD – “The Black Power Mixtape 1967-1975″. E uma das cenas que me aguardavam era uma entrevista que um repórter sueco fez com uma “prisioneira política” (você já vai entender as aspas) chamada Angela Davis. Angela estava presa, acusada de ter emprestado uma arma para um colega seu interromper um julgamento altamente político (e racial) – um “incidente” que resultou na morte de seu amigo, duas testemunhas negras e um juiz (branco). Não havia nada que ligasse Angela ao crime – a não ser o fato de que a arma estava registrada no seu nome. Dezoito meses depois de te sido presa e julgada, sem evidências suficientes, ela foi libertada. Mas quando ela ainda estava na prisão, o tal repórter da TV sueca conseguiu uma entrevista exclusiva com ela. E lá estava eu assistindo a este trecho.

Nele, diante de uma pergunta na linha “por que o movimento negro usa violência?”, Angela, com sua voz que fica entre o histérico e o angelical, dá uma das respostas mais emocionantes que eu já ouvi na minha vida. Se você quiser conferir, mesmo sem legendas, encontrei esse trecho do filme no Youtube. Mas, só para te dar ideia da força das suas palavras, o que ela diz, mais ou menos chocada, é algo como: “Você me pergunta sobre violência, eu acho que você não sabe muito bem do que você está falando, pois eu cresci no Alabama, onde vivíamos com medo de ataques constantes, onde na rádio ouvia-se alguém importante dizendo que pessoas negras estavam se mudando para determinada área e que isso geraria confusão, e claro que a confusão vinha, e quando a mãe de uma amiga da minha irmã pediu nosso carro emprestado para ir à cena de um ataque a uma igreja, ela muito preocupada que sua filha estava lá, o que encontramos ao chegar na igreja eram corpos e membros soltos, então quando você me faz essa pergunta, eu tenho a certeza de a pessoa que me faz essa pergunta não faz a menor ideia do que os negros passaram neste país”.

Insisto: isso é só uma tradução aproximada do que ela fala. Nenhum esforço meu aqui em ser literal poderia substituir a força da própria voz de Angela Davis – que, felizmente, é viva até hoje e dá outros depoimentos emocionantes no documentário. Eu só queria que você separasse dois minutos e cinquenta e dois segundos do seu dia para ouvir o que ela fala (aqui está o link, mais uma vez!). E depois me respondesse o que significa para você uma mulher rica.

O refrão nosso de cada dia

“Wetsuit”, The Vaccines – ainda dá tempo de resgatar mais uma banda que não ganhou atenção devida em 2011? Pois aqui está a melhor faixa da estreia do Vaccines. Com um dos melhores refrões dos últimos tempos, aiás… “C’mon, c’mon”…

“O dinheiro vem pra confundir o amor”

seg, 06/02/12
por Zeca Camargo |
categoria Todas

As palavras do título de hoje são, claro, de Criolo. E embora eu vá falar de artistas que habitam uma galáxia completamente diferente da dele, a citação não podia ser mais oportuna.

Foi, mais uma vez, obra do acaso. Fui ao show de Criolo no Circo Voador, no Rio de Janeiro, no último sábado – um convite de última hora de uma amiga que tinha um ingresso sobrando (uma vez que todos já estavam vendidos). Não podia recusar. Depois de passar boa parte de 2011 ouvindo seu nome e sua música (não foi à toa que ele entrou na minha última lista de “entertainers” do ano), eu já estava devendo a mim mesmo a oportunidade de vê-lo de perto. Achei curioso que isso acontecesse no Rio – e não em São Paulo. Mas qualquer receio que eu tinha de que uma plateia carioca não recebesse bem alguém tão identificado com a cultura pop paulistana foi desfeito quando eu vi aquele Circo Voador inteiro cantar: “Não existe amor em SP”…

Dono de um gestual único – Lady Gaga, se vir, copia tudo! –, Criolo é uma presença e tanto no palco. Em cada música ele parecia tão emocionado como se aquilo fosse um show de despedida – e não um de apresentação (que era mais o caso para boa parte das pessoas que estavam ali naquela noite). Ou isso, ou ele é o melhor ator da face da Terra – o que eu acho que sinceramente não é o caso. Para minha surpresa ainda maior, boa parte dos presentes acompanhava as músicas, cantava letras inteiras, com a mesma emoção. Tudo enfim colaborou para fazer daquela performance um evento especial.

Foi quase no fim do show que ele cantou “Linha de frente” – um de seus maiores sucessos –, e quando ele mandou o verso “o dinheiro vem pra confundir o amor”, alguma coisa bateu fundo em mim. Não foi nada a ver com uma experiência pessoal, mas com três videoclipes “fresquinhos” que eu tinha visto exatamente no sábado. Dois deles, de cantoras internacionais consagradas, que poderiam muito bem deixar “essa bobagem” de música de lado e aproveitar a sua fama, mas que “insistem” em se reinventar. E um outro, de um artista brasileiro extremamente popular – pelo menos no passado – e que, num gesto desesperado para recuperar essa popularidade dá uma guinada no seu som e na sua imagem – e infelizmente não é para melhor. As palavras de Criolo serviam muito bem para definir a carreira não só desse último artista, mas a de tantos outros que um dia esquecem que credibilidade é tudo na relação de um músico com seus fãs – e quando essa linha de confiança se quebra, quando o dinheiro fica mais importante do que o amor (sobretudo o amor ao que ele faz, a própria música), os resultados não são apenas desastrosos para sua carreira, mas também para nossos ouvidos.


Já falo desse último clipe. Mas agora, prefiro começar com os bons exemplos – os das cantoras que, incansáveis (e milionárias), ainda escolhem colocar o amor à frente do dinheiro: M.I.A. e Madonna. Antes, claro, uma nota de esclarecimento: nenhuma dessas artistas faz um trabalho beneficente. M.I.A. e Madonna (mais ainda!) fazem música porque gostam, e porque isso traz muito dinheiro para a vida delas. Mas por essas amostras recentes de sua inspiração musical, a preocupação em fazer uma música boa – e eventualmente uma pequena obra de arte (ainda que pop) – vem à frente de qualquer outra intenção. (Madonna, claro, na sua carreira de várias décadas, nem sempre foi honesta nesse sentido: os fãs, mesmo os mais devotos, devem reconhecer alguns álbuns que pareciam mais “caça-níqueis” do que um manifesto artístico – mas se entrarmos nessa discussão agora, vou divagar…).

Você já ouviu “Gimme all your luvin’ ”? Se ainda não fez esse favor a você mesmo, faça-o agora. E me responda: quantos segundos são necessários para você ser fisgado pela música? 46 (quando entra o refrão oficial)? 34 (quando começa o que parece ser um falso refrão)? Sete (o tempo em que ela estoura uma porta e começa efetivamente a cantar uma abertura musical irresistível)? Três (o suficiente para o corinho “L-U-V, Madonna” entrar permanentemente nos seus ouvidos)? Tanto faz… Em menos de um minuto, você sabe que está diante de uma canção pop contagiante. Lembra-se da primeira vez em que você ouviu “Music”, da própria Madonna? É mais ou menos o mesmo processo…

(Falando nisso – e sem querer divagar demais – você viu ontem sua apresentação no show do intervalo do Super Bowl? Não é difícil de achar na internet – um dos links está aqui. O que é aquilo?? Quem mais pode fazer uma coisa daquelas se não Madonna?? Aquilo é que é poder! Um mix de seus maiores sucessos – sim, “Music” e mesmo “Luvin’ ” estão lá, e também “Like a prayer”, “Vogue”… Tudo de bom! Eu chorei, só pelo privilégio de viver em um tempo onde isso é possível de acontecer – mas vamos deixar isso para outra hora…).

Sabe como você consegue fazer uma música assim? Dedicando-se ao nem sempre tão fácil ofício de construir uma boa canção. Madonna, como você sabe, não faz nada sozinha. Assim como nesse clipe glorioso ela trabalhou com um time de ponta – que atende pelo nome de MegaForce –, para compor a canção ela também contou com parcerias. O sucesso de “Luvin’ ” tem a ver com dois fatores importantes: a colaboração do produtor Martin Solveig; e as impagáveis participações de Nicki Minaj e M.I.A. . Sim, são elas que abrem o clipe cantando “L-U-V, Madonna!”. E são elas que fazem participações importantes, não só para atualizar o som da própria Madonna, como para confirmar aquilo que todo fã já sabe: que o segredo para ela não envelhecer nunca é estar sempre conectado com o novo.

Essa “lição” não é uma novidade. Mas, a fórmula depende de uma química perfeita – que Madonna, M.I.A. e Minaj certamente têm, e que os elementos do clipe que falei anteriormente (aquele em que o dinheiro confundiu o amor) simplesmente não têm. Independente do  número de gorilas que você quiser colocar em volta de ma piscina. Mas eu, agora sim, divago…

Niki Minaj, uma das boas surpresas do pop americano recente, é um poço de carisma. E M.I.A. – bem, quando ela que ela deu um passo em falso? Ao lado de Madonna, ela não chega nem a competir com sua anfitriã, tamanha é a sua presença. M.I.A. olha para a câmera como se fosse sua única dona – e quando chega a hora de seu solo, toda a música se vê obrigada a assumir uma outra cadência. Mas, tão elegante quanto generosa, ela sabe que é “apenas” uma convidada – e se contém. Brilha, mas sem exageros. Afinal de contas, se é para mostrar poder, M.I.A. tem um novo clipe também saindo do forno. E, nele, ela simplesmente arrasa.

Chama-se “Bad girls” – mas não espere nem de longe algo parecido com a música homônima de Donna Summer (se você tiver dificuldade de localizar quem é essa cantora, pergunte aos seus pais). M.I.A., como no seu “clássico” “Born free”, trabalha com o diretor Romain Gravas (por sua vez, filho do cultuado diretor Costa-Gravas). Se no vídeo anterior ela já tinha criado polêmica (eu cheguei a colocá-lo como um dos 30 clipes mais importantes da história, numa lista publicada aqui mesmo), com imagens de extrema violência – que, longe de serem gratuitas, serviam como uma metáfora ao racismo –, agora M.I.A. cutuca uma outra fera mais de perto: ela vai no coração de uma das culturas mais conservadoras e fechadas do mundo (a do mundo árabe) para mostrar que, mesmo ali, tem gente se esforçando para ser diferente. E põe diferente nisso.

A música em si já é um achado – tenho certeza de que, no fundo de algum estúdio de gravação, Missy Elliot está ligeiramente passada com a introdução de “Bad girls”. Mas multiplicando a força do som, as imagens do clipe são uma revelação. Quem diria que, por trás de tantos “hijabs”, “dishdashas”, “chardores” e véus a gente encontraria uma galera tão “assanhada”? Em meio a peripécias com carros em alta velocidade, nas cercanias de uma cidade em algum canto do Oriente Médio, um bando de jovens mostra que aquilo que você vê em vídeos de rappers americanos e acha tão “radical” acontece também em outras partes do mundo – e em situações ainda mais extremas.

Motoristas de rostos cobertos zarpam em BMWs e Alfas Romeos e levantam poeira, derrapando em curvas impossíveis. Isso quando não estão em duas rodas – não numa moto, mas nos próprios carros, tombados para um lado, enquanto, pelas janelas das portas opostas, “bad girls” e “bad boys” fazem pose (e, por que não?, M.I.A. faz as unhas…). De vez em quando surge um cavalo no meio da paisagem árida – mas é só para desafiar os próprios carros (e seus motoristas alucinados). Enquanto tudo isso acontece, uma moçada – sempre em trajes tradicionais (se é que um “chador” de oncinha pode ser chamado de “tradicional”) – assiste a tudo com animação moderada. E alguns até se entusiasmam em ensaiar uma coreografia (a imagem que mais chamou minha atenção é uma fila de homens rasgando alguns passinhos ao longo da estrada, enquanto garotas esboçam curvas sinuosas no meio dos carros, e M.I.A. solta o mais hipnóticos que todos os refrões que produziu).

Tem ainda o carro mais “cool” que você já viu na sua vida, todo de neon e com portas transparentes… E uma manobra realmente arriscada em que os caras literalmente queimam a sola de seus tênis deslizando grudados na porta dos carros em altíssima velocidade… E o moleque de “hijab” dando uma pirueta em uns canos (de oleoduto?)… São tantas imagens exuberantes – e inesperadas – que eu ficaria aqui descrevendo tudo por parágrafos e parágrafos. Mas acho que faz mais sentido você assistir ao vídeo por inteiro. O que eu quero mesmo é que você veja e sinta-se, no mínimo, “cutucado”. Espero que esse “Bad girls” te tire do seu referencial, e te lembre que tem muita coisa interessante no mundo. O que M.I.A. faz com esse vídeo é te apresentar um novo ponto de vista. Sabe aquela coisa “descolada” que você achava que era legal porque uma determinada cultura – que “ninguém” conhecia – fazia? Pois é… Tem um pessoal lá no meio do Oriente Médio fazendo – e fazendo mais radical. Globalização, para mim, é isso! E obrigado, M.I.A., por me lembrar disso. Obrigado por ir mais longe na sua música, e no que você quer dizer com ela. Obrigado por me apresentar algo que eu nem sonhava que existia – e fazer disso, arte. Isso, enfim, é não deixar o dinheiro confundir o amor.

Dei não apenas um, mas dois exemplos de como isso é importante. E me estendi tanto na defesa deles, que acho que nem vale a pena me alongar um pouco mais com o contra-exemplo. Inevitavelmente, nos próximos dias, você vai esbarrar nele. E quando você perceber que não se trata exatamente de uma música, mas uma colagem (muitos dirão “pastiche”) de um pagode, um hip-hop e uma dancinha de comemoração de gol, já vai ser tarde… O melhor vai ser torcer para que “isso” passe logo. E para ajudar na torcida, pode chamar M.I.A. – e chame também Madonna! Chame Criolo – qualquer um que esteja preocupado em mexer de verdade com a cultura pop. Vale até Michel Teló! Tudo menos “isso”…

O refrão nosso de cada dia

“Claire”, Baxter Dury; “Megumi the milkway above”, Connan Mockasin – sim, eu fiquei “devendo” um refrão no post passado. Pois aqui vão dois muito bons para você hoje – que estão relacionados de uma maneira inesperada. Finalmente recebi (com algum atraso) o número especial da revista francesa “Les Inrockuptibles”, com os melhores discos do ano – uma irrefutável fonte de descobertas, mesmo para quem, como eu, tenta acompanhar tudo de bom que é lançado na música atual. Boa parte do que eles separaram em 2011 eu já conhecia – e alguma coisa já foi inclusive citada aqui. Mas, no CD que acompanha a publicação, sempre tem algo que vale a pena destacar – e é isso que eu vou fazendo agora, indicando duas faixas de artistas que, sim, passaram pelo meu radar em 2011, mas acabaram ganhando menos atenção do que deveriam ter ganho. O primeiro deles é Baxter Dury (quem diria… eu era fã de seu pai, Ian Dury, nos anos 80…), com a adorável “Claire”. E a outra é mais um lembrete para você de que Connan Mockasin foi um dos melhores artistas a aparecer no ano passado – injustamente esquecido. Acompanhe os dois refrões da seleção da “Inrock” – e, se puder, corra atrás do CD inteiro: “La bande-son Les Inrockuptibles 2011″.

Interpretação de texto

qui, 02/02/12
por Zeca Camargo |
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A ideia inicial deste post, como o título indica, era mesmo ajudar aqueles que estavam com dificuldades de entender o que eu quis dizer com meu texto anterior – e a julgar por boa parte dos mais de 800 comentários que chegaram, acho que essa ajuda era mesmo mais que necessária. Mas aí eu fui assistir à mais nova adaptação para o cinema de “Millenium – Os homens que não amavam as mulheres” e achei que poderia usar a mesma metáfora da “interpretação de texto” para falar não apenas desse filme, mas também de outro bom título lançado recentemente, que também saiu de um ótimo livro: “Precisamos falar sobre Kevin”. (Aos que ainda precisarem de uma luz sobre o que eu realmente escrevi na última segunda-feira, acompanhe o texto até o final, já que vou começar a falar mesmo desses dois bons filmes – afinal, como você que me acompanha sabe bem, este blog tem a “mania” de olhar bem mais para frente do que para trás; mas eu, claro, divago…).

No que diz respeito à responsabilidade junto aos fãs, o roteirista Steven Zailian (de “Millenium”) tinha uma tarefa muito mais difícil do que a de seus colegas Lynne Ramsay  e Rory Kinnear (“Kevin”). Afinal, o que Zailian tinha em mãos era simplesmente um dos livros – de literatura “adulta” (isto é, descontando a saga “Harry Potter”)  – mais populares do século 21! O original de “Precisamos falar sobre Kevin”, de Lionel Shriver, fez também muito sucesso no mercado editorial (inclusive no Brasil, onde foi lançado pela Intrínseca), mas nada que se compare à repercussão estrondosa de “Os homens que odiavam as mulheres” – o primeiro e mais bem-sucedido volume da trilogia criada por Stieg Larsson (aqui, editada pela Companhia das Letras).

Os dois livros são muito bons, e deliciosamente tentadores de serem transposto para a grande tela – cada um à sua maneira. Eu diria, porém, que “Kevin”, pela natureza da história que conta, talvez apresentasse mais dificuldades para ganhar uma versão para o cinema. Já, a primeira parte de “Millenium”, por ser ligeiramente mais linear (em vários momentos, tem-se a impressão de que o próprio Larsson escrevia já pensando em planos cinematográficos), talvez oferecesse menos trabalho a quem se debruçasse num roteiro – mas a questão nesse caso tem menos a ver com estilo do que com a expectativa dos fãs do trabalho do autor sueco. Afinal, foram milhões e milhões de cópias vendidas no mundo inteiro! “Millenium” representava um desafio bem maior. Por isso mesmo – e por ser um dos eventos cinematográficos mais comentados da temporada – vamos começar a falar de “Os homens que não amavam as mulheres”.

O título de “um dos eventos cinematográficos mais comentados da temporada” não é gratuito. Desde que foi anunciada a adaptação, começaram a surgir especulações sobre como essa obra tão cultuada ganharia vida no cinema. O que deixou todo mundo mais curioso nesse primeiro momento foi justamente quem seria escalado para os papéis principais: o do jornalista investigativo Mikael Blomkvist e o da sua “assistente” – a hacker ligeiramente perturbada que atende pelo nome de Lisbeth Salander. Meio mundo respirou aliviado quando Daniel Craig foi anunciado como a “cara” de Blomkvist. Mas quando a relativamente desconhecida Rooney Mara foi escolhida para interpretar Salander, a respiração do mesmo “meio mundo” voltou a ficar suspensa! Será que ela estava à altura de Lisbeth?

Bem, acho que a recente indicação para o Oscar de melhor atriz em 2011 já responde essa pergunta. Mas vale a pena reforçar que ela está muito bem no papel! E olha que quem escreve é um grande fã de Noomi Repace – a atriz que viveu Salander na primeira adaptação de “Os homens que não amavam as mulheres”, feita na Suécia (já comentada aqui mesmo). Confesso que Mara demorou tanto a aparecer no filme que me deixou um pouco apreensivo: “será que estão tentando esconder a atriz?”, pensei. Mas quando ela surge finalmente, com todos aqueles piercings, tatuagens e penteados (se é que a gente pode chamar aquilo de um “corte de cabelo”), não tive a menor dúvida de que “os estúdios” haviam feito a escolha certa. Craig também está muito bem. Depois de Sean Connery, ele talvez seja o único 007 que consegue viver outros personagens com credibilidade na telona – e seu Blomkvist não é uma exceção a essa regra.

Juntos, Craig e Mara nos conduzem por uma trama complicadíssima – e que, para quem está acostumado com os insultos à nossa inteligência de roteiros recentes, é um presente. E ainda emprestam seu grande carisma a cenas para lá de forte. O “famoso” estupro de Lisbeth pelo seu novo tutor – por conta de um passado que ainda não sabemos exatamente o que esconde, o governo sueco determinou que, mesmo aos 23 anos, ela deve ter suas contas acompanhadas por um tutor – é impressionante. Difícil até de acreditar que isso foi aprovado para fazer parte de um filme que não é exatamente alternativo. (Cá entre nós, eu acho até que a bilheteria relativamente decepcionante nos Estados Unidos tem a ver com essa ousadia – mas eu divago… novamente!). A dupla funciona – tanto que, mesmo eu, que não era exatamente um “novato” na história (afinal, já havia lido o livro e visto o filme sueco), fiquei totalmente hipnotizado o tempo todo.

Isso significa, claro, que a história original é boa. Para quem, porventura, ainda não sabe do que se trata, aqui vai um resumo rápido: um milionário sueco contrata o jornalista Blomkvist (que está “no estaleiro” por ter perdido judicialmente um processo de calúnia, relacionado a uma reportagem que ele assinou, mas não conseguiu juntar provas suficientes para comprovar sua veracidade) para tentar solucionar um crime de família que aconteceu na região de sua mansão há mais de três décadas; para ajudá-lo, Blomkvist conta com a ajuda de Salander – cujos dotes quase sobrenaturais incluem uma memória fotográfica e uma capacidade mágica de entrar em qualquer computador; um improvável romance apimenta a investigação – que, como você pode imaginar, não corre de maneira tranquila…

“Millenium” é um ótimo “thriller”, como eu não via há muito tempo no cinema. E tenho certeza de que os fãs – a não ser por uma ligeira alteração no final do roteiro – estão aplaudindo essa adaptação: um caso típico de uma boa interpretação de texto. Quase literal, é verdade. Mas, justamente pela adoração de uma legião de leitores, essa opção era mesmo a melhor saída. Já o caso de “Precisamos falar com Kevin” é diferente.

O livro original, como já comentei, fez um sucesso relativo – especialmente pelo tema que tratava. Kevin é um garoto que (e se você não gosta de spoilers, acho que você deve interromper a leitura agora) tem um comportamento extremamente perturbador – que inclusive culmina com um massacre hediondo. Numa das inúmeras provocações que faz à mãe, Eva (Tilda Swinton, no melhor papel de sua carreira – injustamente negligenciada pelo Oscar este ano), Kevin (vivido na adolescência pelo convincente Erza Miller) diz algo como: “Sabe o que as pessoas veem na TV? Gente como eu”. Ele está se referindo, como vamos descobrir em breve, às pessoas que têm um comportamento, digamos, fora do normal. Que, no caso de Kevin, tem a ver com um impulso incontrolável de fazer mal às pessoas – sobretudo se isso tem uma consequência desagradável para Eva…

Se esse argumento já não fosse incômodo o suficiente, a diretora Lynne Ramsay não torna as coisas mais fáceis para o telespectador. Pelo contrário. Até você entender o que está acontecendo, leva pelo menos uma meia hora. Cortes de sequências do presente e do passado – ou melhor, de vários passados – são intercalados com cenas de sonhos (ou delírios), que parecem que não têm outra função a não ser confundir você. Mas o objetivo não é apenas esse: o que ela quer é te colocar exatamente no estado mental de Eva – no meio da confusão que sua vida se tornou, depois de criar um filho cheio de sentimentos ambíguos. Assim, depois de um certo tempo, você está não apenas vendo as coisas pela perspectiva dessa mãe, mas também antecipando todo o mal que está para acontecer. E o terror está inevitavelmente instalado no seu coração.

“Precisamos falar sobre Kevin” é o filme mais assustador que vi nos últimos anos – e não tem um fantasma, ou vampiro, ou lobisomem. O que é desconcertante no filme é o cotidiano de tudo que acontece. É uma história quase ordinária que você tem certeza que poderia ter vivenciado. E duvido que você não se sinta aliviado quando o filme termina, e vem a convicção de que aquela não é sua vida, que Kevin não é seu filho, e aquela nunca foi sua história. Comparando com o livro, a interpretação do texto original foi muito além – e de uma maneira brilhante – do que uma adaptação convencional poderia render. Por isso, entre tantas injustiças nas indicações para o Oscar 2012, o fato de “Kevin” não ter levado nem o de Melhor Roteiro Adaptado tenha sido talvez a omissão mais grave…

Mas eu já deveria ter aprendido que esse assunto é muito relativo. Interpretação de texto é uma experiência quase sempre imprevisível – e eu tive a prova mais recente disso na discussão levantada pelo meu post anterior. Com certo desânimo – e eventualmente algum humor – vi várias pessoas argumentando sobre coisas que eu não havia escrito, sobre ideias que eu não tinha defendido, e me julgando por frases que não estavam no texto original (mas sim em comentários superficiais, muitas vezes escritos por outras pessoas que também não tinham lido com atenção o que escrevi). Fazer o trabalho de dissecar o post inteiro para esses leitores seria talvez um pouco demais – o texto está lá, intacto, é só você conferir. Mas, para não deixar o assunto passar em branco, quero só colaborar no esclarecimento de três ideias centrais que dominaram os comentários – apesar de elas serem exatamente o contrário do que eu disse no meu texto.

A primeira delas é a de que eu estava defendendo o que Rita Lee havia dito durante o seu dito show de despedida no sábado passado – e não simplesmente o direito de se dizer o que quiser. Nesse sentido, recomendo a leitura (releitura, talvez?) do penúltimo parágrafo quando defendo que “qualquer cidadão pode ter o direito de dizer o que quiser”. O que é importante, eu concluo é que “cada um que diz o que quer deve ter noção do peso de suas palavras”. Uma curiosidade: você sabia, caro leitor, cara leitora, que os sites de busca na China não acham nada quando a palavra que você digita é “democracia”? O que isso tem a ver com a questão acima? Bem… Achar que um assunto vai sumir simplesmente porque ele está proibido de ser discutido é típico de governos totalitários – sem falar que só agrava exatamente a questão que quer esconder. Meia palavra, creio, basta…

Em seguida, dedico-me às pessoas que acharam que eu defendia impunidade a quem transgride a lei. Se você se enquadra nesse grupo, recomendo a (re)leitura do penúltimo parágrafo do texto, quando escrevo: “Não estou, de maneira alguma, desafiando eu também as autoridades, nem questionando o que define sensibilidade desses profissionais (públicos, é bom lembrar) a ponto de considerar um ou outro ataque como ‘desacato’. A lei e suas interpretações estão aí para isso mesmo – e imagino que o processo vá se desenrolar nos próximos dias, como é de se esperar”.

E, por último, às pessoas que acharam que meus elogios à Rita Lee se confundem com minha profissão – a de jornalista –, eu queria só lembrar que, mais que tietagem, o que evoquei foi o respeito a uma artista que nunca foi muito diferente do que se mostrou na sua suposta despedida dos palcos em Sergipe. Rita de hoje e de ontem é, talvez para o desgosto de alguns, a Rita de sempre. A você que adora dançar “Lança perfume” naquela festa de casamento, quando você já bebeu mais de duas doses de “meia de seda” – e acha que, com isso, você é “muito louco” – eu pergunto: há alguma diferença mesmo entre o Rita Lee dizer o que pensa e você repetir o refrão “lança, lança perfume” já quase engatinhando no seu smoking alugado, no meio da pistas de dança? Com sua licença, se você acha que estou falando de coisas totalmente diferentes, é porque Rita Lee conseguiu o que todo grande artista um dia conquista: entrar na sua cabeça sem você perceber e fazer com que palavras que você teme saiam da sua boca.

A não ser que você seja do tempo em que o título da música não era considerado uma droga. Mas isso, claro, é uma questão de interpretação de texto…



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