O que aconteceu com os discursos divertidos de agradecimento?
Todo mundo adora falar que a cerimônia de entrega do Oscar é sempre chata. Meio que na contramão, eu sempre me vi obrigado a defender a festa – achar alguma coisa que fosse diferente todo ano, e, mesmo que a produção do espetáculo (porque é um espetáculo, não é mesmo?) não colaborasse com um momento mais criativo, fosse no roteiro ou nas próprias falas dos apresentadores, havia sempre a possibilidade de alguém enlouquecer nos discursos de agradecimento. Gritos, ataques de riso, de choro, uma referência maliciosa (ou até elegantemente maldosa) a alguém ali na plateia, um elogio inesperado, quem sabe até um silêncio propositalmente constrangedor… Todo ano sempre trazia alguém que quebrava a rotina – e que depois me fazia pensar que voltaria a nos divertir em cerimônias futuras, quando, em digamos 2022, alguém resolvesse fazer uma colagem dos melhores (e mais engraçados) momentos desses agradecimentos. Bem, quem quer que vá editar esse vídeo daqui a 10 anos vai ter problemas para selecionar alguma coisa do Oscar 2012 – uma vez que a festa que eu vi ontem foi indefensavelmente… chata!
Como sempre, desde que comecei a dedicar o post de segundas-feiras depois do Oscar aos comentários da festa, tenho que explicar que não assisti à transmissão desde seu início. Como talvez você acompanhe, eu trabalho no domingo à noite, mais ou menos até as 23h… Depois disso tenho que “limpar a área” lá no serviço – e só então correr para a casa de algum amigo ou amiga que está reunindo um grupo que adora cinema. E pegar de onde estiver. Assim, era pouco mais de 23h30 quando finalmente eu me sentei para ver, se não uma cerimônia diferente, pelo menos um daqueles discursos engraçados. Como já adiantei, minha expectativa não foi recompensada.
Se os prêmios pareceram previsíveis – a única surpresa mesmo (e mesmo assim, olhe lá!) foi na categoria de melhor atriz -, os discursos então eram tão bem comportados que pareciam vir de uma turma de formandos do ensino médio (ou melhor, eu acredito que alunos do ensino médio poderiam vir com coisas mais criativas). As listas de sempre estavam lá – mulher, filhos, produtores, colaboradores… Ah! E Deus! Mas aquele elemento fundamental para dar sabor a um evento especial parecia ter sido barrado logo no tapete vermelho: o improviso!
Talvez por conta de um pequeno “escândalo” (note as aspas) numa outra transmissão ao vivo recente da TV americana – os ridículos protestos por conta do gesto “obsceno” que M.I.A. fez durante a apresentação estupenda de Madonna no intervalo do último Super Bowl (mais um exemplo do falso puritanismo que assola o público americano, e eventualmente o brasileiro – mas se eu entrar nessa discussão eu certamente vou divagar…) -, enfim, talvez para não correr riscos de ninguém se comportar “mal”, a organização do Oscar tenha proibido terminantemente qualquer gracinha (Sacha Baron Cohen, talvez o único ator, além de Ricky Gervais, que tenha entranhas para desafiar o “toque de recolher” velado da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, foi brincar na festa da chegada e acabou convidado a se retirar).
Fato é que tudo parecia muito duro – duro demais. Os textos dos atores convidados, então, davam a sensação de terem sido tão passados e repassados que o “teleprompter” (aquele aparelho que reproduz em frente às câmeras o texto que o apresentador tem que ler – um recurso que, em nome da transparência, admito, usamos até no “Fantástico”) poderia até ser dispensado. Billy Crystal – que este ano voltou a ser o mestre de cerimônias – tinha alguns lampejos de espontaneidade, mas mesmo esses me pareciam um pouco forçados. Tudo enfim colaborou para que eu e os amigos que assistiam comigo frequentemente dedicássemos mais atenção a alguma conversa paralela do que propriamente ao “teatro da compostura” que se desenrolava no Kodak Theater, em Los Angeles.
Mesmo assim, esforcei-me para colecionar alguns comentários sobre a noite – que, como sempre, gosto de dividir com você (e mesmo saber se concorda ou não comigo). Vamos a eles – só lembrando, comecei a acompanhar a festa depois das 23h30, mais precisamente da hora em que duas estrelas genuínas apareceram num balcão do teatro…
23h30
Caco e Miss Piggy surgem animados – e ela definitivamente disposta a chamar a atenção de um Steven Spielberg (ausente). O texto era divertido – você já assistiu a algo que envolve os Muppets e não é divertido? -, mas não me ajudou a entender do que se tratava exatamente o número musical (e de dança) que veio a seguir. Era sensacional – especialmente aquele início que fazia uma referência a “Intriga internacional”, pegando uma carona nas arriscadas acrobacias aéreas “à la” Homem-aranha na Broadway (ou “Xanadu” aqui no Brasil…). Era bonito, mas confuso – eu estava chegando na casa da minha amiga, falando com todo mundo, não consegui focar minha atenção. De qualquer maneira, fiquei feliz em saber que era uma performance – de fato original – do Cirque du Soleil
23h39
Vejo Billy Cristal pela primeira vez. Ainda sem prestar muita atenção, percebo que ele está falando algo sobre “idade não importa” quando o assunto é cinema? Será que não importa mesmo? Cada vez vejo menos jovens nas salas de cinema onde frequento – a não ser que o está em cartaz é um genérico de “Missão impossível” ou “Transformer”. As novas gerações claramente estão cada vez menos interessadas em cinema… Comento isso com os amigos – e faço força para finalmente me interessar pela transmissão.
23h41
Robert Downey Jr, numa tentativa de ser engraçado, entra acompanhado de câmeras para apresentar prêmios para melhores documentários. Sacou? Ele estava “participando” de um documentário sobre a vida de quem apresenta cerimônias de premiação. Hilário?
23h44
Chris Rock em cena – e o mínimo que você pode esperar é um comentário irreverente. E ele vem: antes de apresentar o melhor prêmio para longa-metragem de animação, ele diz que já participou de algumas produções do gênero, e que é bom ver que os atores negros também recebem muitos convites para fazer a voz de bichos em desenhos… Desde que os bichos sejam um burro ou uma zebra! Fina ironia… O leve mal estar causado pelo comentário logo foi apagado pelo aroma geral de água sanitária da noite – que eu já estava percebendo, menos de 15 minutos depois de começar a assistir…
23h52
Péssima tentativa de Emma Stone (que estava ótima em “Histórias cruzados”) de fazer graça como uma estreante histérica na apresentação do Oscar, antes de premiar “A invenção de Hugo Cabret” por seus efeitos visuais. A essa altura eu já me perguntava se o resto da noite estaria mais para esse clima ou para o de Chris Rock… Nem precisei esperar muito pela resposta…
23h57
Misericordiosamente sem se aventurar pelo reino do humor (ou será que ela fez uma piada e ninguém riu?), Melissa Leo anuncia que Christopher Plummer é o melhor ator coadjuvante do ano, por “Toda forma de amor” – um ótimo filme sub apreciado, na minha modesta opinião. Previsível, claro. A concorrência era fraquíssima, uma vez que essa categoria, ao lado da de “melhor ator”, é uma das mais frouxas este ano.
00h07
Billy Cristal chega com um interlúdio quase engraçado – se a memória não me falha, com um truque que já havia sido tentado em anos passados: ler a mente de estrelas na plateia. O melhor momento, claro, foi com o Uggie – a verdadeira estrela da noite! Sabe quem é, não sabe? O cachorrinho de “O Artista”, claro!
00h09
Em seguida, Billy Cristal quase me conquista tirando um onda com ninguém menos que o presidente da Academia, Tom Sherak. Ele deixa o palco depois de um agradecimento ultra formal – e Cristal dispara algo como: “Obrigado por causar um frenesi no público, Tom”. Momento Ricky Gervais, é verdade. Mas que infelizmente era uma exceção.
00h11
Atenção estrelas e pretendentes! Penélope Cruz entra no palco – para anunciar o prêmio de melhor trilha sonora original – e ensina a todas o que é glamour. Anotaram tudo? Parece que Owen Wilson estava com ela – mas não tenho certeza. Como se diz em Portugal… não percebi!
00h15
Em outro momento que (acho) deveria ser engraçado, Will Ferrel e Zach Galifianakis entram tocando pratos – sim, pratos – para anunciar a melhor canção. E, como todos os sites destacaram hoje, esse Oscar não foi para o Brasil… (Fico me perguntando se a notícia teria tanto destaque assim se tivéssemos ganho a estatueta… Nossa cobertura, sempre suspeita, adora uma derrota… Mas eu divago, vamos voltar ao Oscar!). Convenhamos… Se “Rio” não foi indicado nem para melhor filme de animação, as chances de ganhar com a música não podiam ser grandes. Uma das amigas que assistiam ao Oscar com a gente fez aniversário à meia-noite. Demos parabéns e presentes – e por breves momentos, a nossa festa parecia mais animada do que a de Los Angeles.
00h25
Fui só eu que achei que os braços de Angelina Jolie – no palco para apresentar o Oscar de melhor roteiro adaptado e original – eram um sinal claro de anorexia? O rosto belíssimo. A bela coxa que ela fez questão de colocar para fora, também. Mas o que era aquele braço? O pessoal de “Os descendentes” ganhou – e lá veio mais um discurso chato…
00h28
Woody Allen ganhou o Oscar pelo melhor roteiro (original) de “Meia-noite em Paris”. U-hú! Estou comemorando de verdade! Mas até isso foi meio previsível. Ah! Woody Allen não foi receber a estatueta. Previsível, também…
00h31
Vejo, pela primeira vez, uma colagem de depoimentos de atores e gente de cinema tentando explicar o que faz um “grande filme”. Pois é… Ninguém sabe…
00h36
Mila Jovovich entra no palco para apagar a lembrança do braço de Angelina Jolie. Sua presença é a primeira da noite – desde que eu comecei a ver – a fazer frente à de Penélope Cruz. Que Oscar ela apresentou mesmo? Ah, sim: aquelas categorias mais técnicas – acho…
00h37
O elenco de “Missão madrinha de casamento” entra em cena para premiar vários “curtas” – documentário, ficção, animação. A palavra para o formato em inglês não tem gênero – é apenas “short”. O que dá uma ótima oportunidade às meninas para fazer trocadilhos sobre o tema “Tamanho é importante?” – trocadilhos esses que funcionam muito bem, pelo menos antes da tradução… Esse foi, até agora – e imagino que até o final da noite – o momento mais ousado de toda a festa. Nada que fizesse @sigapiovani corar, claro… Mas pelo menos ninguém pode acusar os produtores da festa de não terem tentado… (Fiquei com vontade de ver o curta de animação vencedor, “The fantastic flying books of Mr. Morris Lessismore” – mas sabemos que as chances de isso ser lançado oficialmente por aqui são mínimas…).
00h50
O quê? Michael Douglas está no palco para apresentar o prêmio de melhor diretor? Já? Vou fazer um elogio “torto”: o Oscar desse ano pode até estar chato, mas não está arrastado. Como isso é possível? Mistérios de Hollywood. O vencedor é, claro, o diretor de “O Artista”. Todos na plateia se preparam para um longo discurso em inglês, com forte sotaque em francês – mais ou menos na linha do que fez Ludovic Bource, quando ganhou pela trilha original. Michel Hazanavicius não decepciona nesse sentido – e após declarar que esqueceu seu discurso de agradecimento, soltou aquela longa lista de nomes… O único momento fofo quando quando ele agradeceu sua mulher, Bérénice Bejo – que é a atriz principal do filme. Quase chorei – sem ironia.
00h54
Meryl Streep chama um vídeo com a festa de entrega de prêmios especias – Oprah recebeu um! Eu diria que ela já está treinando o controle de suas expressões caso não leve o Oscar de melhor atriz daqui a pouco… Sei que Viola Davis é a favorita (antes de eu começar a assistir, Octavia Spencer ganhou como a melhor atriz coadjuvante, também por “Histórias cruzadas”). Mas eu torço por Meryl!
01h02
O já tradicional “momento tributo” (aos que morreram no ano passado) foi sóbrio, simples e sincero. “What a wonderful world”, de fato…
01h11
Mais uma daquelas colagens de gente falando o que sente quando faz e/ou vê cinema – e Billy Crystal chega com mais um sopro de espontaneidade (ou seria de honestidade?): “Eu nunca senti nada disso que eles estão falando”. Ponto para Crystal! Que por sua vez chama Natalie Portman para anunciar os indicados ao prêmio de melhor ator. Reiterando: achei essa categoria fraquíssima este ano. O que já indicava uma barbada para Jean Dujardin (“O artista”). Era curioso ver como ele reagia ao texto de Portman sobre sua pessoa – claro, em inglês, língua que Dujardin não domina. Nem por isso ele deixou de arriscar um belo discurso de agradecimento – o único que deu uma “pirada”, pelo menos no finalzinho, quando ele liberou geral e começou a falar francês. O “refresco” de naturalidade chega tarde demais… Só faltam dois prêmios para a festa terminar.
01h23
Colin Firth vem e faz a mesma coisa que Natalie, só que agora dirigindo-se às atrizes. Pessoal! Isso ficou legal da primeira vez, mas se for virar rotina… O que me chama atenção a essa altura é a beleza de Viola Davis! Deixou as perucas de lado e veio com seu cabelo natural – a não ser pela cor (pintou de um laranja escuro). Ela só havia aparecido de relance – o diretor de TV ainda não a havia privilegiado (acho que o cara era parente de Sandra Bullock – essa sim, presente em qualquer corte de câmera!). Agora todos podiam vê-la bem – radiante num vestido verde. Bonita sem maiores truques, Viva Viola! O prêmio, porém, não foi para ela, mas para Meryl Streep – que o recebe com um discurso meio antipático (“Metade das pessoas que estão assistindo isso em casa estão falando: ah não, de novo…”). O que não tira seu mérito. Depois de tantas indicações ela tinha mesmo que ganhar um Oscar – já fazia tempo. E o bom é saber que ela ainda vai ser indicada por muitos outros papéis. Por isso mesmo eu proponho desde já a Academia a criação de uma nova categoria: Oscar de melhor Meryl Streep!
01h31
Se podemos falar em surpresas, a maior da noite foi ver Tom Cruise ali no palco para anunciar o melhor filme deste ano. Tom Cruise? A filha de uma amiga nossa ali presente, já com seus 20 anos, foi impiedosa: “Ele está velho”, disse ela. E estava mesmo. Como sou apenas um ano mais novo que ele, posso falar… Seu rosto estava estranho, como se os músculos da face estivessem permanentemente lutando para se apresentar como se fosse 1986 de novo – e “Top gun” tivesse acabado de estrear… Passado esse estranhamento, porém, veio um belo vídeo de artistas e pessoas envolvidas com as produções indicadas “defendendo” a estatueta para os filmes que representavam – pense em um participante do “BBB” justificando porque deve continuar na casa… Esforço inútil, claro, pois o vencedor era barbada: “O artista”. E tome mais discurso com sotaque francês!
Não me entenda mal – não quero terminar esse post com um tom rabugento. O clima no palco nesse final era altíssimo astral! Acho que a Academia – como vários “gurus de Oscar” já escreveram hoje – estava tentando passar um recado (se bem que ninguém sabe direito que recado era esse). Ao premiar um filme sem diálogos – atenção “brigada do spoiler”: dizer que “O artista” é um filme mudo não significa revelar um segredo da trama! -, o Oscar dá voz a uma certa nostalgia, a um recado do passado que parece vir nos lembrar das razões que fazem do cinema algo tão importante para todos nós. Então, que fale – e alto – uma nova geração de diretores (da qual Hazanavicius faz parte)!
Mas quem eu queria mesmo ouvir para fechar a festa era Uggie… Meio com a cara assustada, em plena comemoração ali no palco, ele parecia ter na cabeça a mesma pergunta que todos nós que acompanhamos a premiação estávamos formulando: “É isso?”.