A outra entrevista legal que eu fiz este ano

seg, 29/11/10
por Zeca Camargo |
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AFP

Entre um encontro e outro com Paul McCartney, eu estive com um outro gênio do rock. Talvez você o conheça. O nome dele é Keith Richards.

Falei com ele apenas alguns dias depois de ter entrevistado Sir Paul – e o efeito foi meio desorientador. Imagine, em menos de duas semanas, ter a oportunidade de falar com duas das figuras mais importantes da música do meu (do nosso) tempo! Eu brincava com meus amigos que parecia uma daquelas propagandas de lojas de eletrodomésticos com uma mega promoção: SEMANA DO ROCK N’ROLL – mas só até sábado!!

Uma coincidência dessas não se encomenda – elas acontecem! A entrevista com Paul McCartney já estava pré-marcada, quando surgiu o convite para conversar com Keith. O motivo – que todo fã dos Rolling Stones já sabia desde meados deste ano – era o lançamento de sua biografia, que acaba de chegar às livrarias aqui no Brasil: “Vida” (editora Globo). Fiquei com medo de as datas jogarem contra mim – ou que Keith marcasse num dia próximo à de Paul (ou até no mesmo dia!), ou que ele só tivesse um fim-de-semana disponível (o que, para mim, seria inviável, uma vez que ela aconteceria fora do Brasil, e eu apresento um programa ao vivo no domingo). Mas o acaso geralmente joga a meu favor, e quando me informaram que a entrevista seria numa terça-feira, respirei aliviado…

O problema foi que eu não tinha como me ocupar de Keith até o dia anterior do nosso encontro. A prova de “Vida” (mais de seiscentas folhas soltas, uma vez que o livro ainda não havia saído oficialmente da gráfica) chegou às minhas mãos praticamente quando eu estava saindo para o aeroporto – a entrevista era em Paris. A sorte era que, com 12 horas pela frente dentro de um avião, eu tinha um bom tempo para encarar aquele volume… Ah, e o fato de o livro ser muito bem escrito também ajudou.

Você, talvez como eu, também duvidava que Keith Richards seria capaz de lembrar de momentos marcantes para contar numa biografia? Pois não se preocupe: com a ajuda do jornalista James Fox, “Vida” é um dos mais deliciosos livros que li este ano – e parte desse encanto tem a ver com o fato de você ter que se convencer o tempo todo que aquelas histórias, nunca menos que fantásticas, não são ficção…

A começar pelo primeiro capítulo, que traz, de cara, um episódio em que Keith, seu colega de Stones Ronnie Wood, e mais um amigo são presos por envolvimento com drogas, em 1975, enquanto cruzava o estado norte-americano de Arkansas. “Envolvimento”, aliás, é pouco: os caras tinham drogas jorrando pelos poros – sem falar do que estava escondido no carro. A polícia, no entanto, sabia que tinha umas figuras meio “famosas” nas mãos, e sem decidir se era mais importante colocar todo mundo na cadeia para “dar o exemplo” (na época, acredite, eles não eram muito bem-vindos nos Estados Unidos) ou evitar a enorme repercussão que o caso inevitavelmente traria. Não vou contar o desfecho porque tenho certeza que você vai se divertir tanto com a história quanto eu. Mas quero só ressaltar que a escolha desse episódio para abrir o livro não poderia ser mais feliz, pois ele dá o tom das centenas de páginas que vem em seguida: honesto, íntimo, pessoal, bem-humorado e até leve. Especialmente quando se leva em conta que, aos ingredientes básicos de qualquer boa história de roqueiro – sexo, drogas e rock n’roll – Keith acrescenta mais uma sem qualquer cerimônia: armas!

Tudo de mais bizarro que você pode imaginar que acontece nos bastidores de uma banda como os Rolling Stones, bem, acontece. E depois vem as coisas que você nem imagina! Pelas páginas “Vida”, você encontra casos escabrosos o suficiente para, se não chocar, pelo menos enrubescer  mesmo o mais devasso dos “roadies”. Mas isso, acredite, não é nem o melhor do livro…

O que mais divertiu esse fã tardio dos Stones – confissão: só comecei a me apaixonar pela banda no final dos anos 70 – foi o olhar de Keith sobre as pessoas a sua volta. Mick Jagger, nesse sentido, é, claro, a atração principal (já falo mais disso). Mas preciosas observações brotam também da dinâmica da banda – em suas diferentes formações –, e sobretudo sobre sua família. Mamãe e papai, Doris e Bert, são constantemente citados. Ela, pela curiosa inspiração musical (Richards tocou “Malagueña” para Doris no seu leito de morte); e ele pela relação interrompida e retomada, contada com tanto carinho, que a gente quase acredita na versão que ele dá para a notícia de que ele teria cheirado as cinzas de Bert (que, ele garante, não estava misturada com cocaína). Quase.

Keith também é generoso com a família que veio depois. Se você acha que tem uma relação conjugal tumultuada, recomendo em especial a leitura dos conflitos do Stone com sua primeira mulher, Anita – você nunca mais vai reclamar de nada! Pasme: segundo Richards, ela conseguia consumir drogas em quantidades cavalares (e olha que para ele dizer isso…). Por toda a loucura que era o casamento, eles até que ficaram juntos um bom tempo – e superaram até mesmo a morte do segundo filho, com pouco mais de dois meses de vida. Tara teria mais de trinta anos hoje, e Keith admite que ele não sai de sua cabeça. Para ambos, Keith tem palavras de carinho – à sua maneira. Sobre Tara:

“Nunca cheguei realmente a conhecer o filho da puta. Talvez tenha trocado a fralda dele umas duas vezes (…) Mas deixar um recém-nascido é algo que não posso me perdoar”.

Sobre Anita:

“Hoje em dia Anita e eu podemos sentar no Natal com nossos netos e trocar um sorriso perplexo: ‘Oi, sua vaca velha e idiota, como estão as coisas?’. Anita agora está bem. Ela se tornou um espírito benigno. É uma avó maravilhosa. Conseguiu sobreviver. Mas, querida, as coisas poderiam ter sido bem melhores”.

Keith separou-se dela depois de um inacreditável incidente que envolvia Anita, seu filho Marlon (ainda adolescente), um namorado de Anita de 17 anos, uma roleta russa e alguns miolos no chão da mansão onde eles moravam. O episódio é tão sinistro, que você entenderia se Keith não quisesse nunca mais casar com alguém. No entanto, as mulheres não paravam de passar por sua vida. Como ele conta a certa altura do livro, a iniciativa era sempre delas: “Eu nunca dei uma cantada numa garota na minha vida. Simplesmente não sei como fazer”. Seu sucesso com as mulheres sempre o deixava surpreso. A melhor evidência disso, foi o texto que ele mesmo escreveu num diário, quando conheceu sua atual mulher, Patti Hansen:

“Parece incrível, mas eu encontrei uma mulher. É um milagre! Transas eu consigo num estalar de dedos, mas eu encontrei uma mulher! Inacreditavelmente, ela é (fisicamente) o espécime mais lindo do PLANETA! Mas não é só isso! É claro que a beleza ajuda, mas é a cabeça dela, sua alegria de viver e (miraculosamente) ela acha que esse junkie acabado é o cara que ela ama”.

Incrível mesmo, mas foi Patti que “deu jeito” no tal “junkie acabado”… Na entrevista com ele, esse foi nosso primeiro assunto – inevitavelmente, talvez. Keith parece estar mudado, “limpo”, e quer convencer você de que não quer mais emplacar a imagem do cara decadente que, aliás, ele mesmo ajudou a formar. Veja este outro trecho de “Vida”:

“A imagem é como uma longa sombra. Mesmo quando o sol se põe, ela continua ali. Acho que uma parte disso vem de haver uma pressão para você ser aquela pessoa a qual e tornou, talvez até o ponto em que você não possa suportar. É impossível não acabar por ser uma paródia do que você pensou que era”.

Keith Richards, arrependido? Dificilmente. Mesmo sobre esse passado de drogas pesadas – as mais “punks” ele garante que abandonou há anos – ele não tem problemas em assumir seu “currículo junkie”… Nesse sentido, sua carreira (com duplo sentido, por favor!) começou logo depois de os Stones estourarem: “E claro, no início de 1965, começo a ficar chapado – um hábito de vida inteira”… Mais adiante, já nos anos 70, quando as drogas faziam parte da rotina, ele assume: “Se eu contasse o número de vezes em que me virei e vomitei atrás dos amplificadores ninguém acreditaria” (em seguida, conta que Mick e Ronnie também eram bons nisso). Até que um dia ele chega à conclusão óbvia: “A maioria dos junkies se torna idiota. Foi isso que eventualmente me fez mudar de vida”. E acrescenta: “Ninguém se torna um herói só porque usa drogas. Herói é quem consegue se livrar delas”.

Só existe um assunto no livro sobre o qual Keith fala com mais entusiasmo do que as drogas – a música. “São bebês”, escreve ele, justificando que algumas de suas composições já tem 35 anos e “eu ainda não as terminei”… Confessa ainda que “Satisfaction” é uma música “danada” de tocar no palco: “Por anos e anos nunca a tocávamos”. E admite que “Exile in main st.” talvez tenha sido a melhor coisa que os Stones já fizeram. Além de desfilar uma verdadeira árvore genealógica de músicos do século 20 – e alguns do 21! -, Keith ainda esbanja referências musicais em todos os capítulos (não se esquece nem do mega show na praia de Copacabana, em fevereiro de 2006 – um dos maiores da história do rock). “Tudo que sei, aprendi com os discos”, assume.

Os discos só não ensinaram Keith a ter uma boa relação com Mick Jagger… Aliás, foi por causa dos discos, ou ainda, da música, que a relação maravilhosa que eles tinham começou a degringolar. Quer uma prova só, entre tantas que ele dá no livro? “A grande traição de Mick – que eu acho difícil perdoar, uma atitude que pareceu quase deliberadamente planejada para acabar com os Rolling Stones – foi quando ele anunciou em março de 1987 que estaria saindo numa turnê do seu segundo álbum, ‘Primitive cool” (no lugar de fazer uma excursão com a banda). “Era um tapa forte demais na nossa cara”…

Foi isso então: Mick quis se dedicar mais à sua carreira solo – e ainda começou a implicar quando, mais sóbrio, Keith começou a dar palpites no destino da banda. “A frase que Mick costumava usar naquela época e que continua ressoando nos meus ouvidos até hoje é: “Cala a boca, Keith”. Aí a coisa realmente desandou. “Deve fazer uns vinte anos que eu não vou ao camarim dele”, confessa. Entre outras coisas (a referência ao tamanho do órgão sexual de Mick é muito sutil), Keith chama Mick de desconfiado, traidor, artificial, e ainda o acusa de ter perdido seu ritmo natural: “É quase como se Mick estivesse aspirando a ser Mick Jagger, correndo atrás do próprio fantasma”.  Mas ele não odeia o companheiro… Sério! Aqui vai sua explicação:

“Talvez Mick e eu não sejamos amigos – nosso relacionamento está muito desgastado para isso -, mas somos os irmãos mais chegados, e esse é um vínculo que não pode ser cortado. Como você pode descrever uma relação tão antiga? Melhores amigos são melhores amigos. Mas irmãos brigam”.

Surpreso? Surpresa? Veja, eu trouxe para cá apenas uma fração das farpas que Keith joga em Mick no livro. A carga é ainda mais pesada. Tanto que, no meio da entrevista, não resisti e perguntei se Mick ficaria ofendido com alguma coisa que ele pudesse ler em “Vida”. A resposta veio rápida: “Não”, disse Keith, “não tem nada que eu escrevi ali que ele já não soubesse”… Longa vida aos irmãos, então!

Queria falar hoje aqui dessa entrevista, mas meu entusiasmo com o livro (que eu recomendo fortemente, para fãs ou não dos Stones – alguém não é?) acabou ocupando já um bom espaço. Mas garanto que os bastidores da conversa foram também divertidos. Por isso mesmo, podemos combinar de voltar a esse assunto, que tal? Quem sabe depois de a entrevista ir ao ar – provavelmente neste próximo domingo, no “Fantástico”. Assim você conta suas impressões – e eu conto as minhas…

Potter, Senna: nossos ídolos ainda são os mesmos?

qui, 25/11/10
por Zeca Camargo |
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Vi, no mesmo dia, dois filmes cujos personagens centrais eu tenho apenas relativa intimidade: Harry Potter e Ayrton Senna. Antes que os fãs de ambos protestem, queria deixar claro que, na minha amadora opinião de quem simplesmente gosta de cinema – e não tem nenhuma pretensão de ser um crítico -, para gostar de um filme sobre determinado assunto não é necessário ser um “convertido”, estar imerso naquele tema, muito menos entrar na sala escura já com a certeza de que vai gostar do que vai ver.

Para dar um exemplo que não tem nada a ver nem com um nem com outro, há algumas semanas vi em Londres aquele filme sobre o Facebook – “The social network” (que, me parece, só vai estrear no Brasil, lamentavelmente, no ano que vem). Mesmo não tendo uma conta no Facebook – atenção, se você “me adicionou”, como muitos já me contaram que o fizeram, está lidando com um “falso Zeca” -, incapaz sequer de descrever como é uma página dessa rede social, eu gostei tanto do filme que o incluo sem hesitar numa possível vindoura lista dos melhores de 2010 (quero escrever sobre “The social network” aqui em breve, mesmo antes de seu lançamento nacional).

O mesmo acontece com Senna e Potter. Com esse último – como os que acompanham este blog há algum tempo já sabem – eu tive uma relação tortuosa. Que, diga-se, chegou num equilíbrio razoável, quando, na época do lançamento do filme “O enigma do príncipe”, escrevi que tinha “feito as pazes” com o jovem mago. Mas deixe-me falar disso um pouco mais para frente. Antes, quero comentar sobre “Senna”, o filme – um excelente documentário sobre um dos maiores ídolos que o Brasil já teve.

Decidi vê-lo logo que saí da sessão de “Harry Potter e as relíquias da morte – parte 1″. Ao sair não exatamente recompensado (já já falamos disso) de duas horas e meia na companhia de um herói da ficção, achei interessante ver se um herói da vida real teria o mesmo apelo na grande tela. E tive uma ótima surpresa!

Como já sugeri no início do texto de hoje, minha relação com Senna é periférica. Nunca fui um grande fã de corridas de Fórmula 1,  apesar de ter nascido numa família apaixonada pelo esporte (só para dar uma ideia, no dia em que Senna morreu, estava almoçando na casa do meu pai, pois era seu aniversário, 1º de maio – e você pode imaginar que não houve clima para comemoração depois daquela fatalidade…). Porém, nos “anos de ouro” de Senna, era impossível não acompanhar sua carreira.

Só de assistir a suas vitórias sucessivas, você já se tornava um fã. E conforme a imagem de Senna ia crescendo e extravasando para outros campos fora das pistas de corrida, minha admiração por ele só crescia. Lembro-me, por exemplo, de vibrar como criança quando alguém (acho que foi a Renata Netto) da equipe de jornalismo da MTV – onde eu trabalhava no início dos anos 90 – conseguiu uma “exclusiva” com o piloto para nosso modesto programa “MTV no ar”! E sua preocupação com o Brasil – que já era clara quando ele era vivo e ficou selada para sempre no trabalho admirável do Instituto Ayrton Senna – era de emocionar.

Fui, como toda a população brasileira, envolvido numa comoção nacional naquele 1º de maio de 1994 – ainda mais por ter presenciado a cena no meio da festa que já citei. E, quando passei a trabalhar no “Fantástico”, onde sempre que possível Senna ainda é notícia, toda vez que vejo alguma coisa sobre esse grande piloto no programa eu me emociono. Aliás, não foi diferente quando, há apenas algumas semanas, o “Fant” trouxe uma matéria sobre o filme “Senna”.

Por uma incrível coincidência, quando estava em Londres esperando para entrevistar Paul McCartney, encontrei, no meio da rua, os repórteres Pedro Bassan e Sérgio Gilz. Eles estavam saindo de uma sessão especial do documentário, que tinham visto justamente para fazer a reportagem do “Fantástico”. Ambos me recomendaram demais o filme – e acho que foi a lembrança desse comentário que também me convenceu a assistir a “Senna” esta semana.

Por que eu gostei tanto do trabalho? Primeiro, um bom documentário já sai ganhando pontos comigo. Como gosto de observar sempre que confiro esse gênero de filme, encaro ele como uma grande reportagem – e aí, claro, tenho critérios bem rigorosos para avaliar… “Senna”, dirigido pelo relativamente desconhecido Asif Kapadia, é um registro emocionante de uma carreira breve e fulgurante, que não apenas mostra a transformação de um jovem apaixonado por corridas num grande esportista – e num homem exemplar -, mas também consegue capturar a magia de um esporte que para muito (como eu, que nem gosto de dirigir) às vezes parece hermético demais.

Como narrativa, o que mais me surpreendeu é que Kapadia fugiu da fórmula mais fácil que os documentários geralmente usam: a dos depoimentos de pessoas envolvidas com o tema central. Ou melhor, eles estão lá, mas sempre em “off” – os rostos de quem fala nunca aparecem (a não ser em material de arquivo), e, com isso, a imagem que fica mais na tela é a do próprio Senna. Poderia ser um recurso fácil – um simples truque para ganhar em cima de alguém tão carismático como Senna -, mas no final acabou funcionando como uma maneira elegante de embalar a figura do ídolo.

Depois de me acostumar com o zunido quase constante das “máquinas” passando pelas pistas de corrida – uma provável explicação por eu não ter me apaixonado tanto assim pelo automobilismo -, eu me vi acompanhando cada passo da escalada de Senna. Com que prazer revivi a disputa dele com Alain Prost; aplaudi as tiradas impetuosas do piloto brasileiro em reuniões que antecediam as provas (um material muito bem “garimpado” por Kapadia); vibrei com as imagens do ponto de vista de quem dirige o carro (longe de ser uma novidade, claro, mas que no filme ganham um novo sentido); e me envolvi nos problemas que ele enfrentou na Williams-Renault. E na hora do acidente, claro, todas as emoções de mais de 16 anos atrás voltaram ainda mais fortes – sem que para isso o diretor usasse de pieguice.

Elegantemente, Kapadia nos faz lembrar com seu filme de como um ídolo é importante para nós – e que falta estamos sentindo de um como ele, ainda hoje, quase na virada para 2011. E é por isso que, respondendo a pergunta do título deste post (surrupiada do clássico hino “Como nossos pais”, de Belchior, imortalizada por Elis Regina), Senna ainda é o mesmo ídolo de outrora: exemplar, venerável, inspirador.

E Harry Potter? Passemos então ao mundo da ficção…


Há mais de dois anos, ao falar sobre a saga “Guerra nas estrelas”, chamei sua atenção para esse tipo de narrativa arquetípica:

“Na busca da verdade sobre seu passado – para preencher um vazio na relação pai/filho, que foi interrompida há tempos e de maneira traumática – e ainda procurando agregar sabedoria para construir um mundo mais justo, nosso herói passa por uma série de aprendizados para chegar cada vez mais perto de uma força universal capaz de comandar as grandes e poderosas correntes que regem o mundo num constante jogo de desequilíbrio – justamente, o bem e o mal –, caminho esse pelo qual ele enfrenta terríveis criaturas inimagináveis na vida do nosso planeta como o conhecemos, e mais toda a malevolência de vilões que possuem algo muito próximo da força que ele busca, porém o lado obscuro dela – obstáculos que ele atravessa com emoção e suspense, sempre guiado por um sábio (e ancião) mestre, que não apenas oferece pensamentos iluminados aqui em momentos-chave da aventura, mas também é o detentor de segredos que vão ajudar nosso herói na sua conquista final”.

Essa é mais ou menos a trajetória de Luke Skywalker, nosso herói de “Guerra nas estrelas”. Mas ela também pode ser empregada para descrever as aventuras de nosso querido Harry Potter! Cada geração precisa de histórias como essa para satisfazer nossa fantasia – e, quem sabe, encontrar alguma equilíbrio no caos que vamos percebendo que é o mundo, à medida em que vamos crescendo.

Longe de mim acusar J.K. Rowling de plágio – essa história é tão, como disse, arquetípica, que, se procurarmos bem, vamos ver coincidências até com as histórias dos Argonautas da mitologia grega! O que quero ressaltar aqui é justamente a relevância de um herói como Potter, que sempre existiu no imaginário humano – e deve reaparecer de outras maneiras para as próximas gerações (ou assim espero!). Porém, ao assistir a “As relíquias da morte”, eu me senti ligeiramente trapaceado – como se, pela primeira vez na saga (que já soma sete longas-metragens), eu não houvesse encontrado o que eu tinha pago (um ingresso) para ver…

Não é novidade para ninguém que o último livro escrito por Rowling sobre o aprendizado de Potter (outros podem vir sobre a vida adulta do mago, por que não?) foi dividido em dois para ser adaptado às telas. A princípio isso pareceu uma descarada estratégia para ganhar mais dinheiro em cima de um “franchising” que tinha seus dias contados. No entanto, num enorme esforço de mídia, diretores, produtores, e elenco, se desdobravam para convencer o público de que a história original do último livro era tão “densa” que exigia mais tempo na sua transposição para o cinema. Ora…

Tendo lido “As relíquias da morte” por inteiro, posso afirmar que o roteiro adaptado tem os mesmos problemas do original – “barrigas” longas demais, em passagens que parecem querer apenas ganhar tempo para nos levar ao “grande confronto final”. Quando li o livro, cheguei a comentar de “longos hiatos onde a ação é retratada numa velocidade glacial” – e o filme foi fiel a isso (o que dá um crédito duvidoso ao diretor David Yates). A sequência mais notória nesse sentido é aquela em que Potter, Hermione e Ron, perambulam acampados numa floresta – ora protegidos por um campo de força, ora vulneráveis a raptores (se bem que nunca fica claro o critério para eles estarem seguros ou não, mas quem sou eu para reclamar de um roteiro que presume que o espectador já sabe de tantas coisas que nem é preciso explicar tudo à minúcia…).

Já no começo abrupto – uma fuga em massa para confundir Voldemort sobre o paradeiro do “escolhido” – fica claro que “Relíquias da morte” não faz questão de conquistar nenhum fã novo de Harry Potter. Não leu nenhum livro nem assistiu a nenhum filme até então? Problema seu! A história segue como se os detalhes das milhares de páginas dos volumes anteriores – ou mesmo as horas das suas versões para o cinema – estivessem tão frescos na memória do espectador como a última “twitada” que você recebeu do seu melhor amigo.

Tudo bem, não vou implicar com isso… Mas se o filme tivesse tido a generosidade de dar um pouco mais de contexto, talvez fosse mais fácil entender (ou lembrar), por exemplo, por que Potter fazia tanta questão de visitar Batilda. Ou por que Ron fica tão incomodado com a proximidade entre Potter e Hermione. Ou ainda, por que Bellatriz quer tanto “pegar” Potter pessoalmente. Ou, no mínimo, o que é um “horcrux” e por que eles querem tanto descobrir onde estão “os que faltam destruir” – fala sério!

(Brigada do “spoiler”, segurem o chilique. Se vocês estão tão preocupados com o que é dito ou não sobre o filme, que conta exatamente o que está no livro, é porque você não leram “Relíquias da morte”… E se vocês não leram “Relíquias da morte”… Vocês deveriam estar tão preocupados assim com Harry Potter?).

Eu não me incomodaria talvez com tantas “pontas soltas” se o filme fosse mais, hum, “redondo”. Mas ele termina sem nenhum gancho para chamar para o episódio “derradeiramente” final (o pleonasmo é proposital!), e fez com que eu me sentisse extremamente alugado de ter investido mais de duas horas da minha atenção nele. E olhe que eu nem sou um fã “cinco estrelas” de Potter – posso só imaginar o que um garoto, ou uma garota, que se dedicou a seguir toda a história (em livros e em filmes) deve estar sentindo…

Contudo, como já manifestei hoje mesmo, minha relação com Harry Potter é tortuosa. Já “brigamos” e já “fizemos” as pazes ao longo desses anos todos, e nada impede que no lançamento de “Relíquias da morte – parte 2″, em meados de 2011, eu volte a me divertir com ele. Mas, por enquanto, o ídolo que aprendi a admirar ao longo de quase uma década, não me parece o mesmo.

Na improvável comparação entre Senna e Potter, nosso piloto está ganhando com uma volta de vantagem. Só comprovando que – aliás, como diz a própria canção de Elis já citada aqui – “viver é melhor que sonhar”…

Quando livros ruins saem de bons autores

seg, 22/11/10
por Zeca Camargo |
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Talvez você estivesse esperando encontrar aqui hoje uma coleção de impressões do show a que, ontem, eu assisti bem de perto: Paul McCartney em São Paulo. Peço desculpas se causo decepção, mas vou falar de outro assunto – e por dois motivos. Primeiro, porque, como eu brinquei no final do post anterior, este não é um blog só de música – e eu tenho consciência de que nas últimas quatro semanas eu só tenho falado praticamente disso (com exceção de um rápido comentário sobre “a novela do momento”, mas que eu também acabei levando tudo para o lado musical, por conta da nova montagem de “Hair”). Depois, porque uma experiência como essa – a de ver Paul McCartney ao vivo – é forte demais para ser digerida tão rapidamente assim, de um dia para o outro (e talvez seja até pessoal e intraduzível demais para eu querer aqui dividir com você, e eventualmente comparar com o registro de outros fãs que também estavam lá ontem… melhor deixar cada um ficar com a sua lembrança desse momento inesquecível – aliás, se quiser mandar suas impressões do show, fique à vontade, vou gostar de ler).

Ademais, eu li um livro recentemente que me deixou incomodado o suficiente para ter vontade de discuti-lo aqui com você. Ele acaba de sair nos Estados Unidos. Ainda não foi traduzido para o português, mas deve ganhar em breve – início do ano que vem, talvez? – uma edição brasileira, pois seu autor é respeitado por muitos, além de adorado por outros tantos (inclusive esse que vos escreve). Apesar do que vou escrever hoje, torço mesmo para que saia logo! Estou falando de “By nightfall”, o novo (e relativamente breve) romance de Michael Cunningham.

Se o nome do autor lhe é familiar, é porque você deve ter lido sua obra de maior sucesso – ou, no mínimo, tenha talvez visto a brilhante adaptação dela para o cinema: “As horas”, dirigido por Stephen Daltry, com um elenco que reúne “apenas” Meryl Streep, Julianne Moore e Nicole Kidman. Porém, se você nunca ouviu falar de Cunningham, se essa pequena obra-prima contemporânea lhe escapou até hoje, faço agora uma breve descrição das razões para você “tirar o atraso” e correr atrás dela.

Apoiado numa estrutura bem original, ele faz no livro três retratos de mulheres muito particulares. A primeira é ninguém menos que Virginia Woolf – uma das escritoras mais respeitadas do século 20, que abre o livro a caminho de seu suicídio. Porém, seu momento maior em “As horas” tem a ver com a criação de uma de suas melhores histórias, “Mrs. Dalloway” – com a angústia de não saber como começar esse livro. Em outra época (as passagens com Woolf são dos anos 20), no final dos anos 40, outra mulher vive sufocada na sua vida doméstica: Laura tem um marido que a ignora e um filho que ela já não sabe como amar, numa sociedade reprimida que está a um passo de se transformar. E “fechando” o trio, Clarissa é uma nova-iorquina “descolada” e moderna do final dos anos 90: tem uma filha, está “casada” com outra mulher, e prepara uma festa para um amigo gay, que está com a saúde bem debilitada por causa da Aids.

Mesmo para o leitor (ou a leitora) que não tenha grande intimidade com a obra de Virginia Woolf – que permeia de maneira brilhantemente sutil as duas outras histórias também –, “As horas” é um deleite. Não apenas um livro irresistível desde o seu início, mas também um daqueles volumes que depois que você lê, faz com que você se sinta recompensado – na sua inteligência e sensibilidade.

Quando li “As horas” fiquei tão fã de Cunningham, que fui atrás de outras coisas que ele já havia escrito – e me emocionei novamente com seu livro anterior, “Uma casa no fim do mundo”. E foi com grande expectativa que li, logo que saiu em inglês, “Specimen days” – que aqui foi lançado como “Dias exemplares” (como todos os trabalhos já citados aqui, pela Companhia das Letras). Embora um pouco mais cifrado para o leitor (especialmente brasileiro) que não tem intimidade com a obra do poeta Walt Whitman, “Dias” traz a sofisticada prosa de Cunningham numa outra estrutura de três histórias – e é muito bom!

E foi com esse entusiasmo que encomendei “By nightfall”, o novo trabalho de Cunningham assim que ele saiu, há dois meses. Viajando para lá e para cá, como eu estava nas últimas semanas, separei o livro para as sempre intermináveis horas de avião. Pelas resenhas que tinham saído na imprensa americana – e também na inglesa – esse era um romance modesto, mas com uma premissa curiosa: Peter Harris, o dono de uma galeria de arte contemporânea de relativo sucesso em Nova York, casado, com 44 anos, de repente se vê extremamente perturbado pela presença na sua casa do cunhado, vinte anos mais jovem, que chega para uma temporada.

Mizzy – um apelido que vem de “mistake”, ou “engano”, que é como o filho temporão (que virou irmão caçula queridinho) é chamado por toda a família – pede abrigo à irmã, Rebecca (mulher de Peter), depois de ter passado por um tratamento para se livrar das drogas. Na rotina quase previsível do casal – que, apesar de tudo não é aborrecida, já que ele mexe com arte e ela edita uma revista literária –, Mizzy surge como uma provocação de liberdade: alguém que, embora não consiga se decidir por nenhuma delas, tem todas as possibilidades diante de si. Esse potencial de liberação que Mizzy representa ainda é ampliado por dois trunfos talvez perversos demais para o quarentão Peter: juventude e beleza.

Esta é a moldura – não, isso não é um trocadilho com o trabalho de “marchand” de Peter, que aliás, vende mais trabalhos “conceituais” do que quadros em si. E é dentro dessa moldura que os conflitos passam a se desenrolar. Será que Mizzy (cujo nome verdadeiro é Ethan) está mesmo “limpo” das drogas? Por que Peter, que nunca duvidou de sua inclinação sexual, sente-se inexplicavelmente atraído por Mizzy? Que tipo de mensagem Mizzy está mandando para Peter? O quanto sua galeria vai sofrer com a crise financeira que atingiu o mercado de arte em Nova York? Rebecca finalmente vai ter coragem de cortar o “cordão umbilical” do seu irmãozinho mais novo? E o quanto ela desconfia do que pode estar acontecendo (ou não) dentro de sua própria casa?

“By nightfall”, como tentei mostrar acima, tem elementos (ou “ganchos”) suficientes para prender a atenção do leitor… mas… mas não exatamente ao longo de um livro de mais de 200 páginas! Todos os conflitos desse (pegando emprestado na canção do New Order) bizarro triângulo amoroso se desenrolam em menos de uma semana. Assim, tudo acontece muito rápido – e, na minha opinião, caberia muito bem num belo conto. No entanto, por razões que posso apenas fantasiar (pressão da editora? vaidade do autor?), a narrativa “cresce” para tomar as proporções de um romance, e se arrasta em longas e inócuas elaborações sobre o poder da beleza, da arte, e sobre a crueldade da passagem do tempo.

“Juventude. Impiedosa, cínica, desesperadora juventude. Ela sempre vence, não é?”, pergunta Peter a si mesmo, já nas páginas finais de “By nightfall”. Essa elucubração – certamente uma das que mais falaram comigo – é bem pertinente, ainda mais se você pertence (como eu) à faixa etária do narrador. Porém, no meio de dezenas e dezenas de questionamentos que ele coloca ao longo do livro – muitos deles bastante repetitivos – ela fica perdida, entra como ruído. Ou pior, como “encheção de linguiça” para preencher mais uma página… Esse excesso de mini solilóquios distrai o leitor e nos faz perder momentos tão preciosos quanto este (que, não por coincidência, também fala de juventude – já que as divagações sobre arte, outro tema recorrente, são bem menos originais):

“É totalmente diferente das tragédias da idade, mesmo da idade média, quando qualquer indício de tempestade é ocultado pela gravidade, por feridas, pelo simples, enlouquecedor fracasso de não permanecer jovem. Juventude é a única tragédia sexy. É James Dean saltando no seu Porsche Spyder, é Marilyn indo se deitar”.

A tradução (talvez menos que apurada, mas no mínimo competente) é minha – desculpe-me, se for o caso. Mas mesmo assim é possível perceber nessas linhas o talento de Cunningham para descrever o que se passa nas mentes (e corações) mais sensíveis. Esse é o autor por quem me encantei – e com que prazer eu o “reencontrava” em uma página ou outra. Logo depois do desfecho da história – que, insisto, é brilhante, mas quase perde seu encanto depois de tantas passagens inúteis –, antes de dar uma última guinada na trama e fechar “By nightfall” de maneira emocionante, Cunningham nos oferece mais um parágrafo impecável, nas suas referências literárias, no seu estilo, na sua poesia (aqui, ainda na minha tradução tacanha):

“A história favorece os amantes trágicos, os Gatsbys e as Anna K.s, ela os perdoa, mesmo que os triture. Mas Peter, uma figura menor num canto indistinto em Manhattan, vai ter de perdoar a si mesmo, vai ter de triturar a si mesmo, já que parece que ninguém vai fazer isso por ele. Não há estrelas folheadas a ouro aplicadas no lápiz-lazúli sobre sua cabeça, apenas o cinza de uma fora de temporada tarde fria de abril. Ele, como todo o povaréu que não é lembrado, está educadamente esperando por um trem que ao que tudo indica nunca vai chegar”.

Não tire conclusões sobre o fim da trama por conta deste parágrafo. Escolhi-o menos como um “spoiler” do que como um excelente exemplo da prosa que esse autor é capaz de nos oferecer. Mesmo num livro que não é o máximo é possível vibrar com a habilidade de um escritor em sequestrar nossa atenção e imaginação com suas histórias. Como o título do post de hoje anuncia, livros ruins, de vez em quando, saem de autores bons, que amamos. A nós, leitores apaixonados, só nos cabe perdoar – talvez reler um trecho antigo que nos faça lembrar porque nos envolvemos com sua literatura em primeiro lugar, e torcer para que o próximo livro renove toda nossa esperança no poder de sermos seduzidos pelas palavras.

Todas as letras

qui, 18/11/10
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Eu tinha algumas cartas na manga para apresentar hoje – da minha lista “secreta” de versões musicais favoritas (um assunto que lancei na semana passada). Nem todas tão obscuras quanto Peggy Honeyweel cantando Elvis – como indiquei no post anterior. Mas também nem todas eram óbvias demais… Mesmo assim, as lembranças de quem mandou seu comentário, de certa forma, me puxaram o tapete.

Por exemplo, a Micheline Petersen mandou, entre tantas preciosidades, uma grande favorita minha – que quem acompanha este blog há tempos já poderia até ter imaginado: Maria Gadu cantando… Kelly Key, “Baba baby”. A primeira vez que ouvi isso foi como um tapa – eu estava feliz da vida, e a genialidade da versão (acústica) me levou às nuvens. Essa, definitivamente estava na minha lista. Assim como “Big mouth strikes again”, dos Smiths, regravada pelo Placebo (lembrada por Paulo Goulart); “Sexual healing”, obra-prima de Marvin Gaye, tocada com todo respeito por Ben Harper (também no comentário do Paulo Goulart); e a surpreendente releitura de “If you leave me now” – um clássico do Chicago – pela banda eletrônica inglesa Lemon Jelly, que a deixou quase irreconhecível (e tolerável!). A música foi lembrada pela Andréia, que ainda me surpreendeu com uma versão que eu nem sabia que existia: “Lost in music”, originalmente do Sister Sledge, com ninguém menos que o The Fall!

Aliás, várias coisas me pegaram de surpresa, como “That’s when I reach for my revolver”, gravada pelo Moby – e que eu não sabia que era do Mission of Burma (lembrada pelo Guto Castilho). Ou a sugestão do Lucas: “Just can’t get enough”, a mais divertida música que o Depeche Mode já fez – e que Mika às vezes canta em seus shows (cantará aqui no Brasil?), a meu ver numa versão próxima demais ao original.

Mais de uma pessoa se lembrou do “Beat it”, do Fall Out Boy – mas eu acho que em Michael Jackson a gente não deve mexer… E outra bem citada também foi a impagável “cover” do Cake para “I will survive” – um dos grandes hinos da era “disco” na voz de Gloria Gaynor, que eu já cheguei à exaustão de tanto ouvir (em ambas versões).

Com tantas sugestões assim, ficou quase difícil ser original na minha lista de versões (sei que essa frase traz uma contradição, mas fazer o quê?). Não obstante, entre as cartas que, como já disse, eu tinha na manga, ainda sobraram algumas interessantes. Como…

A sensacional interpretação de “My humps”, do Black Eyed Peas, por Alanis Morissette – nunca entendi se ela estava sendo irônica ou não, mas o resultado ficou tão genial que eu o considero “zilhões” de vezes melhor do que o original… Ou um clássico (sim, outro!), nas duas versões que chegaram ao universo pop: “Our lips are sealed”, originalmente do Fun Boy 3, depois regravado (com mais sucesso) pelas Go-Go’s – ambos dos anos 80. Um cara bem estranho, chamado Jay-jay Johansen teve a “coragem” de regravar um sucesso de 1978, do auge da era “disco”: “Automatic lover”, de uma cantora inglesa (que muita gente achava que era brasileira) chamada Dee D. Jackson.

Outra de minhas favoritas – daquelas quase “intocáveis” – é “Your silent face”, do New Order, mas que ganhou uma releitura do Velocity Girl bem competente (certamente, falando em New Order, mais interessante do que aquela versão “fofa” de “Bizarre love triangle” que o Frente! emplacou – aliás, só emplacou mesmo isso…). E ainda nas intocáveis, ninguém – a não ser sobre o meu cadáver – teria o direito de mexer em “Panic”, dos Smiths. Mas é impossível não esboçar um sorriso de simpatia para a versão das Puppini Sisters (que ainda mandaram bem com uma surreal gravação de “Wuthering Heights”, de Kate Bush!). Digo isso porque tem “covers” que parecem existir simplesmente para fazer você rir. Quer mais exemplos? Que tal “Karma chameleon”, do Culture Club, na voz de Perla – não a MC Perla, mas aquela outra Perla, a paraguaia, que brilhantemente colocou o nome  de “Como posso dizer adeus” no sucesso? Ou então “Jolene”, uma das mais belas canções do “country” americano, cortesia de Dolly Parton, transformada num pastiche “dance” pela obscura dupla inglesa dos anos 80, Strawberry Switchblade?

Fora desse universo bizarro, quero encerrar a lista (temporariamente, pois, como já disse, ela não termina nunca – e você continua convidado/convidada a mandar mais sugestões), com cinco menções honrosas:

1) a regravação do que parecia impossível – uma faixa totalmente eletrônica e fragmentada – por um quarteto de cordas – “4″, do Aphex Twin, na versão de Alarm Will Sound;

2) a interpretação totalmente “fresca” para uma música já surrada de tantas versões, “Ne me quitte pas” (cujas gravações mais famosas são, claro, a de Jacques Brel e a de Nina Simone), assinada por Natacha Atlas;

3) outra impensável transposição: a emocionante “Bella”, do italiano Jovanotti, reinventada como um samba delicioso, pelo esperto músico ítalo-brasileiro Franco Cava;

4) Beck (sempre Beck!), que fez uma “cover” de si mesmo: “Jack-ass” (da obra-prima “Odelay”) ganhou uma interpretação “mariachi” e foi rebatizada de “Burro”!;

5) e aplausos em dobro para o Lightspeed Champion (também conhecido como Devonté Hynes, ex-Test Icicles), que num EP fez não apenas uma versão acústica de “Xanadu” – essa que você está pensando, com Olivia Newton-John e Electric Light Orchestra! -, mas também assina a mais destemida regravação de “The flesh failures/Let the sun shine in”, as duas últimas músicas que fecham o mais que perfeito musical “Hair” (que, sempre é bom lembrar, está atualmente em cartaz no Rio, numa montagem já elogiada aqui.

Ufa!

Stephan Sollon/Divulgação

A ironia, que percebi quando comecei a escrever o texto de hoje, é que resolvi falar mais de “covers” depois de ter visto – e me deleitado – com um show só de músicas originais. Salvo alguma versão obscura que me tenha escapado, na última sexta-feira, no Circo Voador, no Rio, conferi um evento muito especial – e aparentemente “cover free”. E o que mais me chamou atenção nessa performance nem foi a presença da banda em si no Brasil – algo impensável há mais de uma década, quando artistas alternativos sequer ousavam desembarcar por essas terras. (Como soube naquela própria noite, a passagem dessa banda por aqui deveu-se à iniciativa de um punhado de fãs que, numa mobilização voluntária e independente, conseguiu garantir quorum suficiente para que eles pudessem tocar para um público brasileiro). Não – o que me deixou estupefato foi outra coisa…

Meus métodos de avaliação não eram lá muito científicos, mas acho que posso afirmar, com quase absoluta certeza, que 85% das pessoas que estavam lá naquela noite cantavam 99% das músicas que o Belle & Sebastian apresentaram – com dois pontos percentuais de erro, para mais ou para menos!

Fiquei realmente encantado!

E um pouco incomodado. Principalmente com o fato de eu mesmo – que me orgulho de ter sido um dos primeiros a “descobrir” a banda entre meus amigos – só ter me arriscado a acompanhar uma letra quando eles, já na segunda metade do show, vieram com a pérola “Judy and the dream of horses”! Quem eram aquelas pessoas que sabiam todas as letras do Belle & Sebasian – insisto TODAS AS LETRAS?! Que coisa incrível!

Quando percebi o que estava acontecendo, fiquei tão inquieto que, ao mesmo tempo em que aproveitava a simpatia da banda no palco – espaço onde esbanjavam carisma e boa música – ficava me perguntando que show, de que artista, eu seria capaz de conseguir a mesma proeza: cantar tudinho…

Pensei primeiro, claro, naquele que vou  acompanhar bem de perto neste domingo – o de Paul McCartney, com a sua “Up and Coming Tour”. Mas esse, claro, não conta… Primeiro porque vai ter muitas músicas de Paul com o Wings, que certamente me escapam da memória. Depois, porque o repertório dos Beatles – que, conforme ele prometeu, vai ser abundante – é covardia: já está praticamente gravado no “hard disk” de pelo menos quatro gerações. Mas então que banda me faria cantar durante toda sua apresentação?

De certa maneira jogo a pergunta para você que me lê também – mais como uma reflexão sobre gostos e modas… Porque a resposta a que cheguei mostrou que, mesmo que você não pare de gostar de músicas e artistas novos (como eu), aquelas canções que você ouviu numa determinada fase da sua vida – entre a adolescência e juventude – são as que ficam impregnadas (no bom sentido) na sua lembrança. Por isso, o único show que teria o poder de me transformar num astro do karaokê teria de ser um dos… Smiths, claro!

Deles, não tenho nenhum pudor de falar, sei tudo. Aqueles versos de enrolar a língua de “Vicar in a tutu”? Moleza! Não trocar “coyness” por “shyness” na hora errada, em “Ask”? Fácil! Traduzir toda a acidez de “The headmaster ritual”? Por que não? As rimas quebradas de “Hand in glove”? Claro! Até o desespero de “How soon is now” eu seria capaz de reproduzir sem dificuldade… (Em 2000, se não me falha a memória, consegui ver um show de Morrissey “solo” em São Paulo, onde algumas das canções do seu repertório com a banda foram tocadas; e eu me lembro bem que me entreguei a plenos pulmões a cada uma delas – e mesmo a algumas músicas que ele compôs depois que os Smiths se separaram. Mas eu, sim, divago…).

Sei, de cor, inúmeras canções que mexeram comigo depois do fim dos Smiths – e estamos falando de quase 25 anos aqui… Da minha sempre citada lista de mil músicas favoritas (que até já precisa de uma atualização), sei bem um terço delas. Mas um repertório inteiro de um artista? Tenho que confessar que invejei, de leve, os fãs de Belle & Sebastian na semana passada.

Sobre essa inveja, gostaria de desenvolver mais na segunda-feira, se me você me permite. Quando então falarei de um livro que li entre tantas viagens que fiz recentemente – e que mexeu comigo de maneira inesperada. Afinal… isto aqui não é um blog só de música certo? (Mesmo assim, quero lembrar que a lista dos melhores álbuns que você não ouviu em 2010 está quase pronta…).

Provocando o passado

qui, 11/11/10
por diego.assis |
categoria Todas

Amy Winehouse então está de volta. Viva! Contudo – e sempre há um contudo -, a música que ela escolheu para sua “reentrée” (perdão pelo sotaque: escrevo este texto em Paris, onde vim fazer uma outra entrevista bastante interessante, sobre a qual você terá detalhes em breve), não é exatamente inédita, mas um clássico do pop: “It’s my party”, de Lesley Gore – uma música que, bem, fez sucesso em 1963! Como comentei no post anterior, parece que a cultura pop está mesmo atravessando uma onda – que espero seja breve – de nostalgia. E a opção de Amy, claro, encaixa-se perfeitamente nisso. Mas não posso esconder que fiquei ligeiramente incomodado com a escolha. Meu problema – devo explicar – jamais seria com a música, que já nasceu para a eternidade, mas com o fato de ela ser uma versão. Não apenas porque os fãs de Amy (como eu) talvez estivessem esperando algum material original, mas é que eu tenho uma teoria que diz que se você for mexer com uma canção perfeita, é melhor ter cuidado. E aí eu fiquei meio… cabreiro!

A versão de Amy para “It’s my party” – que você pode ouvir sem dificuldades aqui na internet – é boa. Não desrespeita o original e dá uma ligeira atualizada no som – graças, claro, ao vocal “avacalhado” da cantora, além daquele crédito que nós, fãs, estamos sempre dispostos a dar a ela desde que ouvimos “Back to black” pela primeira vez… Acontece, porém, que “It’s my party” é uma daquelas músicas perfeitas – uma espécie de “Hey ya!”(Outkast) do seu tempo. E não é tarefa simples revisitar tamanho baluarte do pop.

Digo isso com a consciência de quem conheceu a própria música de Lesley Gore por meio de uma versão. Nos idos dos anos 80 – bem idos mesmo -, eu “fazia ponto” toda sexta-feira no teatro do Sesc Pompéia, em Sãp Paulo, para conferir (dezenas de vezes) o show de um cara genial que duas gerações inteiras que vieram depois dos anos 90 não tiveram a chance de conhecer, uma vez que ele literalmente sumiu do mapa. Naquela época, eu fiz um compromisso comigo mesmo de assistir pelo menos uma vez por semana o espetáculo “Louca pelo saxofone”, de Patricio Bisso – um artista argentino radicado no Brasil que era (e ainda deve ser) um dos “performers” mais sofisticados (e engraçados) que já vi. Acompanhado por uma banda que rendeu muita música boa naquela década (Jorge Freire, por onde andas?) – e mais um conjunto vocal com o esperto nome de “As notas pretas” -, Bisso fazia uma colagem de versões bem particulares ao lado de suas composições para lá de originais.

Entre essas, uma das mais engraçadas – que guardo num LP (procure essa palavra na wikipédia, se você tiver menos de 25 anos e não for DJ) raríssimo com a gravação do show – chamava-se “Picasso”, e o refrão cantava: “Socorro, desisto, não sei o que faço… preciso de um marchand que tenha um belo Picasso”… Outra favorita tinha o título de “Sou moderna”, e entre muitos predicados, fazia a proeza de rimar “nouvelle vague” com “peg & pag” – uma rede de supermercados paulista que não existe mais. Só por isso, acho que já deixo claro que se alguém tinha credenciais para fazer uma versão de “It’s my party”, esse alguém era Patricio Bisso.

“Bela festa, foi a minha festa, começou na quarta e acabou na sexta, nem posso contar o que me aconteceu”, cantava ele, adaptando o perfeito refrão original (“It’s my party, and I’ll cry if I want to, cry if I want to, cry if I want to… you would cry too if it happened to you”). A adaptação, como você pode imaginar, era bem debochada. E me lembrei imediatamente dela quando ouvi o novo “single” de Amy Winehouse.

Como faço com qualquer versão com a qual me deparo, parei para analisar. Estaria ela respeitando o original – com reverência? Sim, creio que sim. Estaria ela modificando alguma coisa? A resposta também é positiva. Estaria ela modificando alguma coisa para melhor? Bem, tive de ouvir algumas vezes para chegar à essa resposta, mas acho que, de certa maneira… sim! Porém, “It’s my party” com Amy Winehouse não passou no quesito final: a musica me dá motivos para eu preferir ouvir ela ao original? Bem…

Sou muito “chato” com esse critério. A coisa mais fácil do mundo, se você quiser sucesso no pop, é pegar alguma canção que deu muito certo no passado (às vezes nem tão longínquo assim) e… regravar! Às vezes o resultado fica tão bom que as pessoas até pensam que é original. Talvez o melhor exemplo de todos os tempos seja “Tainted love”, do Soft Cell. Que na verdade, é uma música gravada originalmente por Gloria Jones, em 1964, brilhantemente renascida pelas mãos do dueto composto por Marc Almond e Dave Ball, quase 20 anos depois. Você sabe que música é essa… Aposto que você até já dançou “Tainted love” – especialmente se você já foi a uma festa em que eu toquei como DJ (eu sempre toco essa música!). É irresistível. Pois que conste nos anais que essa é uma reinterpretação – e, diga-se, sensacional!

O próprio Soft Cell teria o privilégio retribuído quando David Gray recravou “Say hello wave goodbye”. Essa é certamente uma das músicas mais tristes que eu já ouvi na minha vida. Na voz de Almond – com o arranjo eletrônico bem anos 80 de Ball – ela é uma ótima balada de escárnio. Mas Gray deu um passo além: pegou o que já era bem doído e transformou em uma imolação sentimental. Você pode até esboçar um sorriso se for procurar a versão do Soft Cell no youtube. Mas eu desafio você a conter as lágrimas se fizer o mesmo com a interpretação de David Gray. E é exatamente isso que um artista que está diante de um clássico deve fazer: reinventar!

Estou fora de casa – longe do meu iTunes original (e certamente longe da minha adorada coleção de discos – em vinil e em CD). No entanto, mesmo de cabeça (e com a ajuda do meu iPod que trouxe para a viagem), posso juntar aqui um punhado de versões que admiro e que conseguiram justamente dar esse salto de qualidade numa canção que já é muito boa. Não que essas “novas roupagens” me façam esquecer os originais – que são, como já disse, quase perfeitos. Mas tem horas que a inspiração de um artista “bate fundo” – e o resultado é algo excepcional: uma versão que não apenas pega carona num sucesso comprovado, mas consegue reinventar o que parecia ser impossível de ser reinventado.

Quero seguir com essa lista aplaudindo de cara o bom resultado de algo que por décadas, mostrou ser proibitivo: mexer com uma música do Velvet Underground. Já ouviu o disco de estréia deles, não ouviu? Esse mesmo, o da “banana”… Pois bem, “Femme fatale” é algo de tão precioso que ninguém conseguiu fazer algo de diferente com ela – e não foi por falta de ter tentado. Mas aí chega um forasteiro – um cara do qual eu nunca havia ouvido falar, cujo disco de estreia acaba de sair, e consegue mexer na música de um jeito tal que sua versão acaba sendo surpreendente. O nome dele é Aloe Blacc – e juro que eu demorei uns 30 segundos para reconhecer o que ele estava interpretando quando a faixa entrou no meu iPod. E era “Femme fatale”!!! Quase irreconhecível. E muito boa! Toque de gênio, como se costuma falar.

Ainda no meu iPod, resgatei uma faixa do segundo disco do She & Him (que não é de todo mal, assim como o primeiro), que repaginou um sucesso chamado “Gonna get along without you now”, que você conhece talvez pela interpretação de Viola Wills, meio “disco” (essa é de 1980), mas é, na verdade, uma composição dos anos 50. Das pistas de dança para o quintal de uma festa “folk” – e esse é o segredo para apresentar uma versão realmente interessante: chegar com o inesperado.

Como o Violent Femmes fez com “Do you really want to hurt me?”, do Culture Club. Você certamente se lembra da versão original: uma versão bem açucarada – e pop -, que fingia que era um reggae romântico, e catapultou o Boy George e sua banda para a fama internacional. O Violent Femmes não quis saber de nada disso. Eles começaram com uma introdução apavorante e depois partem para um rock básico que termina (como quase tudo dessa banda) em pura anarquia. O que, de certa maneira, me faz lembrar da introdução que Devendra Banhart reimaginou para a belíssima balada “Fistful of Love”, de Antony and the Johnsons – esta também agora no meu iPod.

Talvez a versão mais estranha que já ouvi na minha vida (descontando a duvidosa homenagem que o DJ Señor Coconut  fez ao repertório do Kraftwerk, incluindo a impagável desconstrução de “Autobahn”) foi a de uma artista bem desconhecida cantando um “mega hit” de um artista mais que consagrado: Peggy Honeywell interpretando “All shook up” – sim, essa mesma que você está pensando, de Elvis Presley! Encontrei esse CD por acaso, numa loja em Lisboa, enquanto procurava música eletrônica portuguesa. “All shook up” de Honeywell não tem nada de eletrônico (aliás, eu não saberia nem classificar essa artista se dependesse só dessa música – uma espécie de “country do espaço sideral”). Ela nem é portuguesa, mas seu álbum estava misturado ali no meio da prateleira – e até hoje eu não sei a quem agradecer por conta dessa confusão!

Já perdi a conta do número de vezes que ouvi “Say a little prayer” na interpretação do Bomb the Bass, com os vocais de Maureen Walsh. O original, claro, é de Aretha Franklin – uma composição tão perfeita, que certa vez encabeçou a lista de melhores músicas de todos os tempos do “NME”. Ela – a versão de Aretha – continua intocável. Mas o que o Bomb the Bass fez foi irrepreensível: transformou tudo numa balada eletrônica das mais lânguidas e belas que já ouvi.

Quando baixa a inspiração, nenhuma ponte é longe demais. Afinal de contas, o Pet Shop Boys já regravou – com muito brio – U2: “Where the streets have no name”. E uma banda da qual nunca mais se ouviu falar – Age of Chance – um dia achou que poderia arriscar uma releitura de “Kiss”, de Prince. E não é que deu (muito) certo? Uma cantora totalmente desconhecida (Susheela Raman, inglesa, de origem tâmil) certa vez resolveu “tocar o intocável”: o clássico “cult” imortalizado pelo This Mortal Coil, “Song to the siren” (que é, diga-se, também uma versão do original composto pelo músico americano Tim Buckley). Tinha tudo para ser um desastre – mas ficou genial!

E só para fechar essa breve lista com um caso de (tremendo) sucesso – com o intuito de provar que não é necessário ser obscuro para fazer uma versão realmente criativa ser ouvida no mundo inteiro -, lembro aqui da faixa que colocou os Fugees no mapa: “Killing me softly” – que virou um sucesso, como todos sabemos, com Roberta Flack, no início dos ano 70. Ou melhor: essa lista nunca fecha.

Limitado aqui pela distância física da minha casa e pela seleção “novidadeira” do meu iPod – uma vez que trouxe coisas que ainda não tinha ouvido para essa viagem, como o próprio Aloe Blacc que citei; Zola Jesus (uma espécie de derivação de Siouxsie and the Banshees – que, para os mais jovens, deveria ser audição obrigatória); The Hundred in the Hands (uma banda tão difícil de interpretar quanto o seu nome); o novo do Belle & Sebastian (que, me parece, está de passagem pelo Brasil); o excelente Solar Bears; algo chamado Hurts (só isso mesmo); o último do Manic Street Preachers (sobre quem quero escrever aqui em breve); uma das melhores revelações de 2010, Twin Shadow; e, claro, o novo do El Robot Bajo el Agua, que, como citei no post anterior, não paro de ouvir desde que voltei de Buenos Aires na semana passada.

Mas me dê um feriado de folga nesta segunda, que eu volto na quinta-feira com uma lista ainda mais completa de versões que deram certo – na contramão de centenas (milhares?) de tentivas frustradas, assinadas inclusive por gente muito competente. É isso que prometo para a semana que vem (vou descansar dia 15 de novembro, se você me permitir, porque o ritmo das três últimas semanas tem sido puxado…). E já que temos um bom tempo até lá, por que você também não me manda umas sugestões de boas versões que já escutou? Assim, fazemos uma grande lista – e, quem sabe, mesmo que ela nunca passe os olhos por este blog, deixamos assim um recado para Amy Winehouse sobre “como é que se faz”…

(Não obstante, mal posso esperar para ouvir seu novo álbum! As expectativas continuam nas alturas!).

Cenas dos capítulos anteriores

seg, 08/11/10
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Se você só começou a acompanhar novelas depois dos anos 80 – isto é, se você tem menos de, digamos, 25 anos – a   brincadeira que fiz no título do post de hoje não faz o menor sentido. Mas, como quero muito que você continue a ler, explico a graça que nós com mais (muito mais) de 25 anos podemos achar nesse jogo de palavras: por mais estranho que pareça (especialmente no atual universo televisivo onde nenhum programa se permite “alugar” a atenção do espectador por um segundo que seja), até o final daquela década, o último bloco de cada capítulo de uma novela vinha com uma vinheta que anunciava as “cenas dos próximos capítulos” – que era nada menos do que uma colagem das imagens que estavam por vir e que, ao contrário do que se poderia esperar, não “entregavam” nada de importante, mas apenas mostravam os atores em momentos inócuos, “mastigando as palavras” sem ouvirmos sua voz, enquanto uma faixa da trilha sonora da própria novela era (nada) sutilmente martelada na nossa consciência…

Ignorando essa irrelevância do segmento, nós, espectadores daquela época, assistíamos a tudo aquilo felizes, acreditando que poderíamos sim ter algum “insight” do porvir daquelas tramas tão fascinantes como já não vemos mais nas novelas de hoje em dia… Ou vemos?

Você que gosta de TV certamente acompanha, se não a própria reexibição de “Vale tudo”, pelo menos o barulho que estão fazendo em torno dela. “Não se fazem mais novelas como antigamente”, é um comentário típico de se ler neste espaço virtual desde que ela foi relançada, há algumas semanas, no canal a cabo Viva. Mas será que é isso mesmo? Fiquei me perguntando se esse era mesmo o caso, ou se o entusiasmo pela “volta” de “Vale tudo” não é apenas um sintoma de um público “trintão” (ou “quarentão” ou mais…) padecendo de uma aguda crise de nostalgia…

Pode parecer que estou exagerando, mas, juntando outras “evidências” percebo que há sim uma onda de “nostál-rria” (como diriam nossos vizinhos portenhos) na nossa cultura pop. Amy Winehouse, por exemplo, está de volta – finalmente! E que música ela escolheu para seu grande retorno? “It’s my party”, uma versão de um estrondoso sucesso de Lesley Gore em… 1963 – o ano em que eu nasci! (Mais sobre Amy na quinta-feria). Semana passada, fui à esfuziante estréia da montagem brasileira de “Hair” – um sucesso de… 1968! (Mais sobre esse espetáculo daqui a pouco). O clima do novo filme de Arnaldo Jabor, “A suprema felicidade”, não poderia ser mais “retrô”. Preciso citar o entusiasmo em torno de mais uma vinda de Paul McCartney ao Brasil? Keith Richards, dos Rolling Stones – uma banda que definiu os anos 60 e sacudiu os 70 –, faz manchetes com sua autobiografia que está prestes ser lançada no Brasil. E, nas saudades dos anos 80, “Vale tudo” desponta como “a coisa mais excitante que está passando atualmente na TV”. Mesmo? Vejamos…

As lembranças que eu tenho da novela não são exatamente a de um fã. Não que eu não seja “noveleiro” – muito menos admirador ferrenho de Gilberto Braga, seu autor (que tinha na época a colaboração de Aguinaldo Silva e Leonor Bassères). Pelo contrário, como já declarei abertamente aqui mesmo neste blog. Mas é que, como contei nesse post antigo, meu envolvimento com a novela era, na época, primeiro profissional. Eu trabalhava no caderno “Ilustrada”, da “Folha de S.Paulo”, no final de 1988 (e comecinho de 89), e minha missão principal na época era conseguir – todos os dias – um “furo” sobre o desfecho de “Vale tudo”. Sério! Era uma mania nacional.

O “prêmio” maior seria, claro, descobrir alguma pista que respondesse à pergunta: “Quem matou Odete Roitman?”. Mas qualquer informação, qualquer notícia sobre a novela, estava valendo. A “febre” era tanta, que quando não havia nada de novo, eu saía às ruas para repercutir o comportamento das pessoas diante da trama sensacional – não só a solução do crime, como o apaixonante conflito entre mãe (Raquel, vivida por Regina Duarte) e filha (a impagável Maria de Fátima, de Glória Pires), ou a última loucura de Heleninha Roitman (a personagem que definiu toda uma geração de ébrios na TV, interpretada por Renata Sorrah). Por isso, eu era uma das poucas pessoas que podiam pedir sem pudor para não serem perturbadas enquanto os capítulos de “Vale tudo” iam ao ar, com a desculpa de que eu estava… concentrado no trabalho!

O que ficou então, foi o registro desse frege, dessa comoção coletiva. E eu acho que é isso que faz hoje com que as pessoas se sintam tão excitadas com a possibilidade de ver novamente a novela que tanto marcou a vida delas. Para tirar isso a limpo, gravei alguns capítulos de “Vale tudo” para assistir – e acho que posso afirmar: descontando algumas diferenças óbvias de ritmo (uma vez que tudo hoje na televisão é extremamente mais rápido), uma leve sensação de que a imagem em geral é um pouco mais escura, e uma ou outra linguagem hoje anacrônica, a novela poderia muito bem ir ao ar hoje, sem destoar da qualidade da produção contemporânea.

Os “ganchos” para você gostar de uma boa novela estão todos lá – e são quase os mesmo elementos que os autores (inclusive o próprio Gilberto Braga) usam século 21 adentro! Famílias com problemas, filhos que não aceitam os pais, namoros por interesse, segredos de grandes empresas, uma mocinha que quer subir na vida, um escroque que está lá para ajudá-la, outra mocinha sonhadora, um personagem jovem e atrapalhado, um núcleo de família simples e trabalhadora… e, claro, um bom mistério envolvendo um assassinato! (Odete Roitman, até onde acompanhei, ainda não tinha sequer aparecido, mas essa é a vantagem de ver uma reprise… ter uma vaga noção do que vem pela frente).

O que mais me divertiu (re)vendo a novela foi menos a sensação de matar as saudades da história em si – eu, sempre novidadeiro, estou mais de olho na próxima novela de Gilberto Braga que vem por aí (e, claro, em “Passione”!). Para mim, a observação daquele cotidiano – que era o meu mesmo, há meros 22 anos – foi o exercício mais interessante!

Comentar sobre as roupas e modas aqui seria uma covardia… As ombreiras estavam com tudo – e Lídia Brondi (Solange) impiedosamente inspirava milhares de mulheres em todo o Brasil a “assassinar” suas franjas nos cabelos… (Vou dispensar o comentário sobre o corte “moderno” de Sardinha, vivido por Otávio Müller, ok?). O uso de blazeres pelos homens só reforça a idéia de que a década não favoreceu a estrutura masculina. E as bijuterias das mulheres revisam e estendem a definição de balangandãs – o que no caso da personagem Alaíde, só potencializava o talento cômico de uma atriz genial por quem o Brasil começava a se apaixonar, Lilia Cabral.

Nos cenários e adereços de cenografia, mais detalhes curiosos. Os telefones – celular não era ainda nem um esboço – são mini-caixotes. Computador, quando aparece é uma entidade alienígena. Os móveis de muitos ambientes são definitivamente de outra era. Assim como algumas expressões – que podem comprometer inclusive a compreensão de um telespectador mais jovem…

Por exemplo, quando uma sobrinha de Ivan (Antonio Fagundes) diz: “Deixar um homem feito o Ivan apertando tecla de telex”… Quem lembra o que é telex? E quando Raquel fala do seu investimento inicial no mercado de sanduíches (“Eu tinha 2800 cruzados quando me deu um estalo”), quanto ela tinha no bolso mesmo? Heleninha Roitman pergunta a Marco Aurélio (Reginaldo Farias): “Você acha que é por aí que se consegue tirar esses grilos da cabeça do Tiago?” – e os mais jovens se perguntam o que é “grilo”…

Mesmo com esses obstáculos, o estilo cáustico e preciso de Gilberto Braga se faz presente. “Eu não conheço ninguém que tenha vencido na vida trabalhando”, diz Maria de Fátima deixando os braços do então galã Carlos Alberto Riccelli (no papel de César) – para logo depois concluir: “Quem tá por cima é quem soube levar a melhor”! E num outro momento que – esse sim – talvez fosse impensável num capítulo hoje em dia, Sérgio Mamberti, no papel de Eugênio, o mordomo de Heleninha, solta: “Na minha opinião, a senhora e o doutor Marco Aurélio só deviam (sic) se comunicar através dos advogados, nada de conversa pessoal, como a Katherine Hepburn e o Spencer Tracy”. Dá-lhe Braga!

Será que não são justamente esses “elementos do passado” que estão dando um charme extra à volta de “Vale tudo”? Creio que sim. Admita: você gosta sim de lembrar do passado, sempre com a (enganosa) impressão de que as coisas eram melhores “naquele tempo”… E em nome dessa boa lembrança você é capaz até de esquecer que, bem, não eram bem assim…

No caso de “Vale tudo”, mesmo já sabendo quem matou Odete Roitman, tenho certeza de que muita gente (eu inclusive) vai se divertir acompanhando a história até o final – apagando por completo a lembrança de que o país em que a gente vivia era bem diferente… Já no caso de “Hair”, a dissonância é ainda mais grave.

Vi – na estréia que conferi no Teatro Oi Casa Grande, no Rio, na última quarta-feira – mais de uma pessoa (com idade em torno dos 60 anos) chorar copiosamente em vários momentos, mas sobretudo no final apoteótico com “Deixe o sol entrar” (a versão para o sucesso “Let the sun shine in”). E por que estavam chorando? Talvez saudades sim de uma época em que as coisas não eram exatamente melhores, mas pelo menos elas prometiam ser…

Já comentei sobre o impacto de ver um trabalho como “Hair” nos dias de hoje aqui mesmo neste blog, quando vi a remontagem da Broadway no ano passado. Ali estão minhas observações sobre um trabalho que nasceu com a missão de provocar, transportado para um tempo onde a própria idéia de provocação parece que não significa mais nada. Resumindo: é brutal…

O que quero acrescentar, talvez, é que essa montagem brasileira é um enorme presente para quem puder assistir – seja para matar as saudades ou para ouvir aquele repertório extraordinário pela primeira vez. Primeiro, vale o elogio para a excelente adaptação das letras (assinada por Claudio Botelho). Com exceção da versão para “Easy to be hard” – que deixou a música (uma das mais emocionantes) quase fria –, todas as outras canções foram traduzidas com a mesma vibração do original. Para dar só dois exemplos, eu diria que “Frank Mills” (que, desculpe, não é uma música original do Lemonheads!) ficou até mais bonita em português (em parte por uma das melhores interpretações da noite, se não me engano, de Tatih Köhler – por favor, me corrijam, se for o caso). E o refrão “abrasileirado” de “Manchester England” é simplesmente um achado (“Eu acredito em Deus, e sei que esse Deus, é um dos meus, é sim”!). E ainda: as músicas que abrem e fecham o espetáculo – respectivamente “A era de Aquário” e “Deixe o sol entrar” – na estratosférica voz de Karin Hills permanecem os hinos poderosos que fizeram de “Hair” um clássico.

E então tem o elenco…

Arrisco que a média de idade ali está entre os 20 e 25 anos. Se não é isso, então eles disfarçam bem – sobretudo naquela explosão de entusiasmo que contagia não só os sessentões de boa memória, mas também os mais jovens que talvez nunca tenham ouvido aquelas músicas. Igor Rickli é o Berger demoníaco que deveria ser. Letícia Colin, a Jeanie que quase faz você acreditar que aquele tanto de drogas é “tão bom”… Reynaldo Machado, faz um Hud que não deve nada ao “Black Power” americano. Marcel Octavio, Bruna Guerin, Hugo Bonemer, Kotoe Karasawa, César Mello – o elenco inteiro está mais que disposto com você a dividir toda a alegria deles em participar de um espetáculo tão seminal.

E, ironicamente, é nessa moçada que estão as cenas dos próximos capítulos. São esses caras e essas meninas que podem tirar a gente do doce torpor da nostalgia e, como diz uma amiga minha, jogar a lanterna lá para frente. E é a eles que eu dedico a música que estou ouvindo em “loop” desde que voltei de Buenos Aires, no último feriado: “Ver-tiente”, de uma banda absolutamente original e sublime chamada El Robot Bajo el Agua:

“No permitas que nadie

opaque el brillo de tu diamante.

Ahorcate antes

de pertenecer

a la horda de imitadores triunfantes”

Corre, corre, corre – e espera

qui, 04/11/10
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Sanduíches e canapés vegetarianos me esperavam no estúdio de Sir Paul McCartney em Hastings, cerca de uma hora e meia (de trem) de Londres. Eu havia chegado à Inglaterra na última quarta-feira, ainda sem a confirmação da hora e do local da entrevista. Eu sabia que ela sairia – se bem que meus “anos de showbiz” me ensinaram que tudo pode acontecer, inclusive cancelamentos de última hora, quando grandes estrelas estão envolvidas -, só não sabia quando nem onde. O que, claro, só aumentava a ansiedade básica que a improvável chance de entrevistar o ex-Beatle fazia crescer em mim (sensação que, para evitar repetições, eu já elaborei no post anterior).

Para complicar um pouco as coisas – e para você ver que, quando nos envolvemos em compromissos assim, estamos sempre sujeitos à imprevisibilidade do acaso – eu tinha acabado de sair de uma intoxicação alimentar. Sério: um dia antes de pegar o avião, eu estava num hospital em São Paulo, tomando soro e tentando descobrir se eu não tinha algo mais grave do que uma simples reação forte a uma comida estragada (não tinha). Viajei meio atordoado com remédio para enjoo – não os tomo nunca! – e, quando cheguei em Londres, a situação não estava exatamente sob controle…

A boa notícia, que recebi na noite de quarta, é que a entrevista só aconteceria na tarde de sexta – ou seja, eu tinha mais um dia para me recuperar. E o que eu fiz durante esse dia? Na tentativa de tomar um pouco de ar e fazer algum exercício, visitei uma exposição sensacional sobre o fotógrafo Eadweard Muybridge (na Tate Britain) e ainda tive fôlego para ir até a Hayward Gallery e ver uma coletiva chamada “Move: coreographing you” – mais um brilhante exercício de criatividade curatorial desse espaço cultural que nunca me decepciona (basicamente, um punhado de trabalho de artistas que propõem a interatividade do visitante para fazer a obra acontecer… brilhante!). De resto, agonizei ainda mais na preparação para a entrevista…

Era justificável aquele incômodo todo antecipado? Mas claro que sim. Como várias pessoas que mandaram seu comentário desde segunda-feira confirmaram, estar diante da tarefa de entrevistar Paul McCartney não é algo simples… Ontem mesmo, conversando com uma colega jornalista – que não só admiro como ótima companhia, mas também respeito como colega -, ouvi dela a mesma reação: sentiria-se quase paralisada diante do desafio. “Paralisado”, inclusive era uma boa maneira de descrever meu estado na noite de quinta-feira. Misturando o resíduo da minha indisposição com a expectativa do encontro, por volta da 1h30 da manhã, eu me vi obrigado a uma medida desesperada de última hora – algo que nunca havia feito até então em toda minha vida adulta (quando então garanti o controle do que eu ingeria): tomei um relaxante muscular! Tudo por Paul…


Funcionou. Às 7h30 eu já estava de pé, e prontíssimo para encontrar um assistente de Paul na estação de Cannon Street – de onde iríamos ao estúdio em Hastings. Fisicamente, estava bem melhor. Já emocionalmente… Na hora e meia que o trem (pinga-pinga) levou para nos conduzir até a cidade, passava as perguntas básicas que queria fazer pela minha cabeça (nada de anotações – seria uma deselegância com Sir Paul!), e pensava em “brechas” que nossas conversas poderiam ter para que a gente pudesse, digamos, sair do óbvio. Essas são preocupações que você, que talvez não tenha intimidade com a rotina de uma entrevista, pode achar meio absurdas, ou um tanto vagas, mas que é o “beabá” para quem quer trazer alguma coisa de memorável de um encontro com qualquer artista (ou político, ou atleta, ou escritor etc.). E era com elas que eu viajava por aquele percurso que parecia interminável…

Ao chegarmos na estação, uma van nos esperava para levar-nos até o estúdio – mais uns 25 minutos até lá. Curiosamente, à medida em que o momento se aproximava, a pressão parecia diminuir – a ponto de eu praticamente já não pensar na responsabilidade inerente ao evento quando avistei o antigo moinho sinalizando que havíamos chegado. Hastings é uma praia – praia inglesa, entenda-se bem! Mas a propriedade de Paul McCartney fica numa agradável colina, onde a paisagem é bem diferente do que nós, como brasileiros, costumamos associar às proximidades do mar. Dali de cima, apear de o vento castigar quem insistisse em fazer fotos na frente do moinho, era possível ver o mar ao longe – e, com um grande esforço de abstração, imaginar que aquilo era um destino de verão…

Vencidos pelo frio – ah, o outono inglês… – entramos finalmente nas dependências da pequena casa anexa ao moinho. E foi aí que encontrei, para minha enorme satisfação, os quitutes vegetarianos… Meu estômago – que havia dois dias, ingeria praticamente apenas líquidos, recebeu com alegria a comida leve: pequenos “blinis” com homus e mini-alcachofra assada; sanduíche de aspargo com queijo roquefort; outro de pimentão e pasta de azeitona; frutas variadas; e uma sopa de cogumelos bem atraente…

Chegamos na hora, mas Paul – contrariando a pontualidade britânica – estava um pouco atrasado. Normal… Como aprendi nos meus tempos de MTV, nas primeiras coberturas de grandes eventos que fiz por lá, existe um mantra que todos que entram nesse universo têm que aprender. Lembro-me até hoje do rosto (mas não do nome) da produtora do canal americano que me ensinou: “If you wanna work with show business, you gotta rush, rush, rush… and wait”. Ou, em português: “Você quer trabalhar com ‘show business’, você corre, corre, corre… e espera”!

Com Paul não foi diferente. Na apertada cozinha por onde circulavam mais assistentes e pessoas ligadas ao músico – mas não, nos vinte minutos seguintes, o próprio – ficamos esperando o tempo passar, entretidos por breves e quase interessadas perguntas sobre o Brasil (algumas, surpreendentemente, sobre Fórmula 1!), e distraídos com os aperitivos, que estavam, de fato, muito bons… Tentando fazer o relógio passar mais rápido, concentrei-me, a certa altura, na estante de livros da cozinha, que trazia um curioso mix de coleções de receitas vegetarianas (algumas até assinadas pela própria Linda McCartney) com registros dos Beatles – passando, estranhamente, até por um livro sobre “A biologia social das formigas” e outro sobre desastres “não naturais”… Até que eu vejo ele passando do lado de fora da janela – o sinal: ele entraria naquela cozinha a qualquer momento!!!

E quando finalmente entrou… Bem, a sua presença pareceu algo tão natural, que foi uma espécie de anticlímax: um dos caras mais interessantes que eu poderia entrevistar na minha carreira estava ali, me cumprimentando, oferecendo sua mão como boas-vindas, e… e… e… nada! Não havia tambores tocando, o chão se abrindo em uma fenda, um sensível trepidar das paredes – nada! Era ele, o cara, Paul McCartney, chegando para uma conversa. Como é? Se eu estava pronto? Mas claro, Sir Paul, quando o senhor quiser…

Ele ainda fez alguns comentários sobre a longa viagem que eu tinha feito, pincelou uma ou duas lembranças do Brasil, disse que o dia estava adorável – e meio que se desculpou por ter chegado um pouco atrasado, mas que não resistiu a dar uma cavalgada mais longa pela manhã (como eu disse, a temperatura lá fora beirava os 10 graus centígrados, e nuvens carregadas anunciavam chuva – mas quem era eu para discutir sobre o tempo na Inglaterra com Paul McCartney?). Em seguida, entrou para o estúdio ainda mais apertado, cheio de pianos (sim, pianos, de todos os tamanhos e idades), com paredes cobertas de discos de ouro (apenas de Paul com o Wings) – além de um poster com girassóis que eu reconheci de algum clipe antigo (“Free as a bird”)… Eu estava lá – num lugar que de certa forma faz parte da história daquele ex-Beatle – e o clima era de normalidade. O que, por fim, causava uma estranha dissonância cognitiva neste que vos escreve. Na minha fantasia (baseada em várias experiências anteriores), eu achava que o clima seria quase histérico. Mas não… Enquanto a maquiadora dava os último retoques no rosto de Paul e ele aprovava o enquadramento final da sua câmera (a minha, eu que decidiria), eu reparava na inesperada tranquilidade que ia dominando.

“Estou pronto”, anunciou Paul – e agora desconcertado com meu próprio desconcerto, comecei com aquela pergunta básica sobre as expectativas para sua vinda ao Brasil. Achei que estava com a situação dominada, mas como a própria edição deixou transcorrer, eu ainda cometeria uma engano na minha vontade de acertar: disse que 145 mil pessoas o haviam assistido no Maracanã, em 1990. “Acho que foi um pouco mais”, diz ele bem irônico. E foram”185 mil. Ele, creio, percebeu que eu ainda estava um pouco nervoso, e me “puxou para o chão de novo” – como quem diz: “calma… vamos só conversar…”.

E assim foi. Uma conversa – que a Globo News exibe na íntegra neste fim-de-semana, se você estiver interessado ou interessada (eu sei que está!). Aliás, uma das melhores da minha vida! E justamente com alguém que representava um dos maiores desafios da minha carreira…

Como quem já passou os olhos pelo meu livro “De a-ha a U2″, onde eu conto bastidores de outras entrevistas – quem sabe não merece uma nova edição depois de Paul? -, cada artista é de um jeito. Ou ainda: cada artista pode ser de vários jeitos (já entrevistei um mesmo cantor mais de uma vez e o encontrei extremamente fechado numa ocasião e o mais dos simpáticos numa outra). Do recorde de tempo de espera que Courtney Love me proporcionou (ela apareceu nove horas depois do horário marcado) ao “terrorismo” psicológico que a equipe que circula uma super estrela como Madonna pode fazer com você (a ponto de quase te levar a desistir do empreendimento), tem de tudo. O que não tem é muito glamour…

Em compensação, de vez em quando, tem um Paul McCartney, só para a gente ter certeza de que gosta mesmo do que faz… E que venha mais coisa assim por aí!

Você também precisa de um tempo para pensar

seg, 01/11/10
por diego.assis |
categoria Todas

Como essa foto pode comprovar… aconteceu! Com efeito, fiz o que acho que posso chamar de a entrevista mais importante da minha vida. Não é exagero. Se as sugestões de perguntas para Paul McCartney que você mandou são algum termômetro, o nível de curiosidade e expectativa para um encontro desses pode ser sempre medido nas alturas. E se esse clima todo refletiu em você, convidado a participar dessa experiência “por tabela” (no post anterior, convidei todo mundo para fazer uma pergunta ao ex-Beatle) imagine o que se passava na minha cabeça, nas 24 horas que antecederam a entrevista…

Entre tantas pessoas que eu tinha receio de não corresponder ao que elas esperavam – tipo, algumas dezenas de milhões de fãs que estavam “loucos” para ver essa entrevista no Brasil – eu também estava atento para causar uma boa impressão nele mesmo: no próprio Paul. O sucesso de um encontro como esse, se minha experiência me ensinou alguma coisa, sempre depende dessa frágil intimidade e confiança – e até mesmo uma admiração reciprocamente platônica – que se estabelece entre entrevistado e entrevistador logo nos primeiros minutos de conversa. Por isso, era sobretudo Sir McCartney quem eu queria agradar num primeiro momento – no sentido de deixar claro que ele estaria falando com alguém que, em primeiro lugar, o admirava profundamente; em segundo lugar, estava ali representando os anseios de uma legião de fãs brasileiros; e em terceiro, seria capaz de deixá-lo à vontade nos 20 minutos em que tínhamos pela frente.

Sim, foram pouco mais de 20 minutos no total – um tempo, eu diria, até generoso se compararmos com a média das entrevistas concedidas nesse universo do showbizz, onde 10 minutos é o de praxe (que sempre são diminuídos para oito, quando não seis minutos). Na hora ali, porém, a sensação era de uma eternidade – não no sentido de uma “tortura” (tipo: “o interrogatório durou uma eternidade”), mas como se eu me sentisse num hiato do tempo, suspenso, onde o encantamento era tamanho, que olhar para o relógio seria um exercício absolutamente desnecessário. Quase um insulto.

E pior (ou melhor?): cada vez que eu “despertava” e relembrava que estava diante de Paul McCartney (“o” Paul McCartney) e ameaçava “travar”, ele mesmo levava a conversa a um novo patamar de informalidade – como se desarmar minha ansiedade fosse sua principal missão naquela tarde.

Mas acho que já estou dando detalhes demais para um texto em que a proposta – como o título acima indica – não é exatamente falar sobre essa entrevista (isso é assunto para o próximo post), mas convidar você a parar um pouco e refletir sobre o que acaba de acontecer a sua volta. Já sabemos quem vai nos governar pelos próximos quatro anos, e independente de sua reação aos resultado final de ontem nas urnas – celebração, revolta, comemoração, decepção –, acho que o feriado veio em boa hora, ajudar cada um de nós a fazer uma pausa, para se situar nesse Brasil de hoje até 2014.

Não se preocupe – eu não enlouqueci. Este é um blog de cultura pop, onde política só tem vez se for possível fazer um cruzamento entre as figuras que concorrem ao voto popular e o que as pessoas gostam de consumir como cultura. Lamentavelmente (ou não), nenhum dos dois candidatos que disputavam sua preferência até ontem demonstrou – pelo menos até agora – ter esse “potencial pop”. Nada que pudesse ser comparado ao “Obama superstar” (e que, por isso mesmo, aqui mereceu um post), nem mesmo ao nosso atual presidente, que nos deixa em questão de semanas. Por isso nenhum deles justificou sua presença neste espaço, durante esse agonizante período de campanha eleitoral.

Porém, por menos pertinente que seja – sob o ponto de vista do pop – evocar pensamentos políticos neste feriado, eu mesmo, confesso, preciso desse momento de reflexão. E, acredito, você também. Assim, vamos ficar por aqui, com um post “daqueles curtinhos”… E na quinta-feira, prometo discutir à larga sobre os bastidores da entrevista com Paul McCartney (que você pode rever no site do “Fantástico”) – além de mais algumas histórias para te convencer de que esse lado da minha profissão é bem menos glamuroso do que você talvez imagina…



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