O segredo de um bom show
Qual desses shows é melhor: um em que a plateia fica hipnotizada, quase em silêncio, ouvindo a banda que está no palco tocar ou aquele em que o público canta praticamente todas as músicas com a banda? Tive a oportunidade de assistir a esses dois tipos de espetáculos recentemente, e posso garantir: ambos são bons no mesmo nível – cada um a sua maneira.
Vou começar pela segunda categoria, porque é esse show que está mais fresco na minha cabeça. Sexta-feira passada estive em Brasília para conferir a passagem do Black Eyes Peas por lá – uma das nove escalas da gigantesca turnê que eles fazem pelo Brasil (não me lembro de uma banda tão importante – no sentido de ser um sucesso no seu próprio tempo, e não um “chorinho” de uma banda do passado para fãs que somam mais de quatro décadas – que tenha nos agraciado com uma passagem tão generosa por aqui; se você se recordar de um bom exemplo para me contradizer, fique à vontade). E pude ver de perto o que significa mesmerizar uma multidão.
Fui menos para ver o show – como os leitores assíduos daqui sabem bem, não sou o maior fã de apresentações ao vivo de música – do que para trabalhar. A idéia era fazer uma reportagem sobre os bastidores de um concerto tão elaborado que, entre outras coisas, exige dois aviões e vinte caminhões gigantes para se deslocar pelo país. E, claro, falar com os membros do Black Eyed Peas. A entrevista, como sempre acontece, seria o “gran finale” – o doce que dariam para nós depois de cobríssemos cada detalhe técnico daquele imenso palco, mais os detalhes de bastidores e camarins que permitem que tudo funcione bem como numa engrenagem azeitada. Mas essas coisas talvez você tenha visto no último “Fantástico” – ou, se não deu para assistir, pode conferir tudo aqui no site do programa. O que quero falar aqui hoje sobre o que você não viu – ou melhor, não ouviu (ainda). E comentar sobre o show, claro.
O que você não ouviu, para começar, é o novo álbum do Black Eyed Peas, que sai agora no final de novembro. E será, não tenho dúvida, mais um sucesso. Por que? Porque, como todos os álbuns anteriores da banda, está cheio de batidas poderosas e refrões impecáveis – e música pop tem sempre a ver com o refrão não é mesmo? (No momento faço uma nota mental para voltar a falar desse assunto qualquer dia desses).
A rigor, eu não deveria ter ouvido esse disco… O que aconteceu foi que eu estava bem lá, nos corredores dos camarins, quando Will.i.am (entre tantas possibilidades de grafia, com minúsculas e maiúsculas, escolhi essa) chega às pressas para a apresentação. Só que ele não estava vindo exatamente do hotel, depois de um descanso vespertino, mas de Los Angeles, para onde ele tinha ido “rapidinho”, na última quarta-feira, conferir o que talvez fosse a última mixagem desse novo trabalho – que, como qualquer fã dedicado já sabe, vai se chamar “The beginning”. “Time”, o novo “single”, já apareceu no próprio site da banda, mas, pelo que ouvi do resto do disco, prepare-se por que vem mais “chumbo grosso”!
Mas eu não deveria estar falando de “The beginning” agora – sobretudo porque as pessoas da banda que estavam me acompanhando, quando perceberam que havia um jornalista nas redondezas ouvindo as novas músicas saírem das poderosas caixas do camarim de Fergie (onde todos se concentraram para a audição), pediram “gentilmente” que eu não dissesse nada sobre o material, sob pena de que eles falariam com o serviço secreto americano e impediriam minha entrada no país pelos próximos 25 anos (e possivelmente me barrariam também em todos os países membros da OTAN). Foram gentis assim, e por isso, quero encerrar esse tema dizendo apenas que, pelo que escutei, eles tem pelo menos mais uma turnê mundial garantida – e com milhares de pessoas gritando as músicas e pulando exatamente no ritmo que eles, do Black Eyed Peas, ordenarem.
Porque foi exatamente isso que eu vi acontecer quando, minutos depois da entrevista, eles invadiram o palco e enlouqueceram todo mundo que estava lá para vê-los. Eu, preocupado com a matéria que estava fazendo, fiquei de início ali atrás do palco – entre outras coisas, queria registrar o “grande abraço” que a banda dá em toda a equipe antes de o show começar (uma espécie de ritual/oração que eles fazem toda noite de apresentação). Mas logo na segunda música eu já estava em um lugar privilegiado (ou ainda, nem tão privilegiado assim,uma vez que sempre havia um ambulante com seu caixote de isopor a obstruir nossa visão), e comecei imediatamente a me divertir.
Seria fácil atribuir o sucesso do show dessa turnê “The E.N.D.” aos efeitos pirotécnicos no palco. As imagens que se esparramam pelos enormes painéis luminosos são em si lisérgicas o suficiente para sequestrar o seu olhar. O grande truque, porém, não tem a ver com o universo visual, mas com o auditivo. Como lembrou bem o crítico de música da “The New Yorker” Alex Ross (num texto recente sobre uma biografia do controverso compositor americano John Cage, “o ouvido humano tem uma vulnerabilidade felina a sons que não são familiares” – e o Black Eyed Peas, com sua torrente de “hits” ultra acessíveis usa exatamente o oposto dessa explicação para dominar por completo nosso sistema auditivo. Sem o menor aviso, você é totalmente dominado por aquelas músicas e, quando percebe, já está fazendo exatamente o que as meninas do Las Ketchup cantavam no seu duvidoso sucesso “Asereje”: “Y la baila, y la goza, y la canta…” (nunca achei que ia colocar John Cage e Las Ketchup num mesmo parágrafo, mas eu divago…).
E isso se estende por pouco mais de duas horas. Banda e platéia entram numa espontânea simbiose energética, onde um lado alimenta o outro – e quando tudo acaba na gentil apoteose de “I gotta feeling”, exausto, você não consegue descrever de onde tirou forças para dançar tanto. Mas tem certeza de uma coisa: de que a noite foi maravilhosa…
Para você não sair dizendo que eu sou um deslumbrado, eu estaria sendo desonesto se dissesse que o show é perfeito… Se tiver mesmo de encontrar um defeito, eu diria que o visual futurista é ligeiramente ultrapassado – uma espécie de “futuro do pretérito”, como se a inspiração de todo o “look” fosse “Tron” (não essa versão ultra “estilosa”, “Tron: o legado”, que está para ser lançada nos cinemas até o final do ano e que eu estou louco para ver, mas o “velho Tron”, de 1982…). Fora esse detalhe, porém, não tem como não dizer que o Black Eyed Peas acertou de novo com o público brasileiro – e que venha “The beginning – The tour”!
Alguns dias antes, porém, como já indiquei no começo do texto de hoje, fui conferir um outro tipo de show – aquele onde a platéia é hipnotizada não pela histeria do que acontece no palco, mas pelo fascínio que a banda exerce sobre seus fãs. Era uma quinta-feira à noite quando uma amiga me convidou para ver o Air tocar no Circo Voador, no Rio de Janeiro. A princípio, achei que não tivesse entendido. Air? Aquela banda francesa, que há mais de dez anos – e mesmo com uma carreira de muitos altos e baixos – é quase sinônimo de “cool”? E no Circo Voador? Seria possível isso?
Depois de uma pesquisada na internet, fui lembrado de que eles estavam mesmo no Brasil para um festival – mas era em São Paulo! Por que ninguém havia me alertado sobre esse show no Rio? Bem, para meu consolo, quando cheguei lá, percebi que não fui o único “desavisado”. Dos amigos que encontrei por lá – jornalista musical é mesmo uma espécie curiosa… quase previsível… –, quase todos também souberam na última hora. E a ocupação do lugar – bem aquém da “lotação esgotada” – indicava o mesmo: pouca gente sabia do evento. (Sei que o Circo Voador não estava muito cheio porque eu mesmo já toquei lá como DJ numa festa, o Chá de Alice, para uma casa abarrotada – um mérito da festa, claro, e não meu –, o que me coloca numa curiosa posição de poder dizer que já pisei no mesmo palco que o Air… mas eu divago, novamente).
Com ingressos esgotados ou não, lá estava eu – e mais algumas parcas centenas de pessoas – para assistir a um show, e não sabíamos muito o que esperar. Tenho certeza de que todos que foram até lá já acreditavam de antemão que a música era boa – o Air, mesmo nos seus momentos mais fracos, tem a capacidade de instigar nossa curiosidade sonora. Mas quanto à performance, o que sairia daqueles dois caras magros cercados de instrumentos eletrônicos? Um mistério…
E foi talvez por essa ausência de expectativa – e ainda pelo “susto” de ver uma banda que eu nem estava esperando – que eu gostei tanto do que vi. Aliás, eu e mais aquela “torcida”(miúda, mas devota) que estava naquela quinta no Circo Voador. Raramente preenchidas com letras, as músicas do Air dependem de criar um clima para agradar – e nisso parece que Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel se superaram. Como pirotecnia, eles até exploraram bons efeitos óticos eletrônicos psicodélicos – que, claro, não chegavam aos pés do que se vê no palco do Black Eyed Peas. Mas o que contava mesmo ali era a textura das músicas, que iam gradativamente envolvendo a platéia, como num grande transe coletivo – e sublime!
Assim, por dois caminhos diferentes, acabei assistindo dois ótimos shows. Os artistas, como acho que deixei bem claro, não poderiam também ser mais diversos – mas ambos agradaram e muito a este bissexto freqüentador de concertos que vos escreve. Cabe então perguntar: o que esses dois eventos têm em comum? A música, ora… Quando ela é boa, mas boa mesmo, não tem como derrubar uma noite! Preciso dar alguns contra-exemplos?
16 janeiro, 2014 as 4:28 pm
Eu tive a honra e a imensa felicidade de conferir a passagem deles por POA com essa turnê e foi o melhor espetáculo da minha vida!
Estou comentando o post anos depois, após a era The Beginning, e estive no SWU curtindo a turnê deste álbum, que foi outro show maravilhosos e cheio de energia, mas nada irá se comparar com a grandeza e a vibe da The END Tour.
Ótimo texto Zeca!!!
5 novembro, 2010 as 2:47 pm
Não fossem as músicas do BEPs extremamente populares, o show seria um fracasso. Conforme você disse, o visual futurista é ultrapassado para não dizer ‘brega’. O figurino é uma mistura de MichaeklJackson com Perdidos no Espaço. A performance vocal – com exceção de Fergie que realmente canta e canta muito – é sofrível. Em alguns momentos tive a impressão de estar em um Karaokê de última geração com pessoas cantando muito mal músicas super conhecidas. Não é de se estranhar que o ápice do show é quando will.i.am ataca de DJ. Nada contra os caras, hein! Sou fã mesmo…. Mas acho que tem banda de estúdio e vídeo e banda de palco… Eles são mestres na primeira, mas ainda têm muito para conquistar a segunda categoria.
Show de pular e ao mesmo tempo deixar todo mundo de queixo caído foi o do Rush… Bem velhinhos mas a música deles é forever…
4 novembro, 2010 as 5:58 pm
Zeca
Assisti a esse show aqui em Miami.No AAA, a plateia em sua grande maioria era de adolescentes e criancas. Eu e o meu marido demos muita risada, pois enquanto dancavamos e pulavamos como loucos, as 5 teenagers da fileira da frente estavam sentadas e fissuradas nos seus telefones. Passaram o show inteiro texting com os amigos. Nao tenho um CD do Black Eyed Peas, mas o show e uma catarse.
Beijos
31 outubro, 2010 as 11:28 pm
Me desculpe, porém, Black Eyed Peas é música de massa e, geralmente este tipo de música não é de se levar a sério. Nem os próprios artistas levam a sério o ato de compor uma música verdadeiramente musical.
28 outubro, 2010 as 10:41 pm
Poxa Zeca,
Vc nem avisou com antecedência que vinha a BsB pra eu ir lhe “tietar” pessoalmente…
Bjs
28 outubro, 2010 as 10:27 am
Zeca, você não vai falar da mostra de cinema de SP?
Quando será o próximo \"onde eu estou?\".
28 outubro, 2010 as 1:17 am
Quem é Dolores Ferreira?
27 outubro, 2010 as 10:45 pm
Oi Zeca!!!!
Bem, eu pude assistir à matéria do “Black Eyed Peas” que você fez para o “Fantástico” e também chequei o que está no “Canal F” – excelente!
E, mesmo sem ter tido a chance de conferir a performance e as músicas “in loco”, eu tenho a mais absoluta certeza que o show deles, o que você cobriu, foi estupendo!!!!
Humm… Eu, claro, não me lembro de outra banda que tenha passado por aqui recentemente com uma turnê deste porte mas, enfim, mal comparando que seja…
Será que o que você viu da Beyoncé no início deste ano, não foi mais um desses momentos, quando se tem a oportunidade de “ver de perto o que significa mesmerizar uma multidão”?
Que você continue de bem com a vida e, sobretudo, “na atividade”.
Um forte abraço!!
27 outubro, 2010 as 9:37 pm
Fala Zeca,
me bateu uma inveja de você com os BEPs.
Um dia ainda chego lá
Abraços
Brunno Luiz
http;//toligado1.blogspot.com
SOU SEU FÃ!
27 outubro, 2010 as 6:56 pm
Oi
Vou comentar uma coisa que não tem nada a ver com o post.
A primeira vez que vi vc na televisão foi muito engraçado, eu
tinha acabado de chegar da escola e meus irmãos mais novos me chamam para ver um
programa que eles gostavam muito, Era um dos programas da TV Cultura.
Eu tinha uns l6 anos, ainda era de menor.
Eu nunca tive muito tempo para assistir tv mas naquele dia me sentei no sofá e vi um pouco
do programa. Achei vc com um aspecto diferente , uma pessoa com olhos bem expressivos
e ainda acho isso.
Espero que continue sua carreira com muito êxito, fazendo incríveis passeios e compartilhando com as
pessoinhas. Um abraço!
27 outubro, 2010 as 2:17 pm
Qual desses shows é melhor: um em que a plateia fica hipnotizada, quase em silêncio, ouvindo a banda que está no palco tocar ou aquele em que o público canta praticamente todas as músicas com a banda?
a segunda opçao, Los Hermanos em Salvador! uhuhuh
27 outubro, 2010 as 10:18 am
Fui em 3 shows em 1 semana aqui em Bsb
- Green Day
- The Cranberries
- Black Eyed Peas
Cranberries e um daqueles shows que mais se escuta, tem as músicas de pular e cantar, mais nada muito empolgante
B.E.P. você estava lá para conferir e viu como foi bom o show, a energia que passaram, tudo em si foi ótimo.
Agora Green Day foi o show, não tem muita tecnologia como no show do B.E.P., porêm é um show que você não para um minuto sequer, grita, pula, interage muito mais com os membros da banda (subiram cerca de 14 pessoas no palco durante o show deles, que eles chamaram pra subir, não foi invasão), mais carisma, um show bem melhor que o do B.E.P. e nem faz tanto sucesso porque o estilo de música não é agradável para muitos, quando der Zeca vai em um show e de uma conferida no que a banda tem para mostrar.
27 outubro, 2010 as 9:25 am
Zeca, vou conferir sobre sua falha (não “gostar” de música ao vivo). Eu tenho o “De Aha”, mas não me recordo – cabeça fraca.
Abs!
27 outubro, 2010 as 9:13 am
Que belas palavras!
você é sortudo, qualquer fã como eu, qualquer peabody daria qualquer coisa pra estar no seu lugar! haha
Parabéns Zeca, depois desse post sou seu fã mais ainda!
27 outubro, 2010 as 12:51 am
Resumindo em uma palavra o show do Black Eyed Peas aqui em SSA, para me foi: Espetacular!!
26 outubro, 2010 as 3:52 pm
Na boa Zeca respeito seu trabalho mas o BYP é muito fraco, cosmética demais. Não tem nenhuma relevância para a Black Music, só marketing e uma cantora bem dotada. A morte do gênio do DUB Greggory Isaac sim justificaria uma boa pauta, até para apresentar uma lenda ao seus leitores globais. Tô com o Matheus, consumo rápido e descartável é o que importa hoje para a grande mídia, e antes não era tão descarada essa postura. Se me permite deixo o link do meu blog onde coloco uma reflexão aos leitores
-https://dynamite.com.br/jukebox/
Abx
26 outubro, 2010 as 3:52 pm
Dou-me por satisfeita!
26 outubro, 2010 as 2:52 pm
Ola ZECA!
Acho que quando o GUNS vieram em 92, eles ainda estavam no auge. Tinham acabado de lançar “Use Your Ilusion”. Nao acho que tenha sido um chorinho.
Teve tambem aquele show em comemoração ao primeiro ano da MTV em que trouxeram o Faith No More, em 91. Eles estavam no auge. Bom, mas nao eram tao grandes quanto o Black Eyed Peas é hoje realmente…
Tambem vieram o NIRVANA e o RED HOT no seu auge no inicio de 93. Mas vieram para um festival e nao em turne solo. Talvez por isso voce nao os tenha considerado.
26 outubro, 2010 as 2:10 pm
Zeca,
O show do Green Day me lembrou o Misael e também lembrei outra coisa:
Você já comprou o livro “O grande” de José Saer? Estou esperando uma resposta.
26 outubro, 2010 as 2:07 pm
Olá Zeca!
assisti ao show do BEP no Recife, e embora tenha observaçoes sobre a performace vocal, admite que o show é muito bom e que me fez pular muito e cantar as musicas que eu sabia (rsrsrs). Melhor parte do show pra mim: Will. i. am. com DJ.
Abraço.