Meu problema com o novo álbum do Arcade Fire
“The suburbs” é estupendo. O terceiro trabalho do Arcade Fire é tudo aquilo que os fãs da banda esperavam: um som rico, capaz de ao mesmo tempo funcionar bem num show num grande estádio e num pequeno e esfumaçado clube de rock alternativo; faixa por faixa, “The suburbs” cresce na ambição de colocar o grupo no mesmo patamar de nomes consagrados como U2 e Coldplay (e as comparações com Radiohead também não são poucas); é a música de uma banda madura, que avança segura explorando texturas que ainda não havia experimentado e ousando na poesia (mais de uma música fala de sonho – uma inclusive cita sem querer “A origem”, com um sonho dentro de um sonho); fica clara até a intenção de que o álbum não seja apenas um punhado de músicas soltas, mas uma espécie de grande obra conectada – um “tableau”, se você preferir, da vida nos subúrbios americanos. “The suburbs” é imponente, preciso e grandioso – como disse, tudo aquilo que os fãs da banda esperavam. E esse é meu problema com o novo álbum do Arcade Fire: não tem surpresa alguma.
O que é quase previsível. Esse é o “difícil terceiro álbum” – anda mais difícil do que o segundo trabalho de uma banda –, e com as expectativas nas alturas, depois de “Neon bible” ter sido aclamado como “a (milésima) tábua de salvação do rock alternativo”, segurar a onda é praticamente impossível. Não são muitos artistas que conseguem essa façanha – a não ser, claro, que você tenha um talento excepcional. Será o caso do Arcade Fire? Vamos conferir isso melhor daqui a pouco, pois antes de entrar nesse assunto, acho que seria prudente eu dar alguns exemplos de bandas que conseguiram se superar nessa marca.
É justamente num terceiro álbum que – livres da “badalação” (os mais jovens podem substituir pela palavra “hype”), da novidade de uma estreia retumbante, e da boa vontade do público (e da crítica) em aceitar um segundo disco por inércia – as bandas realmente “dizem ao que vieram”. A “referência de ouro” desse fenômeno, pelo menos para a minha geração, é – claro – Radiohead, com seu “OK computer”.
Precisa explicar? Então vamos lá, rapidamente. Ninguém tem dúvida de que, desde a sua estreia (“Pablo honey”), o Radiohead mostrou que tinha todo o potencial para ser uma das bandas mais importantes da história do pop (ok, da história do rock, se você insistir). Tal potencial foi então projetado com arrojo em “The bends”, o segundo álbum. Mas aí vem “OK computer” – e você se pega perguntando: “de que lado veio o soco”? Foi ali que o Radiohead educou seus admiradores a esperar qualquer coisa deles – e qualquer coisa brilhante. Depois de “OK computer”, eles fariam discos ainda mais intrigantes – como “In rainbows” e “Kid A” (nesta ordem). Mas, sem o tal terceiro (e decisivo) álbum, eles jamais teriam a credibilidade – e o “passe livre” – para fazer o que quisessem do seu som (e continuar a ter a mesma devoção dos fãs, inclusive deste que vos escreve).
Outros casos como esse (ainda que em menor escala de impacto)? Pense em “London calling”, do The Clash – que catapultou a banda para um patamar muito acima da vala comum do punk inglês. Ou, ainda no pop britânico, lembre-se de “The queen is dead”, dos Smiths (por favor, não que “The Smiths” e “Meat is murder” sejam insignificantes, “au contraire”, mas se eu tivesse de escolher um só disco deles para ouvir o resto da minha vida, só poderia ser este, que tem “There’s a light that never goes out” – vai discutir?). Outra banda mestre em se reinventar é o Talking Heads – e o trabalho que definitivamente redirecionou o som da banda para os ventos africanos é “Fear of music”, o terceiro também!
Referências antigas de um quarentão apaixonado por música? Então aqui vão alguns exemplos mais recentes: Blur, com a explosão pop de seu “Parklife”; Manic Street Preacher e o clássico atemporal “The holy bible”; The Strokes, que quase enterrou sua carreira com o fraquíssimo segundo álbum, para depois ressuscitar com “First impressions on Earth”; ou mesmo a quase obscura banda “pseudo-nova-iorquina” The National, que me conquistou (junto com boa parte do público) apenas quando lançou seu terceiro CD, “Alligator”.
Agora, os “maus alunos” – aqueles que por pura falta de inspiração, cansaço, ou mesmo pressão (de uma gravadora, quando elas ainda eram decisivas na vida dos artistas), acabaram apresentando terceiros discos desinteressantes. Até bons, mas desinteressantes. (Antes, um aviso: o fato de eu incluir uma banda nessa lista não significa que eu não a admire – e muito; quer dizer apenas que ela me decepcionou em relação aos trabalhos que vieram antes, e que tanto me encheram de entusiasmo).
Honestamente, você acha “Be here now” o melhor trabalho do Oasis? Esse terceiro álbum tem, concordo, pelo menos um clássico: “Don’t go away”. Mas e o resto? Uma boa reciclagem da genialidade que a banda já havia apresentado nos dois primeiros trabalhos, sem dúvida – mas a sensação é a de que, àquela altura, os irmãos Gallagher estavam mais preocupados em ver quem aparecia mais na mídia do que em fazer boas músicas. Franz Ferdinand… Você ouviu “Tonight: Franz Ferdinand” inteirinho? Ah, ouviu? Mais de uma vez? É capaz de se lembrar de uma música assim, de cabeça? Ou ainda – para falar de uma banda cujos dois primeiros discos realmente mexeram comigo –, Arctic Monkeys. Dá para levar “Humbug” a sério? Um dos discos mais esperados de 2010 era… o terceiro de M.I.A. – e aí, quando “Maya” saiu, o que aconteceu? Nada… Kings of Leon, que tanto prometia lá no início, chega ao terceiro “round” apresentando o decepcionante “Because of the times”. E o Keane? Lembra quando eles eram a coisa mais excitante que havia saído da Inglaterra? E o que você acha de “Perfect symmetry”? Fraco, não é?
Tanto essa lista quando a anterior são enormes – e você está convidado/convidada a contribuir, com seu comentário sobre um “difícil terceiro álbum” que provou que uma banda ainda era interessante, ou que enterrou de vez determinada carreira. Poderia me alongar aqui por mais alguns parágrafos dando exemplos de um e de outro caso. Mas eu queria mesmo era falar de “The suburbs” – então vamos lá.
Como já escrevi no início do post de hoje, o disco é muito bom. Chega a ser envolvente e sedutor, logo na primeira vez que você o ouve. Mas a euforia vai baixando na segunda escutada, um pouco mais na terceira – e quando foi para encarar a quarta, já sabia quais eram as duas únicas faixas que eu queria incluir no meu iPod (já conto), e pulei direto para elas.
A faixa-título, que abre o álbum, é muito boa, quase perfeita – mas está longe de ser original. Na verdade, eu não entendi por que ela não funcionou melhor – por que ela não ficou grudada na minha memória? Estranho… “Modern man” também entusiasma da primeira vez – eu acredito até que vá ser a segunda faixa de trabalho. Mas, assim como algumas músicas que vêm depois dela, me pareceu derivativa demais – sons que, apesar de você não conseguir identificar bem de onde eles vêm, deixam aquela estranha sensação de que você já os ouviu antes. Outras vezes você identifica a fonte (ainda que involuntariamente), e fica ligeiramente decepcionado, como em “City with children” (Oasis) e “Deep blue” (veja só… America, mais precisamente “A horse with no name” – esse mesmo America que vem tocar no Brasil agora no Brasil junto com Chicago… Proteja-se!). A certa altura achei que tinha gostado em especial de “Month of May” – mas estava enganado.
“The suburbs” – o álbum – traz, porém, duas pequenas obras-primas: “We used to wait” e “Suburban war”. A primeira – apesar de também lembrar uma certa banda irlandesa… – é uma longa faixa de proporções épicas e evolução perfeita. Complexa, surpreende não só da primeira vez que você a ouve, mas em todas as seguintes também. E a segunda, “Suburban war”, é simplesmente uma das três melhores canções de 2010 até agora (as outras duas são “Everything you wanted”, de Kele, e “Here lies love”, de David Byrne e Fatboy Slim, com Florence Welch – que faz parte de um ciclo de canções sobre Imelda Marcos, a ser comentado aqui em breve). Com uma introdução belíssima, que deve ter feito Peter Buck (do R.E.M.) roer algumas unhas de inveja, ela te sequestra nos primeiros dez segundos – e apesar do seu final divergir para um caminho totalmente inesperado, o resultado final é sublime!
Dito isto, em que lista será que devo colocar “The suburbs”? Acho que este terceiro álbum – de uma das maiores promessas deste início de século – fica na das bandas que, no lugar de surpreender, vieram apenas com mais do mesmo. O que não significa que eu não vá ter vontade de ver o que eles vão aprontar no quarto disco. Afinal, para citar novamente o R.E.M., depois do médio “Fables of reconstruction”, eles vieram simplesmente com “Lifes rich pageant” – talvez o melhor momento de toda a carreira deles…
E enquanto você decide se vai me crucificar ou não por esse veredicto, será que posso lhe apresentar uma banda relativamente nova que, quem sabe chegará com sucesso ao terceiro disco? Já ouviu Here We Go Magic, “Pigeons”?