Enquanto isso, na Cidade do México…
Reconheço que foi fácil. Tentei pegar a famosa Casa Azul, onde se desenrolou parte do grande e improvável amor (mais sobre isso mais tarde) entre Frida Khalo e Diego Rivera, de um ângulo meio inesperado – mas a pirâmide que estranhamente adorna aquele jardim acabou sendo uma escolha quase óbvia… Se bem que eu não tinha outra opção: a outra foto que eu tinha tirado até o momento em que escrevi o post anterior era essa aí abaixo – uma referência ainda mais óbvia a um aspecto inegável da cultura mexicana: a “Lucha Libre”! Aí sim que seria fácil…
De qualquer maneira, a brincadeira era menos para te dar trabalho do que para ilustrar minha passagem por essa estranha e cativante cidade. Não foi a primeira vez, é claro! Na verdade, o México foi um dos primeiros países estrangeiros que conheci – depois da Argentina, do Uruguai, e dos Estados Unidos. Tinha pouco mais de dez anos, quando meu pai achou que eu e meus irmãos deveríamos nos interar um pouco mais de nosso passado “americano” – não exatamente “americano” como você talvez esteja pensando (isto é, que diz respeito aos Estados Unidos), mas “Americano”, referente ao nosso grande continente. Então, ainda criança, fui visitar museus lindíssimos na capital mexicana, e ficar apaixonado por uma cultura que, diga-se, já estava por aqui muito antes de o bravo descobridor que emprestou seu nome ao continente ter sequer embarcado da Espanha!
Lembro-me ainda de ter presenciado – com um misto de fascínio e horror – minha primeira (e única) “corrida de touros” (isto é, tourada) – espetáculo registrado em fotos hoje praticamente sem cor que supostamente deveriam estar protegidas para sempre no meu álbum Kassuga. E de ter passeado num tremelicoso barquinho colorido (e florido) em Xochimilco, enquanto ouvia duvidosos “mariachis” ao longe, provavelmente em embarcações que congestionavam aquelas águas. Curiosamente lembro-me ainda da impressionante entrada do hotel onde minha família ficou hospedada – um precoce interesse em arquitetura, talvez, já que se tratava de um trabalho do premiado Ricardo Legorreta. E, ainda nos detalhes, das poucas coisas que sobreviveram à ação dos químicos da cola do álbum Kassuga, é a imagem de um medalhão que reproduzia um calendário asteca – supostamente de prata, mas provavelmente apenas banhado –, imponente sobre a malha de gola rolê que parecia ser meu uniforme da temporada… Provavelmente estava me achando “chique no úrtimo” (como se costuma dizer), mas eu divago…
Só fui me reencontrar com o México décadas depois – e por conta de ninguém menos que Alanis Morissette. Como já contei aqui, a cantora é a artista (nacional ou internacional) que eu mais entrevistei na minha carreira jornalística! E o primeiro encontro foi justamente na Cidade do México – há treze anos! Já que a cidade é uma escala importante para artistas que estão em turnê mundial, fui para lá outras vezes por conta de entrevistas com bandas tão diversas como o N’Sync (sim, N’Sync!) e o Blur – quando deu-se então o trágico encontro com meu ídolo Damon Albarn, já descrito no meu livro “De a-ha a U2″ (mas aqui eu divago… pela segunda vez… deve ser o ar do México…).
E depois, claro, houve uma passagem também memorável, na primeira Volta ao Mundo que dei pelo “Fantástico”, em 2004 – quando, logo de saída, num projeto em que a audiência deveria escolher o meu itinerário, México venceu a Guatemala no voto popular (fui só de passagem pela Cidade do México, já que nosso destino final ali era a lindíssima Oaxaca, mas mesmo assim, deu para aproveitar).
Fato é que, nessas ao longo de todas essas visitas, minha percepção da cidade mudou bastante. Aquele primeiro registro de menino, claro, tinha tintas fortes e exóticas. Quando voltei muito tempo depois, a primeira impressão foi negativa – tudo me lembrava São Paulo, mas não exatamente de uma maneira positiva. Nas viagens subsequentes, porém, talvez ajudado pelos grupos que me levaram até lá (esse pessoal de gravadora, que acompanha artistas internacionais é sempre bem animados!), fui descobrindo uma outra Cidade do México. Um lugar de “mariachis” e “luchadores libres”, sim, mas também uma cidade moderna, vibrante, que mistura justamente essas tradições com novas tendências – e que do brega consegue tirar um chique sem pestanejar.
Preciso lembrar como a cultura pop mexicana está presente em todo lugar hoje em dia? Seja nos filmes – por trás (Alfonso Cuarón, Guillermo del Toro) ou na frente das câmeras (Selma Hayek, Gael Garcia Bernal) – ou na música (já ouviu o ótimo Benny, ou a rainha do pop mexicano, Paulina Rubio?). Tem coisas boas na literatura – e até mesmo nas artes plásticas. Sem falar que a capital tem uma vida noturna vibrante!
Não vou me lembrar de nomes de clubes que frequentei nessas passagens – até porque, cinco anos depois, conhecendo a noite mexicana (e a de qualquer grande cidade, para ser sincero), eles já nem devem mais existir. Mas sei que as áreas mais divertidas se encontram em Polanco (que é um pouco mais careta, mas também bem sacudido) e em Condesa (com um “s” só mesmo, mas que se lê como se tivesse dois, em português). E essa regra, posso confirmar, vale até hoje!
Fui desta vez num esquema muito corrido, com muito pouco tempo (mais ou menos como minha visita a Nova York na semana anterior), mas mesmo assim deu para aproveitar um pouco da cidade. Ajudou, por exemplo, ter ficado hospedado em Condesa – área não só dos restaurantes mais animados (pense em Vila Madalena, para dar uma referência mais paulistana), como também de uma das minhas livrarias favoritas no mundo, a Pêndulo! Certa manhã pelo meu hotel, reconheci (com a ajuda da nobre produtora que me acompanhava – e que é a autora da foto acima!) um rosto que parecia ser do diretor de cinema Alejandro Iñárratu circulando pelo lobby do nosso hotel. E no final do dia, bingo! – descobrimos que era ele mesmo filmando uma cena de seu próximo filme por lá! Percebeu o clima de Condesa? Pois é para lá que eu quero ir sempre que passar pela Cidade do México.
Mas a melhor revelação desta vez não foi nenhuma dessas áreas da cidade que citei, mas Coyoacán. Eu já havia passado por lá anteriormente – justamente para conhecer a Casa Azul, onde moraram Frida e Diego! Mas foi numa daquelas visitas corridas – me lembro de pegar um táxi em Polanco, dar o endereço da casa (rua Londres!) e voltar em seguida para um compromisso. Na última semana, a passada pela Casa Azul foi durante um dia de gravações por lá – e, com tempo de sobra, deu para passear um pouco pela região e chegar à conclusão de que aquele é um dos bairros mais encantadores do mundo. Com suas casas coloridas – muitas cabem na categoria de “casarões”, quase sempre de inspiração colonial -, muitas árvores, e uma relativa tranquilidade nas ruas (se compararmos, claro, à agitação de áreas mais movimentadas, como o Zócalo, ou mesmo Polanco!), Coyoacán foi uma grata surpresa.
Ainda mais porque tive a chance de voltar para lá no último dia, quando fui entrevistar a escritora Laura Esquivel – numa conversa que me deixou também encantado (e, sim, isso já é um “teaser” para essa série de reportagem que você vai ver só no ano que vem…)! O único problema é que Coyoacán fica meio longe – e o trânsito na Cidade do México continua infernal! Não fosse isso, teria arrumado um jeito de ir passear lá todo fim de tarde, para experimentar, naquele cenário, a brusca mudança de temperatura na Cidade do México nesta época do ano – dos 22/23 graus de dia, para os menos de 10 graus quando o sol vai embora! E teria visitado mais vezes a Casa Azul – não só por sua beleza e tranquilidade, mas também para me inspirar naquele grande e improvável amor entre seus moradores.
Não foi curioso como a simples sugestão de que essas duas coisas andam juntas provocou um certo frisson? Como você pode conferir em alguns comentários ao post anterior, não foram poucos os que questionaram essa colocação – ou, se não questionaram, pelo menos se viram tentados a flertar com ela… A história de Frida e Diego é das mais fortes de todos os tempos, e – não tenho dúvida – foi essa força que a fez entrar de maneira tão forte na cultura popular, não só do México, mas do mundo todo.
Mas o que é mais fascinante – fora os detalhes sórdidos, como a notória feiúra de Diego e as lancinantes dores que atormentaram Frida a vida inteira – é a possibilidade de que um romance como esse possa se reproduzir em nossa vida. Outro dia falei do filme “500 dias com ela” – onde um amor, digamos, ordinário, é capaz de inspirar milhares de jovens a se apaixonar. Frida e Diego nos falam de um outro amor – mais dramático, mais perigoso, mais complicado, e até mais sofrido! Mas qual o problema em desejar um desses também para nós? Desses dois artistas sensacionais, brotou uma relação única que fascinou gente no mundo todo. E, mais uma vez, eu tive o privilégio de poder visitar o cenário desse romance – e inevitavelmente ser seduzido também por essa histórias de amor e de extremos.
Aliás, só para – quem sabe – provocar mais um pouquinho… Amor e extremos… Não é tudo a mesma coisa?
Deixa para lá… Que viva México!