Então você poria… Bravo!
É a voz da maioria! Minha contagem de votos aqui é menos apurada do que a das eleições recentes no Afeganistão, mas só de olhar por cima os comentários enviados sobre o dilema que eu quis dividir com você no último post, deu para perceber que a maioria é a favor da exibição na TV de um “reality show” sobre um “ex-drogado” que convence outras pessoas com problemas de drogas a entrar para uma clínica de recuperação – mesmo que essa pessoa tivesse morrido de overdose alguns dias antes da estreia. Pois eu também transmitiria o programa – se bem que não exatamente pelos motivos que muitos defenderam por aqui, dos mais moralistas (“para mostrar os malefícios da droga!”, como muitos levantaram) aos mais, digamos, capitalistas (“desgraça dá audiência”, como argumentaram tantos outros).
Minha principal motivação em colocar o tal “reality” no ar é mais… metafísico! Já explico – mas antes, vamos voltar um pouco ao passado, mais especificamente, a 1990. Dezenove anos é muita coisa, e, para contar desde o início, devo dizer que, como sou péssimo para lembrar de datas e efemérides, não fosse uma feliz coincidência do destino eu talvez jamais tivesse me tocado desse aniversário. Foi assim: depois de muito negociar uma data para participar do programa “Happy hour”, no canal a cabo GNT – problemas de agenda -, finalmente consegui acertar com a produção do programa que dia 20 (terça-feira passada) seria ideal. E lá fui eu discutir (ao vivo) sobre o “prazer de comer” com a Astrid Fontenelle – que agora voltou a ancorar o programa (ao lado do Fred Lessa).
Assim que entrei no cenário, Astrid – que é amiga de longa data – me recebeu com um sorriso malandro e me deu uma espécie de “parabéns”. Não me lembro direito da conversa que trocamos, mas ela me deu pistas de que nós deveríamos comemorar alguma coisa… Levei alguns segundos para entender a indireta, mas quando “a ficha caiu”, tive um ligeiro ataque de riso (que quem acompanhou o programa pode confirmar!). Por uma baita coincidência, eu estava junto com ela no mesmo dia em que a MTV – onde eu comecei a trabalhar em TV, e onde a própria Astrid construiu boa parte da sua carreira – comemorava 19 anos. Como a própria Astrid comentou depois (no blog de Patrícia Kogut), “em termos de sincronicidade, nem a própria MTV inventaria algo melhor”! De fato…
Saímos para jantar depois do programa e, com um misto de nostalgia e saudade boa, relembramos o tempo em que gravávamos em um galpão do bairro paulista de Pinheiros, num estúdio tão improvisado que qualquer chuva mais forte fazia com que a gente interrompesse os trabalhos – porque a telha era tão fina que não isolava nem o barulho dos pingos… Lembramos de momentos difíceis também – que trabalho não os tem? Mas sobretudo lembramos com carinho dessa passagem por um lugar onde quase tudo era experimentação e ousadia (poderia me perder aqui em memórias do tempo da MTV, mas vamos deixar isso para outubro de 2010, quando ela completa 20 anos, pode ser?).
Acordei na quarta-feira ainda com o espírito saudoso da conversa no dia anterior, quando peguei (atrasado!) a edição de domingo do “The New York Times” – que eu, velho, ainda gosto de ler “à moda antiga”, ou seja, no próprio jornal (que um distribuidor separa toda semana para mim) – e me deparei com um artigo, na seção “Styles” que trazia o título: “Dançando com os demônios”. Esse foi o texto que convidei você a ler no post anterior (mais uma chance? ), e que me deixou bastante inquieto. O motivo dessa inquietude era, claro, a própria polêmica ética de explorar (ou não) uma tragédia pessoal. Afinal, o “mestre de cerimônias” do “reality”, que deveria dar o exemplo, acabou sendo vítima do mesmo problema que dominava as pessoas que ele tentava ajudar. Será que a MTV agiu certo?
Bem, de cara, é melhor dar uma cara e um nome a este personagem, porque ele é real – como alguns que deixaram seu comentário por aqui não tardaram em descobrir. Ele é DJ AM – figura descolada da noite nova-iorquina (e, em escala menor, também do circuito internacional da noite). Seu nome oficial é Adam Goldstein. Quando a idéia do “reality” chegou à MTV americana, ele alegava que estava “sóbrio”, “limpo”, e pronto para ajudar outras pessoas a seguirem seu caminho – algo que ele até já fazia informalmente. Tudo correu aparentemente bem nas gravações em meados deste anos, até que no dia 28 de agosto ele foi encontrado morto no seu apartamento em Nova York. A causa: uma overdose de remédios e cocaína.
Depois de alguma hesitação, a MTV decidiu ir em frente e colocar o programa no ar. Com o sugestivo nome de “Gone too far” (traduzindo rapidamente, “Indo muito longe”, ou ainda, “Longe demais”), sua exibição dividiu o público da TV – e é fácil imaginar por que. Se a mera sugestão de que um dilema como esse pudesse existir já provocou todas aquelas reflexões que vimos aqui neste espaço, imagina como a discussão foi “quente” também entre quem já assitiu “Gone too far”!
Porém o que me interessa mais em tudo isso – e essa é a discussão que eu quero abrir ainda mais – é a ousadia da MTV americana em ir em frente com seu projeto. E não apenas de uma maneira gratuita, para chocar ou – como muitos que comentaram aqui querem acreditar – “para ganhar mais audiência e dinheiro”. Acredito que a decisão da emissora foi bem pensada, ponderada, e no final optaram por ir ao ar com o “reality” para levar a discussão sobre drogas na TV a um outro nível. E é essa ousadia que eu quero celebrar!
Recentemente tenho visto sinais de coisas interessantes, de gente – artistas, criadores – que se destacam por levar seus projetos, por mais malucos que sejam, adiante, e com isso fazer com que todo mundo saia ganhando: quem cria, quem consome, quem discute o que está vendo.
Podemos começar com “Gone too far” – aliás, podemos continuar no mesmo universo, lembrando de um especial que o próprio “Fantástico”, onde eu trabalho, colocou no ar há alguns anos chamado “Falcão – meninos do tráfico”. Mas tenho experimentado experiências assim em muitas áreas da produção cultural.
Por exemplo, fui ver “Distrito 9″ na semana passada – e fiquei “chocado”. O filme – uma mistura de “Falcão negro em perigo”, com “E.T.”, “O exteminador do futuro”, “O fugitivo”, “Encontros imediatos do terceiro grau”, e “Marte ataca!” – não faz muito sentido: tem horas que os alienígenas são “coitadinhos”, e tem horas que são uma ameaça nacional; uma ação de despejo é decretada em 24 horas e esquecida dois dias depois; armas poderosas são utilizadas (quando convém ao roteiro) e depois somem… Mas mesmo assim eu adorei! Sério! Entrei na seção achando que veria uma metáfora sobre a segregação racial na África do Sul e acabei tendo uma das noites mais apavorantes dos últimos tempos no cinema! Ponto para o diretor (sul-africano) Neill Blomkamp que pela originalidade da idéia conquistou o coração de um dos melhores padrinhos que existem hoje no cinema mundial: Peter Jackson (sim, pense em “Senhor dos anéis”).
E já que estamos falando de filmes que dão medo, já viu o trailer de “Atividades paranormais” – o “Bruxa de Blair” da temporada (e, dizem, o filme mais assustador dos últimos tempos?). Vá até o site oficial do filme e escolha o espaço onde está escrito “TV spot”… É um trailer onde mais da metade do material é com a reação da platéia assistindo o filme! E é apavorante! Sabe quando é o orçamento declarado de “Atividades paranormais”? Onze mil dólares! Mas a gente pode ir longe quando tem uma idéia ousada na cabeça…
E não vamos nem falar de música! Florence and the Machine (sempre citada aqui), Raveonettes, The XX, The Antlers, Atlas Sound – nós precisamos de vocês!
Desculpe o entusiasmo, mas eu quero ver diferente, ler diferente, ouvir diferente, entender diferente! Ando meio sufocado com a quantidade de “mesmice” que tenho encontrado – e não é possível que eu esteja sozinho nesse sentimento. A quantidade de pessoas que mandaram aqui seu comentário aprovando a exibição de “Gone too far” me anima mais ainda, pois esse é o melhor indicador de que tem mais gente querendo coisas diferentes. Músicos, escritores, atores e atrizes, diretores, artistas, dançarinos, pensadores, grafiteiros, escultores, compositores, cineastas, roteiristas, e até – por que não? – jornalistas: por favor me provoquem!
Não sou só eu que vou aplaudi-los…
(Vou tirar mais uns dias de folga – uma “reernegizada básica”. O que significa que na quinta-feira vou dar um “cano” por aqui… Mas segunda volto com tudo. E, se possível, para provocar! Até lá!)