Então você poria… Bravo!

ter, 27/10/09
por Zeca Camargo |
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É a voz da maioria! Minha contagem de votos aqui é menos apurada do que a das eleições recentes no Afeganistão, mas só de olhar por cima os comentários enviados sobre o dilema que eu quis dividir com você no último post, deu para perceber que a maioria é a favor da exibição na TV de um “reality show” sobre um “ex-drogado” que convence outras pessoas com problemas de drogas a entrar para uma clínica de recuperação – mesmo que essa pessoa tivesse morrido de overdose alguns dias antes da estreia. Pois eu também transmitiria o programa – se bem que não exatamente pelos motivos que muitos defenderam por aqui, dos mais moralistas (“para mostrar os malefícios da droga!”, como muitos levantaram) aos mais, digamos, capitalistas (“desgraça dá audiência”, como argumentaram tantos outros).

Minha principal motivação em colocar o tal “reality” no ar é mais… metafísico! Já explico – mas antes, vamos voltar um pouco ao passado, mais especificamente, a 1990. Dezenove anos é muita coisa, e, para contar desde o início, devo dizer que, como sou péssimo para lembrar de datas e efemérides, não fosse uma feliz coincidência do destino eu talvez jamais tivesse me tocado desse aniversário. Foi assim: depois de muito negociar uma data para participar do programa “Happy hour”, no canal a cabo GNT – problemas de agenda -, finalmente consegui acertar com a produção do programa que dia 20 (terça-feira passada) seria ideal. E lá fui eu discutir (ao vivo) sobre o “prazer de comer” com a Astrid Fontenelle – que agora voltou a ancorar o programa (ao lado do Fred Lessa).

Assim que entrei no cenário, Astrid – que é amiga de longa data – me recebeu com um sorriso malandro e me deu uma espécie de “parabéns”. Não me lembro direito da conversa que trocamos, mas ela me deu pistas de que nós deveríamos comemorar alguma coisa… Levei alguns segundos para entender a indireta, mas quando “a ficha caiu”, tive um ligeiro ataque de riso (que quem acompanhou o programa pode confirmar!). Por uma baita coincidência, eu estava junto com ela no mesmo dia em que a MTV – onde eu comecei a trabalhar em TV, e onde a própria Astrid construiu boa parte da sua carreira – comemorava 19 anos. Como a própria Astrid comentou depois (no blog de Patrícia Kogut), “em termos de sincronicidade, nem a própria MTV inventaria algo melhor”! De fato…

Saímos para jantar depois do programa e, com um misto de nostalgia e saudade boa, relembramos o tempo em que gravávamos em um galpão do bairro paulista de Pinheiros, num estúdio tão improvisado que qualquer chuva mais forte fazia com que a gente interrompesse os trabalhos – porque a telha era tão fina que não isolava nem o barulho dos pingos… Lembramos de momentos difíceis também – que trabalho não os tem? Mas sobretudo lembramos com carinho dessa passagem por um lugar onde quase tudo era experimentação e ousadia (poderia me perder aqui em memórias do tempo da MTV, mas vamos deixar isso para outubro de 2010, quando ela completa 20 anos, pode ser?).

Acordei na quarta-feira ainda com o espírito saudoso da conversa no dia anterior, quando peguei (atrasado!) a edição de domingo do “The New York Times” – que eu, velho, ainda gosto de ler “à moda antiga”, ou seja, no próprio jornal (que um distribuidor separa toda semana para mim) – e me deparei com um artigo, na seção “Styles” que trazia o título: “Dançando com os demônios”. Esse foi o texto que convidei você a ler no post anterior (mais uma chance? ), e que me deixou bastante inquieto. O motivo dessa inquietude era, claro, a própria polêmica ética de explorar (ou não) uma tragédia pessoal. Afinal, o “mestre de cerimônias” do “reality”, que deveria dar o exemplo, acabou sendo vítima do mesmo problema que dominava as pessoas que ele tentava ajudar. Será que a MTV agiu certo?

Bem, de cara, é melhor dar uma cara e um nome a este personagem, porque ele é real – como alguns que deixaram seu comentário por aqui não tardaram em descobrir. Ele é DJ AM – figura descolada da noite nova-iorquina (e, em escala menor, também do circuito internacional da noite). Seu nome oficial é Adam Goldstein. Quando a idéia do “reality” chegou à MTV americana, ele alegava que estava “sóbrio”, “limpo”, e pronto para ajudar outras pessoas a seguirem seu caminho – algo que ele até já fazia informalmente. Tudo correu aparentemente bem nas gravações em meados deste anos, até que no dia 28 de agosto ele foi encontrado morto no seu apartamento em Nova York. A causa: uma overdose de remédios e cocaína.

Depois de alguma hesitação, a MTV decidiu ir em frente e colocar o programa no ar. Com o sugestivo nome de “Gone too far” (traduzindo rapidamente, “Indo muito longe”, ou ainda, “Longe demais”), sua exibição dividiu o público da TV – e é fácil imaginar por que. Se a mera sugestão de que um dilema como esse pudesse existir já provocou todas aquelas reflexões que vimos aqui neste espaço, imagina como a discussão foi “quente” também entre quem já assitiu “Gone too far”!

Porém o que me interessa mais em tudo isso – e essa é a discussão que eu quero abrir ainda mais – é a ousadia da MTV americana em ir em frente com seu projeto. E não apenas de uma maneira gratuita, para chocar ou – como muitos que comentaram aqui querem acreditar – “para ganhar mais audiência e dinheiro”. Acredito que a decisão da emissora foi bem pensada, ponderada, e no final optaram por ir ao ar com o “reality” para levar a discussão sobre drogas na TV a um outro nível. E é essa ousadia que eu quero celebrar!

Recentemente tenho visto sinais de coisas interessantes, de gente – artistas, criadores – que se destacam por levar seus projetos, por mais malucos que sejam, adiante, e com isso fazer com que todo mundo saia ganhando: quem cria, quem consome, quem discute o que está vendo.

Podemos começar com “Gone too far” – aliás, podemos continuar no mesmo universo, lembrando de um especial que o próprio “Fantástico”, onde eu trabalho, colocou no ar há alguns anos chamado “Falcão – meninos do tráfico”. Mas tenho experimentado experiências assim em muitas áreas da produção cultural.

Por exemplo, fui ver “Distrito 9″ na semana passada – e fiquei “chocado”. O filme – uma mistura de “Falcão negro em perigo”, com “E.T.”, “O exteminador do futuro”, “O fugitivo”, “Encontros imediatos do terceiro grau”, e “Marte ataca!” – não faz muito sentido: tem horas que os alienígenas são “coitadinhos”, e tem horas que são uma ameaça nacional; uma ação de despejo é decretada em 24 horas e esquecida dois dias depois; armas poderosas são utilizadas (quando convém ao roteiro) e depois somem… Mas mesmo assim eu adorei! Sério! Entrei na seção achando que veria uma metáfora sobre a segregação racial na África do Sul e acabei tendo uma das noites mais apavorantes dos últimos tempos no cinema! Ponto para o diretor (sul-africano) Neill Blomkamp que pela originalidade da idéia conquistou o coração de um dos melhores padrinhos que existem hoje no cinema mundial: Peter Jackson (sim, pense em “Senhor dos anéis”).

E já que estamos falando de filmes que dão medo, já viu o trailer de “Atividades paranormais” – o “Bruxa de Blair” da temporada (e, dizem, o filme mais assustador dos últimos tempos?). Vá até o site oficial do filme e escolha o espaço onde está escrito “TV spot”… É um trailer onde mais da metade do material é com a reação da platéia assistindo o filme! E é apavorante! Sabe quando é o orçamento declarado de “Atividades paranormais”? Onze mil dólares! Mas a gente pode ir longe quando tem uma idéia ousada na cabeça…

E não vamos nem falar de música! Florence and the Machine (sempre citada aqui), Raveonettes, The XX, The Antlers, Atlas Sound – nós precisamos de vocês!

Desculpe o entusiasmo, mas eu quero ver diferente, ler diferente, ouvir diferente, entender diferente! Ando meio sufocado com a quantidade de “mesmice” que tenho encontrado – e não é possível que eu esteja sozinho nesse sentimento. A quantidade de pessoas que mandaram aqui seu comentário aprovando a exibição de “Gone too far” me anima mais ainda, pois esse é o melhor indicador de que tem mais gente querendo coisas diferentes. Músicos, escritores, atores e atrizes, diretores, artistas, dançarinos, pensadores, grafiteiros, escultores, compositores, cineastas, roteiristas, e até – por que não? – jornalistas: por favor me provoquem!

Não sou só eu que vou aplaudi-los…

(Vou tirar mais uns dias de folga – uma “reernegizada básica”. O que significa que na quinta-feira vou dar um “cano” por aqui… Mas segunda volto com tudo. E, se possível, para provocar! Até lá!)

Um dilema

qui, 22/10/09
por Zeca Camargo |
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Minha vontade de comentar os comentários sobre minha lista das 30 músicas do pop/rock brasileiro que eu mais gosto (publicada no post anterior) era tão grande que admito que quase coloquei o nome de Kelly Key hoje lá em cima! Porém, resisti! E essa não foi a única tentação pela qual passei – também fui ver “Distrito 9″ esta semana e fiquei com ganas de dividir essa experiência fascinante com você.

Os dois assuntos, porém, podem esperar pois ontem mesmo eu li um artigo no “The New York Times” que me deixou, digamos, inquieto. Mas antes de convidar você a ler a reportagem, deixe-me explicar por cima essa minha inquietude. Na verdade, é uma pergunta que estou me fazendo desde que fiquei sabendo do que se tratava o artigo do jornal – e é sobre isso que eu quero sua opinião.

Resista à tentação de procurar mais informações na internet para me responder à pergunta que eu quero propor – e depois iremos mais a fundo na questão, pode ser? O que me interessa aqui é discutir duas coisas que são bem próximas da minha formação profissional – mas não quero entrar em detalhes agora… O dilema é o seguinte: se você tivesse gravado uma temporada inteira de um “reality show” sobre um “ex-drogado” que convence outros viciados a entrar para uma clínica de reabilitação, e dias antes de o programa estrear você descobre que essa figura principal do seu programa morreu de overdose, você colocaria os episódios no ar assim mesmo?

Se puder, mande sua resposta imediata – qual é a primeira resposta que vem à cabeça? -, antes de pesquisar mais sobre o assunto. Acho que vamos ter bastante assunto na segunda-feira…

“Et tu…”

seg, 19/10/09
por Zeca Camargo |
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Pois eu tomei coragem! Apesar de ter resistido muito, mas ao mesmo tempo ter sido tentado por tantas listas que os internautas mandaram, finalmente decidi: vou dividir com você uma pequena lista do que eu acho que é o melhor do pop/rock brasileiro. Para ser mais exato, decidi mesmo depois de ter visto a lista do Matheus Rocha (pode procurar nos comentários do post anterior). Muita gente fez como ele – mandou uma lista totalmente idiossincrática, não querendo impressionar ninguém a não ser a si mesmo, sem concessões para agradar quem quer que fosse a não ser seu próprio autor. Mas o Matheus, me parece, foi um passo além: não teve o menor pudor de juntar Claudinho & Buchecha com Racionais MC’s; O Rappa com Skank; LS Jack com Gabriel o Pensador (que entrou com duas músicas na sua lista!).

Assim, imbuído desse mesmo espírito – isto é, o de “abrir o coração” e não ter vergonha de ser criticado -, aqui está minha seleção. Ela obedece, claro, algumas regras simples. Primeiro, ela se concentraria no pop/rock – e não no “guarda-chuva” mais abrangente da MPB. E, segundo, para evitar a armadilha de “querer fazer média”, me concentrei apenas em músicas que são minhas contemporâneas – ou seja, coisas que cresci ouvindo no rádio e/ou fui descobrindo eu mesmo na minha “educação musical”.

Ela está longe de ser uma lista definitiva – depois, com mais tempo, quem sabe não chegamos a 100? Mas é uma lista honesta. E para não parecer gratuita, cada escolha ganha uma pequena justificativa. Divirta-se!

1) “Não quero dinheiro”, Tim Maia – com seu refrão que parece um mantra (“a semana inteira, fiquei te esperando…”), e mais uma batida impecável, metais precisos e uma levada que empresta do “soul” americano, mas ganha uma “demão” toda brasileira, cortesia da genialidade de Tim, essa para mim é a música pop brasileira mais perfeita que jamais foi feita.

2) “Panis et circencis”, Os Mutantes – assinada por Caetano Veloso e Gilberto Gil, essa música, estranha como é, acredite, tocava no rádio. E muito! A ponto de chamar a atenção de um garoto de meros cinco anos… Esse garoto, hoje, com 46, até hoje não para de ficar fascinado com a originalidade desse som.

3) “Agora só falta você”, Rita Lee – quando você ainda é pré-adolescente e está pensando em sacudir a sua vida, quer um “empurrãozinho” melhor que uma música que começa com o verso: “Um belo dia eu resolvi mudar / e fazer tudo que eu queria fazer”? Mais que uma canção, um hino para mim. Às vezes acho que só virei jornalista de música para ter a chance de conhecer Rita Lee…

4) “Tempos modernos”, Lulu Santos – minha vontade era de colocar Lulu nos dez primeiros lugares desta lista! Mas, como acho que todo mundo merece um lugar ao sol, vamos ficar só com essa por enquanto. Melhor que “Um certo alguém”? “Como uma onda (zen-surfismo)”? “Tudo azul”? “Casa”? “Condição”? “Assim caminha a humanidade”? Não sei dizer… Escolhi “Tempos modernos” quase por sorteio…

5) “Mestre Jonas”, Zé Rodrix – recentemente prestei aqui uma homenagem a essa figura ligeiramente esquecida do nosso pop. Só queria engrandecer esse tributo colocando o “Zé” aqui na quinta posição.

6) “Gita”, Raul Seixas – já ouviu uma música várias vezes sem ter idéia do que ela está dizendo. Hoje, claro, consigo tirar mil e uma interpretações dessa canção hipnótica de Raul e Paulo Coelho. Mas quando eu a escutava repetidamente por volta dos meus 10/11 anos, toda aquela poesia ali era puro ritmo – que, aliás, nunca saiu da minha cabeça.

7) “Os alquimistas estão chegando”, Jorge Ben – assim como na “Rolling Stone”, prefiro grafar o nome desse músico genial como eu o conheci. Ironicamente, lembro-me de ser apresentado à essa música por um clipe (que na época se chamava “musical”) do “Fantástico”… Acho que foi a primeira vez que “viajei” com uma canção…

8 ) “Exagerado”, Cazuza - costumo dizer que toda o conjunto da obra do Cazuza, que já é genial, seria ainda mais relevante se tivesse escapado da produção musical tipo anos 80… Mas “Exagerado” supera até esse obstáculo: uma poesia delirante, música idem, mais o carisma de um cara que eu tive o prazer de conhecer uma vez só – mas que quem já leu meu livro “De a-ha a U2″ sabe bem o quão importante foi esse encontro.

9) “Índios”, Legião Urbana – como com Lulu Santos, escolher apenas uma do Legião para estampar aqui é missão impossível. Quase fiquei com “Pais e filhos”, mas acho que optei por “Índios”, simplesmente por ela não se parecer com nada que o Legião tinha feito até então. Sem falar na letra… “Não ser atacado por ser inocente”… “Fala demais por que não tem nada a dizer”…

10) “Domingo no parque”, Gilberto Gil e Os Mutantes – de vez em quando, sempre que se comemora uma data redonda na televisão brasileira, tem uma retrospectiva que usa pelo menos alguns trechos dos antigos festivais de música da TV Record – e sempre estão eles lá: Gil e os Mutantes cantando aquela esfinge em forma de canção. Pois amigos, eu vi aquilo sendo transmitido ao vivo… Moderna, moderna e moderna – até hoje!

11) “Dancin’ days”, Frenéticas – o pop brasileiro nunca conheceu nada tão delirante quanto as Frenéticas, e, com exceção de “Vesúvio” (que é do brilhante Eduardo Dusek), nenhuma canção do repertório delas é mais exuberante do que “Dancin’ days”. Parte do crédito, claro, vai para Nelson Motta, que captou todo o espírito de uma geração. Mas arrisco dizer que sem a loucura daquelas mulheres, ela não seria mais que uma nota de rodapé do nosso pop…

12) “Fio Maravilha”, Maria Alcina – eu sei, eu sei! A música é de Jorge Benjor (também ainda dos tempos que era só “Ben”). Mas o que marcou o pequeno Zeca foi menos a irresistível pegada dessa homenagem a um já esquecido – ainda que grande – jogador do Flamengo do que a performance enlouquecida de Maria Alcina no saudoso Festival Internacional da Canção. O que era aquilo? Estou me perguntando até hoje.

13) “Sangue latino”, Secos & Molhados – e por falar em loucura, se Maria Alcina já havia me deixado alucinado, o que dizer daqueles três caras totalmente pintados, rebolando (!), e cantando com aquela voz? “Sangue latino” é uma obra extraterreste composta e executada pelos humanos mais estranhos que já habitaram (e ainda habitam) este nosso planeta…

14) “Kátia Flávia”, Fausto Fawcett - seria demais dizer que a era moderna do pop brasileiro foi inaugurada com Fausto Fawcett. Quem viu suas performances – com suas incríveis bailarinas – não se esquece jamais! E a música? Bem, eu “tô dentro” de qualquer refrão que diga “louraça belzebu, louraça Lúcifer, louraça Satanás”!

15) “Você não soube me amar”, Blitz / “Eu hoje vou me dar bem”, Piu Piu de Marapendi - sente-se. Respire. Eu gosto muito da música da Blitz – que, talvez como “Dancin’ Days”, tenha definido toda uma geração. Mas ela só faz sentido para mim “casadinha” com essa bizarra paródia que foi feita em cima dela. Dois locutores de uma rádio carioca resolveram fazer uma brincadeira com a estrutura da Blitz e, pelo menos em São Paulo, onde eu estudava, aquilo virou uma febre. Não entrava um dia na faculdade sem ouvir a discussão entre o travesti e o seu cafetão em torno de batatas fritas e chope… De vez em quando, para quebrar, ouvia também a original…

16) “Pintura íntima”, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens – sim, jovem! Houve um tempo em que o Kid Abelha atendia por esse nome (mais ou menos na época em que os Titãs ainda eram “do Iê-iê-iê”, e os Paralamas ainda eram “do Sucesso”). E nenhuma música definiu tão bem o pop chiclete dos anos 80 quanto essa. Perfeita até hoje, deve ser a única música – fora “True”, do Spandau Ballet – na qual eu tolero um saxofone…

17) “Quero que vá tudo pro inferno”, Roberto Carlos – Roberto e Erasmo, claro! Desse vastíssimo repertório, fica difícil também tirar uma só. Mas fico com essa que foi minha conexão com o pop mesmo antes de que saber o que era isso. Um ritmo contagiante, uma letra irreverente – ainda mais para a época! – e uma seção instrumental que é um clássico do órgão eletrônico. Não podia faltar em nenhuma festa minha… até meus 11 anos!

18) “Desabafo”, Marcelo D2 – a única maneira de fazer justiça a D2 numa lista de melhores do pop/rock brasileiro é incluindo um trabalho recente seu. Porque sua cabeça não para! E se “Desabafo” já tinha sido genial, tenho certeza de que ele já está pensando em algo ainda mais moderno para entrar na próxima lista!

19) “Saia de mim”, Titãs – “Cabeça”, “Comida”, “Bichos escrotos”… essas estão sempre lá nas listas mais “autênticas”… Mas eu gostaria de tirar do fundo do baú dos Titãs esta pequena obra-prima do escárnio. A raiva nunca foi tão autêntica no nosso pop como em “Saia de mim”. E, ironicamente, ela acabou servindo, anos depois, como o perfeito antídoto para a açucarada – e genial! – “Sonífera ilha”…

20) “Pelados em Santos”, Mamonas Assassinas – o horror! O horror! Mamonas numa lista com o melhor do pop/rock brasileiro? Pode esnobar o que quiser, mas pouca gente na trajetória do nosso pop fez tanto para divertir as pessoas como esses caras! Tudo bem, a música é, talvez, simples demais para os mais exigentes. Mas é divertida, mexeu com todo mundo, e, mesmo contra sua vontade, tenho certeza que você sabe completar o verso seguinte de “Mas ela é líndia, muitcho mais que líndia”… De deixar qualquer um doidão. Ainda bem!

21) “Como nossos pais”, Elis Regina – se você talvez estranhar a inclusão dessa música nessa lista é porque não pegou o tempo em que ela tocava em todas as rádios. Uma balada poderosa – e com uma mensagem forte? Mesmo garoto, eu já sabia que não queria ser “como nossos pais” – só não sabia verbalizar isso. Até que veio Elis cantando essa letra de Belchior. “Você pode até dizer que eu tô por fora ou então que tô inventando”…

22) “Inútil”, Ultraje a Rigor – de certa forma uma boa resposta – ainda que não proposital – à música de Belchior que eu acabei de citar. A mensagem não traz nem uma fração da força de “Como nossos pais”, mas eram os anos 80 – e quem queria se preocupar com isso? O Ultraje de Roger chega com o tom certo do deboche para afirmar que, então, “a gente não sabemos escolher presidente”. “Yes we can”?

23) “A loirinha, o playboy e o negão”, Kelly Key – já causei certa celeuma quando incluí esta faixa na minha lista de mil músicas que me fizeram ouvir a própria música de maneira diferente – imagine a confusão que eu vou arrumar agora, numa lista ainda menor (e, supostamente, mais seleta). Porém, mantenho meu voto. Primeiro porque acho todas as faixas de Kelly Key muito bem produzidas (achei que era uma artista estrangeira quando ouvi “Baba baby” pela primeira vez!). Depois, porque é sim uma música de protesto – e pop! E engraçada! Não venha me dar sermão antes de ouvir…

24) “A noite vai chegar”, Lady Zu – grande momento pop brasileiro, infelizmente varrido para baixo do tapete… No final dos anos 70, o mundo inteiro dançava um ritmo só – o da discoteca. E em meio a várias imitações, surgiu a tal Zuleide, que, com uma voz poderosa, só precisou trocar a ordem das sílabas do seu nome para fazer sucesso. Tente resgatar essa pérola – e você vai me dar razão…

25) “Rio 40 graus”, Fernanda Abreu - eram outros tempos, mas não menos dançantes! Bem no comecinho dos anos 90, Fernanda Abreu achou que estava na hora de virar tudo e reensinar a moçada a dançar. Era o começo de uma nova levada, com o ótimo álbum “Sla radical dance disco club”, cuja faixa mais emblemática ainda acho que é “Rio 40 graus”. Bravo Fernanda!

26) “Beija eu”, Marisa Monte – de repente o Brasil inteiro estava cantando pura poesia. Marisa deu mais de uma contribuição para o pop brasileiro – a mais preciosa de todas, talvez, com “Vilarejo”. Mas foi “Beija eu” que caiu na boca do povo, que quase sem pensar saía cantando uma rara e sofisticada combinação de letra e música.

27) “É uma partida de futebol”, Skank – quando ouvi essa música pela primeira vez, já era fã dos Skank. Mesmo assim, fiquei encantado com a originalidade da idéia. Uma canção que é como uma pintura – um grande “tableaux”. E ainda por cima com aquele ritmo! Ponto para aqueles caras que me fizeram vibrar com o esporte, mesmo não sendo grande fã de futebol…

28) “A cidade”, Chico Science e Nação Zumbi - me lembro como ontem, de uma repórter – hoje diretora – da MTV Brasil voltando de uma série de reportagens que planejamos fazer no Recife, dizendo que o que estava rolando lá mesmo era um tal de “mangue beat”. Tenho poucos orgulhos nessa vida – imagine! – mas um deles foi o de ter sido responsável, em parte, por ter mostrado esse gênio que foi Chico Science pela primeira vez para um público maior. O mérito, claro, não é meu, mas dele – e se você ainda não é um convertido, basta ouvir “A cidade”.

29) “Telúrica”, Baby Consuelo - certas coisas não se explicam. “O pensamento das flores”? “Significado das cores”? Estava tudo lá nessa canção de ritmo estranho, interpretada por uma mulher mais ainda! Motivo de piada ou inspiração universal? Baby Consuelo foi as duas coisas, mas marcou profundamente esse que vos escreve…

30) “Alegria, alegria”, Caetano Veloso - não me interprete mal. Esta não é a trigésima música na minha lista simplesmente porque existem, na minha opinião, 29 melhores do que ela, no cânone do pop brasileiro. Escolhi essa para fechar a seleção, porque acredito que tudo que começa bem, tem que terminar melhor ainda. E não me peça para ser mais literal que isso…

Pimenta na lista dos outros não arde…

qui, 15/10/09
por Zeca Camargo |
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Se alguém tem gabarito para fazer uma lista com as 100 maiores músicas brasileiras, certamente é a “Rolling Stone” brasileira , certo? Ainda mais nesses seus três anos, durante os quais a revista se consolidou como uma ótima referência não só musical, mas também jornalística, certo? Então por que eu estou ligeiramente incomodado com o resultado? Vejamos de perto.

Antes porém, quero reforçar que só tenho elogios à revista. Desde o seu primeiro número (aqui comentado nos primórdios deste blog) sou fã – e isso descontando o fato de eu conhecer e admirar várias pessoas que estão por trás dela. Com capas memoráveis – do próprio número de estréia, com Gisele Bündchen, ao exemplar recente com Ronaldo – e reportagens impecáveis (que dão uma cutucada melhor no cotidiano nacional do que muita revista “de adulto”), a “Rolling Stone” me conquistou – e não fui o único…

Então, eis que para comemorar o seu terceiro aniversário (que quase que regula com o deste espaço), a revista resolve presentear seus leitores com uma lista das “100 maiores músicas brasileiras”. Meu coração, como os que sempre me acompanham aqui sabem bem, tem um fraco por listas. Por isso mesmo, a que foi preparada pela “Rolling Stone” – e que tem uma nada discreta chamada de capa! – era, com o perdão do trocadilho, música para meus ouvidos.

Quando comprei a revista, passei batido por todas as seções e reportagens para chegar direto no assunto. E quando vi a música que ocupava a primeira posição, levei um choque: a escolhida era “Construção”, de Chico Buarque! Uma obra-prima, ninguém duvida. Mas não exatamente o que eu chamaria imediatamente de uma música pop – sequer uma faixa “rock n’roll”! Quem sabe dali para frente a lista seria diferente? Não exatamente… Número 2 – essa sim, um verdadeiro clássico (e, alargando um pouco o termo, quase pop), “Águas de março”, gravada por Elis Regina e Tom Jobim. Pareceu-me razoável. Mas aí veio a terceira posição: “Carinhoso”, de Pixinguinha. E a quarta: “Asa branca”, de Luiz Gonzaga! Onde é que isso ia parar?

Na posição de número 5, respirei aliviado: Jorge Ben (provocativamente – e propositalmente – sem o “Jor”), com “Mas que nada”. Escolha esperta. “Chega de saudade”, de João Gilberto, uma música tão perfeita que nunca deveria figurar em listas que não a colocassem na categoria de “hors concours”, é a música de número 6. Comecei novamente a ficar incomodado, até me acalmar com a canção de número 7, onde finalmente encontrei alguma coisa que eu, de fato, poderia esperar de uma lista como essa da “Rolling Stone”: “Panis et circensis”, dos Mutantes.

Mas aí veio “Detalhes”, de Roberto Carlos (número 8), “Canto de Ossanha” (!), de Baden Powell e Vinícius de Moraes (número 9), e “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso (injustamente aparecendo apenas na décima posição). O que estava acontecendo? Minha sensação era que, numa lista tão “abrangente” como essa, parecia que a música que estava faltando mesmo logo ali no topo era o “Samba do crioulo doido”, de Stanislaw Ponte Preta, “vulgo” Sérgio Porto!

Não seria eu o primeiro a atirar a primeira pedra. Aliás, como amante e praticante desse “esporte”, sei o que é preciso para alguém criticar uma lista: apenas fazê-la (e nunca essa lição veio tão rápida quanto quando publiquei aqui a minha “seleçãozinha” das 1000 músicas que me fizeram ouvir a própria música de maneira diferente; e veja bem: eram mil músicas, e mesmo assim, não faltou gente para dizer que a lista inteira – a lista inteira! – era uma porcaria…). Eu diria ainda que – ainda na qualidade de “listeiro” – a função de um exercício desses é provocar quem lê – e duvido que os organizadores da seleção da própria “Rolling Stone” tenham a cara-de-pau de negar isso… Mesmo assim, descontando tudo isso, eu tive “problemas” para entender os critérios da revista.

Tudo bem que a lista era, repetindo, das “maiores músicas brasileiras”. Mas acima deste título estampado na capa estava o próprio título da revista – “Rolling Stone”. E acho que isso criou o que costumamos chamar de “dissonância cognitiva” – em poucas palavras, o truque de criar uma expectativa e apontar para outra direção…

Não que a lista da “Rolling Stone” não seja importante – ela é importantíssima, sobretudo no efeito (talvez não intencional) de apresentar um cânone indiscutível da MPB para gerações que acham que a música brasileira começou mesmo com os pastiches nacionais de emo. Como fica claro na lista, muita coisa boa – revolucionária até! – vem sendo feita há décadas para comprovar o talento, a originalidade e a vitalidade dos nossos artistas (e, por conseguinte, nossa música), com reconhecimento não apenas nacional, como internacional.

Mas, insisto, a lista é “assinada” pela “Rolling Stone”… Então por que Raul Seixas faz sua primeira aparição “apenas” na posição de número 16? Chico Science & Nação Zumbi – uma das coisas mais explosivas que já surgiu no pop brasileiro! – não pegou nem o corte das primeiras 20 músicas (“Da lama ao caos” é numero 22).Tim Maia? Pode ir virando as páginas da revista, pois você vai ter que chegar à posição de número 37 para encontrá-lo – praticamente escondido depois de Lô Borges! Titãs aparecem com “Comida”, aos “68 do segundo tempo”. Lulu Santos – o grande mestre pop do Brasil, ou melhor, o maior mestre que o Brasil já teve – só entra na septuagésima-primeira posição. Isso mesmo: “Como uma onda (zen surfismo)” vem logo depois de… “Ronda”, com Inezita Barroso (70). Legião Urbana? 81, com “Que país é este?”. Viva Cazuza – finalmente! -, que precisou esperar 82 músicas para emplacar com “Ideologia” (83). E a lista fecha, ironicamente, com “Anna Julia”, do Los Hermanos.

É uma lista de peso? Sem dúvida! Mas é uma lista pop? Acho que não. Mas talvez até ela nunca tivesse sido concebida para isso. Com entradas como “Chão de estrelas”, de Silvio Caldas (61); “Eu quero é botar meu bloco na rua”, de Sérgio Sampaio (38); “Eu sei que vou te amar”, de Vinícius de Moraes (24); “Tico tico no fubá”, de Zequinha de Abreu com Ademilde Fonseca (92); “Samba de verão”, de Marcos Valle (76); ou a própria “Carinhoso”, de Pixinguinha (só lembrando, a terceira melhor música brasileira segundo a “Rolling Stone”) – o que parece é que a revista quis agradar a todos, fazer uma lista que pudesse ser reverenciada tanto aos mais exigentes acadêmicos da MPB quanto ao garoto com seu MP3 que nunca – nunca! – pagou um centavo para ouvir música nenhuma. E acho que foi isso que me deixou um pouco incomodado…

Fazendo um paralelo meio frouxo, fui dar uma espiada na lista das 500 maiores músicas de todos os tempos publicada pela “Rolling Stone” original, a americana, em dezembro de 2004. Seguindo a lógica da brasileira, eu poderia esperar, logo no topo da lista, nomes como Cole Porter, Ira e George Gershwin e mesmo Irvin Berlin (autores de clássicos do cancioneiro americano) – para não falar de Scott Joplin (que poderíamos chamar de “o Pixinguinha deles”). No lugar deles, porém, lá estão, claro, os suspeitos de sempre: Bob Dylan (em primeiríssimo!), The Rolling Stones, The Beatles, Nirvana, Marvin Gaye, The Clash, Elvis Presley, Led Zepellin – e por aí vai…

Eu consigo até entender a difícil posição em que a nossa “Rolling Stone” se encontrou ao tentar organizar tal lista. Aqui no Brasil, se você deixa alguns nomes de fora – mesmo que eles não tenham muito a ver com o espírito do que você está fazendo -, tem gente que acha que “vai pegar mal”. Para não ofender os gostos mais sensíveis, existe sempre uma “fazeção de média” com um elenco de notáveis que, pelo visto, nunca vai deixar uma lista da “Rolling Stone” brasileira ser a lista que a “Rolling Stone” brasileira poderia ser.

Aliás, por falar em fazer média, por que só uma de Noel Rosa (ou melhor, duas – contando com “Último desejo”, na voz de Aracy de Almeida)? Ou uma só de Dorival Caymmi, lá no número 94? Por que Assis Valente entra só por conta dos Novos Baianos, mas não com aquela que é talvez a mais divertida música pop feita no Brasil, “Uva de caminhão” – especialmente na versão de Wanderléa? E onde está Ataulfo? Cadê “Madalena”, de Ivan Lins? E como deixaram de fora o samba-enredo mais bonito de todos os tempos, “É hoje”, de Didi e Mestrinho? Viu como não é simples nem querer agradar todo mundo?

Não sou nem louco de não reconhecer a importância, a relevância, o potencial transformador, a musicalidade, e mesmo a genialidade de cada uma das canções selecionadas – especialmente os “clássicos”. Mas não posso também deixar de desejar que esses nomes consagrados tivessem seus nomes (já imortais) laureados numa lista própria, para que essa da “Rolling Stone” ficasse um pouco mais pop…

Quatro músicas dos Mutantes (Sendo que uma com Gilberto Gil)? Bravo! Duas do Secos & Molhados? Genial! Seis referências a Caetano Veloso (duas com os Novos Baianos), sem contar “Baby”, de Gal Costa? Claro! Se a escolha de “Detalhes” para a oitava posição causou estranheza, o Rei foi redimido depois com a inclusão de “Quero que vá tudo pro inferno” e “As curva da estrada de Santos”. Luiz Melodia lembrado com “Pérola negra”? Ainda bem! Hyldon, aquele de “Na rua, na chuva, na fazendo”? Passa… Aplausos para a inclusão de “BR-3″, de Tony Tornado. E (ainda que pareça mais uma escolha para fazer média) ter honrado Racionais MC’s com “Diário de um detento”, foi uma boa atitude. Devo reconhecer que a lista me fez até ouvir “Construção”, de Chico Buarque (a número 1!), de maneira diferente – como uma verdadeira obra de desconstrução pop – e me convenceu que ela talvez seja mesmo a melhor música brasileira de todos os tempos (hesito apenas porque sou fã demais de “Domingo no parque”, que, ufa, está em décimo-primeiro).

Mas ainda acho que o resultado final foi uma seleção que quis agradar demais, mas que justamente por essa pretensão, quase correu o risco de ser – como diz o grande hino pop-punk do Brasil (que felizmente fulgura numa honrosa vigésima-terceira posição), cortesia do Ultraje a Rigor… “Inútil”! Aliás, sou mais a lista de Roger Moreira – que, como Roberto Menescal e Marcelo Camelo, foram convidados a fazer sua seleção pessoal para serem publicadas junto com a “oficial”. Ou quem sabe eu seja mais a sua lista! Não quer mandar um “top 10″ das melhores músicas pop do Brasil?

Eu sigo aqui tomando coragem para revelar a minha… Vai que alguém resolve me criticar…

Dia das Crianças

seg, 12/10/09
por Zeca Camargo |
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Isso nunca tinha acontecido comigo. Quarta-feira passada, quando fui comprar um ingresso para assistir a “Up – altas aventuras”, num shopping center em São Paulo, a bilheteira (ainda é assim que a gente chama a mulher que vende ingressos no cinema?) primeiro me alertou para o fato de que a cópia que eles estavam exibindo não era em 3D – uma pena, mas não me desanimou. Em seguida, com entonação de quem quase estava torcendo para que eu desistisse da minha empreitada vespertina, ela me informou que eu era o único espectador daquela sessão (das 16h10!), e que eu poderia escolher o assento que quisesse na sala. Imagine! Uma sala só para mim! E para assistir a “Up”! Considerei isso como um presente de Dia das Crianças adiantado!

Comprei pipoca – a despeito do fato de eu ter almoçado (leve, é verdade) havia menos de uma hora –, refrigerante (zero!), e entrei na sala, primeiro me dirigindo ao assento que eu havia escolhido. Em seguida, porém, enquanto os trailers ainda estavam passando, como que tomado por uma curiosidade infantil, experimentei mais umas dez cadeiras, como se estivesse analisando – com a seriedade de um pesquisador-mirim – de qual ângulo da sala eu tiraria mais proveito! No final das contas, claro, acabei sentando exatamente no lugar que havia escolhido na bilheteria. “Up” já estava começando e, talvez porque as primeiras cenas remetem aos tempos do cinema antigo, tive um rápido flashback das primeiras matinês de domingo que certamente colaboraram para que eu me tornasse esse amante de cinema que sou hoje.

Elas aconteciam num antigo cinema na Rua Augusta, em São Paulo – onde hoje é o teatro Procópio Ferreira. Contando só com a minha memória – o Google não me ajudou em nada nesse quesito –, arrisco dizer que o nome do lugar era Cine Veneza, mas não tenho certeza. O que me lembro bem é que ia com a minha avó, que morava ali perto e era, ela mesma, uma grande fã de cinema – não declarada… As matinês faziam jus ao nome: eram sempre na manhã de domingo, antes do meio-dia (alguém ainda faz isso hoje?), e a programação, claro, era dedicada ao público infantil. Qualquer que fosse o filme – “Se meu Fusca falasse” (o original!), “Um convidado bem trapalhão” (clássico!), “Um dia um gato” (peguei você!), “Monsieur Cognac” (que depois eu reveria com devoção todas as vezes que era reprisado na TV) –, ele invariavelmente era precedido de alguns desenhos animados do “Tom & Jerry”.

Você, que provavelmente só conheceu esse cartoon pela TV, não pode imaginar o êxtase que era assistir à animação numa tela de cinema. E estou falando, claro, dos antigos “Tom & Jerry” – aqueles em que os adultos nunca eram mostrados acima dos tornozelos, e as peripécias da briga entre o gato e o rato eram de fato originais e inteligentes. E ainda havia aquela trilha sonora original, onde cada movimento musical era sincopado com o menor gesto que os personagens faziam…

Minha avó – tenho o prazer de relembrar – várias vezes parecia se divertir mais com os desenhos do que eu. Mais de uma vez me lembro de ter ficado muito mais fascinado com sua deliciosa gargalhada do que com a ação do desenho animado – e seu riso solto, claro, era fruto não de um olhar infantil, mas da sabedoria (que, espero, vem com a idade) de saber achar graça nas coisas mais simples da vida.

Tenho uma saudade imensa dessa minha avó – que era mãe de minha mãe, e que curiosamente eu chamava de “Mainha”. Quase 20 anos depois de ela ter morrido, meu registro da sua companhia naquelas manhãs de domingo na sala do (suposto) Cine Veneza – que, ao contrário da sessão que conferi na quarta passada, estava sempre cheia de crianças super excitadas, com seus respectivos acompanhantes semi-desesperados –, me fez uma agradável companhia durante toda a projeção dessa que é talvez a mais adorável criação dos estúdios da Pixar (que eu só compararia, talvez, com “Ratatouille”).

Queria que minha avó estivesse comigo desde o início do filme, quando duas crianças que sonham com aviões e aventuras se conhecem – e mais adiante se casam e constroem juntos uma vida feliz e solitária. Ou melhor, solitária e feliz. Essa biografia de Carl e Ellie – os personagens – é contada em menos de três minutos, sem texto algum, e é uma das coisas mais bonitas e sucintas que eu já vi no cinema – uma espécie de antítese de “Benjamin Button”… Ela tem um final triste – Ellie morre (e não venha me falar que isso é um “spoiler”, por favor… isso acontece no primeiro quarto de hora do filme!). Mas é com essa tristeza que nós vamos acompanhar, dali em diante, toda a alegria de Carl aos 78 anos!

Queria que minha avó estivesse comigo quando, para realizar um sonho de infância seu e de sua mulher, Carl pendura balões de gás na casa onde morou toda sua vida adulta, e vai para um “misterioso” lugar na América do Sul (possivelmente no Brasil, embora nada fique muito claro – nem no mapa!). Seu sonho é instalar sua casa no alto de uma cachoeira lendária, e ao chegar lá, novas aventuras aguardam Carl – que, sem querer, ainda trouxe “de carona”, um desorientado escoteiro chamado Russell. Um pássaro colorido (Kevin), uma matilha de cães falantes – proeza que eles adquirem graças a um “aparelho” instalado em suas coleiras, que, quando está com defeito transforma a voz dos cachorros mais bravos com efeitos hilários! –, e um vilão impecável (que era, na verdade, o herói da juventude de Carl e Ellie), completam o enxuto “elenco”. Você pode até considerar a própria casa – que atravessa continentes suspensa pelos balões de gás – como um personagem também… Mas o que importa é que com muito poucos elementos – e uma história para lá de fantasiosa –, “Up” me fez chorar mais do que… bem… mais do que eu tinha me preparado para chorar. Vários amigos tinham me avisado de que o filme era muito emocionante, mas quando vi Carl abrindo pela última vez o caderno de anotações que ela tinha desde criança, desabei. E o filme não estava nem perto da metade…

Lembrei-me de novo da minha avó. Mas não posso atribuir essa emoção toda a uma referência tão pessoal. O filme é um sucesso (um bilheteria de quase 300 milhões de dólares, só nos Estados Unidos!) porque fala não especificamente (e exclusivamente) às minhas memórias mas aos sonhos de muita – muita! – gente. Assim como eu “viajei” sozinho naquele cinema para as matinês da minha infância (por associações mnemônicas que eu mesmo não sei como explicar), “Up” tem o poder de oferecer inúmeros “pontapés iniciais” de processos associativos – e, assim, deixar feliz desde o “vovô” que sonhava ser aviador, à garota curiosa por pássaros exóticos. Tem romance na história de Carl e Ellie, e aventura – muitas vezes vertiginosa! – nas sequências de perseguição (especialmente nas cenas finais, em cima de um dirigível!). Tem também “tomadas” de ângulos incríveis (imagine a farra que os animadores não fizeram com um desenho de animação que se passa no ar…) e diversas situações que vão fazer você rir. Tem cores vivas e música envolvente. Tem tudo de bom.

Estou entusiasmado eu sei – e, pior, estou atrasado no meu entusiasmo, já que “Up” está em cartaz há algumas semanas (sou eu que, isolado lá nas gravações de “No Limite”, estou correndo para me atualizar com os lançamentos do cinema… e ainda falta tanta coisa…). Mesmo assim quis dividir com você esse momento de pura memória, emoção e… infantilidade – no melhor dos sentidos. Afinal, se eu não puder fazer isso hoje, justo quando coincidiu o dia de post ser o próprio Dia das Crianças, quando é que eu vou fazer?

Um beijo, Mainha!

O melhor filme brasileiro desde (complete)

qui, 08/10/09
por Zeca Camargo |
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Eu vejo qualquer coisa com Andréa Beltrão. Acho que não preciso nem me alongar neste argumento, porque quase ninguém duvida que ela é a melhor atriz da sua geração – e eu tenho ciência de que estou me repetindo ao escrever isso, pois já fiz este elogio quando falei dela na minissérie “Som & Fúria”. Fui menos enfático, talvez, quando mencionei seu trabalho em “Jogo de cena”, de Eduardo Coutinho – mas até hoje, quase dois anos depois de ter visto o filme, é a presença dela a lembrança mais forte desse filme incrível (e a tal da Nilze também, mas eu divago…). Agora, durante a temporada de “No Limite 4″, todas as quintas-feiras, um dos meus prazeres secretos era assistir “A grande família” por completo, enquanto eu esperava para entrar no ar – e no meio de um elenco que já é sensacional, divertir-me um pouco mais toda vez que a Marilda (a personagem interpretada pela atriz) aparecia.

Fato é que eu vejo qualquer coisa com Andréa Beltrão. Porém, “Salve geral”, seu mais recente trabalho no cinema, não é “qualquer coisa”. É simplesmente o melhor filme brasileiro desde… bem, desde o último filme brasileiro que você resolveu achar que era o melhor filme brasileiro de todos os tempos – “Tropa de elite”, “Se eu fosse você”, “Dois filhos de Francisco”, “Cidade de Deus”, “Central do Brasil”, “A dama do lotação”, “O pagador de promessas”, pode escolher…

O que faz “Salve geral”- o primeiro filme que assisti depois de um longo jejum cinematográfico (mais sobre isso depois) – é, claro, a participação de Andréa Beltrão, mas não só. Tem ainda o fato de a história ter como pano de fundo um dos eventos recentes que mais marcaram a cidade onde vivo – o pânico espalhado pela bandidagem naquele fatídico dia das mães em 2006 (se você também mora em São Paulo, lembra-se muito bem; se é de outra cidade, não teve como não saber disso nos noticiários). E tem ainda um detalhe que muitas vezes fica esquecido em tantas produções brasileiras – para não falar nas internacionais: tem um excelente roteiro!

Nos idos da MTV – isto é, naquele tempo longínquo em que eu trabalhava lá e era responsável por um programa chamado “Cine MTV” (apresentado então por Chis Couto, que,  coincidentemente está em “Salve”, numa participação pequena, mas como sempre impecável) -, durante uma edição do festival de cinema de Gramado que fomos cobrir, sugeri que abríssemos um pequeno debate sobre (justamente) “roteiro no cinema brasileiro”. A proposta era tentar sondar – ainda que de maneira superficial – por que o Brasil, com uma oferta de atores excelentes, com bons técnicos, boas salas (que hoje são ainda melhores), e um público ávido por cinema, ainda apresentava produções com roteiros tão frouxos e desinteressantes. Estou falando do início dos anos 90 – antes mesmo de toda uma geração de cineastas mostrar para o resto do mundo do que o Brasil era capaz, inclusive na “telona”…

O programa – do qual, hoje lamento, não guardei nem uma cópia – não apontava grandes soluções. Apenas “cutucava” a ferida. Cinema, todos concordavam, não é televisão. Mesmo assim, boa parte das pessoas que transitavam nos dois meios assumiam (erroneamente) que sair de uma linguagem para a outra era simplesmente uma questão de “esticar” um formato. O que faltava ainda para o cinema brasileiro eram roteiristas que captassem o que significava entreter – ou segurar, ou (no mínimo) distrair – o público por quase duas horas sem contar apenas com a presença de um grande nome da TV no seu elenco. O “segredinho” disso, claro, estava – concluía o programa – no desenvolvimento de uma história. Bons escritores e roteiristas nunca deixaram de existir. Era só uma questão de as duas pontas se encontrarem. Tais encontros, para minha (e talvez sua) alegria, foram acontecendo de maneira cada vez mais frequente – e brilhante! Foram vários exemplos dessa união que estouraram no mercado nacional – e ainda ganharam respeito lá fora -, e 0 mais recente deles, na minha opinião, é “Salve geral”.

Você pode até achar que foi justamente o meu já citado “jejum cinematográfico” (explicando melhor, foi uma consequência de eu ter ficado dois meses envolvido com as gravações de “No Limite” numa pequena praia do litoral cearense) que criou uma espécie de viés na minha percepção – assim, me colocado predisposto a adorar qualquer coisa que eu visse, depois de tanto tempo longe dos cinemas. Mas assumir isso seria uma injustiça com o próprio Sérgio Rezende e com a Patrícia Andrade, que assinam juntos o roteiro.

O que me deixa desinteressando em um filme – e quem, no meio de uma projeção já não abandonou o que estava assistindo, se não fisicamente, pelo menos na concentração? – é a ausências de motivos para continuar curioso sobre o que vai acontecer depois. Previsibilidade é o maior pecado de todos nesse sentido, mas não vamos esquecer também dos filmes que abandonamos simplesmente porque falham em nos cativar – seja com seus personagens, seja com sua história. Nada disso acontece em “Salve geral”, onde até a última cena (literalmente) você fica se perguntando: “O que vai acontecer agora?”.

Sem contar que, com um pequeno truque “à lá ‘Titanic’ (o filme)”, Sérgio Rezende consegue falar de um evento gigantesco sem fazer o espectador perder o foco numa “pequena” história humana. “Salve geral” é sobre o “pânico de 2006″ em São Paulo, tanto quanto “Titanic” é sobre o maior naufrágio de todos os tempos. Se lá você via uma grande tragédia se desenrolar através do romance entre os personagens de Leonardo Di Caprio e Kate Winslet, aqui você assiste à tomada de uma das maiores cidades do mundo por bandidos, sem nunca perder o interesse na história da mãe (Andréa Beltrão) que vê seu filho – Rafa, vivido (e muito bem vivido) pelo ator Lee Thalor – de uma hora para a outra encarando uma prisão.

O desespero da viúva Lucia (a mãe), uma advogada que nunca exerceu a profissão (ela dá aulas de piano), para tirar o filho de lá é o que nos mantém grudados na cadeira a cada cena, sempre com aquela pergunta na cabeça: “E agora?”. Claro que ajuda – e muito – o fato de Lucia se cruzar com a Ruiva, nos caminhos que ela se vê obrigada a tomar para recuperar seu filho. Ruiva – na verdade, segundo o filme, a grande articuladora de toda a operação do pânico – é interpretada pela excelente Denise Weinberg, e se algum personagem mais assustador frequentou recentemente as telas brasileiras (ou de qualquer lugar do mundo!), eu tenho que agradecer que eu não cruzei com ele! A Ruiva de Denise já me fez ter pesadelos o suficiente para os próximos meses!!

Sedutora, cafajeste, inteligente, impiedosa, manipuladora, maquiavélica, e mesmo (já no final) desesperada, Ruiva é – se eu tivesse que usar apenas um adjetivo – perigosa. Na interpretação de Denise, então, esse perigo torna-se explosivo – e a maneira que ela envolve Lucia na sua rede de crimes é de uma crueldade sem dó, misturando dois mundos que seriam melhor viver sempre separados, mas que, numa cidade tão complicada como São Paulo, isso simplesmente não é possível… Só para dar uma ideia, numa das cenas mais involuntariamente engraçadas do filme (que está, diga-se, longe de ser uma comédia), Ruiva leva Lucia até a casa de um traficante – que, aliás, está prestes a executar um “traidor”. A bandida quer dinheiro, mas ele só tem drogas para oferecer, e assim que seu comparsa “sobe” (a gíria mais usada no filme para a morte), ele oferece cocaína para Lucia que desajeitadamente agradece dizendo que não pode aceitar pois está dirigindo…

O humor – como indiquei, não intencional – é tão sutil, que quase poderia ter passado despercebido. Mas Andréa Beltrão jamais deixaria essa cena passar despercebida… Mais uma vez, foi ela que me conduziu por esse roteiro ao mesmo tempo delirante e realista, nesse filme que não tem nem uma fração da expectativa de outras “sensações” recentes do cinema brasileiro (a sala em que assisti “Salve geral” não tinha nem dez pessoas, pouquíssimo mesmo para uma sessão de segunda-feira à tarde), mas que merece toda a sua atenção. Talvez Sérgio Rezende devesse ter vazado algumas cópias para os camelôs do centro de São Paulo… (atenção para os desavisados: esta última frase foi uma ironia, um velho jogo de palavras que a pressa com que as pessoas leem as coisas aqui na internet simplesmente está apagando da nossa compreensão!).

Achei hoje que teria fôlego de comentar também sobre um outro filme que vi esta semana (falei que estava “com fome” de cinema!), cuja única característica em comum com “Salve geral” é o fato de eu não precisar de legendas para acompanhá-lo (desde quando os filmes de animação passaram a ser exibidos quase que apenas em cópias dubladas no Brasil?): “Up – altas aventuras”. Mas vamos deixar isso para o próximo post… Se bem que eu quero tentar assistir o novo de Tarantino até lá… Ai, ai, ai… Isso não vai acabar nunca – ainda bem!

(Apenas para registro, estou devendo há dias a resposta correta para a pergunta que coloquei há alguns dias num texto sobre as primeiras meditações sobre “No Limite 4″: tirei aquela foto em Beberibe, também no Ceará, quando fui visitar o cenário do primeiro programa; estou na frente de algumas das falésias que dão àquela região um dos cenários mais impressionantes de todo o litoral brasileiro; lá, me emocionei demais relembrando as gravações daquela estrea… mas de emoção eu prefiro falar na segunda-feira…).

Vamos para o quarto?

seg, 05/10/09
por Zeca Camargo |
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Sexta-feira passada eu estava num restaurante no Rio quando recebi um bilhete: “Desculpe o incômodo, mas nunca vi ninguém falar tão bem do Olafur Eliasson e da Regina Spektor na mesma frase”. A princípio, estranhei. Eu estou, como você talvez tenha acompanhado, voltando de dois meses de uma espécie de retiro (se bem que não espiritual) numa cidade pequena na costa do Ceará (por conta das gravações de “No Limite”) – ou seja, ainda estou em fase de readaptação ao ritmo e às demandas de uma vida urbana. Talvez por isso, levei alguns segundos para entender do que se tratava o recado: um elogio a este blog!

Em primeiro lugar, um recado a quem quer que tenha escrito este bilhete (anônimo, já que me foi entregue sem identificação por um garçom do restaurante): não precisa pedir desculpas pelo incômodo… Afinal, elogios são bem-vindos a qualquer hora, em qualquer situação. Segundo, aos que talvez tenham chegado aqui recentemente, Olafur Eliasson é um artista dinamarquês-islandês, e Regina Spektor é uma cantora pop russa radicada nos Estados Unidos – ambos assuntos já discutidos por aqui. Dito isso, faço eu agora o agradecimento ao admirador (ou à admiradora) deste espaço, que teve a sensibilidade de perceber que este blog – que agora comemora três anos! – teve vários acertos e até algumas derrapadas desde a sua criação, mas que nunca deixou de ser eclético!

E já que estou em clima de euforia, por celebrar o terceiro aniversário de algo que eu achava que só teria fôlego para algumas semanas (como insinuei quanto este mesmo blog completou seis meses!), quero acrescentar que poucas coisas me deram tanto prazer nesse período como ver, não apenas os posts publicados – com um capricho que devo agradecer à equipe do Pop & Arte, aqui no G1 –, mas também o bom nível das discussões que acabamos levantando por aqui.

Eu sei, eu sei… parece que estou fazendo média com você que me lê… Bom, problema de quem achar que eu estou fazendo média! Eu realmente fiquei – e fico – feliz com todos os debates que acabam rolando aqui. Verdadeiros diálogos virtuais! Dos frequentadores assíduos (Thais Elena, Edna, Eu, Marcelo Menoli, entre tantos) aos esporádicos, eu fico contente de ver que o que eu acabo colocando aqui sempre acaba sendo não apenas um texto, mas um ponto de partida para uma boa articulação de idéias.

Por exemplo, lembra-se do debate sobre o que você escolheria para transmitir se fosse programador de uma TV aberta, o desfile das escolas de samba no Rio ou a festa do Oscar? E que tal o “ultraje” que acabei provocando (quase) sem querer, simplesmente porque escolhi como melhor filme de 2008 um filme que eu ainda não tinha visto? Até hoje tem gente que duvida que eu estivesse elogiando a Stefhany quando escrevi dela por aqui pela primeira vez. Adoradores e não-adoradores do U2 expressaram as opiniões mais diversas quando falei do álbum mais recente da banda. E não vamos nem começar a comentar as pequenas (e às vezes nem tão pequenas assim) indignações de internautas com relação à famigerada lista das mil músicas que mudaram meu jeito de ouvir a própria música – lista essa, aliás, já desatualizada, uma vez que inevitavelmente ouvi muita música desde que ela foi publicada…

E esses são apenas exemplos mais recentes. Se corrermos a linha do tempo um pouco mais para trás, arrumei confusão com fãs de Harry Potter – e depois, só lembrando, fiz as pazes com “nosso” herói. Fui falar bem do carnavalesco mais criativo da atualidade, Paulo Barros, e me compliquei com os fãs da Beija-Flor. Apesar de o tempo ter ajudado a demonstrar que eu não estava errado, criei uma pequena tempestade quando saí em defesa da originalidade do autor de “A favorita”, João Emanuel Carneiro. Mexi até com Deus!  Este blogueiro deveria ter aprendido uma lição (aquela que citei recentemente, sobre brigar com porcos…), mas preferiu – e prefere – seguir na teimosia…

Nem tudo, claro, foi polêmica… Fiquei orgulhoso de não ter decepcionado os fãs do Radiohead com meu comentário sobre o show da banda na praça da Apoteose. Foram vários comentários também favoráveis ao post sobre o grande show do Roberto Carlos este ano no Maracanã – que me rendeu um elogio de alguém intimamente ligado à carreira do Rei, algo que  me deixou feliz por várias semanas… Bons momentos da TV, como as minisséries “Capitu” e “Som & fúria”, foram destaque aqui e acabaram criando um espaço para o público reforçar sua admiração por esses trabalhos. Todo mundo teve a chance de me entrevistar no começo deste ano. E olhando bem no passado, uma das melhores discussões que tive com você aqui foi sobre um texto (meio enlouquecido, tenho de reconhecer) que juntava Racionais MC e Bob Dylan.

Filmes? Abrimos espaço para as produções mais comerciais, como o próprio Harry Potter, e as mais cerebrais obras do cinema romeno! Documentários? Dos mais sofisticados, como “Santiago” aos mais populares, como “Simonal – ninguém sabe o duro que dei”. Passamos pela delicadeza do exercício de atuação de Eduardo Coutinho, com seu “Jogo de cena”, à brutalidade explícita de “Tropa de elite”. E além…

Livros? Vários! Lugares? Tantos. Museus? Mas claro! Revistas? Diversas. Música? Todas! Listas? Como não? Idéias? Sem fim…

E é isso, essa possibilidade de uma variedade infinita de assuntos que eu mesmo me propus a explorar desde que fui convidado a fazer este blog, é que me faz ir em frente – por mais três anos, será? Quem sabe mais? Os mais atentos aos detalhes devem ter reparado que estou a comemorar (ah, o infinitivo…) este aniversário com um certo atraso. A data oficial de estréia deste blog – que, diga-se, não aconteceu sem confusão (cortesia de Daniela Cicarelli… nossa… parece que foi no século passado!) – é 25 de setembro de 2006. Mas por conta de “No Limite” (que acabou inevitavelmente se integrando aos temas deste espaço), mais a folga que eu mesmo tirei, empurrei essa “celebração” para hoje – algo que veio bem a calhar…

Voltando da tal temporada de “isolamento cultural”, preparo-me agora para desenferrujar! Hoje mesmo vou ao cinema (na quinta-feira você vai saber o que assisti); vou abrir as caixas com as coisas – livros e CDs – que encomendei pela internet, mas ainda não tinha colocado as mãos; explorar as pilhas de revistas de assinatura que chegaram enquanto eu estava fora; vou andar pela cidade (São Paulo, Rio); vou ouvir rádio; ver mais TV; programar algumas viagens – e, claro, dividir o máximo dessas experiências com você! Estamos entrando então no quarto ano, mas o espírito, eu garanto, continua novo!

Nossa conversa continua como antes – se não mais animada. Por que se tanta gente maravilhosa sempre tem a capacidade de inventar alguma obra de arte, de cultura pop, boa o suficiente para nos encantar, nunca vai faltar assunto para a gente discutir aqui.

Bem-vindo, bem-vinda. Sempre.

Ainda não caiu a ficha

qui, 01/10/09
por Zeca Camargo |
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Bia Guedes

Foto: Bia Guedes

Se você se lembra de alguma frase que a Luciana, grande vencedora de “No Limite 4″ falou depois de conhecer o resultado da votação do júri formado por ex-participantes (resultado este que definia a campeã), você se lembra dessa que usei no título de hoje. Eu mesmo, que estava lá – também um pouco atônito sem saber como reagir à falta de reação dela – mal me lembro de outra coisa que a Luciana, embargada de emoção, tenha dito – sem contar alguns monossílabos. Simples e pouco original como ela é, a frase serviu pelo menos para a vencedora provar que ainda estava lúcida, diante da confirmação de um resultado que ninguém – nem você, confesse – esperava. E serve muito bem também para eu descrever este momento meu pós-programa, mesmo quatro dias depois de a grande final ter chegado de maneira desconcertante.

Eu me lembro de outras coisas daquela final, claro. Afinal, foi o episódio que teve a maior participação do Portal – ali, ao vivo – e muitas coisas fortes foram ditas naquele cenário. Desde a infeliz escolha de palavras da abertura da Sandi ao fazer sua pergunta para a Gabi (“O câncer volta!”), ao desajeitado – ainda que sincero – desabafo de Marcelo ao ter que escolher uma das duas (Gabi ou Luciana), como campeã de “No Limite”: não me lembro exatamente da frase que ele usou, mas era qualquer coisa na linha “só estou escolhendo uma das duas porque sou obrigado”. Rafão não mandou nada bem misturando uma história pessoal com as artimanhas do jogo – como se quisesse aproveitar um programa em rede nacional para “limpar” uma suposta imagem de conquistador. E Osmar mal conseguiu disfarçar a raiva que estava sentindo da Gabi ao formular sua questão. Mas houve também momentos de lucidez, onde as pequenas diferenças pessoais cederam espaço a uma observação mais aguçada do jogo. E aí, ninguém mandou melhor que o Gilson.

Meio que indignado com as perguntas que se encaminhavam justamente na linha do “você puxou meu tapete”, ele simplesmente desbancou todo mundo quando defendeu que posturas assim só podiam ser fruto de uma enorme ingenuidade, pois, afinal de contas, não era muito difícil perceber que “No Limite” não era nada menos do que um jogo de traição!

Hummm… Essa doeu! Não em mim, mas acho que deve ter doído nos participantes que perceberam isso tarde demais – como aliás, o próprio Gilson. No convívio do acampamento, um dos aspectos que mais me incomodava – e digo isso, claro, como espectador, e não como apresentador (papel no qual sempre me obriguei a manter distância e neutralidade com relação ao que estava acontecendo) – era justamente a postura de muitos ao insistir que “todos aqui somos amigos” ou – numa variante ainda mais irritante – “não vamos ficar aqui jogando”… Ora, acho que todos sabiam ali que estavam justamente num jogo. Mas por inocência (hipótese que acho menos provável) ou por dissimulação (minha aposta como explicação) todos evitavam admitir isso. Até que, como já escrevi, fosse tarde demais.

Durante esses dois meses de programa, entre tantas coisas que eu fazia para me distrair nos intervalos de gravação, eu adorava ver episódios do “Survivor” – o programa da TV norte-americana que inspirou o “No Limite”. Já foram quase 20 temporadas (inclusive duas gravadas no Brasil), e cada uma bastante interessante, não apenas pelas provas – muitas das quais acabaram sendo reproduzidas nessa nossa temporada aqui no Ceará -, mas também pela dinâmica dos grupos. Apesar de um programa se desenrolar de maneira bem diferente da outra, em quase todos a que assisti, pude notar um comportamento que era exatamente o oposto desse que acabei observando no Brasil: o espírito de grupo, com algumas exceções, até era preservado na fase do jogo em que havia dois ou mais grupos disputando. Mas na fase “cada um por si”, ficava muito claro que a postura tinha de ser diferente – e apesar de muitas amizades e alianças surgirem (ou mesmo terem se tornado mais fortes) na fase final dos programas, ninguém ali tinha dúvidas de que estava lá para jogar – e que “jogar”, em “No Limite” (ou no “Survivor”, se preferir), significava “blefar”.

Senti logo que as coisas não seriam assim por aqui. O próprio espírito do brasileiro, na sua disfarçada cordialidade, não permite muito que esse “efeito traíra” seja demonstrado abertamente. Não só no jogo, mas no nosso dia-a-dia, sempre me espanto com a falta de transparência nas nossas relações: nós – e isso é coisa da nossa personalidade, sim -, parece que temos sempre a necessidade de nos mostrarmos o tempo todo solícitos, solidários – o que seria, claro, muito nobre, não fosse por situações onde isso simplesmente não é possível, mas que nós continuamos fingindo que está tudo bem assim mesmo. Como “No Limite” oferece propositalmente um ambiente competitivo, essa hipocrisia vem ainda mais à tona – e de maneira desajeitada.

Bia Guedes

Foto: Bia Guedes

Você se lembra quando Índia acusou Sandi de ter inventado que Gilson a teria tentado avançar na intimidade com ela? Truque da Sandi, claro, para angariar votos contra Gilson. Porém, vale perguntar: truque baixo? Imaginando que tudo ali corre num universo paralelo (e controlado) e que a mentira podia facilmente ser desmascarada, seria o caso de ter montado aquele tribunal público contra ela? O teatro ali me parecia tão surreal que, quando o jogo virou e a própria Sandi conseguiu fazer que o Gilson fosse eliminado eu achei que, pelo menos para a maioria dos participantes, tinha ficado claro que o negócio ali era mobilizar corações e mentes…

Mas não… Boa parte deles continuou acreditando no “bom mocismo”, na ilusão do “bom coração” – e essa facção, não surpreendentemente, foi sendo eliminada, participante por participante: Marcelo, Índia, Guimarães, Osmar… E quem estava por trás dessas eliminações? O mais improvável dos trios: Luciana (ela também vítima de um tribunal público – por ter escondido do grupo que tinha um colar da imunidade -, do qual se safou como um “anjo” de pureza); Jéssica (que na sua inocência – nem tão inocente assim – ainda teve fôlego para fazer uma campanha inacreditavelmente bem-sucedida para eliminar o Marcelo do jogo); e Gabi (a mesma que mais de uma vez declarou não gostar de quem ficava de conversinha aqui e ali, e revelou-se ela mesma como a maior articuladora de toda a competição, fazendo com que as armações de Sandi parecessem coisa de aprendiz).

Em uma das cenas do último episódio, Gabi dizia quase brincando que não poderia nunca ter imaginado que estaria entre as três finalistas – e logo em seguida completava que nenhuma das três que estavam lá (nem ela nem Luciana nem Jéssica) podiam imaginar aquele desfecho também. Se isso era o que passava pela cabeça delas, imagina como estavam os pensamentos dos eliminados que estavam no júri…

Arrisco até dizer que foi por isso que vimos um final tão cheio de mágoa e tão fraco de vibração. Como as diferenças entre eles não eram resolvidas enquanto estavam no acampamento (ou seja, ainda na competição) – já que a palavra de ordem parecia ser “vamos ser todos legais”, sobrou tudo para a hora final. E com tanto veneno destilado, não havia mesmo clima para comemorar nada – nem que a ficha da Luciana tivesse caído ali, naquela hora!

A minha, como disse lá no início, também não caiu por completo. Ainda estou digerindo toda aquela experiência de dois meses – dentro e fora das gravações. Aliás, falando desse lado de fora, acho importante ressaltar que as opiniões que acabei de tecer sobre os participantes têm a ver apenas com o que observei deles ali no jogo. À medida que eles foram sendo eliminados, tive a chance de interagir com eles numa atmosfera fora da competição e posso garantir que são pessoas maravilhosas – quando não boas descobertas de amizade que vou levar adiante. Essa, sim, foi uma boa surpresa. E boas surpresas não faltaram nesses dois meses incríveis de programa.

No post anterior, cheguei a esboçar uma espécie de agradecimento a uma parte da equipe que atravessou essa maratona comigo – e logo vi que citar apenas algumas pessoas seria cometer uma injustiça. Teria de listar os quase 200 profissionais que passaram por tudo isso comigo para fazer justiça. Mas por onde começar? Pela sala de produção, onde passei boa parte do meu tempo na base – com a Chris, a Tereza, a Nayana, o Thiago, o Léo e, claro, a Ana? Posso tentar continuar com uma lista que vai das pessoas maravilhosas do figurino (Andréa, João Batista, Nélia) aos velhos e novos colegas cinegrafistas (de um veterano desde o primeiro “No Limite”, o Calixto, a um novo amigo, o Marco, que além de trazer belas imagens ainda me apresenta bandas de que eu nunca tinha ouvido falar – passando por um companheiro do “Fantástico”, como o Piero). Da Tatiana, que cuidava da nossa comida, ao Bro, que cuidava da nossa segurança – ambos com uma equipe impecável! Dos meus amigos da edição – que também eram craques na cozinha, como confirmamos num quase ritual jantar às segundas-feiras (Fernanda, Marco André, Juju, Ana, e mais…) – à dupla de amigos que mais me fez rir nesse exílio, Renata e Edu. Da direção de Arte (LF, Maria Rita) ao pessoal da cenografia (comandado pela inconfundível Leila Moreira!). Dos incansáveis diretores (Dico, Fabinho) ao nosso “diretor supremo” – capaz de ser o mais irascível dos comandantes, quando necessário, e o mais generoso dos amigos no resto do tempo. Como fazer uma lista dessas sem deixar ninguém de fora?

E sobretudo tem você – que me acompanhou esse tempo todo (no programa e, claro, também no blog). Essa gente que torce e vibra e cobra e joga junto! Mesmo os que torcem contra – e que delícia foi mostrar (aos poucos) que eles não estavam cobertos de razão… Todo mundo que veio junto foi sempre bem-vindo. Sobretudo esse pessoal que aparece comigo na foto que está logo abaixo - tirada por outra boa amiga que fiz agora, a fotógrafa Bia Guedes. Talvez você se lembre de uma imagem parecida com essa, que foi mostrada nesse último episódio, domingo passado.

No trajeto onde as três finalistas disputavam a prova final, de repente, na frente de uma casa bem simples, um punhado de crianças com placas feitas à mão reforçavam sua torcida pelos últimos participantes (ainda tinha gente que torcia pelo Alexandre, que até o penúltimo episódio ainda estava no jogo). Na hora da prova, foi tanta correria que não deu para parar. Porém, na volta, fiz questão de agradecer àquela gente e tirar essa foto junto com eles (e mais algumas pessoas da equipe) – e essa é a imagem que eu vou guardar para sempre.

Quem disse que o final de “No Limite” não teve emoção?



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