Interrompemos a nossa programação para um comunicado importante

seg, 25/05/09
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Eu sei, eu sei: hoje era dia de falar mais especificamente do documentário sobre Simonal; comentar algumas sugestões que você mandou de bons exemplos do gênero (aliás, obrigado por me lembrar de trabalhos preciosos que eu tinha deixado de fora da minha lista inicial, como, entre outros, “Nascido em bordéis” e “A pessoa é para o que nasce”; além do inacreditável comentário que o Caio Brant ouviu quando comprou ingresso para ver o filme “Simonal – Ninguém sabe o duro que dei”); e, quem sabe, falar então sobre a estranha relação entre os franceses e o jazz…

Mas no fim da semana passada, a música perdeu um grande cara. Um cara meio desconhecido – especialmente para quem tem menos de 40 anos… Mas um músico muito bom, extremamente criativo e influente, que, de certa maneira, me ensinou a ouvir música de um jeito diferente (e que, por isso mesmo, entrou na lista que publiquei aqui sobre o assunto). Enfim, um cara que eu queria falar dele hoje aqui: Zé Rodrix.

Você provavelmente viu em uma das inúmeras biografias postadas na internet nos últimos dias, que ele morreu na última quinta-feira. No mínimo, é provável que você já tenha esbarrado na música mais conhecida composta por ele: “Casa no campo” – imortalizada por Elis Regina (aposto que boa parte dos fãs desse clássico não sabia quem era o autor…). Com um pouco de sorte, você talvez tenha tido contato com até com outras grandes composições dele… De qualquer maneira, esse foi um compositor tão importante na minha formação musical, que eu resolvi dar um tempo nos assuntos que estava desenvolvendo e prestar aqui uma modesta homenagem.

Eu tenho, como sempre, uma história pessoal que me liga a Zé Rodrix (é nessa hora, suponho, que “fãs” do blog como Dum de Lucca suspiram: “Que ego hein Zeca”… mas vamos em frente!). Foi na minha festa de aniversário de dez anos – e eu me lembro bem da data, porque a experiência foi meio… traumática… Primeiro é preciso dizer que, naquela época (1973!), eu ainda engatinhava nas minhas “incursões musicais”. Mas enfim, para celebrar meu décimo ano bem vivido, ganhei o direito de convidar alguns amigos para comemorar em casa, e mais: dois vale-discos do meu pai, para que eu trocasse pelo que eu quisesse, numa loja que foi, durante anos, minha única referência musical, a Hi-Fi (hoje, creio, extinta).

Imagine só a responsabilidade: um garoto de dez anos, escolhendo dois discos (e estamos falando, claro, de LPs!) para animar sua festa. Já desde a tenra idade interessado em novidades, fui na loja atrás dos lançamentos – e sem sequer ouvir o que estava comprando, levei para casa dois álbuns que e achei que iriam “arrombar a festa”: “The dark side of the moon”, do Pink Floyd; e “I acto”, do Zé Rodrix. É pouco provável que você tenha ouvido o segundo, mas o primeiro tenho quase certeza de que você conhece de orelhada – a ponto de concluir comigo que essa minha primeira experiência no ramo das festas não foi exatamente um sucesso… Nenhum dos dois discos são, bem… de encher qualquer pista de dança, eu sei – e foi com um coração apertado que vi aqueles que eu achava que seriam meus amigos para sempre (ironia que precisa ser registrada: não conservei nenhum amigo da infância!) indo embora um a um da minha festa. E isso enquanto a mesa de salgados ainda estava cheia de cachorros-quentes (os brigadeiros, é verdade, já estavam no fim), e nem metade das garrafas de refrigerante tamanho “família” (as de 2 litros ainda levariam anos para chegar ao mercado) havia sido consumida.

Foi uma enorme humilhação… Eu colocava os discos e… ninguém dançava! Se eu fosse um pouco mais velho, eu talvez pudesse me encher de orgulho e considerar que eu era um DJ anos à frente de seu tempo, mas, naquela época, eu fiquei simplesmente emburrado por ter escolhidos dois discos que simplesmente não combinavam com festa.

Por isso mesmo, levei um tempo para me animar a ouvi-los de novo. Mas quando o fiz, bingo! Descobri dois fascinantes universos musicais. O do Pink Floyd, nem me atrevo a discorrer agora, para não eclipsar o assunto de hoje – um dia, tenho certeza, ainda vou escrever um (ou mais) post(s) sobre essa banda tão fundamental para o pop. Mas o de Zé Rodrix, eu queria lembrar hoje, como um pequeno tributo póstumo.

“I acto” é uma pequena obra-prima, que eu espero ganhe uma boa reedição agora (se ela já saiu recentemente, perdi – mas vou correr atrás). O disco não traz a faixa “Casa no campo” (que era do ano anterior), mas tem pelo menos três músicas que eu ouvi até a agulha furar o vinil – para usar uma expressão que talvez nem seu pai saiba o que significa… São elas, “Eu não quero” (um “protesto” contra a sociedade em geral que, do alto dos meus 10 anos, eu achava que tinha tudo a ver – e até hoje eu acho que ainda tem!); “Xamego da nêga” (uma ligeira licença politicamente incorreta quando eu nem sabia que isso existia); e “Eu preciso de você pra me ligar” (provavelmente a primeira canção que me fez ter vontade de me apaixonar por alguém – aos 10 anos!). Essa última mexeu especialmente comigo – e eu convido você a escutá-la para entender melhor o porquê. Não só ela é uma canção romântica, mas é também esquisita: parece que ela é uma junção de vários temas musicais – e o refrão, em especial, tem algo de épico, bem anos 70, que faz do lamento amoroso (“sem você eu sou cego pro mundo”) uma das mais belas súplicas da nossa música.

Só por esse disco então – e pelas inúmeras vezes que eu o escutei – eu queria lembrar aqui com carinho de Zé Rodrix. Mas minha admiração por ele não parou por aí. Comecei a procurar outros trabalhos seus – sim, os discos seguintes, e até sua “encarnação” como Joelho de Porco (que gostava “médio”) –, e fui até olhar “para trás”, na sua colaboração com a dupla Sá e Guarabyra. Foi então que descobri “Mestre Jonas”…

Recentemente ela até foi ressuscitada – ainda que não com a importância devida – por sua inclusão na trilha sonora do filme “Meu nome não é Johnny”, de Mauro Lima. Mas ela nunca saiu do meu “repertório”. Nunca ouviu? Mas o que você está esperando? “Mestre Jonas” é um clássico esquecido, uma mini-cornucópia de ritmos, paradas, frases musicais inesperadas – e uma letra surreal! Não é exatamente um bom exemplo do “rock rural” – um rótulo que foi exaustivamente citado em vários dos obituários da semana passada (provavelmente por causa de “Casa no campo”), e que enganosamente limitava o potencial criativo desse artista –, mas é uma das minhas músicas favoritas de todos os tempos. E que eu quero escutar – para citar seus próprios versos – até o fim da vida. “Até subir pro céu”.

Zé Rodrix (junto com o Pink Floyd) acabou com a minha festa de dez anos. Mas me ensinou a abrir meus ouvidos – e sou eternamente grato a ele por isso. Que, assim como acontecia com Jonas dentro da baleia, nada agora incomode o silêncio e a paz de Zé.

(Na quinta, então, retomamos nossos assuntos… será?)



Formulário de Busca


2000-2015 globo.com Todos os direitos reservados. Política de privacidade