A esperar

seg, 11/05/09
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Que alívio não ter que ouvir gerúndio quando não é preciso – “preciso” nos sentidos que o grandes poeta do país de onde escrevo este post usou para diferenciar em versos famosos “navegar” e “viver”.

Estou sim em Portugal – terra de Fernando Pessoa (representado na foto ao lado por sua estátua em frente ao café A Brasileira, no bairro do Chiado) – e o ritmo é de espera. Não vim aqui para isso, claro – uma viagem nunca deve ser para “esperar”, e sim para “agir”. Mas há algo na atmosfera daqui que me inspira uma pausa – e eu, como um refém sem possibilidade de defesa, a isso me entreguei. Não é a primeira vez que experimento isso, claro. Visitei Lisboa já em 1980, naquela viagem que foi meu primeiro contato com a Europa. Tinha acabado de entrar na faculdade (quase trinta anos!) e fui fazer o que vários jovens com um comichão que pode ser traduzido por “vontade de conhecer as coisas” faz, antes que a “vida adulta” comece a lotar sua rotina de obrigações que você nunca quis ter desde o início…

Apesar de ter sido minha porta de entrada para o continente, pouco me lembro dessa primeira passagem por aqui. No melhor espírito dos mochileiros – movidos a um orçamento muitas vezes inferior ao preço da própria mochila – fui com mais sede a outras capitais europeias. Imagine, num roteiro que incluía uma visita de estreia em Paris, que chances Lisboa tinha de me impressionar? Não quero, com essa pergunta, diminuir a beleza nem o mistério nem o encanto da capital portuguesa (certamente uma de minhas cidades favoritas no mundo), mas apenas constatar que na minha imaginação de viajante – e acho que divido isso com muita gente -, nada poderia competir com “Paris pela primeira vez”.

E não era só isso: eu tinha dezesseis anos na época e, embora Lisboa esteja sempre cheia de adolescentes (nativos e visitantes) nas ruas, aprendi com o tempo que essa é uma cidade para ser apreciada enquanto adulto – que, aliás, é o que estou fazendo agora…

Comecei a me apaixonar mesmo por este lugar em 1998, quando, ao fazer uma série de reportagens chamada “Aqui se fala português”, fiz da capital meu “peão”. No “mineirês” que aprendi em casa, “fazer o peão” significa escolher um lugar como base para viajar para outros. No caso, como tínhamos de visitar várias ex-colônias portuguesas – que são conectadas quase que exclusivamente pela principal companhia aérea de Portugal -, não tinha como escapar: para ir a Maputo, Angola, Sal, e vários outros destinos africanos com a mesma língua que a nossa, eu tinha sempre de passar por Lisboa. Ainda bem!

Foi nessa época (1998), que descobri uma cidade vibrante, extremamente jovem, com uma cultura contemporânea que convive – se não pacificamente – num aceitável nível de fricção com seu passado. Isso mesmo: no mesmo quarteirão do Bairro Alto, percebi que era possível ouvir do fado mais tradicional ao melhor “dub”; comer um bom bacalhau “a brás” e saborear umas “lascas de bochechinha de porco preto com redução de cerejas” (ah, a cozinha moderna…); comprar uma linda edição antiga de Eça de Queiroz e sair da livraria Cotovia com um excitante livro de um autor local com menos de 30 anos.

Foi uma espécie de choque – “choque cultural” sim, como sugeri com o post anterior (mais sobre isso, daqui a pouco), mas depois disso, eu era um “convertido”: Lisboa já fazia parte da minha (sempre em expansão) lista dos destinos no mundo onde eu queria sempre voltar…

E cá estou então, a escrever este post – só insistindo, feliz de poder evitar o gerúndio,  aqui usado com extrema parcimônia, em favor dessa linda construção de “preposição + infinitivo” (fico imaginando um operador de telemaketing aqui, que sofrimento, vendo-se obrigado a formular algo como: “nós vamos estar a entrar em contato com o senhor mais tarde para poder estar a resolver seu problema!”).

E cá estou a esperar que as coisas aconteçam. Nessa pequena folga (que me afastou inclusive da apresentação do “Fantástico” no último domingo – estou de volta esta semana), ainda devo passar alguns dias em Paris (onde estarei, com certeza, quando você estiver a ler este post), e conferir exposições como aquela sobre 100 anos de jazz (no museu do Quai Branly) ou a retrospectiva do pintor De Chirico (no museu de arte moderna) – devo evitar a de Kandisnky, no Beaubourg, por mera falta de tempo (e de interesse – por favor, não brigue comigo). Devo passar algumas horas nas lojas de disco por lá, simplesmente andar na rua, passar pela loja do Margiela para ver se encontro Thom Yorke, escrever um outro post num café – coisas assim. Mas isso é mais para frente – num futuro que parece longínquo.

Espero, quando voltar ao Brasil, poder visitar a exposição “Caligrafias”, na galeria Choque Cultutral, em São Paulo, sobre a qual você tão receptivamente comentou aqui nos últimos dias (gostei em especial do Renan Lima, que de maneira muito intuitiva fez a conexão entre nosso recente debate sobre Stefhany e o nome da galeria – bravo!) – e por favor, não fiquem horrorizados de eu ter sugerido alguma coisa que ainda não conferi pessoalmente, pois a excelente sacada de misturar arte, grafite e caligrafia (feita do sempre lúcido Baixo, que comanda a galeria) merece aplausos mesmo à distância. Espero a estréia de “Anjos e demônios” – assim como a estréia de “Abraços partidos”, de Almodóvar, e de “Millenium”, o filme baseado na trilogia que comecei a ler e que também espero comentar aqui em breve.

Espero um novo projeto de reportagens que envolve viagens – e espero pelas próximas noites de autógrafos do meu último livro “Isso aqui é seu” (Campinas, Brasília, Porto Alegre, Recife, Salvador, Manaus – estou chegando!). Espero a inspiração – e o impulso – para escrever um livro de ficção finalmente chegar. Espero o Pedro, que é o dono da melhor garrafeira do Bairo Alto – quiça de toda Lisboa -, me servir mais um copo de um “novo” vinho chamado Pó-poeira (só em Portugal…). Espero rever amigos por aqui, e, em breve, os que deixei no Brasil com a frouxa promessa de ver com mais freqüência. Espero por mais alguns dias de folga que terei em Nova York, assim que chegar junho chegar. Espero pelo novo disco de Ben Harper, pelo filme novo de Woody Allen, pelo novo livro de Chico Buarque (se bem que é ele que no momento espera por mim na cabeceira da minha cama…).

Espero pelas pessoas que amo – de quem sempre sinto falta quando viajo, mesmo que nas mais enlouquecidas metáforas, elas estejam perto de mim.

Espero que Lisboa me traga certezas, me tire desse estado de torpor, ofereça lembranças que eu jamais queira apagar, me faça ainda mais generoso com todos a minha volta, mais envolvido ainda com quem está longe – que esta cidade me dê esperanças de eu me reencontrar.

Desde que vim aqui pela primeira vez – e mais fortemente desde que a conheci como adulto (e sobretudo depois de um inesquecível aniversário que passei por aqui no ano passado) -, essa é a Lisboa que aprendi a amar. Este é o clima desta cidade. É por isso que eu escolhi vir aqui. Para viver tudo isso – e, quem, sabe, dividir essa sensação com você.



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