20 milhões de rúpias e mais um Oscar?
Sensacional! Você ouviu a última do dublador que sempre fez a voz de um artista no cinema mas agora, que “seu” ator fez o papel de um gay assumido, ele se recusa a dublar? Muita boa não é? Pena que não seja uma piada… Li aqui mesmo na internet: “Marco Ribeiro, o dublador de Sean Penn se recusou a fazer a voz do ator em ‘Milk – a voz da igualdade’”. Ai, ai… E isso porque “Milk” é um filme que traz claramente uma mensagem anti-preconceito… Isso para não falar do próprio discurso de Sean Penn ao agradecer o Oscar de melhor ator que levou na festa do último domingo…
Quero falar mais de “Milk”, que vi na segunda-feira de carnaval – e será no próximo post. Mas antes acho que devo a você uma satisfação: não foi ao vivo que eu vi o discurso de Sean Penn… A Sapucaí acabou falando mais alto – e saí na escola do Rio que ficou em quarto lugar este ano, a Vila Isabel (sim, foi mais uma oportunidade de estar perto do trabalho desse cara genial que é o Paulo Barros – já elogiado aqui há dois carnavais). E o Oscar? Vi cá e lá – um pouco na internet, um pouco na cobertura dos canais a cabo. Se me arrependi? Acho que não. Parece que a cerimônia deste ano foi ligeiramente menos previsível – a idéia de chamar cinco atores ou atrizes para anunciar os indicados nessas categorias este ano, por exemplo, foi muito boa; e Hugh Jackman, pelo menos nos trechos que eu vi, saiu-se melhor que, hum, David Letterman ou Whoopi Goldberg (mas eu ainda prefiro Jon Stewart ou Ellen DeGeneres). Além do que, uma coincidência dessas – carnaval no mesmo dia do Oscar, só deve acontecer, segundo “fontes do Vaticano”, daqui a três décadas – quando certamente minhas energias para a passarela do samba já estarão bastante reduzidas e eu terei que inevitavelmente optar pela festa do cinema, deixando assim tudo igual…
Em tempo, só para esclarecer a discussão entre o IgorDG e o Josué, que mandaram seus comentários sobre a possibilidade de eu abraçar os livros no feriadão: a gente sempre acha tempo para ler alguma coisa… Neste carnaval, por exemplo, em função de uma aula que vou dar em breve, li uma ótima trilogia chamada “The liquid continent”, do canadense Nicholas Woodsworth. E ainda consegui ver “Milk” (como já mencionei) e “Quem ser um milionário?” – que, aliás, é nosso assunto de hoje.
Você deve ter visto quando o elenco todo – na verdade, todas as pessoas envolvidas com o filme que estavam domingo passado no Kodak Theather, em Los Angeles – subiu ao palco para comemorar o prêmio. Como escreveu a “Entertainment Weekly”, se você não se emocionou com aquela cena, é melhor checar para ver se o seu coração ainda está batendo…
Eu mesmo fiquei emocionado – e como não ficar? Na categoria “azarão”, numa premiação tão careta quanto é o Oscar, um filme desses levar a honra máxima é altamente improvável. Nos último anos, talvez para dar uma “refrescada” nas indicações sempre tão convencionais, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood tem incluído títulos “alternativos”, como “Pequena Miss Sunshine”, ou “Juno”. Mas nós – o público – sempre soubemos que isso era apenas um “tapinha nas costas” da produção independente. O prêmio maior mesmo, iria sempre para as grandes – e caretas – produções.
OK, “Quem quer ser milionário?” não é tão independente assim – mas você entendeu o espírito. Mesmo assim, eu fiquei surpreso com o Oscar para esse filme – sobretudo porque ele não é tão bom assim…
Calma, calma, calma… Eu gostei de “Milionário”. Mesmo. Eu só não acho que o filme é uma revolução em nenhum sentido.
Para começar, não é Bollywood – nem de longe. Aquele número (sensacional, diga-se) musical no final do filme? Super-Bollywood. Mas e o resto? Já virou clichê falar que várias sequências de “Milionário” pegam algumas idéias emprestadas de “Cidade de Deus”. Mas eu iria até mais além dizendo que a principal fonte de inspiração do diretor Danny Boyle é ele mesmo: vejo mais coisas em comum entre o ganhador do Oscar este ano e “Trainspotting” do que entre “Milionário” e o filme que projetou Fernando Meirelles internacionalmente.
Assim, dizer que Boyle apresenta ao mundo a linguagem que consagrou a maior indústria cinematográfica do planeta – justamente Bollywood – é um certo exagero. Até “Vanity fair”, da diretora Mira Nair (que, pelo que me lembro, nem foi lançado aqui no Brasil, mas vale a pena você correr atrás) é mais “bollywoodiano”, contando uma história tipicamente inglesa vitoriana, do que “Milionário”. E se você achar que estou “pegando no pé”, dê uma conferida em alguns trailers de lançamentos recentes de Bollywood, para ver se algum deles te lembra de longe o premiado deste ano na maior festa do cinema.
Depois tem a adaptação… Li o livro original de Vikas Swarup, quando o filme ainda não era nem uma idéia (o primeiro título era “Q&A”, mas agora já vi que as novas edições em inglês já vêm rebatizadas de “Slumdog millionaire” – o esperto título do filme, que pode ser (mal) traduzido por “Vira-lata de favela milionário”; no Brasil, o livro foi editado pela Companhia das Letras e lançado com o nome de “Sua resposta vale um bilhão”). Adorei – não exatamente por ser um daqueles “contos de fadas” modernos, mas pelo fato de o autor ter conseguido contar uma história totalmente previsível de uma maneira surpreendente.
Para quem não viu ainda o filme, uma breve sinopse – antes de a gente continuar: jovem da favela se dá bem num programa de TV tipo “Jogo do milhão”, mas a produção do show desconfia que ele está trapaceando. Alguém tão simples não pode saber tanta coisa… Acontece que, a história de infortúnios de Jamal (o personagem principal) permitiu que ele soubesse justamente a resposta a todas as perguntas do jogo.
Ao contrário do que é mostrado no filme, porém, no livro você só fica sabendo da pergunta depois de conhecer o episódio da vida de Jamal que o levou à resposta. Mas talvez o roteirista Simon Beaufoy (premiado também com o Oscar) achou que seria complicado demais apresentar essa estrutura para o grande público. O filme ainda tem outros problemas de roteiro – alguém entendeu direito como ele acertou a pergunta sobre uma praça que fica numa cidade na Inglaterra? -, além de deixar várias perguntas da história original de fora (por isso, se você gostou do filme, vá atrás do livro). Mas vou segurar as outras críticas para falar do que eu gostei mesmo em “Quem quer ser um milionário?”.
Primeiro, o elenco. E não só as “crianças adoráveis”, como a crítica mundial insiste em coletivizar. Mas as performances individuais são excelentes (o que me faz pensar… por que nenhum desses dois atores do filme foi indicado? Será que é só porque estão de fora do “star system hollywoodiano”? Mas eu divago…). Já admirava Irrfan Khan desde “Nome de família”, mas agora também virei fã de Anil Kapoor (o mestre de cerimônias do programa de TV), e principalmente de Dev Patel, que faz o papel de Jamal adulto. Sua cara sem expressão durante as etapas do jogo são de uma abstração perfeita – e mesmo nas outras cenas de ação, fora do estúdio, a mistura de inocência e romantismo é uma fórmula vencedora.
“Milionário” merece também todos os elogios quanto à sua edição (reconhecida pelo Oscar). Seja inspirado em “Cidade de Deus” ou em “Trainspotting”, ali está um filme que desafia a platéia – bem mais, por exemplo, do que a disfarçada linearidade de “O curioso caso de Benjamin Button” – que conta uma história “invertida no tempo”, da maneira mais direta possível. E depois tem a música… Eu, claro, já sou um convertido do pop indiano desde que visitei a Índia pela primeira vez em 1986, mas se você ainda tem alguma resistência a esse som, digamos, mais globalizado, o filme de Danny Boyle está aí para acabar com isso.
Entre todos esses prós e os contras que já citei, afinal, “Quem quer ser um milionário?” é um bom filme? Claro que é. Mas merecia ganhar o Oscar? Bem, acho que o prêmio de 20 milhões de rúpias (um pouco menos de um milhão de reais) já estava bom para coroar esse trabalho… Quem deveria ter levado a estatueta então? “Milk”, claro. Mas isso é assunto para segunda-feira…
FOTO1 : Gabriel Bouys/AFP
FOTO 2: Reprodução