Interatividade é isso?

qui, 28/08/08
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Arrisco aqui um novo exemplo dessa forma de colaboração que foi uma das bandeiras da internet desde o início: a interatividade! Inspirado, claro, pelas fotos que você mandou – isto é… se você conseguiu mandar… – pensei em fazer essa galeria, digamos, surreal de imagens. Mas, para isso não virar um mero “flog”, resolvi acrescentar duas coisas a cada colaboração: uma música e um texto curto.

A idéia de acrescentar a música veio da minha meticulosa compilação das 1000 músicas que marcaram este blogueiro (e que você começa a acompanhar aqui, em várias partes, a partir de 15 de setembro): remexendo no meu respeitável acervo, achei que seria legal sugerir uma trilha sonora para acompanhar cada imagem. Ainda que as referências sejam, por vezes, obscuras, tenho certeza de que você será capaz de encontrá-las na internet – e poder assim desfrutar do prazer de unir som e imagem.

Já a idéia de acrescentar um texto surgiu por mais uma coincidência: o lançamento de um novo livro sobre fotografia, justamente quando eu escrevi sobre o assunto. Trata-se de “8 x fotografia”, uma coleção de artigos sobre essa arte, que saiu agora pela Companhia das Letras. A editora reuniu um time de autores fascinantes – alguns deles até inesperadamente conectados com o tema –, que me inspirou a fazer curiosas conexões.

As referências do livro são quase sempre em torno de fotos e fotógrafos consagrados (Cartier-Bresson, André Kertész, Sebastião Salgado), mas há também referências inusitadas, como a foto de família do jornalista Eugênio Bucci – que imediatamente me remeteu às imagens que estavam chegando aqui no blog (bem como às imagens que eu coleciono da tal loja francesa citada no post da semana passada).

Assim, pegando cá e lá, aqui vai um post realmente diferente, feito com a sua imagem, uma música cujo autor nem sonha que ela hoje acompanha uma foto, e um texto que obviamente não foi feito para se juntar a esse grupo, mas que, por associações inusitadas, acabou encaixando-se na proposta (só lembrando, essas frases desses autores foram “emprestadas” de artigos bem mais ricos e elaborados do que sua simples citação pode sugerir – artigos esses que, sugiro, especialmente a você que também gosta de fotografia, sejam lidos por inteiro).

Eu aqui ofereço apenas as peças soltas. Quem monta o quebra-cabeças é você…

julianodallarmiva2.jpg
Foto: Juliano Dallarmi

Música: “She’s so out of touch”, Slaughter

“Há entrecruzamentos sem fim. E as formas que as semelhanças assumem também são variadas: entre pessoas e coisas, entre imagens e pessoas, formas especulares, formas repetidas; a lista é, de novo, quase interminável. Importa mais, talvez, assinalar o jogo de estranheza e familiaridade que promovem.” (Alberto Tassinari, sobre Henri Cartier-Bresson, em “O instante radiante”, de “8 x fotografia”)

erimava3.jpg

Foto: Érima

Música: “Deep deep down”, Christy

“Quando tudo na vida de uma pessoa livre é orientado por uma única causa final, isto é, quando tudo tende a um único ponto, então todas as demais coisas são encaradas como meros meios ou caminhos para esse ponto. À medida que, em vez de facilitar o avanço dela rumo a esse ponto final, as coisas têm uma espessura e opacidade próprias, à medida que exigem atenção para si mesmas, deixam de funcionar como caminhos e viram obstáculos para a chegada. (Antônio Cícero, sobre David Hockney, em “Sobre Pearlblossom Hwy.”, de “8 x fotografia”)

danielferrazmonteliguoriva.jpg

Foto: Daniel Ferraz Monte Liguori

Música: “You spin me round (like a record)”, Dead or Alive

“Posso dizer o que vejo, mas certamente o que vejo não é tudo o que sei e que essas fotos expressam. Fato que, aliás, é bem típico delas – quanto mais sabemos sobre o contexto em que foram captadas, mais elas podem expressar. Não que elas nada digam a um espectador que tudo desconhece sobre a cultura e a sociedade Bororo. Imagino que possam dizer muitas coisas e certamente evocam outras tantas, dependendo da experiência prévia de cada um que estas imagens possam resgatar da memória.” (Sylvia Caiuby Novaes, sobre fotos de sua autoria, em “Imagem e memória”, de “8 x fotografia”)

rafaelesheilava.jpg

Foto: Rafael e Sheila

Música: “Gamma ray”, Beck

“Tenho a convicção de que a discussão sobre as influências entre a fotografia e o impressionismo – que de fato existem – perde muito de sua relevância se a situarmos num outro plano. Em outras palavras: a meu ver foi a emancipação do olhar criada pelo impressionismo que tornou possível uma quase universalização da atitude estética diante do mundo, e isso constitui um dos traços fundamentais da expansão da fotografia, com todos os equívocos e problemas que ela pôde acarretar.” (Rodrigo Naves, sobre André Kertész, em “O silêncio do mundo”, de “8 x fotografia”)

jacquelinesenava2.jpg

Foto: Jaqueline Sena

Música: “Come together”, Primal Scream

“Nesse percurso rico e variado, gostaria de fazer um recorte em meados do século XX, quando uma geração de fotógrafos ligados à imprensa surpreendeu a todos ao estabelecer novos paradigmas para a fotografia, ao deixar de se posicionar diante dos acontecimentos como simples espectadores dos fatos, como era comum então, para se tornar protagonistas da trama, invadindo o centro da cena e construindo imagens carregadas de subjetividade.” (Cristiano Mascaro, sobre Robert Frank, em “Bar, New York City, 1955-6”, de “8 x fotografia”)

marcelaloureirodamottava.jpg

Foto: Marcela Loureiro da Motta

Música: “Relax (take it easy)”, Mika

“A fotografia, ainda que presa à realidade, quer também mostrar que essa mesma realidade, que a fotografia, ou uma representação qualquer, não esgota a realidade.” (Marcelo Coelho, sobre Walker Evans, em “Isto é um cachimbo”, de “8 x fotografia”)

micheline-petersenva.jpg

Foto: Micheline Petersen

Música: “Galaxy of the lost”, Lightspeed Champion

“Em quase todas as fotos, de quase todos os álbuns de quase todas as famílias, os fotografados encaram a câmera. Esse olhar tenta invadir o futuro, é um sintoma da expansão do presente de que tanto falei aqui, e também esconde uma súplica emudecida, dirigida aos que virão depois: ‘Não me esqueçam quando eu já não estiver aqui’. Fotos de álbuns de família são inventários das faces dos mortos tentando adivinhar o próprio reflexo nos olhos de seus descendentes.” (Eugênio Bucci, sobre a foto de Angelo Bucci, em “Meu pai, meus irmãos e o tempo”, de “8 x fotografia”)

owenphillipsva.jpg

Foto: Owen Phillips

Música: “Heimdalsgate like a Promethean curse”, Of Montreal

“Para isso, o fotógrafo se prepara, se posiciona, arma a tocaia da imagem e espera. Ele sabe o que pode acontecer, mas não sabe exatamente o que vai fotografar porque isso não é importante. O que é importante é o que ele imagina para construir sua fotografia. O casual é, portanto, componente necessário da tese do momento decisivo, mas não é em si mesmo o momento decisivo da fotografia.” (José de Souza Martins, sobre Sebastião Salgado, em “A epifania dos pobres da terra”, de “8 x fotografia”)

zecacamargo.jpg

Foto: da minha própria lavra (por sugestão da Aline Caju, coloquei uma foto tirada por mim mesmo na selação!)

Música: “Night of the living dead”, Tilly & the Wall

Texto: “As fotografias voam por aí não mais como registros factuais, mas como migalhas de lembranças (agora, lembranças sem raízes), figuras sem paternidade, que só se articulam em narrativas por força de um olhar afetivo. Ou são vestígios sentimentais, ou não são nada.” (Eugênio Bucci, sobre Angelo Bucci, em “Meu pai, meus irmãos e o tempo”, de “8 x fotografia”)

Cariocas

seg, 25/08/08
por Zeca Camargo |
categoria Todas

reicaezeca.jpgNo palco, um baiano e um capixaba – os dois, cariocas por uma noite. E não só eles: este que escreve, mineiro no papel, paulista(no) claudicante, por quase duas horas foi contagiado por uma brisa que só podia vir de lá, do Rio de Janeiro. E mais gente: uma platéia de gaúchos, mato-grossenses, pernambucanos (pelo menos entre os que eu pude conferir) – e dezenas, centenas, de pessoas que nasceram na cidade maravilhosa, flertando com o inofensivo pleonasmo de “ser carioca” diante de uma apresentação como aquela.

Estou falando do show de Caetano Veloso e Roberto Carlos na última sexta-feira, no Teatro Municipal do Rio – uma feliz e inspirada celebração não só dos 50 anos de bossa nova, mas também do maior porta-voz desse movimento musical que ecoou (e ecoa até hoje) no mundo inteiro, Tom Jobim. Sem ter conseguido comprar um ingresso para a apresentação, fui surpreendido na quinta-feira por um convite de última hora – convite este (preciso acrescentar?) irrecusável. Ver dois nomes tão importantes da nossa música – ainda que tenham seguido por caminhos distintos (caminhos esses, aliás, que eventualmente se cruzaram) – unidos por um repertório dos mais lindos entre os clássicos contemporâneos? Que privilégio…

Não o privilégio esnobe, que tanta gente gosta de levar na manga – conhece aquele, na linha “eu fui e você não”? Não é a isso que estou me referindo – até porque, se tudo correr bem, as apresentações em São Paulo, que acontecem hoje e amanhã, serão gravadas para exibição em TV aberta (um DVD também está nos planos), levando assim, a possibilidade de virtualmente qualquer brasileiro desfrutar dessa experiência de ser “carioca”… Mas, quando falo que foi um privilégio, refiro-me ao prazer de viver num tempo onde uma reunião dessas é possível: o exemplo maior de como nossa música é poderosa, ilustrado por ninguém menos que dois de nossos artistas mais expressivos. Uau!

O que eu esperava de um encontro desses? Eu poderia blefar aqui dizendo que já sabia que seria tudo de bom. Mas, talvez pela distorção natural de eu ter me tornado um jornalista, fui ao show com uma ligeira desconfiança. Para o observador mais cético, as pontas desse encontro poderiam parecer “amarradinhas” demais: no aniversário de meio século do movimento que reinventou o Brasil para o resto do mundo, um dos maiores compositores da nossa terra interpretado por dois dos maiores etc. – não te parece uma combinação perfeita demais? Um “firewall” armado no céu para que ninguém pudesse colocar defeito? Não se trata de uma torcida contra – quero deixar bem claro –, mas de uma leve suspeita de que tudo tinha sido meticulosamente planejado para que nada desse errado.

Mas deu, e logo no começo. Não um erro grave, que decretasse o descarrilamento do “plano perfeito”, mas um deslize à toa: um gentil tropeço do Rei, elegantemente atrapalhado com suas entradas na versão para dois de “Garota de Ipanema”. Caetano, mais gentil e mais elegante ainda, passou a rapidamente sinalizar para Roberto Carlos suas deixas e, com um traquejo que só quem tem a experiência de palco e o carisma acumulado desses dois artistas poderia demonstrar, a música de abertura bateu suave nos ouvidos da platéia ansiosa, como uma onda que ameaça arrebentar, mas que se desfaz em espuma antes mesmo de chegar aos pés que ainda não juntaram coragem de entrar no mar.

“Wave”, a segunda música que Roberto e Caetano cantaram juntos, veio no mesmo clima. Mas aí não se sentia sequer um traço de apreensão nos espectadores: todos ali, do (ironicamente) privilegiado espaço do fosso da orquestra – que foi coberto para acomodar convidados especiais – ao mais elevado balcão, já estavam irreversivelmente seduzidos pela química das duas estrelas.

Aí, foi fácil para Caetano – aliás, quando não é fácil para ele? Entrando agora sozinho no palco – para executar sua parte “solo” do show – ele cantou “Ela é carioca”, e, naquele momento, todos ali no Municipal se deram conta que, pela próxima hora e meia, também o seriam, independente do que está escrito no espaço “naturalidade” das carteiras de identidade. No esperto cenário de Daniela Thomas – com uma imagem de Tom Jobim que lembrava que o retrato artista húngaro Vasarely fez do general Georges Pompidou, e que enfeita a entrada principal do Beaubourg, em Paris –, uma (para mim) inidentificável imagem de uma mulher inocentemente divertindo-se numa piscina com dois amigos (que, se não é um material original dos anos 60, é um impecável trabalho de reconstituição) servia de musa improvável da canção de Tom. Nem bela nem estonteante, ela era simplesmente misteriosa – carioca, como todos naquela noite gostariam de ser.

(Lembrando que, mesmo os “legítimos” que assistiam ao espetáculo – pelo menos aqueles com quem comentei o show –, pareciam tomados pela nostalgia de uma cidade que eles sabem que não têm mais, e que, quase com uma desesperança profunda, não esperam reaver tão cedo…)

Caetano prosseguiu com uma seleção de composições menos familiares – mas não menos convidativas – de Jobim, culminando na enigmática “Caminho de pedra”, que o próprio Caetano esclareceu que é conhecida por poucos. Convidados a penetrar nos sofisticados e sutis jogos musicais do compositor homenageado, nós do público recebemos com generosidade a voz de Roberto Carlos preenchendo cada espaço do teatro: embaixo das cadeiras, os vãos dos corredores, as frestas entre os dedos de nossas mãos, os aros dos brincos nas orelhas – e, finalmente, cada contorno dos ossos que traduzem as ondas que entram pelos nossos ouvidos em som.

Ela, a voz do Rei, entrou tão poderosa, que perdoamos com facilidade sua “canastrice” por ter cantado “Insensatez” em espanhol… Veio “Corcovado”, veio “Samba do avião”, veio “Ligia”, veio “Eu sei que eu vou te amar” – e, sobretudo, veio “Por causa de você” (a parceria divina entre Dolores Duran e Tom Jobim), quando eu finalmente percebi que estava chorando. Só eu? Tinha mais coisas com que me preocupar do que soltar os olhos pela platéia para achar parceiros na minha emoção, mas acho que posso garantir, com segurança, que minha reação não foi excepcional…

E então Caetano volta ao palco para mais alguns duetos com Roberto. A essa altura, já acostumados com a surpresa de vê-los reunidos sob o manto de Tom, era possível reparar nos detalhes: a deselegância discreta da gola “assimétrica” da camisa do Rei (uma para dentro e uma para fora do seu blazer azulão); a indecisão quanto aos botões da blusa que Caetano usava, e, meio confuso, desabotoava – e abotoava (tudo bem, não era uma blusa, mas um paletó, mas sei que você vai me perdoar essa licença poética…); os abraços francos demonstrando uma dupla admiração; o contraste delicioso entre vozes que, aparentemente, não deveriam se encontrar – talvez…

No meio dessa festa de sinais que nem se importavam em ser codificados, os dois, nesses momentos finais, nos permitiram então redescobrir, por exemplo, a beleza da informalidade de “Tereza da praia” – numa versão tão espontânea que dava a impressão de que eles nem a haviam ensaiado. Veio “A felicidade”, veio “Se todos fossem iguais a você” – e quando eles encerraram com “Chega de saudade”, pergunta se alguém queria sair daquele transe…

Nesta descrição aqui, que acabo de reler – e que, com o perdão da modéstia, me parece bem detalhada – está faltando só uma coisa. Tom Jobim, suas músicas, Caetano e Roberto – todos estão aqui, com seus merecidos predicados. Mas unindo tudo isso está uma coisa tão abstrata que a gente às vezes esquece e nem se preocupa em comentá-la: a própria música.

Música: essa força poderosa, que há anos eu insisto – sem sucesso – em colocar em palavras, permeava toda a noite. Aquelas composições, aquelas canções, tinham, claro, um dono – e os intérpretes que as pegavam emprestadas por uma noite reforçavam a identidade de cada uma delas. Mas é sempre bom lembrar que tudo isso faz parte de um universo superior, que nenhum de nós é capaz de ser dono absoluto, nem sequer chegar a compreender como funciona.

E, pensando nesse conceito maior, lembrei-me de que, nos últimos dias, participei, involuntariamente, de uma disputa entre fãs de dois megaastros na música pop internacional – e logo surgiu uma reflexão sobre o quão vazia era essa discussão. Tudo me pareceu ainda mais deslocado porque, se bem lidas, as opiniões que detonaram toda essa polêmica deixam claro que essa não era a intenção. Justo eu, que – como quem me acompanha aqui há quase dois anos sabe bem – só faço celebrar a diversidade da criação humana? Será que todo esse barulho vem de uma leitura equilibrada do que escrevi (ainda ensinam interpretação de texto nas escolas?) ou é simplesmente histeria (ah, a loucura das massas…) de quem pegou carona apenas nos comentários dos textos originais? Desde a noite de sexta-feira passada, quando vi esse show que acabei de dividir com você, todo esse ruído me pareceu um desperdício de argumentos.

Porque, afinal, tudo é música, gente. Tudo é som. Tudo Tom.

(Mudando ligeiramente de assunto – e já preparando o próximo post –, você enfrentou dificuldades para mandar sua foto “não-certinha” para cá, aceitando o convite que fiz no meu texto anterior? Não desista! Algumas imagens já chegaram e, pela amostra, o próximo post será… hummm… interessante… Você tem até quarta-feira para mandar. Qualquer dúvida, escreva para o “Fale conosco” no https://g1.globo.com/Noticias/0,,FEF0-7792,00.html)

Foto: Fábio Motta/Agência Estado

Click click (*)

qui, 21/08/08
por Zeca Camargo |
categoria Todas

cavalo.jpgUma das minhas lojas favoritas em Paris fica no Marais, e, ao contrário do que se possa imaginar, não tem nada a ver com moda, não vende nenhum item de comida, e muito menos perfume – para listar três coisas pelas quais a capital francesa é famosa. A loja chama-se Photographie (Fotografia, em português), é de um cara (aparentemente) cinqüentão – magro e, como bom francês, fumante inveterado (já o peguei fumando mesmo dentro da loja, próximo da hora de fechar…) -, chamado Fabien Breuvart. Fica na Rue Charlot, quase esquina da Rue Bretagne – e como quase todas as boas descobertas da vida, eu a encontrei por acaso, procurando uma queijaria que havia visto de relance quando passei por ali de táxi. Naquele pequeno espaço, de menos de vinte metros quadrados, costumo comprar imagens como essa que abre o post de hoje.

São fotos anônimas, esquecidas em gavetas antigas, álbuns abandonados, ou simplesmente jogadas no lixo. Monsieur Breuvart faz um inestimável garimpo por feirinhas de antiguidades (e, imagino, alguns depósitos de entulho) para resgatar essas obras-primas alternativas. Não custam caro (as mais baratas saem por menos de R$ 20,00), mas têm um valor inestimável para fãs do gênero (como eu) – e não exatamente porque elas têm um pedigree, ou uma assinatura famosa, mas justamente porque são registros despretensiosos de pessoas comuns divertindo-se com o prazer de experimentar uma linguagem. Os resultados, quase sempre desastrados, oferecem registros de inesperada poesia, seja no recorte inusitado da foto, ou na inocência de quem estava sendo registrado pelas lentes – como esse casal (de anônimos, claro) patinando, que eu também encontrei naquela loja.

foto1_zeca.jpg

Hoje, claro, com o triunfo das câmeras digitais, imagens como as que são vendidas na Photographie só tendem a desaparecer. O retrato não ficou bom? Apaga e tira outro! De certa maneira, a descartabilidade dessas imagens digitais fez de todos nós perfeccionistas aspirantes – ainda que com critérios bastante duvidosos. Como diz um amigo meu, constantemente abordado por fãs que querem tirar uma foto com ele (sim, ele trabalha também em televisão), todo mundo agora é Cartier-Bresson – quer registrar o “momento decisivo” (para usar a expressão que o famoso fotógrafo ajudou a cunhar), nem que seja com o seu telefone celular…

Nada contra! Eu mesmo, alvo de pedidos semelhantes, poso com paciência (sempre que tenho tempo) para a segunda, terceira, e muitas vezes quarta tentativa de quem me assedia, até que eu escuto: “essa ficou boa!”. O problema é que a avaliação “não ficou boa” é um critério bastante subjetivo: um borrãozinho aqui, um canto da bochecha que ficou fora do quadro ali, um olhar desviado na última hora, o foco que não está afinado, alguém que passa na frente sem avisar, o sorriso que ainda não havia se formado quando a câmera fez click! Pois, para mim, são (repare nas aspas) “imperfeições” assim que fazem a beleza de fotos como essa, tirada num Natal sabe-se lá onde e quando (sabe-se lá até se é Natal… só porque tem alguém vestido de Papai Noel?).

noel.jpgMeu interesse por esse tipo de foto começou quando encontrei, num sebo, o livro “Anonymous: enigmatic images from unknow photographers” (“Anônimos: imagens enigmáticas de fotógrafos desconhecidos”). O entusiasmo com que me apaixonei por aquelas fotos me levou a encontrar outra publicação no gênero, ainda mais incrível: “Other pictures: anonymous photographs from the Thomas Walther collection” (“Outros retratos: fotografias anônimas da coleção Thomas Walther”). São volumes fascinantes, que eu recomendo para a estante de qualquer um que tenha um certo interesse no pouco usual – achei o primeiro por menos de R$ 15,00 numa livraria virtual, e o segundo, um pouco mais raro, por R$ 40,00.

Esta semana tornei a folheá-los – bem como me inspirei a finalmente tirar as fotos que comprei na tal loja parisiense do envelope para emoldurá-las – depois de ter lido dois livros que possuem uma estranha conexão (ambos, quero crer, destaques dessa vigésima – viva! – Bienal do Livro que acontece até domingo, em São Paulo – mas também já disponíveis para o leitor de todo o Brasil): “O livro amarelo do terminal”, de Vanessa Barbara (CosacNaify) e “O instante contínuo – uma história particular da fotografia”, de Geoff Dyer (Companhia das Letras).

A conexão do livro de Dyer com o tema de hoje é um pouco mais óbvia – por isso, vamos começar por ele: Nesse megaensaio de 2005 (lançado só agora em português), o escritor inglês nos convida a um passeio livre pelo seus interesses em fotografia. É um trajeto sem mapa, onde artistas e fotos são agrupados por temas, cuja conexão entre si é bastante intuitiva. Começando por retratos de cegos – mais especificamente pela clássica imagem de uma cega nas ruas de Nova York, registrada em 1916 pelo mestre Paul Strand – o autor nos leva por um itinerário imprevisível: fotos de mendigos tocando acordeão, passageiros no metrô, fotos de mãos, fotógrafos fotografando fotógrafos, nus, chapéus, escadas, camas (desfeitas e arrumadas), bancos de jardim, cercas, parques, homens de sobretudo… e por aí vai!

geoffva.jpgDyer não escreve bem – ou pelo menos, não emociona este humilde blogueiro. Melhor seria dizer que sua escrita é inconstante. Seu livro mais conhecido, “Ioga para quem não está nem aí” (Companhia das Letras), me acompanhou na Volta ao Mundo que fiz em 2004 e me trouxe ao mesmo tempo momentos iluminados e de muita irritação. Quando quer mostrar erudição, ele não tem a naturalidade de um Alain de Botton (curiosamente, quem escreve o texto da contracapa de “O instante contínuo”) e nos obriga a passagens intragáveis. Ao mesmo tempo, ele é capaz de sintetizar idéias interessantes, como essa, que usa para descrever a relação entre dois dos maiores fotógrafos do século 20: Alfred Stieglitz e Paul Strand: “Há nas amizades um momento – e às vezes esse momento pode durar a vida inteira – de absoluta igualdade. O que cada um dá é equilibrado, exatamente na mesma medida, por alguma coisa que o outro oferece, mesmo que uma das partes não tenha consciência disso”.

Em outro parágrafo, em apenas uma frase, Dyer dá a melhor definição que já li sobre o trabalho da americana Diane Arbus (que foi obtusamente interpretada por Nicole Kidman no relativamente recente “A pele”): “Arbus vê as inexauríveis possibilidades da excentricidade, uma multiplicidade de isolamentos”. E, para dar só mais um exemplo, ao comentar uma foto de Stieglitz, “A rua, Quinta Avenida” (1900-01), com um homem encapuzado no centro da imagem, ele diz, quase que como estapeando o leitor: “E pensar que houve um tempo, há mais de um século, em que esse momento foi agora! E aquele vulto da capa – até mesmo ele deve ter tido um pressentimento do modo como aquele “agora” se torna “naquela época”. Brilhante! Pois essa mesma sensação, que serve para um registro do início do século 20, repete-se até hoje, infinitas vezes, a cada instante que as pessoas acionam o botão de sua câmera para rever o que acabou de ser fotografado.

Por passagens assim, e pelo curioso roteiro fotográfico de Dyer, “O instante contínuo” vale a pena ser lido. Afinal, foi exatamente essa frase que acabei de citar – sobre o “agora” que vira “naquela época” assim que é fotografado – que me veio à cabeça nas linhas finais de “O livro amarelo do terminal”. Não, Vanessa Barbara não escreveu outro tratado sobre fotografia… Mas, ao descrever o cotidiano da rodoviária do Tietê, em São Paulo, ela acabou presenteando o leitor com um fascinante conjunto de instantâneos das pessoas que circulam por lá.

livroamarelo.jpgEssa “galeria”, diga-se, está mais próxima das fotos anônimas vendidas naquela loja parisiense do que do cânone de mestres desfilado por Geoff Dyer. Mas por que você acha que eu comecei o texto de hoje falando justamente desses fotógrafos anônimos? Será por que eles oferecem surpresas menos previsíveis que aquelas que você já espera de um nome consagrado? Vejamos alguns “retratos” de Vanessa:

“Há os que passam, tranqüilos, segurando imensas barras de ferro, persianas, apetrechos estranhos, de utilidade desconhecida. Outros arrastam uma pilha de caixas, correndo meio agachados e derrubando e empilhando e disparando de novo, num rali de caixotes”.

“Jomeri estava irritado. Vigiava um bocado de malas no chão e estraçalhava os botões de sua estonteante camisa florida azul e branca. De pé, encarava os passantes à procura do irmão que prometera buscá-lo. Mas nunca o reconhecia – e olha que já estava prestes a explodir de ansiedade”.

“A rodoviária do Tietê é uma cidade de chicletes abandonados, de pessoas com pressa e de coisas perdidas”.

E esses são apenas três das várias “polaróides” que Vanessa traduziu em letras quando fez um plantão por lá, em 2003. Voltando ao terminal agora, em 2008 – como conta no capítulo final de seu livro -, a autora encontra apenas resquícios do que registrou cinco anos antes. Como diria Dyer, aquele “agora”, tão vivamente “fotografado” por Vanessa, já tinha virado “naquela época”.

Essa dissonância, porém, longe de tirar a força do seu relato, só o torna mais intenso. Mesmo se não houvesse o impacto do projeto gráfico de seu livro – com um texto que flerta o tempo todo (felizmente sem sucesso) com o ilegível e tem a esperteza de usar os grafismos das próprias latarias dos ônibus para ilustrar cada abertura de capítulo (e este é apenas um dos elementos visuais presentes no universo da rodoviária que “contamina” suas páginas) -, mesmo assim, “O livro amarelo do terminal” oferece uma experiência única: a de evocar um cotidiano ebuliente para leitores que raramente têm a chance de passar por lá.

Numa simetria perversa, as pessoas com quem Vanessa conversou – como coloca a própria autora, referindo-se à Rosângela (que trabalhava no balcão de informações) – talvez nunca leiam esse livro. Assim como as pessoas imortalizadas nas fotos que enchem as prateleiras da loja Photographie nunca sonharam que estariam um dia ilustrando este blog. Coisas do acaso…

(*) sugestão de trilha sonora para acompanhar este texto: “Click click” é a melhor música que já foi feita sobre o momento fotográfico. É de uma antiga banda inglesa chamada The Beat (pensou em anos 80, acertou!). Não deve ser muito difícil de encontrar aqui mesmo na internet…

(Em tempo, será que conseguimos montar – junto com a sua ajuda – uma galeria de fotos interessantes e no estilo dessas “anônimas”? Tem alguma fora de foco que você não jogou fora? Alguma onde a cabeça de alguém foi “cortada”? Ou um ângulo que você acha que não deu certo? Clique aqui e mande para cá! Só não vale foto certinha…)

Eleições 2008

seg, 18/08/08
por Zeca Camargo |
categoria Todas

brandpostnew.jpgVocê está andando pelo calçadão, no domingo de manhã, admirando o mar – ou pode ser um passeio pelo Minhocão, no centro de São Paulo; pelo Brique da Redenção, em Porto Alegre; pela linda orla de Aracaju; ou qualquer paisagem que você escolher para celebrar um dia de folga glorioso como foi ontem em boa parte do país (tudo bem, choveu na capital gaúcha… mas você captou o clima). De repente, vem aquele som inesperado – não uma trilha adequada ao momento de descontração e relaxamento que você procura, mas um sambinha-chulé (ou um axé frouxo, um sertanejo chinfrim, um rap de quinta, conforme o gosto local), cujo refrão não traz exatamente um verso – não há nem sombra de poesia –, mas um nome próprio e alguns números. E você começa a notar que a paisagem que você está acostumado a desfrutar nas manhãs de domingo sofre uma interferência: dezenas de fotos de desconhecidos que te sorriem, sugerindo uma intimidade que você nunca autorizou. Já passou por uma experiência assim? Muito bem! Bem-vindo, bem-vinda, à temporada eleitoral!

Às vésperas da propaganda dos candidatos mais uma vez preencher nosso cotidiano sem nossa permissão, achei oportuno falar sobre um filme que, como descobri recentemente (uma boa surpresa do catálogo da nova, gigantesca – e por pouco não-aconchegante – Livraria da Vila, em São Paulo), foi lançado em DVD no Brasil. O título foi incluído na sensacional Coleção Videofilmes, que procura trazer para o nosso público, tão carente de documentários inteligentes, uma seleção do que há de melhor no gênero na produção mundial.

Entre tantas produções extraordinárias – muitas delas, verdadeiras raridades –, a que encontrei na Livraria da Vila deixou-me particularmente feliz, pois era um documentário que eu já havia visto nos Estados Unidos, mas que – salvo alguma participação numa mostra internacional de cinema – eu não me lembro de ter sido exibido em salas brasileiras. “Crise é o nosso negócio” (ou, no original, “Our brand is crisis”), dirigido por Rachel Boyton, é um fascinante relato de como uma empresa de consultoria política americana (Greenberg Carville Shrum), com vasta experiência em campanhas de eleição, é contratada para “salvar” a candidatura do ex-presidente Gozanlo “Goni” Sánchez de Lozada a um novo mandato à presidência da Bolívia.

De fato, foi uma curiosa obra do acaso eu ter encontrado esse filme, justamente nesta época em que vamos começar a ser bombardeados com sorrisos e promessas de – insisto – estranhos que insistem em se apresentar para nós, eleitores, não com um currículo de feitos e intenções, mas apenas com rostos bem maquiados, fotografados na luz certa – e, se a campanha assim permitir, em eventos públicos “certos” e ao lado de outros políticos “certos” (onde “certos” pode ser traduzido como “convenientes”). Esse “achado” é feliz, porque me permite recomendar a você que me lê (e cuja inteligência e poder de argumentação eu aprendo cada vez mais a respeitar) um aperitivo perfeito para o torpor das mensagens nas campanhas dos próximos dias – aliás, próximas semanas!

Eu até gostaria de recomendar “Crise é nosso negócio” também para alguns políticos (e aspirantes a políticos) – mas desconfio que muitos deles já devem ter visto o documentário e tirado algumas lições (ou não…). Isso se alguns candidatos já não tiverem contratado os serviços da Greenberg Carville Shrum (GCS) que, como letreiros no final do documentário informam, já trabalhou no Brasil (e também na Argentina, África do Sul, Reino Unido, México, Peru, Israel, Romênia…). Mas, não sei exatamente por que razão, desconfio que você, eleitor, eleitora, vai tirar mais proveito dessa história (estou tentando não ser cínico…).

O que um filme sobre as eleições para a presidência da Bolívia em 2003 pode ensinar ao eleitor brasileiro? Mais do que você imagina. Os pontos de identificação com a nossa política não são imediatos – é preciso certa sutileza (e até mesmo um pouco de malícia) para identificar essas “pontes”. Mas mesmo na sua mensagem mais superficial – os bastidores de uma campanha –, “Crise é nosso negócio” é um poderoso alerta de que, numa campanha política, nada é exatamente o que parece.

Quando Rachel Boynton começa a registrar o trabalho da GCS, estamos a cem dias das eleições. Goni (o apelido do ex-presidente que quer voltar ao poder) está bem atrás (12 pontos) do candidato favorito nas pesquisas, Manfred Reyes Villa. Para “ajudar”, a memória dos bolivianos com relação ao mandato de Goni é das piores: em poucas palavras, os eleitores se sentem enganados por ele, que teria vendido as riquezas minerais do país – fartas reservas de gás natural foram descobertas e negociadas quando ele foi presidente. Mas a Bolívia está em crise – a pior de sua história – e a equipe da GCS (liderada por Jeremy Rosner) resolve transformar isso como fogo da estratégia de comunicação de Goni.

Assim, como o título do documentário indica, toda sua campanha passa a girar em torno da sua (hipotética) capacidade de não só administrar a crise como conduzir a Bolívia para um cenário mais próspero. Simples, não? Seria simples sim se Goni não fosse visto pela maioria da população como um gringo – nascido no país, mas criado nos Estados Unidos, ele fala tanto espanhol como inglês com um incômodo sotaque híbrido, que não o define como nem “de lá” nem “de cá”; em ambas as línguas, o ritmo de seu discurso é lento e, irremediavelmente, estrangeiro. Problemas…

Depois de semanas de filmes publicitários e “grupos de foco” (aquelas pesquisas “qualitativas”, nas quais algumas pessoas selecionadas falam de um determinado assunto numa sala com um espelho “transparente”, onde, do outro lado, os consultores fazem anotações), as pesquisas não mudam – aliás, pioram ligeiramente. É hora de adotar uma nova tática: a de detonar uma campanha negativa contra o candidato que está na frente. Algum sininho tocou na sua memória? Bem, vamos em frente.

Com um passado militar e uma história de enriquecimento-relâmpago, Manfred – até então o principal adversário de Goni – é presa fácil. Mesmo assim, os “grupos de foco” (e a transparência com a qual o documentário mostra isso chega a ser comovente) incomodam-se menos com as imagens da ostentaviva mansão particular de Manfred do que com sua carreira no exército. É nesse aspecto então, conclui os consultores, que Goni deve centrar fogo. Nisso, e em filmes com mensagem positiva, textos que fale de empregos e de combate à corrupção (aquele sininho tocou de novo?), um slogan eficaz – “Si se puede!” (estranhamente parecido com o que Barack Obama adotou na sua campanha, “Yes we can”), e uma bateria de vídeos em que o candidato está “perto do povo”.

As aspas no final da última frase não são gratuitas. Numa das cenas mais reveladoras de “Crise é nosso negócio”, o diretor de um filme para a campanha publicitária reclama que os trabalhadores – operários no que parece ser uma confecção de roupas (ou serão meros atores contratados? Aquele sininho não pára de tocar!) – não estão olhando no rosto de Goni enquanto ele fala, o que pode passar a idéia de que eles estão com medo do candidato. Imediatamente os operários são instruído a encarar Goni – e você tem a nítida sensação de que já viu esse filme antes…

A campanha não vai bem, mas a apenas algumas semanas do dia da eleição, surge, de maneira mais expressiva, um novo elemento: Evo Morales. A equipe da GCS fica um pouco desorientada e por pouco não perde seu foco: Evo é o candidato populista – e cresce com os eleitores que não se sentem representados (nem sequer ouvidos) e se manifestam por todo o país pedindo uma nova Assembléia Constituinte. Mas sua aparição logo é vista como oportunidade: vai dividir a oposição a Goni, que pode então ganhar, não porque vai conquistar mais de 50% dos eleitores, mas porque vai se beneficiar da indecisão do eleitor.

A meros dias antes de os bolivianos irem às urnas, Evo ainda ganha um empurrãozinho do embaixador americano na Bolívia (que desastradamente o compara a Osama bin Laden!) e cresce nas pesquisas – mas não o suficiente para assumir a liderança. Depois do susto, mas ainda cheio de incertezas (e aqui o mérito é todo da diretora, que monta seu documentário como um eletrizante filme de suspense), sai o resultado final: Evo com 20,9% dos votos; Manfred com 20,8%; e Goni com 22,5%. De maneira quase inacreditável, o ex-presidente consegue reverter todas as expectativas e previsões – para não falar no bom senso! – e volta ao poder. É aí, então, que “Crise é nosso negócio” começa a ficar realmente interessante…

Mesmo para um filme de não-ficção (qualquer um pode achar aqui mesmo na internet os fragmentos dessa história), acho que já contei o suficiente para inspirar você a assistir ao documentário. Há ainda muitos outros momentos deliciosos – como o que Goni reclama do papel picado que os eleitores jogam na sua cabeça durante comícios (que ele define como um castigo de Deus para os candidatos em campanha); a maneira como a equipe da GCS se preocupa em conquistar e despistar a imprensa (que morde feliz as iscas que a campanha de Gobi lança contra Manfred); a “revelação” da pergunta mais importante que os eleitores fazem, ainda que inconscientemente, antes de escolher um candidato (“Ele vai fazer alguma coisa por mim?”); e a impagável sonora de James Carville (o “C” da GCS), na linha “campanha política é como o uma transa, você nunca tem muito controle sobre o clímax”. Mas vou deixar que você descubra esses pequenos prazeres (e aí, não estou falando de clímax nenhum…) sozinho – ou sozinha.

Ou melhor: chame os amigos para assistir a esse filme com você. Provoque uma discussão sobre o que ele mostra. Essa é a época ideal para fazer isso. Como já disse, estamos às vésperas de mais um tobogã eleitoral – onde mensagens sérias, razoáveis, comprometidas e valiosas de alguns que buscam seu voto podem ficar perdidas em meio ao festival de bizarrices e ladainhas vazias e surradas de tantos outros. O documentário de Rachel Boynton não vai ajudar você a separar os dois tipos de candidatos – afinal, capa país, cada cultura, traz nuances sempre originais (e peculiares) a cada eleição. Mas “Crise é nosso negócio” tem tudo para fazer você refletir sobre a cacofonia de discursos, promessas e slogans que vem por aí. E, quem sabe, ajudar você a escolher um bom representante no nosso processo político.

Madonna (extra!)

sex, 15/08/08
por Zeca Camargo |
categoria Todas

madonnazeca.jpg

Há pouco tempo, comecei a ver um comportamento estranho nos comentários sobre os meus posts recentes. Eles se referiam não ao post mais recente – geralmente o foco de quem quer comentar -, mas a um texto meu de fevereiro deste ano, quando eu celebrava – à minha maneira – os 25 anos do lançamento de “Thriller”, o “álbum mais vendido do mundo”, de Michael Jackson (sim, este é um texto sobre Madonna, calma).

Quando, nesse post, comparei Michael ao grupo peruano Los Saicos, já esperava um certo criticismo – que, aliás, veio logo na seqüência da publicação do tal post. Mas isso foi há seis meses? Por que, de repente, fãs em estados alterados me cobravam que eu reagisse ao trabalho de Michael Jackson da mesma maneira que eles: considerando-o imune de qualquer crítica? Já estou acostumado com fãs com essa postura, mas a defasagem das “réplicas” que chegavam – a mais recente é de ontem! – me pareceu ligeiramente deslocada. Mas aí me lembrei que o aniversário de Jacko – como ele é às vezes citado – estava chegando: ele faz 50 anos no próximo dia 29!

Aí estava a explicação que, de certa forma, trazia um conforto para minha perplexidade diante da reação tardia de seus fãs. Um detalhe porém continuava a me incomodar: o fato de que boa parte desses fãs que escreviam representar pessoas furiosas por eu ter comparado Michael Jackson à Madonna – o que, inevitavelmente colocou a outra cinqüentona do mês em posição vantajosa…

Mais especificamente, me chamou a atenção, entre gente que me chamou de “desenformado” (sic) – talvez um elogio, se essa neologismo quisesse expressar que eu estava pensando “fora da forma” (ou do quadrado!) – ou que afirmou que eu poderia me expressar “como queira, mais (sic) dizer que dizer que esse álbum thriller não é 100% perfeito aí você (eu) está (estou) errado”, os comentários que me deixaram realmente intrigados foram os que acharam injusto o fato de eu afirmar que “foi só com Madonna que o formato entrou na vida adulta”.

Alguma dúvida quanto a essa afirmação? Ora, enquanto Jackson levava a namorada para assistir filme de terror e comer pipoca, Madonna simulava masturbação no palco ao cantar “Like a virgin” – lembrando, que ela estava vestida de noiva…

Só por isso, os 50 anos de Madonna valem a pena serem mais celebrados que os de Michael Jackson. Afinal, desde os anos 80, é ela que nos ensina a ser adultos ligeiramente perversos – não escravos de nossas fantasias (as sexuais incluídas), mas donos absolutos delas. E se um dia ela precisou ser explícita com relação a isso – vide “Erotica” – cada vez menos ela foi usando o sexo para celebrar a liberdade. E nem por isso deixou de passar sua mensagem.

A liberação que Madonna incita em cada um de nós, a cada novo álbum, tem a ver com espiritualismo, consciência política, simplesmente música, nostalgia, ou pura autenticidade (não preciso ser óbvio e dizer cada música que ela usou para passar essas mensagens, preciso?). Recentemente, inclusive, o próprio tema da idade serve a seus propósitos, como ela insinua no seu mais recente álbum, “Hard candy”.

E é essa Madonna que eu gostaria que todos celebrassem nesses 50 anos: a eterna liberadora; a provocadora “conseqüente”; a dominatrix de araque; a tutora sacana; a iluminada intuitiva; a infinita fonte de inspiração.

O pop – e todo o mundo do “showbizz”, na verdade – teria tomado um rumo diferente se ela não tivesse existido. Às vésperas de seus 50 anos, ela está na capa da “New York” não porque ela está apontando para a decadência, mas porque ela revela um novo rosto para as mulheres da sua idade. Esse é seu segredo: saber ser o pivô do assunto da hora, independente da sua oferta musical. Mesmo que seu trabalho mais recente não tenha sequer arranhado a marca de vendas dos anteriores, ninguém deixou de comentá-lo. Centenas de artigos sobre ela foram escritos sem que ela desse uma entrevista – apenas porque esses veículos tinham uma nova desculpa para falar novamente dela (no caso, “Hard candy”). Brilhante! Há quase 30 anos esse ciclo se repete – e quer motivo melhor que esse para celebrar o aniversário da mulher por trás desse “loop” de fascinação e escárnio?

Eu cá vou acender a minha velinha, colocar “Like a prayer”, “Cherish”, “Hung up”, “Rain”, “Erotic”, “Music”, “Like a virgin”, “Hollywood”, “Into the groove”, “Who’s that girl”, “Holiday”, “Sorry”, “Justify my love” e “Material girl” em alta rotação no meu iPod, apertar o “play” do meu iPod, e cantar “Parabéns a você”. E “você” não é aquela que celebra seus 50 anos, mas você aí, que me lê, e que é fã dela – de Madonna.

A única que, a cada vez que vem com uma música nova nos faz sentir como se tocados pela primeira vez. Você sabe o que eu quero dizer…

O “moderno” e o “engraçado”

qui, 14/08/08
por Zeca Camargo |
categoria Todas

rsf.jpgComo eu prometi no último post, vou escrever sobre uma banda que pegou de surpresa o pop do mundo todo com hits divertidos, dançantes – e com um empurrãozinho extra da palavra “sexy”: Right Said Fred! O quê? Não se lembra da banda que até hoje enche uma pista de dança com “I’m too sexy”? Ah… não faz tanto tempo assim… O sucesso é de 1991 (ai, meus tempos de MTV…), mas já entrou para a rotação de “flashbacks” das FMs mais inócuas, bem como para o amálgama de indiferentes pacotes de clipes musicais oferecidos por canais a cabo – geralmente alternando com a pornografia “suave” das madrugadas desses canais, ou, como no caso do Right Said Fred, muitas vezes confundindo-se com essa própria programação supostamente “caliente”.

Quem achou que eu ia falar sobre Cansei de Ser Sexy – ou CSS, daqui para frente, neste texto -, bem, você não chutou longe (o Owen Phillips até mandou um “Sexy Pistols”! – gostei, mas não era por aí…). Mas retomando o Right Said Fred, e lembrando do título do post de hoje, de que lado você acha que essa banda está?

Antes de você precipitar sua resposta, algumas idéias. Raras são as vezes que a gente encontra alguma coisa realmente original no pop. Pegando emprestado de Lavoisier, mais do que na natureza, neste gênero musical, nada se copia – tudo se transforma. Eventualmente surge alguma coisa que te obriga a rever essa “lei” – Jesus and Mary Chain me vem à cabeça; ou The Clash; ou Björk; ou o outro artista do qual eu já falo. Mas, na maioria das vezes, quando a gente escuta alguma coisa e pensa: “genial!” – se parar para olhar de perto (ou melhor, ouvir de perto) vai reconhecer aqui e ali sons e elementos de outros artistas. Ou, como a gente acostuma a se referir nas entrevistas com as estrelas – das mais perenes às mais (de)cadentes – da música, as “referências”.

Muitas vezes elas vêm disfarçadas em novas roupagens. Um dos melhores discos de 2008 para mim (mal posso esperar dezembro para fechar a lista dos grandes discos do ano que você “não” ouviu!), o do Lightspeed Champion, é um sensacional pastiche do pop dos últimos 40 anos (talvez 50) anos, mas composta de sons brilhantemente reinventados por Devonte Hynes. Mas o processo é inexorável: empresta daqui, retoca dali – e vamos chegar ao dia em que tudo já foi usado. Como previu aquela banda inglesa dos anos 80 no seu profético nome, autora na inigualável “Touched by the hands of Cicciolina”, Pop Will Eat Itself – ou, traduzindo livremente, “o pop vai acabar se comendo”.

Até lá, porém, momentos de genuína originalidade nos ajudam a renovar a crença de que sempre é possível inventar alguma coisa. Teoria demais – você já está achando… Então vamos aos exemplos práticos. O que me fez escrever sobre essa, hum, dualidade entre o “moderno” e o “engraçado” não foi exatamente Right Said Fred (era só um truque, como você já deve ter percebido…), mas o lançamento de dois álbuns bastante distintos – e ambos excelentes. Um, no entanto, cai na primeira categoria, e, o outro, na segunda. Comecemos por Beck, com seu “Modern guilt” – naturalmente um “moderno”.

Mas antes, algumas palavrinhas sobre o próprio conceito de “moderno”. Nos idos dos anos 80 (sim, eles de novo!), mais para a segunda metade da década (86/87) durante várias semanas – meses até – toda sexta-feira eu tinha um ritual: eu e meu amigo Tony recrutávamos alguém que ainda não tivesse assistido ao espetáculo “Louca pelo saxofone” e íamos até o Sesc Pompéia, em São Paulo, para ver mais uma performance de Patricio Bisso. Escrever sobre aquela época – aquele show – é uma tentação que eu preciso resistir se eu não quiser que este post tenha o dobro do tamanho que ele normalmente já tem… Mas, apenas para citar rapidamente, entre releituras (olha elas aí novamente) de ritmos pop como “Pare, repare, espere, desespere”, e versões hilárias de clássicos “cult” como “It’s my party (and I’ll cry if I want to)”, de Lesley Gore, Bisso (ao lado de sua banda, Os Bokomokos) interpretava pérolas originais, como a canção “pós-industrial” “Sou moderna”.

Se você tem menos de 36 anos hoje, tinha uns 15 naquela época e era talvez pequeno – ou pequena – demais para ter testemunhado isso (algo que, pelo menos na minha pesquisa, ainda não existe no YouTube! – o nome “Patricio Bisso”, acredite, não encontra nenhum vídeo… e você nunca achou que isso fosse possível, o YouTube NÃO ter uma coisa que você estivesse procurando?). Mas à certa altura ele entrava no palco vestido de roupa preta – de couro e pontuda – e, acompanhado de sons metálicos-eletrônicos minimalistas, cantava: “sou moderna, sim, está dentro de mim, o meu jeito é assim”… Na letra (surreal), Patricio rimava: “vejo filmes da nouvelle vague”, com “vou passear à noite ao peg-pag” (antiga cadeia de supermercados) – numa justaposição de clichês modernos ao mesmo tempo caricatos e “au courant”.

Não é desse “moderno” que eu vou falar. Só citei Patricio Bisso para justamente desarmar o preconceito que muita gente tem com o adjetivo – que, de fato, foi tão surrado ao longo desses anos todos, que quase perdeu seu sentido (ironicamente, o próprio “Louca pelo saxofone” permanece, no meu registro, como um dos espetáculos mais modernos que já vi…). Mas quando o uso para descrever o trabalho de Beck, faço-o numa tentativa de resgatar seu verdadeiro sentido. Evidênca número 34: seu novo álbum, “Modern guilt”. Mas pode começar por onde quiser, inclusive por sua obra-prima, “Odelay”, de 1996.

Logo que ele foi lançado, escrevi uma resenha sobre esse álbum que, curiosamente, reencontrei postada na íntegra neste blog. Publicada pela antiga revista “Showbizz”, com a qual eu colaborava, a crítica deixava transparente meu entusiasmo pelo trabalho desse cara que muita gente achava que só teria um sucesso na carreira – a já clássica “Loser”. Digo “transparente” porque o editor na época, o Sérgio Martins, contagiado pelo meu deslumbramento, publicou meu fax (na época era fax sim!) como eu o mandei, sem mexer nem no cabeçalho. Ali eu oferecia dez razões para chamar “Odelay” de “obra-prima” – e dizia que muitas outras viriam.

Não me enganei – felizmente -, como os elogios que cercaram o lançamento de uma edição especial de 12 anos do álbum (“Odelay – Deluxe edition”) comprovam. Em seus trabalhos nesses anos todos, sempre a marca do “moderno”: em “Mutations” ele foi beber na fonte da – que tal? – Tropicália; em “Midnite vultures” brincou de Motown; reinventou a dor de uma separação em “Sea change” (de onde saiu uma de minhas favoritas, “Lost cause”); voltou à formula inusitada de “Odelay” em “Guero” (e no mais interessante ainda “Guerolito”); e mesmo no seu hiato criativo, marcado por “The information”, Beck foi “moderno”. E, agora, “Modern guilt”!

Bastaram os primeiros acordes de “Orphans” – mais o primeiro verso da canção – para eu reconhecer ali meu ídolo criativo (tão “ídolo”, que foi um dos poucos caras que eu entrevistei que me deixou desarmado, como eu conto no livro “De a-ha a U2″). Depois, na ordem do CD, vem a levada de “Gamma ray”, o psicodelismo de”Chemtrails”, o falso minimalismo da faixa-título, o “dance” camuflado de “Youthless”, a levada irresistível de “Walls”, a emulação de Aphex Twin de “Replica” – e por aí vai…

Se depois de ouvir essas faixas você ainda tiver dúvidas sobre  o conceito de “moderno” no pop, o jeito é ir pelo lado oposto: entender o que é apenas “engraçado”. Então, vamos falar de um outro lançamento recente, “Donkey”, do CSS.

Na qualidade de alguém que comprou um single (em vinil mesmo, sete polegadas) da banda numa loja em Londres sem saber que se tratava de uma banda brasileira, acho que posso discutir o CSS com uma certa “distância histórica”. Calma: não é que eu nunca tinha ouvido falar deles – há dois ou três anos a banda é carta marcada de jornalistas de música (e estilo!) descolados (você já sabe como eu “adoro” este adjetivo), e, por conta disso, eram inevitavelmente citados como avatares (não virtuais) da conquista do pop internacional pelo Brasil. Talvez por esse excesso de informação – e torcida -, deixei o Cansei de Ser Sexy em ponto morto da minha lista de prioridades (como várias outras bandas, nacionais e estrangeiras), daquelas que um dia eu esperava inevitavelmente ouvir. Daí, em 2006, eu estou numa de minhas lojas favoritas em Londres – a Sister Ray – quando, compelido pela lista de “recomendados da semana”, eu levei um single que na capa só estava escrito CSS. Digamos que minha “cochilada” foi culpa do fuso horário… mas o fato é que não associei imediatamente a abreviatura ao nome completo – e só quando cheguei em casa e vi o selo no vinil (a faixa era “Off the hook”), percebi o que havia comprado. E ouvi. E gostei!

Fui atrás do álbum todo – já então consagrado mundialmente no circuito alternativo – e gostei também (com uma ponta de arrependimento por ter me rendido tão tarde a eles). Percebi que toda a fama era justificada. Porém, antes de automaticamente classificá-los como “modernos”, resolvi esperar um outro trabalho. Até nova ordem, eles ficariam na categoria “engraçados” – de onde “Donkey” não os ajudou a sair.

Veja bem – fãs e entusiastas do CSS. Como já escrevi lá em cima, “Donkey” é excelente. Mas não é “moderno”. As músicas do novo álbum – em especial “Left behind”, “Air painter” e “Rat is dead” (que tem o melhor refrão!) – são pop em sua forma mais pura, e merecem ser celebradas. Um forte “sotaque” de anos 80 ainda colore outras faixas boas, como “Give up” e “Move” (que bem poderia ter sido uma música que não entrou no disco de estréia de Madonna – aliás, falando nela, estou também nas comemorações dos seus 50 anos, procure por aqui amanhã!). Seria capaz de dançar às quatro da manhã ao som de “Beautiful song”. Porém, mesmo com todas essas qualidades ainda não acho o som que o CSS “moderno”.

Ainda que bem mais inventivos que a banda da qual eu comecei falando hoje, Right Said Fred (que nunca pretendeu ser mais que “engraçada”), ainda não encontrei no som desses paulistas (pelo menos acho que quase todos integrantes são paulistas, quando não paulistanos) uma transcendência musical a exemplo da que vejo em artistas como Beck. Há muita digestão – de tudo quanto é influência pop – mas pouca trasformação. O que não atrapalha nenhuma festa, diga-se… se algum DJ resolver tocá-los, “tô dentro”!

Será que um dia eles serão “modernos”? Com o perdão do drama fácil, “só o destino irá dizer”… Alguns momentos de “Donkey” me remeteram a outras bandas que prometiam, mas estacionaram no “engraçado”, como “Jagger yoga” – que parece tirada do “songbook” dos californianos do Gravy Train!!!! (com quatro exclamações mesmo!) – ou “Let’s reggae all night” – que podia ser uma “cover” de uma música do Vampire Weekend, outros caras que estão “em tempo de espera” na categoria “engraçados” esperando um “upgrade” para “modernos”.

Essas definições, só lembrando, são transitórias. Veja os B-52′s por exemplo, que começaram totalmente “modernos”, chegaram ao auge das possibilidades desse adjetivo com “Mesopotamia” (1982!), e depois passaram a ser apenas “engraçados” (para provar que isso não diminui meu interesse por uma banda, minha música favorita deles, “Legal tender” é dessa segunda fase – sem falar que o último álbum, “Funplex”, é divertidíssimo!).

Alguns artistas, claro, nunca deixaram ser apenas “engraçados” (e maravilhosos): Blitz (!), Strawberry Switchblade (alguém lembra?), Sigue Sigue Sputnik, Deee-lite, The Moldy Peaches (trilha sonora de “Juno”, já!), M.I.A., Clap Your Hands and Say Yeah – e até a mais recente bizarrice promissora, Micachu (já ouviu “Curly teeth”? – recomendo!).

Mas eu tenho fé que o CSS ainda vai dar um salto maior e provar que tem potencial para ser “moderno”… Ou não: vai continuar fazendo alguns dos melhores (e mais engraçados) álbuns dançantes deste começo de século. E quem quiser algo de “moderno”, que de um “shuffle” no “playlist” de Beck no seu iPod…

Vôlei

seg, 11/08/08
por Zeca Camargo |
categoria Todas

brasilzecavolei.jpgOutro post adiado… Mais uma vez eu estava pronto para escrever sobre algo quando fui “fisgado” por um assunto que simplesmente mostrou-se mais… urgente! O post que seria de hoje também é interessante: sobre as diferenças entre “o moderno” e “o engraçado”, com a ajuda de um “veterano da modernidade” e uma banda que pegou de surpresa o pop do mundo todo com hits divertidos, dançantes – e com um empurrãozinho extra da palavra “sexy”. Está pronto – e você vai poder lê-lo aqui na quinta –, mas o acaso veio, mais uma vez, interferir. Eu trabalhei até bem tarde no sábado, finalizando, para a exibição, a entrevista com Paulo Coelho – e quando fui dormir, provavelmente já contaminado pelo “espírito olímpico”, liguei a TV (eram mais de 2h na madrugada). Tinha vôlei. Ao vivo. Eu sabia que meu sono iria atrasar – e que o assunto do post de hoje iria mudar.

Estranhando que um blog sobre cultura discorra sobre um esporte olímpico? Acho que nem preciso apelar para a “liberdade poética” para te convencer que um evento como as Olimpíadas extrapola – e muito – os limites de uma competição desportiva, certo? Qualquer um que tenha visto a abertura dos Jogos Olímpicos em Pequim na última sexta-feira (já falamos mais sobre isso) percebeu que toda a festa – e não é uma festa? – tem um significado muito maior do que um simples quadro de medalhas. Assim, convido você a ficar tão à vontade quanto eu para falar do assunto (eu certamente gostaria de saber o que você pensa sobre isso) – e vamos falar um pouco de vôlei.

Difícil entender o que me deixa tão fascinado com esse esporte, em particular. Um ligeiro trauma de criança (quando fui capitão de um time num acampamento de férias – time este que não ganhou nem empatou nem sequer uma partida de nenhum jogo… nem queimada!) talvez tenha consideravelmente diminuído meu interesse pelos desportos em geral. No futebol, acompanho de (muito) longe o time que era do meu pai (e cuja história recente não é exatamente coberta de glórias – uma situação, claro, torço para virar). Copa do Mundo? Claro que me envolvo – se bem que cada vez menos, pois aos 45 anos (47 na Copa da África do Sul!) não posso sujeitar meus músculos cardíacos ao tobogã de emoções que um torneio como esse impõe.

O basquete, tenho dificuldade em me envolver – e, claro, não por falta de grandes heróis nacionais. A culpa, mais uma vez, é minha, da minha lamentável habilidade em controlar uma bola com as mãos. Tênis? Minha vista fraca nunca permitiu que eu pudesse acompanhar bem uma partida pela TV (muitas vezes cheguei a achar que os jogadores estavam numa espécie de jogo virtual, onde a bola – invisível para mim – era uma “metáfora”). A natação me empolga um pouco mais, ainda que mais pelas novidades que cada transmissão olímpica traz (adorei a “linha do recorde” que, agora em Pequim, acompanha as raias) – mas, mesmo assim, é uma disputa que se resolve rápido… O mesmo, aliás, vale para as corridas do atletismo. E, claro, que tem a beleza das modalidades de ginástica olímpica – das linhas sinuosas que prolongam os braços e pernas das mulheres (meninas?) aos ângulos vigorosos dos atletas nas barras, cavalos e argolas, passando pelos impossíveis desafios ao labirinto (dos ouvidos) que aquelas ginastas executam como se estivessem pulando corda!

Mas nada – nada! – absorve tanto minha atenção quanto uma partida de vôlei. Talvez seja rapidez das jogadas. Ou o incrível nível de interação que a um time deve ter nesse esporte. A aflição de um set decisivo que se prolonga indefinidamente até uma equipe conquistar dois pontos de vantagem – quem sabe? Acho que a imprevisibilidade dos lances, a velocidade exigida do raciocínio, a precisão decisiva do saque, o drama do terceiro toque, a crueldade do mínimo erro, e – por último, mas não menos importante – a elaborada e, ao mesmo tempo, espontânea coreografia que aqueles seis homens ou seis mulheres desenvolvem na quadra (sim, um olhar de ex-bailarino, antes que os mais engraçadinhos se adiantem…) – tudo isso tem a ver com minha profunda admiração pelo vôlei.

Vem de longe essa paixão. Como contei no meu livro sobre a “Fantástica volta ao mundo”, lembro-me de me emocionar ao ouvir, pelo rádio (quando estava preso dentro de um táxi num engarrafamento) o Brasil conquistando uma medalha nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992. Mencionei essa história justamente no capítulo sobre a nossa passagem pela Grécia, no auge dos jogos olímpicos de 2004: eu estava cheio de coisas para desembaraçar na produção da volta ao mundo – o público (você?) tinha decidido me mandar para Meteora, no interior do país, no lugar de me permitir o privilégio de assistir à abertura da festa, em Atenas –, mas mesmo assim parei tudo para assistir um jogo de vôlei da seleção feminina (nem era final!), e torcer, e me emocionar.

Não precisam ser Olimpíadas não… Basta zapear um canal a cabo de esporte – e se ele estiver mostrando uma partida de vôlei qualquer, eu fico hipnotizado. Como na última madrugada de sábado para domingo – ou, no último domingo, segundo os relógios de Pequim. O primeiro jogo que vi foi Venezuela e Estados Unidos – meio morno. Assistindo a esse, porém, fui alertado que, em outro canal, estava passando Itália e Japão – uau! Ainda que eliminatórias, essas partidas já eram uma recompensa para um dia ligeiramente puxado de trabalho (essa é a ironia do que eu faço… sábado é um dia “brabo”). Quando comecei a acompanhar os jogos, o Japão parecia ameaçar a Itália – que venceu por 3 sets a 1 – e, por isso, a equipe italiana estava, digamos, um pouco irritada (e ninguém fica irritado como os italianos – talvez, as cubanas, mas isso é outra história!), o que tornou a disputa um pouco mais saborosa. Os Estados Unidos pareciam capazes de vencer com facilidade a Venezuela – e acabaram ganhando mesmo, de 3 a 2, mas não sem ter suado a camisa um pouco mais do que eles gostariam. E, entre um jogo e outro, fui lembrado por um locutor que o Brasil enfrentaria o Egito “logo mais” – às 3h30 da manhã! Adivinha…

Foi um jogo fácil – se você também acompanhou vai concordar. Mas os 3 a 0 sobre o Egito não foram menos emocionantes – especialmente quando a gente se lembra de que nossa seleção não vem de uma boa performance na última Liga Mundial. Aqueles caras, liderados sempre por Bernardinho, estavam ali, mais uma vez, mostrando que são capazes de uma integração tão forte, que qualquer time, de qualquer nação, de qualquer esporte, daria tudo para descobrir a fórmula dessa união – nossa seleção de futebol então… Quem viu as derrotas das finais da Liga Mundial (como eu vi – e sofri) já podia comemorar ali, nessa madrugada, o renascimento do entusiasmo de uma equipe que desenvolveu uma dinâmica muito particular: forte, conectada, cúmplice, concentrada (e descontraída), determinada.

Claro que é cedo para fazer projeções quanto a medalhas – eu mesmo ligo menos para isso do que para o drama em miniatura de cada partida. Mas fiz questão de escrever sobre isso hoje para não guardar só para mim essa torcida descarada pelo nosso vôlei – que, claro, escorre para todas as outras modalidades que o Brasil está competindo desta vez. Sim, porque mesmo com relação aos esportes que não comandam tão diretamente assim meus batimentos cardíacos, qualquer medalha, qualquer conquista, é capaz de mexer com minha estabilidade emocional…

Eu conheço já esse processo… recomeçou na sexta passada, com aquela incrível cerimônia de abertura! Meio na contramão do que andei lendo, devo dizer que gostei mais da apresentação de 2004, na Grécia, do que dessa de Pequim – aquele mar no meio do estádio entrou para o repertório dos meus sonhos, além de qualquer festa que chamar Björk para cantar já ter minha preferência imediata (Sarah Brightman cantando em chinês? Passo…). Nem por isso, deixei de ficar enlouquecido com aquele pergaminho eletrônico; com aquele teclado humano de ideogramas chineses; com aquela exibição de tai chi chuan “em massa”; com as pegadas dos atletas “desenhadas” com fogos de artifício no ar; com o globo-passarela cercado de guarda-chuvas com rostos de crianças; e com aqueles tambores! Aqueles tambores!

Minha crítica à cerimônia em geral seria a de que ela foi um pouco lenta – perdeu um pouco o ritmo. Mas, toda vez que eu desanimava, me lembrava daqueles tambores, que, como era de se esperar, significavam muito mais que um simples rufar. Eu sou meio “presa fácil” para qualquer coisa que tenha uma mensagem de acabar com fronteiras, mas mesmo os corações mais petrificados não poderiam ter escutado aquela batucada sem perceber o eco que ela fazia dentro de cada um de nós.

O som de uma batida é dos poucos que podemos considerar universais – da nossa riquíssima herança cultural, aqui no Brasil, à mais remota selva de Papua Nova Guiné, toda cultura humana é capaz de produzir e apreciar uma percussão. E ali, naquela cerimônia de abertura, os 2008 tambores iluminados, reverenciados com o gestual sincronizado daqueles (também 2008) jovens, o recado era claro: somos todos brilhantemente distintos, mas herdeiros de uma força criadora comum.

Relendo os dois últimos parágrafos, admito que você possa ter a sensação de que estou sendo pago pelo comitê chinês (sem falar do cachê que estou ganhando do comitê olímpico!) para engrossar a propaganda pela paz mundial – “um mundo, um sonho”, não é esse o slogan da hora? Não se engane: o que estou tentando fazer aqui é driblar meu sono – presente e futuro (afinal, escrevo isso antes de encarar mais uma madrugada acordado para ver as meninas do vôlei enfrentando a equipe da Rússia!) – e dividir com você um pouco do entusiasmo (inevitável) desses dias de competição.

Em todas as modalidades, claro, mas, sobretudo, naquele esporte tão ágil, tão belo, tão leve, tão rápido, tão excitante, tão detalhista, tão imprevisível, tão desesperado e tão sublime como o vôlei.

Na quinta, se eu sobreviver aos confrontos entre as equipes masculinas de Brasil e Rússia (na madrugada de quarta para quinta!!!!), vamos então falar do curioso contraste entre “o moderno” e “o engraçado”. Algum palpite sobre os artistas que vou falar?

A descoberta da Alemanha

qui, 07/08/08
por Zeca Camargo |
categoria Todas

Durante muito tempo, tudo que me interessava na cultura pop alemã se resumia a 99 balões vermelhos flutuando no céu. É provável que você não fosse nascido em 1983 – nem mesmo em 84, quando a música que trazia essa imagem estourou mundialmente, então explico: “99 Luftballons” era uma ingênua canção de protesto (algo que muitos dos que dançavam alegremente a faixa noite adentro jamais suspeitaram, uma vez que a letra original era, claro, em alemão), gravada por uma cantora chamada Nena – que certamente nunca sonhou em alcançar tamanha fama global.

Um dos poucos sucessos internacionais cantados numa língua não muito popular nas FMs do mundo (o único outro “hit” em alemão significativo daquela época – e talvez até os dias de hoje – era “Der Kommissar”, de 1982, uma boa introdução ao talento do saudoso Falco, morto em 1998, que gravou um dos álbuns mais “cools” que eu tenho na minha coleção, “Junge Roemer”; mas, só lembrando, Falco era austríaco…), “99 Luftballons” foi para mim, durante muito tempo, um lembrete de que o pop na Alemanha estava dois dedos abaixo da louvável descartabilidade do gênero.

Não que eu tenha tentado, ao longo desses anos todos, seguir de perto a possível evolução desse pop. Depois de um longo hiato sem visitar aquele país, há dois anos, numa viagem a Berlim, fuçando numa recomendada loja de discos, encontrei uma pequena obra-prima: “Slow days”, de uma banda com o estranho nome de The year of… (as reticências fazem parte do nome!) – mas pesquisando a fundo, descobri que o cara por trás desse projeto era Bernhard Fleishchmann, outro austríaco! E agora, quando passei rapidamente pela Alemanha, e poderia ter corrigido essa minha defasagem, não tive nem tempo de procurar por música. Ninguém lamenta isso mais que eu…

Voltando dessa viagem (sim: estive também em Frankfurt, onde tirei as fotos do post anterior – mais sobre isso daqui a pouco), fui inesperadamente lembrado dessa minha negligência com o pop alemão ao me debruçar num número especial da “New statesman” sobre a relação entre o turismo e a tirania numa das minhas favoritas regiões do planeta, o sudeste asiático. Em outra parte da revista, nos artigos sobre cultura, deparei-me com uma matéria sobre um achado musical: 900 discos de 78 rotações com músicas gravadas em Bagdá nos anos 20 foram reunidos em um CD (“Give me love: songs of the brokenhearted – Bagdad – 1925/1929”, Honest Jon’s Records). Preciso dizer que a primeira coisa que fiz quando cheguei em casa foi encomendar esse disco pela internet?

Mas, enfim, lá estava eu no vôo de volta para o Brasil descobrindo que a quase totalidade dos músicos que faziam sucesso em Bagdá no começo do século passado eram judeus… Como entusiasta das descobertas casuais, arrependi-me profundamente de não me ter dado a chance de mais uma delas acontecer numa loja de discos. Deveria ter dedicado, nem que fosse uma meia horinha, a visitar uma delas em Frankfurt… Justo eu, que me orgulho de explorar territórios tão desconhecidos na música – da Grécia ao Camboja!

Por isso mesmo, antes de falar mais um pouco sobre minha visita “express” à Frankfurt, queria inverter um pouco o jogo aqui deste blog e, no lugar de dar algumas referências, eu queria pedir umas. Você conhece alguma coisa legal que esteja sendo feita no pop alemão que você gostaria de “me apresentar”? Pode ser no rock – “krautrock” também! – eletrônica, folk, cabaré (!), qualquer gênero. Fico esperando sua sugestão para um futuro… humm… balanço!

Mas então, Frankfurt!

Passei menos de um dia por lá, na última sexta-feira. Vinha de Freiburg, onde fui fazer uma reportagem sobre “a cidade mais verde do mundo” (que foi ao ar no domingo passado). Cheguei cedo, de trem, em Frankfurt e, como meu vôo de volta era só no fim do dia, resolvi explorar – com a ajuda de uma amiga que mora na Alemanha – essa cidade.

Nos conhecemos há pouquíssimo tempo, mas o suficiente para essa amiga – Luciana – me levar de cara para uma “atração turística” que ela sabia que eu iria gostar: a casa de Goethe. Como disse no post anterior, tiro um estranho prazer de visitas a locais como esses. Mesmo com um visual geralmente pobre, essas casas são capazes de nos inspirar – por mais periféricos que sejam nossos laços com o autor que habitava cada uma delas.

goethe-02.jpgO próprio Goethe, por exemplo. Li “Fausto” na faculdade – há quase 25 anos! –, uma fase em que a gente lê um monte de coisas só para mostrar para os outros que está lendo… E foi só! Recentemente, para “esquentar” uma viagem, levei “Viagem à Itália – 1786/1788” (Companhia das Letras) na minha bagagem de mão… de onde o livro raramente saiu. Nem por isso deixei de ficar encantado com a “Frankfurter Goethe Haus”. A ponto de, imediatamente depois da visita, eu ter mais uma vez refeito o voto de me dedicar mais à literatura alemã…

(Curioso como, mesmo nas letras, experimentei pouco dessa cultura. Li Günter Grass nos anos 80 – quando eu achava que era bacana lê-lo – mas nunca me apaixonei por seus livros. Já no século 21, talvez um pouco atrasado, descobri W.G.Sebald, através de um trecho de seu genial “Austerlitz”, publicado pela “The New Yorker”. Fiquei tão enlouquecido que fui atrás de todos seus outros livros – inclusive o póstumo “On the natural history of destruction”. Mas fora essas magras referências, porém, não tenho muito do que me orgulhar – e por isso mesmo, assim como pedi para você me indicar algumas bandas… não quer me indicar alguns bons autores alemães contemporâneos?)

Mas, enfim, eu tinha poucas horas na cidade e, logo depois da casa de Goethe, fui ao centro histórico, onde fica, ironicamente, o museu de arte moderna – o MMK, Museum für Moderne Kunst. Lá, fui imediatamente à lojinha… E lá (estou contando isso muito resumidamente – um grande esforço para mim, como você pode imaginar) encontrei uma pequena escultura que me chamou a atenção. Não era exatamente uma escultura, mas uma diminuta reprodução de três silhuetas em acrílico transparente, que, cujas sombras projetadas na parede com a reduzida luz de uma vela, me remeteu a uma imagem familiar…

Mesmo naquela proporção reduzida, reconheci naqueles contornos o trabalho de Jonathan Borofksy que me assombra há anos: o homem martelando! Não tive dúvidas: a caminho do aeroporto, pedimos ao motorista de táxi que passasse pela praça onde estava a escultura, e aos pés daquela estátua de mais de 20 metros de altura – parafraseando meu recém-entrevistado, Paulo Coelho – eu sentei e chorei.

Foi um choro discreto, claro – um misto de emoção, excitação, memória e realização. Vou tentar explicar…

Nos idos dos anos 80, eu trabalhei numa galeria de arte. Pouca gente sabe disso – é incrível como as minhas “biografias” adoram lembrar que eu dei aulas de dança, mas esquecem desse que foi, de fato, meu primeiro emprego, na Galeria Paulo Figueiredo… Durante quatro anos, alguns dos mais vibrantes para uma então jovem geração de artistas brasileiros (um dia falamos mais disso…), pendurei muitos quadros, tirei muitos bêbados de vernissages, recebi muitos clientes desinteressados (e outros poucos bem interessados), e, sobretudo, conheci artistas fascinantes. No ano que vem, quando o MoMA (Museu de arte moderna de Nova York), abrir uma exposição dedicada à Mira Schendel, me lembre de falar sobre isso…

Porém, entre tantos artistas interessantes, passou por lá uma alemã chamada Hella Santarossa. Ela tinha sido convidada a participar na Bienal de São Paulo de 1985, e, como um projeto paralelo, fez uma pequena exposição na Paulo Figueiredo. Ficamos amigos (estou correndo com o assunto… desculpe), a ponto de ela me convidar para conhecer Berlim e ficar na sua casa/ateliê, quando eu visitasse a cidade.

Essa oportunidade surgiu no ano seguinte, quando aproveitei uma escala voltando da Indonésia. Parei em Amsterdã e peguei um trem para Berlim – que, na época, ainda tinha um muro… (sou velho… tenho um passaporte com carimbo da Alemanha Oriental…). E, da estação ferroviária, fui direto ao estúdio de Hella.

Como perdi totalmente o contato com essa artista, para escrever essa… “memória”, fiz uma busca do seu nome da internet. Difícil saber ao certo de quando eram as fotos que encontrei (mais difícil ainda confiar na internet para esse tipo de informação), mas lá estava ela (sem trocadilhos), com seus cabelos desarrumados, com seus olhos pequenos e curiosos, como que sempre se perguntando: o que eu vou fazer agora? Hella não foi exatamente a artista mais badalada de sua geração. Naquela Bienal mesmo, outros artistas do chamado “neo-expressionismo” foram infinitamente mais “bombados” (para usar um termo meio anacrônico para os anos 80…). Apenas alguns deles – poucos, como quaisquer sobreviventes de vanguardas artísticas sabem bem – ainda são relevantes hoje. Mas, se naquela época Hella não causou um furor no panorama artístico mundial, pelo menos ela foi importantíssima na formação do meu referencial.

Foi em seu estúdio que conheci outros artistas – neo-expressionistas e de outros minimovimentos. Foi num canto boêmio de uma rua perto da sua casa, que vi ao vivo o espírito do cabaré berlinense que eu conhecia só dos discos de Lotte Lenya – que meu amigo que trabalhava na galeria de arte comigo me apresentava. Foi com Hella que fui expulso da Ópera de Berlim, porque ela insistia em falar alto no meio da performance. Enfim, foi ela que me ajudou a registrar uma cidade tão fascinante e vibrante que, quando voltei em 2006, mal reconheci. (Berlim, diga-se, ainda é uma das cidades mais interessantes do mundo. Essa minha última observação tem a ver apenas com a comparação entre duas experiências bem distintas).

Nessas andanças – mais noitadas, na verdade – não cheguei a conhecer Borofsky, um artista que já era consagrado. Mas me lembro que pelo simples fato de eu estar em Berlim, “circulando” (ainda que pela beirada) no meio artístico, a possibilidade (ainda que bem distante) desse encontro permeava no meu dia-a-dia. Eu queria muito conhecer o autor daquela obra que eu só via em livros de arte: o homem martelando. E foi com essa história toda que eu me emocionei quando, finalmente, meros 23 anos depois, eu finalmente a encontrei.

Acho essa figura fortíssima. Para Borofksy, em vários textos seus facilmente acessíveis na internet, ele representa o trabalhador “universal”. Mas, como toda boa obra de arte, seus significados são vários, para cada um que a observa. Eu precisaria de outro post para tentar explicar o que esse homem martelando desperta em mim – e, mesmo assim, não sei se conseguiria. Tem a ver com o “desabafo” do último post (e se eu começar a agradecer os comentários afinados com o que eu quis dizer… isso aqui hoje não vai ter fim!), tem a ver com a impossibilidade de fazer alguma coisa diferente, tem a ver com medo de criança, tem a ver com a vontade de criar – coisas demais para um post…

Um post de tamanho razoável

seg, 04/08/08
por Zeca Camargo |
categoria Todas

martelo-01-zeca.jpgNão foi de propósito. Mas quando eu comecei a ver os comentários que chegavam sobre o post anterior, percebi que o título que escolhi para ilustrar as fotos com Paulo Coelho permitia outra interpretação que não aquela que eu imaginei originalmente. As respostas – como você talvez tenha tido o mesmo prazer que eu em acompanhar – sugeriam coisas que estariam passando pela minha cabeça no momento em que eu recebia uma breve iniciação na arte de meditar e dominar o arco e flecha. Teve de tudo: de bem-intencionados questionamentos filosóficos como o da Paola (“mudando o ângulo, todas as coisas podem mudar”) ou o da Kelly Lara (“tentar/aprender/divertir – lembrado que a ordem dos fatores não altera os resultados”), a bem-humoradas suposições (“será que eu pareço o Orlando Bloom em ‘Senhor dos anéis’?”, segundo o Diego Reigoto; ou “por que estou mirando para o lado errado?”, como colocou a Beatriz) – passando até pelas mais reveladoras preocupações com a minha silhueta (quem diria que a linha da minha cintura contava com tantos vigilantes, superando inclusive o número de zelosos pelo meu penteado?).

Minha intenção inicial, porém, era convidar você a adivinhar o que se passava na minha cabeça num momento anterior, quando eu resolvi colocar aquelas fotos no blog. Explicando um pouco melhor: quando decidi não escrever nada – em parte pelas possibilidades que essa opção sempre abre, em parte por estar, então, correndo de um lado para o outro literalmente e meio sem tempo –, pensei em dar o título de “Uma isca” para o post. Mas achei que, assim, minhas intenções ficariam óbvias demais. Afinal, o que eu queria era ver o nível de criticismo que um encontro com o escritor poderia gerar mas, para obter “bons resultados”, eu precisava ser mais sutil. Por isso, optei por  “Duas ou três coisas me passam pela cabeça” e… bingo! Se não tive um chorrilho de protestos, pelo menos pude ver a ponta do iceberg que poderia ter atingido este blog.

“Esse velho pensa que é deus… e as pessoas acreditam” (Victor Maia); “quando vejo fotos como essa imagino como a vida de repórter deve ser difícil – é cada coisa que vcs precisam se submeter” (Amanda); “não gosto do Paulo Coelho! e por favor parem com esta história de chamá-lo de ‘mago’ pois ele é ‘BRUXO’!” (Rodrigo Machado); “vou dar uma flechada nesse mago que se acha escritor” (Julia) – só para dar uma pequena amostra. Claro que muitas pessoas escreveram com admiração – que, por tabela, respingou até neste que vos escreve: “só uma coisa que passa pela cabeça… QUE HONRA!” (Elisa); “adorei a surpresa, só pela surpresa, surpresa é coisa boa” (Deise Lima); “os dois caras mais fantásticos… juntos e nenhuma palavra…” (Johnatan). Seria um painel equilibrado de opiniões, levando-se em conta que o foco era em cima de uma figura tão polêmica quanto Paulo Coelho.

Mas o que me deixou ligeiramente incomodado – aliás, como eu previa – foi a intolerância de alguns comentários e o pré-julgamento deles. Não sou, nem quero ser, exemplo para nada – a não ser para mim mesmo –, mas quando a Dinah escreve em seu comentário que admira minha receptividade “para qualquer coisa e para as pessoas que vão ao seu (meu) encontro”, tenho de agradecer porque ela resumiu muito bem esse meu incômodo. Com quase dois anos de blog nas costas, ainda não me acostumei com a caretice das facções que acham que as coisas deveriam ser “assim”, que eu deveria achar “isso” daquilo e “aquilo” disso – conforme elas querem. Ah, essa intolerância adolescente (e não estamos falando, claro, de faixas etárias, mas de estados de espírito!). Acho de uma incongruência absurda as pessoas que usam um instrumento tão libertador como a internet para expressar justamente a vontade de que o mundo seja visto através de uma lente só – a de quem escreve sua crítica.

O título do post de hoje tem a ver exatamente com isso. Para dar o crédito devido, ele foi extraído do comentário (também sobre o post anterior) do Lucas Torquato – que, apesar de não ter sido o único reclamar do fato de o post anterior não trazer um texto (só imagens), colocou para este blogueiro (e, para os que me acompanham) um desafio quase metafísico: “isto é um blog, poste algo de um tamanho razoável por favor”.

Muito bem, Lucas, devolvendo a pergunta: razoável para quem? Certamente as dimensões do meu texto parecem razoáveis para uma boa parte de quem passa por aqui – e certamente para uma boa parte de quem comenta os posts (lembrando, antes que alguém mais esperto o faça, que os comentários são moderados sim, mas, como comprova a avalanche de manifestações que discordam do que eu acho – seja sobre “O cavaleiro das trevas”, Michael Jackson, Harry Potter, ou até mesmo Kim Carnes! –, nunca porque as opiniões contidas nesses comentários discordam das minhas, mas pela simples razão de que a linguagem dos mesmos ultrapassa um mínimo de respeito pelos outros que também se manifestam, uma vez que ninguém merece, pelo menos não dentro dos parâmetros deste blog, deparar-se com um desvario escatológico típico da “coragem”, entre aspas mesmo, que um endereço de email – nem sempre verdadeiro – tem a tacanha capacidade de  proporcionar).

Retomando: qual tamanho de post é razoável? E razoável para quem? Bem, enquanto você elabora uma resposta, tenha em mente que, à essa altura eu ainda nem comecei direito o assunto de hoje… Sim, porque eu queria falar não exatamente daquelas fotos, mas do encontro com Paulo Coelho. Ou ainda,  para não ficar sem dar satisfação, as fotos foram tiradas sim no seu apartamento em Paris, na semana passada, quando fui entrevistá-lo para o “Fantástico” – um material ainda inédito. A “aula” de arco e flecha era, claro, uma brincadeira com aqueles apetrechos que, de fato, ajudam o autor a meditar. E, para satisfazer mais uma curiosidade – que também foi minha, quando adentrei o apartamento –, as estantes (não só as que você vê nas fotos, mas quase todas que vi por lá) estão vazias porque Paulo Coelho tem o hábito de fazer circular os livros que lê – passa tudo adiante, conforme contou na entrevista.

Aliás, não é dela que quero falar – já que você terá a oportunidade de assisti-la em breve –, mas do caminho que me levou até ela. Ou, se você me permitir um brincar um pouco com as palavras, “o caminho do mago”.

Não sou exatamente um leitor assíduo de Paulo Coelho. Com exceção de “O alquimista” – que li espontaneamente nos idos de 1989, em duas longas noites claras de umas férias de verão em Estocolmo (recomendado por uma amiga querida que me hospedava) –, sempre que cruzei com seus trabalhos, foi por uma razão profissional. Como agora, por exemplo: li “O vencedor está só”, seu novo livro, no avião para Paris, a caminho da entrevista. Como quando você ouve um CD para poder conversar com um artista (algo que acontece com freqüência no jornalismo cultural), é difícil formar uma opinião quando qualquer parágrafo ou qualquer frase – como qualquer melodia ou qualquer verso – pode ser pinçado para a sua pauta (ou, para quem não tem intimidade com o jargão de jornalismo, o conjunto de assuntos que você quer abordar com seu  entrevistado). Acho que podemos chamar de “leitura (ou audição) objetiva”. Assim, fui lendo e anotando, lendo e anotando – e as coisas que me chamaram atenção… bem, vão estar na entrevista!

No entanto, já que hoje falei dessa delicada “interface” entre autor e leitor, talvez seja interessante destacar um trecho de “O vencedor está só” me deixou especialmente curioso. À certa altura, Paulo Coelho usa um personagem para algo que me pareceu um desabafo. Sem entrar em detalhes – para não tirar seu potencial prazer da leitura desse livro –, tem a ver com um computador de ouro. Ou melhor, de como algumas pessoas diante de um escritor dono de tal artigo de luxo, só conseguem prestar atenção ao próprio objeto – mas não ao que o autor escreve com ele.

Estaria Paulo Coelho dando uma indireta aos seus inúmeros críticos? Um tapa de luva de pelica em quem insiste em dizer que ele “não escreve nada”? Uma resposta aos que desprezam sua recém-alcançada marca de 100 milhões de livros vendidos? Quando pergunto isso a ele, Paulo Coelho, elegante, me responde que o computador de ouro existiu mesmo (foi presente de um fabricante de computador), e era dele! E, como ele contou com humor, apesar de confeccionado em material tão nobre, o troço simplesmente não funcionava!

Um computador de ouro que não funciona? Isso estava com toda pinta de ser o prenúncio de mais uma parábola – algo que os leitores de Paulo Coelho já se acostumaram a apreciar… Mas, não: era simplesmente um “causo” que ele estava me contando. A indireta aos seus críticos? Impressão minha, segundo o autor. E, nesse tom, falamos por mais de uma hora. Certo de que este blog já provou – na sua semilonga existência – que não tem por objetivo promover o que eu faço como repórter, convido-o, convido-a, de cara limpa, a acompanhar essa entrevista quando ela for ao ar – e inclusive a dizer aqui o que achou.

Mas, falando em escritores, numa escala dessa mesma viagem visitei a casa de outro “autor consagrado” – este já morto. Antes que você pense numa gracinha, não juntei os dois assuntos para fazer comparações – apenas associações. Tenho essa mania de visitar essas “atrações turísticas alternativas” que, se não são particularmente glamorosas, ou informativas, servem pelo menos para estimular minha imaginação. Pelo menos foi isso que aconteceu nas que já conheci – invariavelmente espaços quase vazios, com raras peças mobiliárias espalhadas por alguns cantos das salas, uma indefectível escrivaninha “do autor”, alguns manuscritos (ou páginas batidas à máquina) do escritor (freqüentemente reproduções de originais), e curiosas fotos antigas ou retratos a óleo do morador iluminado (ou de seus familiares). De fato, “cenários-fantasmas” nada glamorosos, mas muito inspiradores.

martelo-02-zeca.jpgJá estive na casa de Shakespeare, em Stratford-upon-Avon (Inglaterra) – talvez  a primeira atração do gênero que visitei, e a mais charmosa também (pelo menos na minha lembrança). Fugi da histeria da última semana antes da exibição do episódio final do primeiro “No limite” (sim, aquele da Elaine) na tranqüilidade da casa de James Joyce, em Dublin, na Irlanda. Numa das melhores viagens da minha vida, um Natal na Sicília (Itália), fiz escala em Agrigento para conhecer a casa de Luigi Pirandello. Seria demais incluir nessa lista a visita à casa de Anne Frank – tecnicamente uma autora, certo? –, em Amsterdã, Holanda? A esses “lugares históricos” acrescento agora os aposentos que visitei na última sexta-feira. Onde? Bem, não estou propondo exatamente um “onde eu estou” (até porque esse me parece fácil demais), mas vou deixar um suspense no ar até quinta-feira. O escritor em questão é filho ilustre da mesma cidade que abriga essa escultura que aparece nas fotos que abrem e fecham este texto. Sobre esse lugar, o escritor, a escultura – e mais um punhado de memórias que ela me despertou – falo no próximo post. Que, claro, como sempre, terá um tamanho bastante razoável.

Pelo menos para mim…



Formulário de Busca


2000-2015 globo.com Todos os direitos reservados. Política de privacidade