A Curva do aprendizado

qui, 29/05/08
por Zeca Camargo |
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Sim, parece um pouco pretensioso… Mas a idéia não é minha: estou pegando emprestado do Lucas Coimbra, que mandou um comentário sobre o post anterior e disse que valeu mais assistir “Control” do que sua aula de química daquela tarde. Lembrei-me de uma longínqua manhã, quando eu e a metade da minha classe do curso de propaganda (já estava na faculdade) matamos várias aulas para assistir “Calígula”.

Sei que a simples idéia de um filme proibido por qualquer tipo de censura é, para as gerações de menos de 35 anos, impensável – a não ser, claro, que você viva numa sociedade repressora, atrasada e que desrespeita os mais básicos direitos humanos, tipo Mianmar ou China (ué, mas a China não é tão moderna, tão bacana e tão legal, como todas as reportagens sobre as Olimpíadas nos fazem acreditar? Bom, deixa essa discussão para uma outra hora…). Mas num esforço de imaginação, acredite: a estréia tardia de “Calígula” no Brasil causava frisson pelo simples fato de que o filme havia sido proibido alguns anos antes.

Assistido com olhares de hoje, a produção certamente não faria corar nenhum aluno do ensino básico. Aliás, mesmo na época, quando pornografia não era (como é hoje) uma coisa mais fácil de acessar do que sua conta bancária, meu registro não foi o de ter visto uma grande sacanagem. Consigo me lembrar da excitação de estar de manhã no cinema, faltando na aula para ver o tal “filme proibido”, e de ter (finalmente) entendido o sentido da expressão “orgia romana”. No mais, “Calígula” ficou no meu subconsciente como uma referência bizarra, à qual eu recorria esporadicamente – como, por exemplo, na Bienal do Whitney Museum de 2006, onde um dos trabalhos mais interessantes era o falso trailer do filme, apresentado pelo artista italiano Francesco Vezzoli, com participações de Helen Mirren, Milla Jovovich, Benicio del Toro e… Courtney Love! (não consegui achar o próprio curta de Vezzoli na internet, mas este site traz um bom “slide show” da obra).

Enfim, embora “Control” seja um filme ligeiramente mais sério do que “Calígula”, assim como o Lucas Coimbra, eu pude dizer, então, que aprendi mais numa sala de cinema do que na sala de aula. Não é uma regra geral – muito menos um chamado de revolta contra nossas instituições educadoras! Apenas uma modesta observação de que esse assunto que conhecemos pelo nome genérico de “cultura”, e que quase nunca é levado a sério (quantas manchetes sobre isso você já viu nas primeiras páginas dos jornais – impressos, televisivos, ou mesmo virtuais?), na verdade nos molda muito mais do que gostaríamos de admitir.

Foi curioso ver, entre tantos comentários do post anterior, como a simples menção da palavra “herói” despertou fortes reações. Claro que estou falando do universo bastante selecionado dos leitores deste blog que se dedicam a escrever um comentário. Mas quem disse que isso não acontece com todo mundo? Quem, nesse nosso cotidiano tão “midiático”, está livre da influência de uma história de cinema – ou mesmo de uma novela; de um ídolo de rock – ou de pagode; de uma celebridade vazia – ou mesmo de um grande livro?

Eu não tenho dúvida que as pessoas que geralmente estão nas principais manchetes – sejam políticos, celebridades ou bandidos (ou, muitas vezes, as três coisas numa só!) – também tiveram uma formação cultural, seja ela qual for, mesmo que de maneira indireta. E isso, de alguma maneira, acabou tendo uma influência no que elas são, pensam e fazem.

Por isso, a brincadeira de chamar nossa Curva de Expectativas Flutuantes de “Curva do Aprendizado”. Nós (eu e você, que, só de estar aqui comigo, também é um ávido devorador de cultura) admitimos com mais facilidade que somos influenciados por todos esses produtos de entretenimento que passam incessantemente por nós. Já outras pessoas mais… “sérias” (as aspas, claro, são porque eu sempre desconfio de quem se classifica como tal), relutam um pouco mais em aceitar que são influenciados, ainda que diretamente por tudo isso que está à nossa volta.

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Não importa: os livros, filmes, discos, programas – seja o que for – estão aí para nosso deleite (e eventual irritação). Nessa temporada, temos filmes que não estavam passando pelo radar, como “Linha de passe”, e que, depois da premiação de Sandra Corveloni em Cannes (como melhor atriz), foi catapultado para um forte “bochicho”. Ou grandes decepções, como “Indiana Jones e o reino da caveira de cristal”, que escorregam rapidamente para a “ressaca”.

Ainda nos filmes, “Sex & the city” está no limite da “superexposição”, e “Burn after reading”, o novo dos irmãos Coen (com George Clooney!), já está – por razões óbvias – no “pré-bochico”, apesar de só estrear no segundo semestre.

Música? Fora o sucesso da remontagem de um musical clássico no Rio – “A noviça rebelde” – há uma boa expectativa para o quarto álbum do Coldplay, “Viva la vida”, e até para o disco solo de Marcelo Camelo (que ainda está no estúdio); elogios rasgados ao “retorno” de Ney Matogrosso; uma ligeira irritação com Madonna; e certo alívio com a carreira do músico (não do ministro) Gilberto Gil.

O já aqui elogiado novo livro de Miguel Souza Tavares, “Rio das flores”, acaba de ganhar edição nacional, enquanto que Åsne Seierstad não despertou o mesmo entusiasmo de seus livros anteriores com seus retratos da Sérvia, em “De costas para o mundo”. Na TV, tenho usado todo meu espaço para gravar naquele novo aparelho digital que só agora estão oferecendo no Brasil para os episódio de “Em terapia”, da HBO (tema já escalado para um futuro post). E enquanto as novelas de época, apesar de uma produção excelente (vide “Ciranda de pedra”), sinalizam um certo cansaço da audiência, a expectativa por “A favorita” está nas alturas – e nem preciso explicar os motivos, certo?

Como sempre, a Curva está aberta a sugestões, críticas, adendo e cortes – mesmo da parte daqueles que acham que podem passar a vida imunes a esses fantásticos produtos culturais…

Heróis da (minha) juventude

seg, 26/05/08
por Zeca Camargo |
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zeca_curtisva.jpgUm morto e um envelhecido – que belo saldo…

Se você atentar para o fato de que o morto, na verdade, se suicidou, a situação fica ainda mais sombria. Mas não estou aqui a celebrar essas duas figuras tão importantes nos meus (então) verdes anos simplesmente por uma nostalgia macabra. Acontece que ambos estão sendo celebrados nas telas de cinema nacionais – e a coincidência de eu ter assistidos aos dois filmes que envolvem esses heróis no mesmo fim de semana era suculenta demais para eu deixar passar em branco.

Vamos começar por Ian Curtis, tema da “estilosa” biografia dirigida por Anton Corbijn, que, mesmo em português, recebeu o título de “Control” (“Controle”). Engraçado imaginar que, num raro momento lúcido, os distribuidores decidiram manter o nome original, talvez presumindo que os fãs do Joy Division (a banda de Curtis) entendam inglês suficientemente bem para não rejeitar uma palavra estrangeira… Essa ponderação, porém, não é, nem de longe, a coisa mais importante que me ocorreu quando assisti ao filme.

Fui apresentado ao Joy Division quando Curtis já tinha morrido – a bem dizer, em 1983, quando o Joy Division (ou o que sobrou dele) já era New Order, esse New Order mesmo, que você danças nas noites de flashback… No início dos anos 80, fora The Smiths, nenhuma banda me deixava tão obcecado quanto essa. Tudo começou – meio atrasado, é verdade – com o álbum “Power corruption & lies”, de onde eu tirei o mantra que conduz meu pensamento até hoje: “A thought that never changes remains a stupid lie” (“Pensamento que não muda vira uma mentira imbecil”, ou, como diria Raul Seixas, “Eu prefiro ser uma metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”!). Depois de ter decorado esse álbum, e enquanto esperava o disco seguinte, fui pesquisar para trás, nos primeiros lançamentos do New Order, até chegar em “Ceremony” – o que significava chegar em Joy Division.

A música tinha sido uma das últimas composições da banda de Curtis e – como qualquer boa biografia vai te informar, inclusive a Wikipédia – estava no repertório do último show no qual ele se apresentou. De “Ceremony” para toda a breve (porém absurdamente influente) obra do Joy Division foi um pulo – ou melhor, um salto, quase mortal. Com que inocência eu mergulhei em noites a fio ouvindo todos aquelas bolachas de vinil! Ainda guardo meu exemplar de “Love will tear us apart” sob forte vigilância – não empresto nem vendo por dinheiro algum. E todo esse modesto inventário de uma banda que já havia “morrido” quando eu comecei a me interessar por acabou acumulando um valor inestimável e, hoje, se mistura com as lembranças daquela fase emocional e psicologicamente atormentada da minha vida (será que só da minha?), mais conhecida como “adolescência tardia”.

Eu sei: o fato de ter escolhido Ian Curtis como herói passava, não despercebidamente, por uma certa “romantização” da própria idéia de suicídio – algo que (não precisa confessar!) orbita o imaginário de 10 entre 10 adolescentes (tardios ou não). Seu auto-enforcamento era, talvez, seu dado biográfico mais notório, e era constantemente associado “a sua imagem”. Mas eu pensava (e ainda penso) que não havia mal algum em flertar com essa idéia nessa fase da vida – até para finalmente rejeitá-la? Essa, porém, não foi a opção de Curtis – claramente recontada em “Control”.

A duvidosa saudade desse período da minha juventude – e da trilha sonora que a acompanhava – foi impecavelmente retratada pelo filme de Corbjin. Há anos um requisitado fotógrafo, principalmente no meio musical – eu arriscaria até dizer que as carreiras do U2 e do Depeche Mode teriam tido outro rumo se não tivessem cruzado com ele –, sua estréia na direção de um filme narrativo (já que documentários de shows e coletâneas de videoclipes ele assina vários) é bem-vinda. Sem os exuberantes efeitos especiais que ajudou a imprimir seu estilo na fotografia, Corbijn opta por uma estrutura linear – que funcionou bem. O adjetivo “estiloso”, que usei acima, tem a ver com sua opção pelo branco-e-preto, mas só. Não há exageros, nem grandes distrações da própria biografia de Curtis – que já é cativante o suficiente para nos seduzir por duas horas.

Sam Riley, que faz o papel de Curtis, tem uma incômoda semelhança com o personagem da vida real – e não foram poucas as vezes em que me peguei, ao longo de “Control”, achando que estava vendo o próprio cantor na tela. O gestual no palco – o que era aquela dança? – e os próprios ataques epiléticos são bastante convincentes e, assim como a música do Joy Division, colaboram para formar o retrato de um artista enquanto jovem… atormentado.

“Control” não revela muito sobre o que se passava na cabeça desse cara que, justamente, fez a cabeça de tantos (inclusive deste que aqui escreve). Mas não é um exercício tolo. Em seqüências como a do surgimento da banda, por exemplo, o filme evoca um período (não muito distante, diga-se) onde ainda era possível fazer uma carreira em música com apenas um “single”. Os shows do Joy Division ali encenados – todos – são ingenuamente brilhantes. Para fãs que, como eu, só podiam sonhar em um dia freqüentar clubes de rock ingleses, a noite em que Curtis, seus amigos, e sua esposa (Debbie) vão assistir os Sex Pistols (uma banda que, ouvia-se dizer então, quebrava tudo no palco) é de mexer com o coração. Aliás, cavando mais fundo nesse órgão, Corbijn nos dá um golpe quase fatal quando, ao mostrar a primeira cisão amorosa de Ian e Debbie, ele entra com o clássico do Joy Division, “Love will tear us apart”! Ave! Se essa é a recompensa por ter tido seu coração partido por um parceiro (ou uma parceira), ficar sozinho e triste depois de uma separação passa a ser uma opção razoável…

Saí do cinema estranhamente comovido. O final, claro, não era uma surpresa. A própria seqüência do suicídio, montada como um imperfeito mosaico, é bonita, mas não chega a ser uma “paulada”. A imagem final, com a fumaça negra do corpo de Curtis cremado, é forte – mas não o bastante para explicar o estado em que eu saí o filme. Só posso imaginar que o conjunto tocou fundo em alguma corda da memória – o que me fez desejar voltar para a casa correndo e ouvir os quatro CDs da caixa “Heart and Soul” do Joy Division (coisa que não consegui fazer até agora, enquanto escrevo este texto, e que me deixa ligeiramente frustrado).

indy.jpgEm compensação, saí do novo filme do outro herói da minha juventude torcendo para seu tema musical sair da minha cabeça. “Tan-tã-rã-taaan! Tan-tã-rã! Tan-tã-rã-taaan! Tan-tã-rã-tan-tan!”… Reconheceu? Bem, eu não sou bom de canto – e muito menos de reproduzir esse canto em palavras! Mas quem sabe a foto aí ao lado não ajuda?

Você talvez esteja achando um exagero eu incluir Indiana Jones no panteão de heróis da minha juventude – e se seu único contato com o personagem foi a recente aventura no “Reino da caveira de cristal”, você está desculpado – ou desculpada. Vinte e sete anos depois (praticamente duas gerações já se passaram desde a estréia de “Caçadores da arca perdida”!) fica difícil explicar para alguém que tem uma idade menor que essa o impacto que aquele filme teve na época. Era bom demais… A ponto de a simples visão da própria “arca perdida”, quase sem querer, num dos caixotes com “segredos de estados americanos” que são o gancho da primeira seqüência do filme que acabou de estrear (e que, claro, bateu recorde sobre recorde de bilheteria no mundo todo), ser capaz de me fazer sentar direito na poltrona do cinema e esperar por uma grande aventura.

E eu esperei. Esperei, esperei e esperei…

Não quero ser injusto: a tal primeira seqüência, nos depósitos de “tesouros”, é pura diversão. Primeiro, a emoção de rever o próprio “Indy” (que está, de fato, envelhecido – mas, mais sobre isso adiante); depois a reintrodução de temas da arqueologia a um filme de aventura (o antídoto perfeito para tempos de “Speed Racer”…); aí, Cate Blanchett!; e mais uma escapada sensacional do próprio Indy. É o começo perfeito – melhor que qualquer abertura de James Bond, incluindo “Casino Royale”! Mas aí vem a história…

Não quero aqui fazer aquele discurso em nome da coerência em roteiros de aventura de Hollywood. Como bom fã de cinema, aprendi desde cedo a suspender qualquer tentativa de explicação lógica da maioria das histórias desse gênero – bem como a crença em qualquer lei da física (inclusive a quântica!) para poder me entreter. Mas “Indiana Jones e o reino da caveira de cristal” estabelece novos limites de (in)credulidade – e não vamos nem discutir a cena da perseguição num penhasco na Amazônia (acho), onde não apenas a perícia dos motoristas é exímia, mas macacos e formigas carnívoras (não, esse não é um filme B) também têm uma participação crucial… Meu problema com o “Reino da caveira de cristal” é que todo esse esforço não soma nada.

Eu me diverti, é verdade – e não estou reclamando disso. Mesmo com um ingresso a R$ 24,00 (sessão de sexta-feira à noite, meio cara – quem mandou…), acho que fui justamente recompensado pelo preço que paguei. Mas, talvez até pela – mais uma vez – nostalgia, eu esperava mais. Fui lá para me divertir muito – e me diverti… pouco. Estou tentando evitar o comentário, mas não tem como: acho que parte da minha decepção teve a ver com o impacto da primeira aparição de Harrison Ford. Voltando a “Guerra nas estrelas” – como já contei aqui – sua atuação havia exercido tamanha fascinação sobre mim, que, apenas alguns anos depois, em “Caçadores da arca perdida” eu já o admirava por inércia. Foi essa imagem que eu guardei, e ao rever agora seu rosto de perto, logo depois que ele pega o chapéu do chão para colocar na sua cabeça, fiquei um pouco triste.

Não tenho nenhum problema com a velhice, ainda mais perto do cinqüenta anos – ok, ok, ainda faltam cinco anos, mas eu sou realista! Mas existem outros papéis mais, humm, dignos que Ford poderia fazer para escapar desse arremedo de aventureiro que encarna agora em “Caveira de cristal”. Seu humor, quase trinta anos depois, perdeu a sutileza. Seu heroísmo – por mais que ele declare em todas as entrevistas que dispensou dublês nas tomadas de ação – parece frouxo. E mesmo seu poder de observação tornou-se automático demais (alguém pode me explicar como ele decifrou a carta que levou “Indy” ao Peru, escrita pelo professor Ox?).

Mesmo assim, não tive a menor vontade de abandonar o filme em nenhum momento. E, quando cheguei ao desfecho, mais uma vez fiquei encantado com a capacidade que o diretor Steven Spielberg tem que recontar sempre a mesma história – no caso, a de “Contatos imediatos do terceiro grau”! (Para bom entendedor…).

Como se explica isso? Quando você tem um herói – seja Ian Curtis, seja Indiana Jones, – é para a vida inteira…

Como envelhecer com dignidade

qui, 22/05/08
por Zeca Camargo |
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“Aqui você escreve o que quer? Ou o que a gente quer? Ou o que você quer escrever e a gente quer ler?”, escreveu o Tiago_RJ no seu comentário sobre o último post – e eu sugiro que isso seja o primeiro questionamento para qualquer um que se aventurar a escrever um blog. Na lúcida discussão que a Lorena provocou (ainda acho que foi sem querer…) com seu comentário sobre meu texto que se referia ao novo livro de Zuenir Ventura, não foram poucas as idéias e os argumentos lançados por quem quis participar (e 171 leitores quiseram – pelo menos até o momento eu que eu postei este texto – de todos os cantos deste país, e deste mundo, inclusive do Iraque!), e é grande a tentação de me perder novamente na “metafísica blogueana”… Mas já estou “devendo” um assunto desde segunda-feira, então vamos à tal cantora e à tal banda que estão comemorando 25 anos de carreira com novos trabalhos, e que provam que é possível sim, pelo menos no pop, envelhecer com dignidade.

matona.jpgA cantora – “dã!” – é Madonna. Pelo próprio barulho que ela própria fez nas últimas semanas com seu “Hard candy”, ficou fácil de descobrir. Mesmo imaginando que, com uma carreira de um quarto de século (adoro colocar dessa maneira… parece tão mais tempo do que “25 anos”…), ela tenha fãs que nem eram nascidos quando do lançamento do seu primeiro disco, qualquer busca por “Madonna discografia” revela que sua estréia foi em 1983. Nessa época, óbvio, eu era não apenas nascido, como já tinha acumulado malícia o suficiente para entender o que a cantora queria dizer com “Everybody, c’mon and do your thing”, no seu primeiro sucesso.

Oficialmente, “Everybody” é de 1982. Hoje um “hit” esquecido, fica talvez difícil, para as novas gerações, entender o quão poderosa essa música era na pista de dança. Não só poderosa, mas diferente – de uma minimalismo que só seria superado anos depois com a inigualável parceria entre Missy Elliot e Timbaland. “Everybody” teria sido, porém, só uma novidade passageira, se logo em seguida não viessem outros sucessos que são, até hoje, clássicos: “Holiday” e “Borderline”. Na “febre Madonna” que tomou conta de todas as FMs da época, era sempre possível ouvir essas três faixas se revezando com outras do mesmo álbum de estréia – “Lucky star”, “Burning up”, “Physical attraction”-, de maneira que, mesmo antes de ela lançar “Like a virgin”, em 1984, Madonna já tinha sua reputação consolidada.

Por falar em “Like a virgin”… Não, não se preocupe: não vou fazer uma “discografia comentada” da cantora – algo que exigiria um fôlego do qual nem eu nem você podemos dispor agora. Aqui e ali neste blog, já pincelei momentos em que “nossa vida” se cruzou (basta digitar o nome dela no espaço “busque neste blog”, aqui à direita, para conferir) – e, para os mais interessado, no meu livro “De a-ha a U2″ descrevo em detalhes como foi meu único encontro cara a cara com ela. Nesses 25 anos, posso dizer que acompanhei Madonna com devoção suficiente para não deixar dúvidas o quanto a admiro – e, por isso mesmo, tenho fortes opiniões sobre cada um de seus álbuns e “singles”. Mas vamos pular essas duas décadas e meia para falar de “Hard candy”, seu genial – ainda que ligeiramente confuso – trabalho mais recente.

Você provavelmente ficou um pouco incomodado com o “ligeiramente confuso” do parágrafo anterior. Explico: ouvi “Hard candy” mais de uma vez, e não exatamente pelo prazer que as faixas me ofereciam. Elas são ótimas, em sua maioria, e oferecem sim aquela já esperada recompensa com a qual Madonna já acostumou seus fãs. O que me empurrou para as audições repetidas foi mais uma vontade de tentar entender para onde as músicas estavam apontando – quais eram as saídas para o pop que ela propunha dessa vez. Afinal, ela sempre vem com suas “descobertas musicais”, como se, a cada álbum, ela pescasse um produtor de vanguarda e proclamasse: “É por aqui!”. Só que, dessa vez, como descobri depois de me debruçar sobre “Hard candy”, Madonna está apontando “para trás”!

E essa é a “ligeira confusão” que ela propõe. Começando com “Candy shop” (a primeira faixa, que é, para mim, uma das melhores) ou com a seguinte, “4 minutes” (que é a faixa de trabalho), as pistas musicais são desorientadoras. “4 minutes” especialmente, já que a presença de Justin Timberlake (o chamado Michael Jackson do século 21) remete a um “rhythm & blues” “circa” 2000/2002, que não é exatamente moderno – sem falar que a introdução da música é, incomodamente, a parte mais interessante dela. Vindo logo depois de “Candy store”, que insinua novidades, “4 minutes” funciona como um agradável anestésico, que te coloca apto – ou apta – a aceitar o que vem pela frente.

Na faixa seguinte, “Give it to me”, tive a certeza de que Madonna queria olhar para o passado, mas não de maneira óbvia. Por exemplo, um pouco mais adiante, em “Miles away”, o convite para adivinhar à qual fase da sua própria carreira ela se refere – não fosse tão divertido se perder nesse labirinto auto-referente. Entre essas duas faixas, a música mais sensual de todo o disco, “Heartbeat”- e quando digo “sensual”, não estou evocando a Madonna de “Erotica”, mas aquela de “Ray of light”, que sabe que o erotismo não necessariamente está na palavra, mas sim no ritmo… E ainda tem “She’s not me” – talvez o “saco de referências” mais completo de todos deste álbum (se não me engano, tem até aquelas cordas de “Kiss”, do Prince, na mistura).

Na segunda metade do CD (sou velho – já frisei bem aqui! – e tenho esse estranho hábito de escutar um disco do começo ao fim), Madonna recorre a velhas fórmulas, em nuances menos ousadas. Com exceção de “Incredible” (que me parece realmente original), ela oferece baladas (“Devil wouldn’t know it”), ritmos latinos camuflados (“Spanish lesson”), uma canção para cantarolar junto com seu iPod (ela era boa nisso mesmo antes dessa geringonça existir – vide “La isla bonita”), e até um típico “filler” – faixa que não acrescenta nada, mas está lá para “encorpar” o disco -, em “Dance 2 night”.

Porém, ressaltando a parte mais interessante do CD, é curioso notar que, mesmo com essa enxurrada de referências “retrô”, “Hard candy” oferece uma sensação de frescor mais genuína do que a maioria das debutantes do pop dos últimos cinco anos (você sabe quem são…). Como disse o sempre instigante Jon Pareles recentemente no “New York Times”, Madonna está de volta para “revitalizar a marca”. Mas, para aproveitar seu novo trabalho, não fique procurando referências como esse fã teimoso – que quase perdeu a chance de gostar de “Hard candy” pelo simples fato de ele ser um ótimo disco.

remva.jpgAlgo parecido aconteceu quando ouvi o álbum desses outros artistas que comemora seus 25 anos com um sopro fresco. Me refiro ao R.E.M. (e devo ressaltar que só o Juliano, dentre todos os comentários enviados, acertou em cheio; aos que sugeriram The B-52′s – que também voltou com um disco ótimo, em breve a ser comentado aqui também, devo lembrar que o icônico “álbum amarelo” é de 1979…).

Minha admiração por “Accelerate”, o novo trabalho da banda, veio relutante – não pela minha dificuldade em entender para onde as músicas estavam apontando, mas por uma antipatia ao elogio geral de toda a imprensa para esse álbum, anunciado por todos como o “disco da ressurreição” da banda. Você vê: eu também desconfio da mídia (sempre um exercício saudável!), e quando todo mundo começa a falar bem demais eu tendo a achar que por trás de tudo existe uma bem elaborada campanha de marketing.

Assim, fui com cuidado escutar “Accelerate”. Afinal, minha devoção pelo R.E.M. já havia sido bastante arranhada nos últimos anos – desde “Monster” (muitas pessoas não gostam, mas que é um dos meus discos favoritos), que é de 1994, nada que vinha deles era capaz de entusiasmar. E olha que eu era bem benevolentes com esses caras…

Nem poderia ser diferente: “Murmur”, o disco de estréia da banda, tinha lugar de destaque na minha – então incipiente – coleção de discos de vinil. De tão estranho que ele era, de tão diferente de tudo que eu vinha ouvindo na época (quando minha referência era basicamente o pop inglês), “Murmur” me obrigava a voltar (e voltar!) sempre a ele – e, a cada nova audição, perceber que eu ainda compreendia muito pouco daquela misteriosa banda de Athens (do estado americano da Georgia, de onde, aliás, saíram o mesmo B-52′s).

Esse perverso método de sedução do R.E.M. me arrastou por pouco mais de uma década. Também não vou fazer aqui uma “discografia comentada”. Mas não posso deixar de lembrar de como me emocionava (e me emociono até hoje) a cada vez que ouvia (ouço) “Fall on me”; de como, em 1989, eu esperava ansiosamente a MTV americana (morava em Nova York nessa época) passar o – até hoje bizarro – clipe de “Stand”); e de quando finalmente decorei a letra inteira de “It’s the end of the world as we know it (and I feel fine)” (teve uma época em que eu sabia cantar essa música e “Ele me deu um beijo na boca”, de Caetano Veloso de cor, imagine… mas eu divago…).

Bem, mas quanto a “Accelerate”, a primeira boa notícia é que todo o entusiasmo da crítica não era exagerado. O disco é excelente! O álbum é uma paulada inesperada, algo que você não podia antecipar de um grupo que – salvo um ou outro momento de nostalgia – mal registrava nas rádios (e muito menos nos iPods…). Três quarentões/cinqüentões “legaizinhos”, que você ouvia com um misto de pena e saudade nos últimos tempos, só para não deixar passar? Nada disso! Bastaram os primeiros acordes de “Living well is the best revenge” (a faixa que abre “Accelerate”) para que essa imagem fosse imediatamente substituída pela de uma banda cheia de energia, com uma pitada de fúria e… jovem!

Mesmo antes de você se refazer da surpresa de encontrar um R.E.M. “turbinado”, a faixa 3 te dá um novo susto: mais forte, mais vigoroso. “Supernatural superserious”, a música em questão, é – nos seus magros três minutos e meio – um mini-vendaval musical. Do início aparentemente calmo – “Everybody here / comes from somewhere”, proclama Michael Stipe, acompanhado apenas por alguns acordes de guitarra – ela evolui para um pseudo-refrão desesperado – “And you cry and you cry and you cry and you cry!” – em questão de segundos. E, quando você vê, não tem mais volta: está mais uma vez atraído pelo magnético universo sonoro e lírico do R.E.M.

“Hollow man”, a faixa-título, “Sing for the submarine”- e em especial a música que fecha o disco, “I’m gonna DJ” (tão sensacional que dá até pra desculpar eles terem pego emprestado o gritinho de “u-hu” de “Song 2″, do Blur) -, todas as canções só provam de que é possível um artista talentoso merecer esse título não apenas por uma inércia das glórias passadas, mas porque continua produzindo criações vibrantes, originais e inspiradoras – ainda que sua carreira tenha passado por momentos mais… duvidosos.

Envelhecer assim, como o R.E.M. e como Madonna, é uma sabedoria que pouca gente no pop tem. Preciso citar nomes…?

Dá pra resumir?

seg, 19/05/08
por Zeca Camargo |
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Estava tudo pronto, até que, mais uma vez, a imprevisível mão do acaso veio tirar este blog do curso que eu havia planejado para ele. O post de hoje – que, automaticamente está transferido para quinta – seria sobre o tema “como envelhecer com dignidade” – e, ao contrário do que os mais engraçadinhos possam insinuar, não era autobiográfico, mas sim sobre artistas (uma cantora e uma banda) que apareceram com seus discos de estréia em 1983 e acabam de lançar dois novos e excelentes álbuns, mostrando que, numa carreira de 25 anos, é possível perdoar fases ruins, desde que – aqui e ali – eles ofereçam trabalhos geniais como esses mais recentes. Matou a charada? Se não quer arriscar agora um palpite sobre quais são esses artistas, volte daqui a três dias, porque hoje vou ceder, como já adiantei acima, aos caprichos do acaso e comentar um comentário enviado sobre o último post.

Quem fez a “provocação” – creio eu, sem a menor pretensão de ter um post totalmente dedicado a ela – assina como Lorena, e todo o conteúdo da sua mensagem está no título do post de hoje. Isso mesmo: ao convite à reflexão sobre o livro de Zuenir Ventura – na verdade, o próprio texto uma provocação aberta a uma geração que tem interesse zero pelo passado em geral, e menos ainda pela comemoração dos 40 anos de uma verdadeira revolução cultural – tudo que ela foi capaz de expressar era isso… “dá pra resumir?”.

Claro que dá, Lorena, e eu vou fazer exatamente isso antes de concluir o texto de hoje. Mas antes, queria aproveitar esse gancho que você proporcionou para abrir um pouco mais a discussão – algo que certamente não vai te interessar, Lorena, mas que, conhecendo quem passa sempre por aqui, pode provocar muitos outros debates interessantes.

Ao puxar essa conversa, sei que estou transgredindo um dos meus princípios dessa atividade de blogueiro, que é justamente não perder tempo com comentários que não valem a pena… Como você, leitor deste espaço já há algum tempo sabe, minha proposta é sempre um debate, digamos, saudável – pegar um assunto com potencial instigante, jogar para cima e esperar a sua opinião, que, na grande maioria das vezes, acrescenta algo à discussão. Nas semanas recentes, tive um enorme prazer de ver isso se desenvolver a partir de assuntos tão diversos como a nossa cultura da celebridade ou a pobreza de rotular artistas apenas por sua opção sexual. Posso ainda buscar exemplos mais antigos, como quando falamos da ausência da identidade negra nas artes plásticas no Brasil, ou sobre nossa capacidade infinita de comprar livros que nunca conseguimos ler, ou ainda, sobre livros que debatiam a existência de Deus, a reação da platéia ao assistir “Tropa de elite”, a natureza dos fãs. Na verdade, uma das coisas que mais me surpreendem nesses quase dois anos de blog é a capacidade de as pessoas sempre darem uma opinião interessante – ainda que não necessariamente concordando com o que eu escrevi – sobre qualquer assunto proposto. Da simples definição do que é um bom trailer ao convite para sugerir músicas para uma festa, há uma vontade – sempre bem-vinda – de participar. E se um blog não existe para isso, então não sei para o que é.

Mas aí vem a Lorena, e com uma simples pergunta me faz pensar sobre o que significa essa nossa troca aqui. Mais de uma vez, e especialmente em “datas festivas”, fiz um questionamento sobre o que significa essa nossa… relação, o que me leva a escrever, e o que leva você a me escrever. Em sempre tirei conclusões otimistas: vale mesmo a pena todo o esforço (o meu, o seu, o nosso), porque o resultado final é sempre – para usar uma expressão ligeiramente pretensiosa – iluminador. Dá para resumir? Ainda não, espere um pouco.

Num primeiro momento, me lembrei daquela figura na sala de aula– você certamente sabe localizar alguém na sua escola que era assim –, que fazia sempre um comentário engraçadinho sobre tudo o que o professor, ou a professora, falava. Era até engraçado, especialmente se você também não estava a fim de prestar atenção na aula. E, usando essa imagem, registrei o comentário da Lorena como mero ruído.

Até que percebi que a situação é totalmente diferente – especialmente porque isto aqui não é uma sala de aula. Claro que isso aqui não é uma sala de aula, mas onde eu quero chegar é que ninguém tem a obrigação de “freqüentar” isso aqui. Lê quem quer – algo tão óbvio que me sinto até meio constrangido de ter que evocar… E, seguindo o raciocínio, comenta quem quer – e o que quer, assim como eu também escrevo o que eu quero.

Mas o que me incomoda no “pedido” da Lorena é a tentativa disfarçada de tentar enquadrar um formato que simplesmente não tem formato nenhum – o do blog. Não era mais uma das reclamações (já sublimadas) sobre o tamanho do texto do post. Escondida na inocência da pergunta está a preguiça perene de uma geração que não quer pensar – e por “geração” não estou definindo ninguém por faixa etária, mas sim por atitude diante de um texto.

Novamente, isso seria engraçado no colégio, quando o grande barato (que, na época, a gente nem conseguia elaborar) era ser inconseqüente. Mas aqui, num espaço livre como esse, num diálogo aberto como o nosso, em tempos esclarecidos como esses, onde a internet é uma ferramenta tão transparente de relacionamento, qual o sentido de, diante de um texto que – ironicamente – comentava a resistência de muitos a assuntos um pouco mais elaborados, fazer uma gracinha como essa?

Estou com preguiça, é verdade. Preguiça de lembrar que nem todo mundo que passa por aqui quer participar desse debate. Preguiça de reconhecer que sempre a gente tem que enfrentar esse tipo de atitude negativa quando expõe as opiniões. Preguiça de tentar convencer pessoas como a Lorena de que ela pode aproveitar seu tempo melhor do que pensando em maneiras de como sabotar um convite para o diálogo.

Ao mesmo tempo, me sinto um pouco arrependido de talvez ter mordido uma isca menor, quando a maior parte dos comentários (sobre este, e tantos outros posts) tem a ver justamente com essa conversa saudável que eu me esforço em estabelecer. Será que a Lorena merecia toda essa reflexão? Talvez ela mesma não – afinal, mal a conheço, e tudo que penso dela é derivado das três palavras que ela me enviou –, mas seu comentário certamente contribuiu para a evolução deste blog – ainda que, talvez, não da maneira como sua autora pretendia.

Enfim, na quinta-feira então, retomamos o curso. Temos que falar de tanta coisa: os artistas que “esbocei” no início do texto (já descobriu quem são?), um novo (velho?) Indiana Jones, uma nova novela das oito (das nove?) que promete, o novo livro do sempre sensacional Hanif Kureishi, o número sobre dinheiro da revista “Colors”, “Sex and the City” etc etc etc. Tudo, garanto, com quantas palavras eu achar necessário para exprimir o que eu quero dizer e para inspirar você a escrever aqui.

Mas antes de terminar, porém, num enorme exercício de comedimento, vou atender ao apelo de Lorena usando menos palavras ainda do que as que ela selecionou para formular sua pergunta: “Dá pra resumir?”. Claro que dá: “Leia mais!”.

Você não vai gostar de ler isto

qui, 15/05/08
por Zeca Camargo |
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1968zeca.jpgPelo menos é o que dizem quase todos os artigos e reportagens sobre 1968: a “geração da internet” não está nem aí para as revoluções – culturais, políticas, sociais – que marcaram aquele ano. E menos ainda nos seus desdobramentos, 40 anos depois. Assim, é provável que apenas a aparição dos algarismo 1, 9, 6 e 8 acima, já tenha feito com que essa… humm… “galera” não tenha me acompanhado sequer ao fim deste parágrafo.

Qual o problema com o raciocínio acima? A definição do que é “geração internet”, claro! Não sou muito chegado a rótulos (como já argumentei à exaustão aqui na semana passada), mas esse me incomoda em especial – talvez pelo fato de que geralmente quem inventa esses rótulos é uma pessoa de fora do grupo que está sendo observado… e, em pleno 2008, eu não posso imaginar um perfil de alguém que, ao mesmo tempo em que pensa na nossa sociedade, é alheio à internet. “Geração internet”, para mim, é você, sua mãe, seu professor, seu irmão de 4 anos, o seu tio solteirão que adora uma pornografia, as amigas mais velhas do irmão da sua namorada, o cara do seu lado fingindo que está trabalhando, seu chefe etc.

Assim, quando usei a expressão logo no início deste texto, era apenas para provocar justamente quem tanto escreve sobre 1968 – e que tanto insiste em afirmar que quem hoje tem entre 14 e 29 anos (e que deveria estar conscientemente desfrutando das benesses da tal revolução, e, sobretudo, a levando adiante) não está nem aí para o que aconteceu 40 anos atrás. Ainda está comigo? Adiante.

Trago o assunto desse ano à baila, porque acabei (finalmente!) de ler “1968 – o que fizemos de nós”, do genial Zuenir Ventura. Como tudo escrito por esse jornalista, que marcou mais de uma geração, não são poucas as idéias que ele coloca nesse seu novo livro que nos provocam a ter… outras idéias! Ao montar um rico painel comparativo entre os jovens daquela época e os de hoje, Zuenir nos atiça não apenas a olhar para trás, mas também para os lados – e colocar, talvez sem querer, um ponto de interrogação no subtítulo desta sua obra.

Me senti particularmente “cutucado” por este trabalho – sem dúvida porque, aos 45 anos, pertenço não à geração de Zuenir, nem à dos adolescentes de hoje, mas à do hiato ideológico que foram os anos 70. Não se preocupe que não vou fazer agora um desabafo reprimido, nem entrar em inócuas discussões político-filosóficas. Menciono minha geração apenas como um localizador, para dar uma idéia de onde eu me insiro nessa nossa história recente – e, talvez com isso, explicar melhor porque eu gostei tanto do livro do Zuenir.

Não pertencer à turma “de lá” nem à “de cá” me colocou numa posição de leitor privilegiado: por um lado, eu podia me distanciar do abismo aparente que muitas vezes parecia separar o autor das suas experiências sociais mais contemporâneas – especialmente as descritas no capítulo “Sexo, drogas e rave” –, e criticar do conforto dessa distância; por outro lado, eu me sentia livre para ter as mesmas reações de estranheza (e, por vezes, repúdio) ao comportamento e à atitude dos adolescentes de hoje que estavam sob a lente de Zuenir.

Foi, enfim, uma leitura instigante – e altamente recomendada. Anda precisando inspiração? Então este é o livro para você!

Veja o que diz, por exemplo, a professora Heloísa Buarque de Holanda, apresentada – para quem não a conhece – como musa de 68 por Zuenir: “Se você quiser voltar a sonhar, o que não falta é assunto”. Ou então aproveite o conselho de Fernando Gabeira – na opinião do autor, “o mais bem sucedido remanescente de 1968” – que, ao ser perguntado se faria tudo de novo da mesma maneira, respondeu: “Não, evidentemente que não. Eu faria diferente, nem que fosse pela novidade” – frase lapidar, que eu elegeria agora mesmo como aquela que deveria figurar na minha lápide, não fosse eu não tivesse há tempos desistido da idéia de ser enterrado, preferindo a cremação…

Mas eu divago – e por um caminho sombrio. Deixe-me retomar com a sabedoria de Gabeira, que dá uma das melhores entrevistas da segunda parte de “1968 – o que fizemos de nós”. Que tal este trecho abaixo?

“Vejo no movimento da internet, elementos de crítica e de transformação tão grande quanto houve naquela época. Por exemplo, a capacidade de se comunicar com o mundo inteiro, os movimentos que surgem daí, as iniciativas, a combinação criativa, o trabalho científico em conjunto, o potencial que foi criado – tudo isso é muito grande. É a continuidade de 68 no que ele negava a disciplina capitalista, tanto quanto a socialista.”

Leu direito, “geração internet”? De uma maneira inesperada, Gabeira – e o próprio Zuenir, em alguns momentos – sugere que esses jovens de hoje não estão exatamente alienados, mas talvez apenas desfrutando, sem perceber, de uma onda que quebrou na praia há 40 anos…

Numa visão geral, parece que estamos lidando com uma juventude bem mais interessante que a do início da década passada, apresentada assim por Zuenir: “Visíveis eram os caras-pintadas, que se apresentavam como ‘a’ tribo dos anos 90, embora fosse apenas uma delas, a mais fotogênica”. De fato, como coloca o autor, uma outra “massa” agitava em outros cantos – por exemplo, na periferia carioca, nos bailes funk, vivendo uma outra realidade que não se permitia ser afetada nem pelo turbulento momento político do país. Novamente citando o livro: “Quando se perguntou a um deles porque o seu grupo não participava das passeatas pelo impeachment do presidente Collor, a resposta foi: ‘Isso é coisa de mauricinhos’.”

Zuenir vai e vem por todos esses anos – e não deixa de ver ironia nas inconstantes percepções sobre a importância daquele ano. “Em vez de inspiração, 68 tinha virado nostalgia”, escreve ele sobre o que acontecia por volta de 1988. Não é à toa, portanto, que um capítulo inteiro leva o título de “Há um meia oito em cada um de nós”…

zuenir1968.jpgPelo menos para este humilde leitor, a imagem final dessa geração de agora (e também daquela) sai positiva – mesmo que relutantemente. Num capítulo crucial – “ A falta de bússula” – Zuenir ataca: “Esses jovens não parecem preocupados com o fato de que na sociedade de consumo nem tudo que faz sucesso é bom e nem tudo que é bom faz sucesso. Eles querem sucesso”. Esta é sua primeira impressão de uma rave: “A visão incial não foi nada agradável. Uma jovem vomitava num canto, logo na entrada, amparada por uma amiga”. A cena, contrariando as suas expectativas, não se repete, mas mesmo assim ele tem a sensação de que estava “desembarcando no lugar errado” – muito embora, essa “aventura” tenha proporcionado um dos momentos mais divertidos do livro, com Zuenir descrevendo cenas com palavras que os próprios freqüentadores de uma rave nem sequer talvez seriam capazes de soletrar (exemplo: “as meninas realizando circunvoluções com os cabelos”).

Mas mesmo quando é para criticar – e Zuenir faz comentários duros sobre essa rave (o “bom mocismo” dos freqüentadores da festa o fez ter saudades dos “seios nus e pelos pubianos” de Woodstock – sua visão desses jovens é quase cândida. Só para citar mais uma passagem, prestes a encerrar a “noitada”, às 7h da manhã, ao sugerir que sua jovem “colaboradora” (como ele apresenta Anna Clara) quisesse ficar mais para “azarar” ouviu como resposta: “Isso aqui não é lugar para azaração, não”. E concluiu: “Me dei conta então de que a gafe era devido à deformação geracional de uma turma que foi criada só pensando ‘naquilo’, para quem o baile era pretexto, não fim”.

Esse carinho “torto” que Zuenir usa para falar dessa geração é que me deixou otimista ao terminar a leitura do livro. Seu olhar não é nostálgico – assim como não é melancólica a resposta de Caetano Veloso (outro entrevistado do livro) quando o autor pergunta do que ele sente saudades de 68: “Só tenho saudade de ser jovem”. Sua fixação constante com esse ano (podemos esperar outro volume em 2018, nos cinqüenta anos da data?) demonstra que sempre é possível revisitar um passado e tirar dele novos conceitos.

Mesmo para uma geração que não quer sabe do assunto…

Foto do alto: Mark Nick/Licença Creative Commons

O que esperar quando você está esperando

seg, 12/05/08
por Zeca Camargo |
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Reconheceu o título acima? É emprestado de um livro sobre gravidez – mas não se preocupe… esse não é o assunto de hoje. É apenas um título que eu adoro e que achei que cairia bem para o que vou apresentar hoje – inspirado pela vindoura enxurrada de lançamentos nos cinemas, e (tenho que admitir) um pouco pelo comentário que o Rilton mandou sobre o post do Rufus Wainwright. (Rapidamente, preciso agradecer o ótimo nível do debate sobre o último tema proposto aqui – você nunca me decepciona! E dizer que acho graça quando alguém, até hoje, ainda duvida que eu leia todos os comentários… será que quem me pergunta lê os meus posts?).

Enfim, displicentemente, o Rilton perguntou “você sabia que o Rufus viria ao Brasil antes de anunciar?” E me senti meio culpado por não ter justamente “divulgado” mais a passagem pelo Brasil de um artista tão interessante… É verdade que passei o resto da agenda dele no Brasil (Amanhã! Último show! Brasília!) – mas talvez eu devesse mesmo ter feito mais por algo que eu acredito tanto. Pensando nisso, então, vamos adiantar algumas atrações – desta vez, cinematográficas – que estão me interessando antes mesmo de chegarem às grandes telas.

Vem aí, a grande temporada de verão – como já expliquei aqui uma vez, isso se refere ao verão do hemisfério norte, onde fica um lugar chamado Hollywood, de onde (geralmente) saem os filmes (e as bilheterias) que realmente movimentam a indústria cinematográfica. Como você talvez já tenha ouvido, ou percebido, essa é a estação em que os estúdio americanos lançam os filmes… hummm…. rasos! As salas ficam sem espaço para uma história mais profunda – e não vamos nem falar em interpretação… É, para ser direto, a temporada das comédias e filmes de aventura – e coloco isso sem o menor juízo de valor.

Você, leitor de longa data, sabe que eu não tenho preconceito algum – muito menos no que se refere a cinema. O filme é bom? Ótimo! Engraçado e bom? Melhor ainda! Profundo e bom? Genial! Cheio de ação e bom? Já comprei o ingresso! Festival de efeitos especiais e bom? Tô dentro! Tema adolescente (faixa etária que já deixei há algumas décadas!) e bom? Formou! (como – parece – dizem os próprios adolescentes de hoje…)

O que eu quero é me divertir – com dramas, com piadas, com inteligência, com bobagens, com imagens, com ângulos, com closes, com surpresas, com suspense, com diálogos. Cinema, você sabe…

Assim, este fim-de-semana dediquei-me a uma “pequena arte” que, graças à internet, para ser explorada, não depende mais da boa vontade dos distribuidores de filmes: o trailer!

Claro que eu ainda me esforço para pegar a sessão de um filme desde o começo, só para ver, no espaço ideal, os anúncios” (são anúncios, não são?) que antecedem a atração principal. Sou um “teaser junkie” – se me permite a expressão –, e basta uma boa “chamada” me seduzir, que eu já começo a falar bem desse ou daquele filme, mesmo antes de ele estrear (funciona também com outros “produtos culturais”, um bom capítulo de um livro que é publicado antes em uma revista – me lembro dos excelentes trechos de “Amor para sempre”, de Ian McEwan, que saíram na “The New Yorker” antes do livro – ou mesmo com uma novela – já viu Cláudia Raia e Patrícia Pilar dando um mesmo texto como personagens da nova novela de João Emanuel, “A favorita”? Você acha que, só por esse “teaser”, eu vou ter coragem de perder?).

O que é um bom trailer? Responder isso é tão difícil quanto responder: “o que é um bom filme?”. A gente sabe que, para ele ser bom, tem que vender bem “seu peixe” – mas como? A julgar pela amostragem da temporada, não vai ser nesse verão (americano) que vamos chegar a uma conclusão do que é um trailer ideal (quer arriscar uma definição num comentário?). Mas dá para sentir que vamos nos divertir muito nas próximas semanas pelas salas de cinema.

Numa tentativa bem descompromissada de adiantar o que vem por aí, resolvi comentar os trailers mais interessantes que assisti, guiando-me pela relação de lançamentos de um número recente da “Entertainment Weekly” – todos facilmente disponíveis aí mesmo, na tela do seu computador, com um ou dois cliques! Isto é, se você se sentir suficientemente atraído – ou atraída – para saber mais sobre esses filmes, reunidos nessa lista que pretende – justamente – te orientar quanto ao que esperar quando você está esperando.

tracey.jpgPara quem gostou de “Juno”, mas quer ver Ellen Page num papel mais dramático – “The Tracey fragments” (clique na foto para ver o trailer); pelo que eu entendi, adolescente foge de casa e se dá mal… muito mal!

Entre Bill e Dave, Dave – Nos títulos originais, “Meet Bill” e “Meet Dave” (não é incrível?). O primeiro é interpretado por Aaron Eckhart, o segundo por Eddie Murphy; o primeiro é um executivo que decide se reinventar; o segundo é um ser (alienígena) diminuto que comanda um robô (que é seu alterego) que é sua própria imagem segundo cenas de cinema do seu banco de memória; na dúvida, fique sempre com o absurdo…

Prova de que “filme de verão” pode ter personagens mais… elaborados – “Savage grace”, que é baseado numa história real de uma mulher que já foi muito rica, perdeu tudo e vive uma estranha relação com seu filho bissexual – pelo menos eu acho que é isso; e tem Julianne Moore…

wall.jpgMacaco 10 X Robô 1 – “Wall*e” (clique na foto para ver o trailer) versus “Space chimps” é covardia… Como se não bastasse o nome do robô (eu sei, seu sei, dos mesmos criadores de “Ratatouille” e “Os Incríveis”!) ser ligeiramente irritante, o trailer da nova produção da Pixar é fofo demais… enquanto o de “Space chimps” é simplesmente engraçado!

“Beleza americana” deixou você profundamente marcado? – “The babysitters” é seu filme, se você quiser uma história ligeiramente ousada que envolve meninas adolescentes seduzindo perigosamente homens “bem casados”; mas se você prefere uma história ligeiramente ousada que envolve homens “bem casados” seduzindo perigosamente meninas adolescentes, fique com “Towelhead” (que aliás, tem o mesmo roteirista de “Beleza americana”)

agente-86.jpgPersonagem cômico manjado ou “fresquinho”? Os dois! – ainda não me decidi entre “Agente 86” (clique na foto para ver o trailer) -um favorito de décadas!- e “The love guru”, com Mike Myers fazendo um indiano chamado Pitka; pelos trailers, fico ligeiramente inclinado a preferir o primeiro…

Que tal contrabalancear tantos filmes “fáceis” com um mais “cabeça”? – “Mister lonely”, do ultra-mega-super-alternativo Harmony Korine (pense em “Kids” e “Gumbo”); nem parece muito bom, mas impressiona…

hancock.jpgJá que é para encarar um super-herói com problemas… – ouviu falar que o próprio Edward Norton não quer dar entrevistas para promover o novo “Hulk”, que ele mesmo interpreta? Só isso já me faria desistir de assistir o filme… Mas não é só isso: na categoria, “Hancock” (clique na foto para ver o trailer) é refrescantemente original; ah! – e tem Will Smith…

Não deu para se emocionar com “O caçador de pipas”? Tente essa outra adaptação de um romance multicultural – “Brick Lane”; já sai na frente (pelo menos na minha cotação) só de ser uma história que envolve a Índia; fora isso, eu adorei o livro, de Monica Ali (“Um lugar chamado Brick Lane, editora Rocco); nada pode dar errado!

Fã de “Legalmente loira” procura história similar um pouco mais apimentada – “The house bunny”: uma coelhinha com prazo de validade vencido (ela “já” tem 27 anos) vai para a faculdade; possibilidades infinitas de piadas, além daquelas usadas no trailer…

Melhor piada editada no trailer que ninguém mais vai achar graça quando assistir no filme – “You don’t mess with the Zohan”, a cena em que o personagem de Adam Sandler, um super soldado israelense que resolve ser cabeleireiro em Nova York, dá vários golpes de pé num cara que lhe trata mal; estou rindo só de lembrar…

cavaleiro-das-trevas1.jpgSegunda melhor piada editada no trailer que ninguém mais vai achar graça quando assistir no filme – “Step Brothers”, a cena em que Brennan (Will Ferrel) tenta enterrar seu “irmão adotivo” Dale (John C. Reilly)… vivo!

Como disfarçar que a coisa mais interessante do seu filme é o fato de um dos artistas principais ter morrido logo depois das filmagens – “O cavaleiro das trevas” (clique na foto para ver o trailer); precisa esclarecer a qual ator eu estou me referindo?

“Labirinto de Pan” encontra “Hostel” – “La terza madre”, de Dario Argento

Quer um antídoto para “High school music”? – “Hamlet 2”; ponto.

Entre os que estão torcendo contra e os que já aprovaram antes mesmo de o filme estrear, fico com os segundo grupo – “Sex and the city” (clique na foto para ver o trailer); ponto.

sex-and-the-city.jpg

Não fique na minha frente quando eu for assistir esse filme, vai ser melhor para todo mundo – “The happening”, M.Night Shyamalan; ponto.

Vai ser uma temporada e tanto, não vai?

Com o perdão do cacófato: existe alguma coisa como “música gay”?

qui, 08/05/08
por Zeca Camargo |
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Quantas vezes você está numa festa já bem animada – daquelas que você já está dançando há um tempão, porque o DJ é bom! – e, sem aviso, entra aquele piano: aquele falso Beethoven, que faz todo mundo parar com sua cascata de notas, num sobe e desce vigoroso da escala musical, breve, mas impactante o suficiente para sua espinha gelar quando Gloria Gaynor solta aquele primeiro verso icônico: “First I was afraid, I was pretrified…”. Sim, seu cérebro já conhece, sua língua já cantarola, seu corpo já pede: é “I will survive” – e a festa fica melhor ainda…

Ah, nunca experimentou essa sensação? Bem, deixe-me tentar com outra música… Uma cuja introdução também tem um piano (humm… será que vejo uma conexão aí?), também trazendo uma cascata de notas, mas dessa vez acompanhado por um corinho tipo “ú-hu-hú”, que desemboca, não num primeiro verso, mas já direto no refrão, que suplica: “You can dance, you can jive, having the time of you life…”. Lembrou? Sim, é “Dancing queen”, do Abba, aquela música que enche a pista de qualquer festa – amigo secreto da repartição, convenção de vendas, casamentos, bailes da saudade (para não falar em “noites do flashback”!), bar mitzvahs e até batizados!

Você já vai entender porque separei esses dois momentos para abrir a discussão de hoje (aliás, por falar em discussão, não foi ótimo o jogo de idéias nos comentários do post anterior? Parafraseando os Mulheres Negras, “blog serve pra isso”!). Mas antes, vou prosseguir no tema que me propus contando que ontem fui assistir, no Rio, o show de Rufus Wainwright. Quem?

Bem, resumindo drasticamente, Rufus é uma das vozes mais especiais – e poderosas – que o pop tem hoje. E olha que eu não estou nem entrando em seu repertório… Talvez você não tenha ouvido falar dele porque suas canções são carregadas de um elemento que as FMs hoje em dia tendem a rejeitar – que é justamente a melodia. Assim, não toca mesmo. Aliás, não toca no Brasil e não toca lá fora (ah, nada como estar alinhado com o primeiro mundo!). Rufus é um artista, digamos, alternativo – mas não esse “alternativo” que passa um lápis no olho e canta músicas pesadas fingindo que está com o coração partido (preciso dar nomes?). Rufus pode ser considerado “alternativo” porque faz uma música que desafia classificações: parte cabaré, parte pop, parte balada, parte rock, parte folk – parte até (pasme!) música de câmara. Ah, tem mais um detalhe que talvez (talvez!) seja importante: Rufus é assumidamente gay.

Vai parar de ler o texto? Por quê? Se você não sai da pista – ou, talvez, pelo contrário, se você até entra nela – quando tocam “I will survive” ou “Dancing queen” (entendeu porque eu comecei o texto assim hoje?), qual é o problema de discutir um assunto como esse? Quem sabe você não manda um comentário interessante (mais uma vez, seu ponto de vista na linha “adolescente reprimido” pode ficar de fora…) e abre um pouco mais a argumentação de hoje? Estás a fim? Então, em frente!

rufus-piano-blog.jpgO show de Rufus foi extremamente inspirador (se você puder, tente assisti-lo em São Paulo amanhã, ou em Belo Horizonte no domingo, ou terça que vem em Brasília) – talvez até mais do que o último que assisti dele, no ano passado, em Paris (mais sobre essa performance, daqui a pouco). E não pelo simples fato de ele ser gay – e brincar com isso o tempo todo no palco –, mas porque durante duas horas intensas (sem contar a abertura, que ficou a cargo da sua irmã, a ótima Martha Wainwright), o que o público viu foi uma apaixonada celebração do poder da música.

Seu repertório – quase todo original – é bastante eclético. Mas das canções mais diferentes – algumas, ele mesmo brincava que tinham um “sabor brasileiro” – às mais convencionais, Rufus imprime sempre uma marca inconfundível, que é a da sua voz. Para compreender o potência desse instrumento, recomendo que você não baixe nada às pressas agora na internet. Nem mesmo o que está disponível do artista no myspace é digno de uma caixa de som de computador. Só mesmo bem amplificada – ou então – ao vivo, a voz de Rufus revela sua capacidade… transportadora (para onde ela te leva… bem, isso é com a sua memória). E se você precisar de uma lista introdutória, eu sugiro “Sanssouci”, “Gay messiah”, “The art teacher”, “Going to a town”, “Ciagerettes & chocolate milk” e – minha favorita de todos os seus discos – “Little sister”.

A voz, as melodias, as canções, as letras, a performance – digna de um verdadeiro “entertainer”, na linha Frank Sinatra. Com tudo isso, será realmente relevante o fato de ele ser gay? Será que isso faz da sua arte algo maior ou menor? Essa inquietação está na minha cabeça há algum tempo, desde que li um artigo da sempre brilhante Miranda Sawyer num número especial da revista de música do jornal inglês “The Observer”, dedicado à música gay . Essa edição é de novembro de 2006 e, como você pode imaginar, trouxe um pouco de tudo: de Elton John conversando com Jake Shears (do Scissor Sister); uma lista dos 20 momentos mais gays da história do pop (os Beatles, é curioso assinalar, está no item 5); e mais um monte de entrevistas e perfis com artistas que vão de Boy George a Beth Ditto (The Gossip).

Toda a revista é divertida – como um número especial sobre qualquer aspecto do universo gay tende a ser. Mas focando no texto de Miranda Sawyer, entre tantos pontos de vista interessantes, ela conclui a certa altura : “você não precisa ser gay para fazer música pop, mas ajuda”. E mais: ela questiona ainda – e foi isso que provocou minha inquietação – os tempos em que vivemos. “Cada vez mais, hoje em dia, o pop tem seus reguladores autodenominados, do iTunes à revista ‘Uncut’, que querem cercar a música e rotulá-la. E suas categorias têm fórmulas escritas na pedra. Eles dizem que se você é homem, gay, e do mundo pop, você tem que ser ‘flamboyant’ ou torturado: Freddie Mercury ou Morrissey”, escreve ela.

Ora… (pausa estratégica para você recuperar seu fôlego)

O pensamento de Miranda prossegue, de maneira ainda mais brilhante. Mas quando li isso (e já faz um bom tempo), fui imediatamente provocado pela menção de Freddie Mercury e Morrisey: um incontestável ídolo do pop dos anos 70 (esbarrando nos 80), e outro o mártir do rock alternativo da década seguinte – dois períodos em que minha própria sobrevivência dependia da existência de música no mundo! Mesmo consumindo intensamente as canções desses dois artistas – e suas respectivas bandas, claro, o Queen e The Smiths – raras eram as alusões às orientações sexuais desses artistas. Elas surgiam de vez em quando, claro – eram às vezes sussurradas entre fãs (naquele tempo não existiam fóruns, nem comunidades na internet para esse fim!), mas não era isso que definia esses artistas.

Suas músicas eram consumidas pelas massas simplesmente porque eram… boas! Me lembro de ter ido ao estádio do Morumbi, em 1981, quando o Queen passou pela primeira vez pelo Brasil. Lotado… De gays? Claro que não! DJs obscuros, os mesmos que nos apresentavam, nos seus programas de rádios em horários para lá de alternativos, “raridades” como Siouxie & the Banshees, Echo & the Bunnymen, Gene Loves Jezebel, celebravam cada faixa dos Smiths como se fossem novas tábuas de mandamentos divinos – ainda que algumas proclamassem coisas como “I wan’t the one I can’t have” (“eu quero aquele que eu não posso ter”) ou trouxessem odes explícitas a um certo “homem charmoso” (“This charming man”)… Todos os DJs – e seus ouvintes – gays? Mais uma vez, claro que não!

Às vezes alguém reclama aqui – talvez com certa propriedade – que eu tenho uma certa fixação com os anos 80. Mas o que eu posso fazer se esses foram meus grandes anos de formação pop? Assim, perdão por – como já fiz antes evocar essa década como um marco de anti-caretice, quando as ditas tribos se misturavam mais, e as pessoas se preocupavam menos em rotular as coisas. E só para você não achar que The Smiths era um “caso isolado”, já ouviu o disco de estréia do Depeche Mode, “Speak & Spell”? Lembra de uma música chamada “What’s your name”? Ah… então vá fazer a lição de casa…

Retomando Miranda Sawyer, hoje as coisas no pop estão tão segmentadas que, de certa maneira (e sei que vou comprar briga com isso), as escolhas musicais estão mais pobres. Eu sei, é uma espécie de paradoxo: justamente quando hoje é possível celebrar a liberdade de um artista ser o que é – porque, aparentemente vivemos tempos menos caretas – os tais “reguladores” que Sawyer destacou parecem fechar os mercados e os públicos para artistas fenomenais. Músicos como o próprio Rufus, bandas com o Gossip, o Scissor Sisters – todos com capacidade para entreter platéias gigantescas em estádios, mas que acabam limitados a show bem menores, para uma audiência “de nicho”.

Pode parecer que eu estou sendo um pouco radical, mas faça você mesmo o teste: você não consegue imaginar uma turma escolhendo um show para ir, aí eles vêem um anúncio do show do Rufus – e, de repente, alguém fala: “ué, mas esse cara não é gay?”, e imediatamente outro responde, “hi… só vai ter gay nesse show”… E pronto: lá se foram mais alguns fãs em potencial de um artista maravilhoso que merecia ser descoberto por multidões.

É óbvio que o público de ontem na Sala Cecília Meirelles, na Lapa, não era maciçamente gay – como não será o de amanhã em São Paulo, nem nos outros shows de Rufus pelo mundo (nem do Gossip, nem do Scissor Sisters, nem… nem de Madonna!). Mas essa (não tão infreqüente assim) rotulação “pequena”, que é – ironicamente – um subproduto da própria liberdade que esses artistas conquistaram, infelizmente, eu temo, colabora para afastá-los de muita gente.

Sem me estender demais (eu sei, eu sei!), é essa lógica que me ajuda a explicar, por exemplo, por que Mika não vendeu 10, 20 milhões de cópias de uma obra-prima como “Life in cartoon motion” – o disco que escolhi (e ainda sustento minha escolha) como o melhor de 2007. E eu tenho certeza de que, através dos comentários, você vai me dar outros exemplos de injustiças assim. E ainda: vai me ajudar a entender por que alguém que delira numa festa com “Dancing queen” (lembra da letra: “feel the beat from tambourine” – “sinta a batida do pandeiro”!), tem uma certa resistência a experimentar o som de um artista rotulado oficialmente como “gay” (e muitas vezes embalado pela própria indústria do show biz para este mercado).

rufus-de-robe-blog.jpgSó posso lamentar que as pessoas que têm essa… chamemos de “travação”, deixem de aproveitar momentos como os que Rufus Wainwright (e tantos outros) oferece(m) no palco. Essa curta turnê pelo Brasil é modesta (ele se apresenta apenas com piano e violão, ambos tocados só por ele) – e nem por isso menos recomendada! Mas só para não ficar devendo o comentário, vou falar rapidamente do tal show de Paris, que era com uma banda completa – e uma festa! Só para dar uma idéia, vamos rever o bis, quando ele volta ao palco, como que pego desprevenido, vestido num robe atoalhado. Em tom de conversa, ele pede desculpas e começa a falar um texto à toa, apenas para distrair a platéia do fato de que ele está passando um batom vermelho na boca e vestindo um sapato de salto alto… Quando você percebe, ele já está no fundo do palco, tirando o robe e, por baixo, está uma modelito clássico de… Judy Garland! E aí ele começa a cantar “C’mon get happy” – e o teatro vem abaixo…

Seria essa apoteose muito diferente daquela que Ivete provocou no seu show histórico no Maracanã? Quando Rufus tira uma lágrima de alguém na platéia cantando “The art teacher” – ou mesmo um sorriso com “Sanssouci” – é muito diferente do que faz Maria Rita ou Marisa Monte nos seus shows? Você mesmo – você mesma – prefere saber da vida sexual de um artista antes de conhecer seu trabalho?

Minha modesta conclusão é que esses rótulos estão aí para confundir – e tudo que está aí para confundir, é melhor a gente dispensar. Assim, se você ainda precisar de uma resposta para a pergunta que eu coloquei no título do post de hoje, não precisa nem procurar muito longe: ela está no próprio cacófato.

A primeira foto mostra Rufus Wainwright em show realizado na quarta-feira (7), no Rio de Janeiro. Crédito: Ag News. A segunda imagem é do show em Paris. Crédito: Zeca Camargo/Arquivo Pessoal

Admita: você também adora odiar uma celebridade

seg, 05/05/08
por Zeca Camargo |
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Responda rápido: você tem dois DVDs na sua frente, um com uma entrevista de Ronaldo “Fenômeno” explicando a sua participação no incidente recente em que se envolveu com travestis, e outro com uma entrevista do próprio travesti que foi o pivô da confusão, Andréia Albertini sobre o mesmo assunto. Qual você assiste primeiro?

Não precisa dar a resposta em voz alta. Aliás, quer mais tempo para pensar? Então me acompanhe a um tempo não muito distante, uma época em que as celebridades eram adoradas e, de fato, idolatradas, quando carisma e – eventualmente – talento eram suficientes para despertar a devoção de milhares de fãs, e os escândalos, quando apareciam, eram capazes apenas de arranhar a atração que elas exerciam sobre uma legião de admiradores. Era uma vez em Hollywood…

diana_zeca.jpgTenho pensado nisso desde que li, em julho do ano passado, um artigo excelente no suplemento de cultura do jornal “The New York Times” – o “Arts & Leisure” – sobre Britney Spears. Se estiver a fim de encarar o original, este é o link – mas, para a gente seguir na discussão, aqui vai um resumo: foi-se o tempo em que a imagem de uma celebridade era algo preservado a qualquer custo, quase sagrada, intocável; na era da internet, qualquer foto de paparazzi, qualquer registro de imagem num celular, qualquer instantâneo roubado de alguém notório está sujeito a uma observação minuciosa – passará, sem dúvida pelo escrutínio de impiedosos “comentaristas de famosos” (que espécie de ocupação é essa?), com um pouco de sorte sobreviverá aos ataques maldosos, e, indubitavelmente fará a alegria de milhares (milhões, quem sabe?) de espectadores, ouvintes, leitores, internautas.

O título do artigo já resumia bem a questão: “Pessoas bonitas: quanto mais feias, melhor” (“The beautiful people, the uglier the better”, no original). Sua autora, Virginia Heffernan, foi muito clara ao expor o fascínio que o público de hoje – eu e você, inclusive – tem em ver uma celebridade em cenas e situações que, digamos, não descrevem exatamente seus melhores momentos. Vai discordar? Então consulte sua memória – e não precisa nem ser os arquivos “internacionais”…

Está lembrado de alguma musa da televisão fotografada recentemente sem calcinha? Não se recorda de nenhum cantor famoso envolvido com o tráfico de drogas? Quem sabe um ator de novelas com problemas de cocaína? Uma separação escandalosa? Ou ainda, uma troca de namorados entre duas modelos da hora? Um marido de uma diva que destruiu um quarto de motel, serve? Isso, claro, é apenas uma pequena amostra – mas se mesmo assim sua memória anda ruim, basta lembrar do tal assunto que abre este post, aquele que você certamente comentou numa roda de amigos na semana passada: o “affair” que envolveu o brasileiro mais famoso do mundo, Ronaldo, e três travestis.

Será que você se recorda dos comentários que fez sobre a polêmica? Defendeu a celebridade? Ou deu aos travestis o benefício da dúvida? Comentou apenas discretamente, na linha “melhor ficar quieto, pois poderia ter acontecido comigo”? Ou escrachou e repetiu pela milésima vez aquela piada que envolvia a volta de Ronaldo aos treinos (e mais algumas “bolas”)? De qualquer maneira, tenho certeza de que você se lembra de ter entrado numa discussão dessas. E é disso que eu estou falando…

É engraçado como existe, cada vez mais, uma relação entre a idolatria às celebridades e a ridicularização das mesmas. Culpa da mídia, dirão logos os mais cínicos – mas a explicação não é tão simples assim. As dezenas de revistas de fofocas que inundam as bancas sobrevivem, basicamente, desse tipo de informação… mas quem é que garante suas tiragens? Claro, o público que as consome. O mesmo vale para outros tantos programas de TV, aberta e a cabo, que, quando conseguem alguma audiência, é reciclando um escândalo como esse recente que envolveu Ronaldo. Se fizer uma piadinha em cima da pessoa famosa – não importa o quanto abusada ou desrespeitosa ela for; melhor ainda – se bem que o próprio público já dá sinais de cansaço dessa fórmula de humor que se repete sem novidades… Blogs, sites de humor, colunistas da internet, vídeos virais – tudo isso, com a velocidade maluca com que consumimos mídia hoje em dia, só contribui para nos colocar nesse torvelinho catatônico de fascinação e escárnio. E quem sai ganhando?

Certamente não a celebridade. E acho que nem o público. Aliás, como sempre – e especialmente sobre esse tema –, gostaria de ouvir sua opinião. Eu tenho a impressão de que, por trás da risada fácil, do comentário maldoso, inconseqüente, há um invisível prejuízo a um imaginário que fica cada vez mais pobre. Não estou pregando aqui uma volta aos tempos áureos de Hollywood – ou mesmo da era de ouro da televisão brasileira, quando os atores e atrizes pareciam realmente morar no Olimpo, sem precisar fazer presença em eventos de lançamento de relógio para ganhar cachê… Escondido em algum canto das minhas mais improváveis fantasias, está o alívio de saber que as estrelas também têm vidas – ou, no mínimo, sentimentos – bastante ordinárias. Mas o que eu defendo é um equilíbrio de forças, onde a… digamos… “humanização” dessa celebridade sirva para aproximá-la do grande público, e não apenas como um trampolim para o aniquilação dela.

De certa maneira, isso é o que acontece nos Estados Unidos, onde sempre existiu a cultura da “segunda chance” – alguém que teve sua reputação destruída, pode dar a volta por cima e conseguir uma fama ainda maior. Pense em Tina Turner. Pense em John Travolta. Pense em Mariah Carey – e em tantos outros que estão na fila esperando essa transformação acontecer com eles (Tom Cruise, Wynona Ryder, Ben Affleck etc). Ao mesmo tempo que vampirizam suas celebridades, os americanos torcem para elas se darem bem num futuro próximo – afinal, lá é a “terra das oportunidades”, e todo mundo pode ter a mesma chance.

Já no Brasil, esse ciclo ainda não fecha. Talvez porque as diferenças sociais por aqui sejam ainda tão grandes (você também festejou nosso novo título de “grau de investimento”? sobrou champanhe?), a relação com a fama (que, ainda mais na nossa cultura, se traduz quase que automaticamente por dinheiro) é um pouco mais perniciosa. Basta ser famoso para surgir logo uma enorme torcida contra (estou me segurando para não citar a famosa frase de Tom, Jobim…). E na presença de um escândalo envolvendo gente famosa – mesmo ídolos – a primeira reação popular é algo na linha: “A-há! Sabia que um dia ele (ela) ainda iria se ferrar”…

Estou exagerando? Será mesmo? Na estréia deste blog, nos idos de setembro de 2006, provoquei você pela primeira vez com uma entrevista (que não existia) da Daniela Cicarelli depois que aquele vídeo dela transando na praia caiu na rede (nesta rede!). A resposta veio em 585 comentários (até hoje), numa cacofonia de prós e contras à minha proposta de brincadeira que, no fundo, traduzia a morbidez com que assuntos assim são tratados no Brasil. Falsos puritanos, safadinhas de plantão, machistas vigilantes, adolescentes reprimidos (para ser elegante…), teóricos da comunicação, fãs supostamente traídos – todos estavam lá opinando e contribuindo para a fogueira crepitante das vaidades dos famosos. Ao fundo, era possível até ouvir aquela caricata risada de bruxa…

Por uma bizarra coincidência, quem passa por isso agora – ainda que num outro tipo de escândalo – é o ex-marido de Cicarelli, Ronaldo. O “circo” é o mesmo, e instala seu picadeiro até com uma leve sensação de “dejá vu”. Mas o respeitável público compra mais uma vez o ingresso para esse “caloroso espetáculo” – com o perdão de Rita Lee… O show, como sempre, deve continuar – mas dessa vez, sem o meu aplauso… Chega…

E aí? Já escolheu qual o DVD que você vai ver primeiro?

(Em tempo: falei que iria escrever hoje sobre os livros de Zuenir Ventura… quem dera eu pudesse passar por eles em um período tão curto quanto uma semana – vou levar mais alguns dias para refletir sobre tudo aquilo, espero que você compreenda…)

Foto deste post feita por Alison Jackson, fotógrafa britânica especializada em imagens de sósias de famosos (neste caso, a da Princesa Diana) em poses comprometedoras – imaginadas pela própria Alison



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