OK, Oscar
São 23h09 desta noite de domingo, e o Oscar para direção de arte está sendo apresentado por Cate Blanchett – e “Sweeney Todd” acaba de ganhar. Não, eu não acompanhei desde o início porque eu estava trabalhando – talvez você saiba, mas eu fico meio ocupado nas noites de domingo, mais ou menos até as 23h. Mas foi o tempo de trocar de roupa e pegar um táxi, e já estava diante da TV para ver a “grande” premiação deste ano – aquela que quase não aconteceu por causa da greve dos roteiristas de Hollywood; aquela que comemoraria os 80 anos da estatueta; aquela que seria mais curta e mais ágil; aquela que prometia inclusive ser mais disputada – um verdadeiro embate entre dois grades filmes (“Sangue negro” e “Onde os fracos não tem vez”) e um azarão (“Juno”).
Como você há de concordar, muita coisa estava em jogo – e eu achei que seria divertido escrever este post “em tempo real”, enquanto eu assistia a cerimônia. Talvez, assim como a trasmissão, ele fique um pouco longo – mas eu prometo fazer o possível para ser mais divertido… Se você não agüentou ver tudo – ou mesmo um pedacinho – aqui vai, então, a minha versão dos fatos:
23h17 – Javier Bardem, já livre daquele corte de cabelo que o deixava a cara do Beiçola (de “A grande família”), ganha o prêmio de melhor ator coadjuvante. Era a primeira categoria a que eu assistia e já tinha dado sorte, pois ganhou o cara para quem eu torcia. Menos por causa por filme (daqui a pouco explico – vamos ver se o que a Academia ainda guarda para a “obra” dos irmãos Coen), mas mais por causa dele – de quem sou fã desde “Carne trêmula”. Seu discurso de agradecimento foi daqueles que vai ser usado nas festas vindouras – engraçado, emocionado (afinal, dedicou, como um bom espanhol, para sua mãe, que estava lá!), e, aos olhos dos americanos, “super-exótico”: em espanhol! Bom começo (começo, claro, para mim – já que o Oscar já estava em curso há um bom tempo…)
23h24 – Ôba! Perdi a apresentação da primeira música que concorria à estatueta nessa categoria! Essa era a boa notícia – a má era que eu ainda teria de suportar outras quatro indicadas, como essa, do filme “August rush”. Achei que seria melhor comer minha pizza, que estava esfriando – e não me arrependi…
23h29 – O “Mozart dos batedores de carteira” (tradução literal do título em inglês) ganha o Oscar de melhor curta-metragem (categoria onde, curiosamente, todos os indicados pareciam ser de origem não-americana). E na seqüência, uma versão de “Pedro e o lobo” levou o prêmio de curta de animação. Pela primeira vez, a frustração de todo ano – de saber que nós, o público comum, nunca vai poder ver esses filmes – foi aliviada pela simples lembrança de que não vai demorar muito para esses trabalhos (não só os premiados, mas também os indicados) chegarem ao YouTube.
23h34 – Será que estou realmente dando sorte? Outro candidato meu – no caso, uma candidata – ganha o Oscar de melhor atriz coadjuvante: Tilda Swinton, por “Conduta de risco”. Eu torcia por ela, simplesmente porque seria uma premiação mais alternativa. Dos indicados da noite, ela era provavelmente a mais fora do circuito de Hollywood (Diablo Cody não conta, pois ela já foi “engolida pelo sistema”!). Portanto – bravo! (Você pode cinicamente estar pensando que, alternativo por alternativo, Cate Blanchett fazendo Bob Dylan, merecia mais que Tilda… pense novamente). Em seguida, mais um prêmio para “Onde os fracos não tem vez” – que já está com cara de que vai ganhar tudo. Os irmãos Coen levam o Oscar de melhor roteiro adaptado. Mau sinal, especialmente pela performance blasé dos irmãos no agradecimento: diz que deram sorte, porque até hoje só adaptaram clássicos, Homero e Cormac McCarthy. Hummmm….
23h49 – Entra um daqueles vídeos para explicar como a votação acontece – algo que eu tenho a impressão de que eles fazem todo ano, mas que ninguém nunca parece entender (já que eles sempre repetem a explicação). A versão de 2008 não era muito mais clara – aquela coisa de sempre, membros votando, auditores conferindo… A única coisa legal que eu registrei foi aquela carteirinha que os membros da Academia apresentam nas bilheterias de cinema para assistir aos filmes de graça. Já pensou ter uma daquelas? Jon Stewart – o anfitrião da noite (que parece ligeiramente inibido no seu humor geralmente mais cáustico) completa com uma piada sobre as votações americanas e seus super-delegados… – a gente mal entende como isso funciona (muitos americanos também não), que graça podemos achar numa piada sobre isso?
23h52 – Terceira música, a segunda de “Encantada”. Tudo é tão mal encenado que parece um clipe de um Oscar antigo – não tenho certeza se do final dos anos 70 ou do começo dos 80 (ou quem sabe outra fenda no tempo). Lembro que a recém-terminada greve dos roteiristas quase causou graves danos à festa – e penso se devo usar mesmo a expressão “quase” nesse raciocínio. São tantos clipes de cenas antigas, que dá para desconfiar que, mesmo com gente escrevendo os roteiro às pressas, eles preferiram não jogar fora algumas “muletas” que estavam na gaveta.
00h00 – Enfim, a primeira piada engraçada (pelo menos a primeira a que eu assisti), cortesia de Jon Stewart. Lembrando que três atrizes presentes estão grávidas (Jessica Alba, Cate Blanchett e Nicole Kidman), ele apresenta as “concorrentes” e, brincando com o anúncio oficial do prêmio (“O Oscar vai para…”), anuncia: “E o bebê vai para… Angelina Jolie!”. Foi boa, vai…
00h03 – Agora comecei a me divertir: um dos melhores títulos do ano passado – injustiçado, talvez, por ser um filme de ação, começa a ganhar estatuetas. O excelente “O ultimato Bourne” leva por “efeitos sonoros” (cuja categoria em inglês parece mais com “edição de som” – “sound editing”). E, na dobradinha, ganha também por… “edição de som” (ou “sound mixing”, na categoria em inglês). Enquanto eu comemoro (realmente adorei esse filme!), eles soltam mais uma montagem de clipes – dessa vez com as antigas premiações para as melhor atrizes, e, mais uma vez, eu tenho a sensação de que aquilo tem cara de trabalho de universitário – ou melhor, como é possível conferir no YouTube, eu diria que tem um monte de trabalhos universitários bem melhores que essas colagens chinfrins!)
00h12 – Marion Cotillard ganha o Oscar de melhor atriz por “Piaf”. Uau! Me lembrei dos cínicos que na época da nomeação de Fernanda Montenegro por “Central do Brasil” não achavam que uma estrangeira tinha chances de levar alguma coisa nessa festa. Pois Marion levou – e ainda arrastou todo mundo com as suas lágrimas realmente emocionadas “Essa cidade é mesmo cheia de anjos”, dizia ela aos prantos, enquanto saía consolada pelo sempre imponente Forest Whitaker (recado para os irmãos Coen: nem sempre é legal querer se passar por “cool” numa noite como essa). Pensamento rápido: dois prêmios de atuação, dois não-americanos levaram a estatueta. Será que a Academia está mandando um recado?
00h19 – Collin Farrel (injustiçado, pois merecia pelo menos uma indicação pela ótima atuação no novo filme de Woody Allen), chama outra canção: do filme “Once”, “Falling Slowly”. Ai ai… será que os roteiristas não têm pena de quem assiste a alguns fusos horários na frente de Los Angeles – e com um pouco de sono?? Bem, poderia ser pior: eu poderia estar assistindo na Alemanha.
00h21 – Jack Nicholson bate seu ponto na festa (alguém é capaz de lembrar, rapidamente, de um ano recente em que ele não apareceu – de óculos escuros e sorriso meticulosamente estudado para parecer diabólico?). Era para lembrar, mais uma vez, que era o Oscar de número 80 – e, para isso, chamou um “superclipe” com cenas de todos os filmes ganhadores do últimos 79 anos (algo que você levanta numa rápida consulta na internet). Será que eles fazem isso só para a gente se sentir culpado de não ter visto tudo? Ou para lembrar os erros do passado (“Coração selvagem” – credo!)? Pelo menos serviu para eu conferir o filme que ganhou no ano em que eu nasci, 1963: “Tom Jones”. “Tom Jones”? Pela primeira vez na vida, desejei ter nascido um ano antes, mesmo que isso me fizesse ligeiramente mais velho: quem ganhou em 62 foi simplesmente “Lawrence das Arábias”! Isso sim…
00h28 – mais um prêmio para “O ultimato Bourne”, melhor montagem – viva! Será que fui só eu que fiquei curioso para saber como Renée Zellweger conseguia ler seu texto no “teleprompter” de olhos fechados?
00h30 – Jon Stewart chama Nicole Kidman com uma piada sobre o “site bíblia” dos cinéfilos, o imdb. E ela chama Robert Boyle, cenógrafo – perdão, “production designer” – para receber aquele Oscar honorário, tipo “conjunto da obra”. Discurso longo… de alguém não tão conhecido (mas pelo menos respeitado, já que o silêncio foi sepulcral no seu discurso). Para não aborrecer os telespectadores, os diretores de TV faziam malabarismos com o cortes de câmera – o que resultou em curiosas imagens para quem estava assistindo. Por exemplo, ao pegar o ângulo dos ombros de Boyle, deu para ver uma mulher, bem vestida, de pé no corredor lateral da platéia, carregando um livro pesado (ou seria uma pasta?). O que será que ela estava fazendo? Conferindo os lugares de quem ia ao banheiro? Quem disse que o Oscar não guarda seus mistérios, mesmo depois de 80 anos?
00h40 – Outra piada engraçada (já são duas!). Para chamar Penélope Cruz, Jon Stewart lembra que ela fala fluentemente quatro línguas, e há pouco, nos bastidores, o ensinou a dizer “Vou chamar os seguranças” nas quatro! Sutil, mas boa, vai… Ela, claro, foi apresentar o Oscar de melhor filme em língua estrangeira: “Counterfeiters”, austríaco – e já começa a torcida para que ele não demore um ano para chegar no Brasil, como aconteceu com o vencedor do ano passado, o alemão “A vida dos outros”. A cerimônia segue ampliando cada vez mais a sensação de que, mesmo com o fim da greve dos roteiristas, eles resolveram ir em frente com a versão mais simples da festa… Tudo está tão sem graça…
00h44 – Hora da última música indicada para o Oscar. A sensação é que este ano eles selecionaram 20 músicas para o páreo – e 17 são do filme “Encantada”. Essa é cantada por um genérico do galã de “High school musical”… Para piorar um pouco as coisas, John Travolta entra dançando no final do número – e a lembrança de que seu bom musical, “Hairspray”, não emplacou nenhuma canção é ainda mais constrangedora… Ele então anuncia a vencedora – a música do filme “Once” – e eu tinha certeza de que ninguém da platéia se lembrava de como ela era (aliás, eu tinha certeza de que ninguém da platéia se lembrava de como era nenhuma das indicadas!).
00h54 – Durante um intervalo comercial (eu assistia, nesse momento, pela TNT), o momento mais excitante da noite até agora: um trailer da versão do seriado de TV “Agente 86″ para as grandes telas! Enfim, uma razão para a gente continuar indo ao cinema!!!
00h56 – Isso é que é quebra de protocolo… cortada pela orquestra (que sempre me lembra o “soup nazi” daquele episódio do “Seinfeld”), a parceira do cara que compôs o tema de “Once” volta para seus agradecimentos – e manda bem! Jon Stewart, que pediu desculpas à moça, ainda arremata com uma boa gracinha: ele tinha visto uma cena dessa menina e seu parceiro brincando com as estatuetas nos bastidores: ele queria que os Oscars se beijassem, e ela dizia, “mas são dois homens”; ele então concluía… “isso é Hollywood”. Considerando o adiantado da hora, acho que essa pode ser classificada como a terceira piada boa da noite.
00h59 – Melhor fotografia para “Sangue negro”, anunciado por Cameron Diaz – que não estava fotografando particularmente bem. O vencedor agradece a todos do filme, mas na hora de mencionar Daniel Day-Lewis… Ele não está em seu lugar… Teria ido ao banheiro? Onde está a mulher chique com aquele livro pesado??
01h00 – Hillary Swank – essa sim, que fotografia! – chama o vídeo de tributo aos que “não estão mais aqui” – não peguei o eufemismo que ela usou, mas foi algo assim. Adivinha com quem a homenagem terminou… falou Heath Ledger? Acertou!
01h08 – Num pequeno gesto de boicote, praticamente ignorei a categoria de melhor trilha sonora original (vencida por “Desejo e reparação”). Afinal, como não desprezar um prêmio que esnobou a música que Jonny Greenwood fez para “Sangue negro”? Esse filme, claro, merecerá, em breve (quem sabe quinta-feira?) um post exclusivo, mas quero só assinalar que é obrigação nossa, como seres pensantes, venerar qualquer coisa que venha do Radiohead – ou de um de seus membros. A Academia não seguiu essa regra – eu ignorei esse Oscar.
01h12 – Finalmente um momento original: soldados americanos, apresentavam, direto do Iraque, os indicados ao prêmio de melhor documentário de curta-metragem. A idéia é realmente boa (o único porém é que eles foram anunciados por Tom Hanks) – e só posso imaginar o medo que os produtores do evento estavam de surgir algum protesto, ao vivo, para um público de um bilhão de pessoas! Eles estavam até com um envelope secreto na mão, igual aos que as estrelas abrima no palco – será que um auditor daqueles que apareciam no vídeo sobre o mecanismo da votação também foi até o Iraque? Bem, o prêmio foi para um trabalho chamado “Freeheld”. Curiosamente, porém, o ganhador do melhor documentário de longa-metragem não foi anunciado pelos soldados, mas por Tom Hanks – e foi, claro, um trabalho sobre guerra (no caso, a do Afeganistão), “Taxi to the dark side”.
01h24 – Harrison Ford – certamente incluído no elenco de apresentadores para promover o novo “Indiana Jones” – chama o prêmio de melhor roteiro, aquele em que a Academia finge que é alternativa e, condescendentemente, dá o Oscar para um filme “pequeno” (lembra de “Pequena Miss Sunshine” no ano passado?). Não deu outra: venceu “Juno”. Mesmo sem saber o que fazer direito com a fenda do seu vestido de oncinha (este Diablo não estava vestindo Prada!), que não se comportava diante de seu andar deselegante imitando adolescente, Cody deu um mini-show em seu agradecimento. Mais uma que estava realmente emocionada (será que os irmãos Coen entenderam como é?). Foi ótimo! Duvida? Então responda: qual foi a última vez que você viu uma tatuagem no palco do Oscar?
01h27 – Num momento finalmente surpreendente, entre tantos clipes antigos, Bette Davis aparece anunciando o Oscar de melhor ator para Marlon Brando (faz tempo…), reaparece com a roupa mais surreal de todas cerimônias – Cher e Björk incluídas! Essa sim, vinha do espaço sideral! De volta à Terra, Helen Mirren graciosamente entregava a merecida estatueta a Daniel Day-Lewis (por “Sangue negro”), que, graciosamente também, a agradeceu ajoelhando aos pés da diva. Eu ainda daria um Oscar extra para o smoking que ele usava – o cara mais bem vestido da noite, disparado… mesmo descontando os brincos.
01h40 – Depois de mais um vídeo mal editado, Martin Scorsese entra pra anunciar o melhor diretor… sim… são eles, os Coen. Previsivelmente também, fizeram seu discurso esnobe/engraçadinho para agradecer a honra. Joel disse até que era grato à indústria cinematográfica por permitir que eles continuem brincando no seu quadrado de areia como crianças… Bem, já está tarde… vou evitar comentários…
01h45 – Denzel Washington quase rouba a faixa de apresentador mais elegante de Daniel Day-Lewis. Chegou arrasando para anunciar o melhor filme do ano – mais uma vez, claro, “Onde os fracos não têm vez”. Acho que agora, sim, posso expressar todo meu desprezo por esse trabalho (salvo, claro, pela performance de Javier Bardem). E, para isso, vou reproduzir aqui na íntegra, um parágrafo da revista “Esquire”, que, no seu número deste mês, deu “Oscars alternativos” – entre eles, esse para os irmãos Coen:
“Melhor filme com um final pseudo-filosófico imbecil: ‘Onde os fracos não têm vez’.
Um ótimo filme, sem dúvida – mas enquanto a deliberadamente não-resolvida e abruptamente profunda conclusão é ousada e firmemente fiel ao livro de Cormac McCarthy, ela simplesmente não funciona na tela. Não porque nós somos todos crianças patéticas que precisam de um clímax com ação explosiva, e não podemos engolir ambigüidades. Mas sim porque McCarthy permeia as divagações do xerife Ed Tom Bell por todo o livro, enquanto que os irmãos Coen, que estão claramente mais interessados nas peripécias de recuperar uma maleta de dinheiro de drogas de uma saída de ar de um quarto de hotel do que em rabugentos monólogos interiores, acabaram confeccionando um thriller brutalmente linear que estabelece um pulso acelerado por quase duas horas, antes de finalmente soltar uma ‘Ave Maria’ para a questão da profundidade.”
Pelo menos, num toque fofo da noite, o produtor Scott Rudin, que ganhou a estatueta, agradeceu – depois de mencionar meio mundo – o seu companheiro. Como disse Jon Stewart naquela piadinha sobre as duas estatuetas do Oscar se beijando, “isto é Hollywood”!
01h47 – Final da transmissão – e deste post também… sono, sono, sono…